MARGINALIDADE CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA: UMA ANÁLISE DO DESLOCAMENTO DISCURSIVO E SUAS TENSÕES

MARGINALIDADE CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA: UMA ANÁLISE DO DESLOCAMENTO DISCURSIVO E SUAS TENSÕES

Cleber José De Oliveira (CV)
Rogério Silva Pereira
(CV)
Universidade Federal da Grande Dourados

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1.3 - O rap na contemporaneidade: problemáticas do gênero

Para desencadear a discussão sobre o rap, como este sendo um gênero contemporâneo, seguimos na esteira do pensamento de Bakhtin (2002), que aponta os gêneros como sendo formas discursivas relativamente estáveis, ou seja, são configurações discursivas que sofrem influências de seu tempo implicando em mudanças nos contextos histórico, discursivo e social. Desse modo, deve-se entender que se há mudanças nas relações sociais essas mudanças alteram os gêneros discursivos.
Assim, a escolha do gênero determina a forma de ver a realidade. Nesse sentido, trazendo a discussão para o gênero rap, este seria a forma escolhida pelo MC para retratar a realidade que o cerca. A partir disso, pode-se dizer, preliminarmente, que, como gênero, o rap é fruto das relações sociais de exclusão que se dão na contemporaneidade. O rap como discurso também pode ser entendido ainda sob a ótica bakhtiniana, no sentido de que os sujeitos produtores desse gênero não são assujeitados todo o tempo às condições sócio-históricas e às posições que ocupam dentro de determinadas conjunturas (Cf. BAKHTIN, 2003). Pelo contrário, o discurso do rap se mostra como sendo um discurso de sujeitos conscientes e que usam uma linguagem própria como “revide” para romper a exclusão que o poder hegemônico lhes impõe.
Esse mesmo discurso pode também ser analisado sob a ótica Foucaultiana (2010). Esta pode ser aplicada se consideramos que no discurso do rap,está inseridouma postura de confronto, uma espécie de contra-discurso, que geralmente é direcionado aos aparelhos controladores e produtores de ideologias de exclusão, racistas e discriminatórias como afirma Michel Foucault em A ordem do discurso, diz ele:

 

[...] em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que tem por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade.

E continua:

Em uma sociedade como a nossa, conhecemos, é certo, procedimentos de exclusão. O mais evidente, o mais familiar também, é a interdição. Sabe-se bem que não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim, não pode falar de qualquer coisa (FOUCAULT, 2010, p. 8-9).

 

Foucault aponta que a produção do discurso sempre foi controlada e vigiada pelos aparelhos criados pelo Estado, possivelmente, devido ao poder de mobilização que este pode exercer sobre o contexto social. O que pode ser visto também, é o reconhecimento, de um dos intelectuais mais influentes do século XX, de que não pode falar tudo aquilo que queria e deveria falar. Entende-se daí que o controle do discurso social é de extrema importância para manter o poder estabelecido e é justamente ai que o discurso do rap surge como subversivo, pois tenta escapar desse controle e rasurar o discurso hegemônico.
Assim sendo, o rap se torna, na contemporaneidade, a voz audível daqueles que por muito tempo foram cerceados do poder de falar pelos aparelhos de repressão discursivos do Estado. Desse modo, o discurso do rap é o de indivíduos que até então sofreram exclusão  e agora se apresentam  como sujeitos participantes de um movimento que busca a sua própria subjetividade, a subjetividade do gueto, da sua comunidade, uma subjetividade compartilhada (Cf. MUNANGA, 2006; ATHAYDE, 2005; SPIVAK, 2010).
 Sendo o rap um gênero reconhecidamente contemporâneonão é nenhum equívoco dizer que o rap desenvolve-se em meio à “sociedade do espetáculo” (Cf. DEBORD, 2003), onde o que é de interesse, o que serve para a manutenção do poder estabelecido é explicitado, e o que não é fica escamoteado. Assim sendo, o rap surge e se constrói para tornar visíveis as invisibilidades que a sociedade do espetáculo tenta esconder, ou seja, é a exposição pública da condição de exclusão de parte da população brasileira que, não raro, é negra e pobre pelo Estado.
O rap expõe ainda a singularidade da condição de vida de seus produtores. É fruto de um momento histórico marcado pelo embate entre a segregação racial e o movimento de luta pelos direitos civis dos negros, desencadeado a partir da década de 1960 na Jamaica e nos Estados Unidos. Logo depois foi disseminado para vários países que assimilaram o rap ao seu modo e o produziram a partir de suas singularidades. Sobre isso, José Carlos Gomes da Silva (1999), menciona que o rap brasileiro realiza uma crítica ao mito da democracia racial, denuncia o racismo e a marginalização da população negra e procura re-elaborar a identidade negra de forma positiva. Desse modo, o rap é visto, pelo poder hegemônico, como uma espécie de fruto social indesejado; e como forma de resistência e revide pelos seus produtores.