MARGINALIDADE CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA: UMA ANÁLISE DO DESLOCAMENTO DISCURSIVO E SUAS TENSÕES

MARGINALIDADE CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA: UMA ANÁLISE DO DESLOCAMENTO DISCURSIVO E SUAS TENSÕES

Cleber José De Oliveira (CV)
Rogério Silva Pereira
(CV)
Universidade Federal da Grande Dourados

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3.2 – Qual o papel do intelectual hoje?

Não há como pensar no papel a ser exercido, atualmente, pelo intelectual, sem levar em conta a forma mais engajada de atuação. Em suas reflexões Sartre lança luz sobre como o intelectual-escritor  é visto na sociedade, e qual o seu papel central. Pondera ele: 

O escritor consome e não produz, mesmo que tenha decidido servir com os seus escritos aos interesses da comunidade, pois sua atividade é inútil: não é nada útil, e por vezes é até nocivo que a sociedade tome consciência de si mesma. Justamente, o útil se define nocontexto de uma sociedade constituída e em função de instituições,valores e fins já fixados. Se a sociedade se vê, e sobretudo se ela se vê vista, ocorre, por esse fato mesmo, a contestação dos valores estabelecidos do regime: o escritor lhe apresenta a sua imagem e a intima a assumi-la ou então a transformar-se. E de qualquer modo ela muda; perde o equilíbrio que a ignorância lhe proporcionava, oscila entre a vergonha e o cinismo, pratica a má-fé; assim, o escritor dá à sociedade uma consciência infeliz, e por isso se coloca em perpétuo antagonismo com as forças conservadoras, mantenedoras do equilíbrio que ele tende a romper (SARTRE, 2004, p. 65)

Sartre insiste no papel “inútil” e “nocivo” do escritor; este mostra a sociedade a si mesma como de fato ela é. Daí a consciência infeliz desta sociedade – que está no centro do trabalho do escritor. Este papel negativo do escritor como intelectual, continua sendo válido nos dias de hoje.
Cury, ao refletir sobre a possibilidade hoje de se intervir na esfera pública como fazia Sartre, aponta:

O filósofo [Sartre] com o megafone nas mãos representa imageticamente o intelectual moderno, mas, ao mesmo tempo, seu estertor uma vez que a retração progressiva da esfera pública vai tornando cada vez menos audível essa voz e menos atuante sua forma clássica de intervenção[...] o fato é que o intelectual contemporâneo vê suas possibilidades de intervenção desvalorizadas, diminuídas num contexto em que a indústria cultural vai borrar as diferenças entre intelectuais, conhecimento e espaço público (CURY, 2008, p. 21-3).        

Cabe aqui expor a indagação feita por Silviano Santiago no texto “O papel do intelectual hoje” (2004). Questiona ele se diante do momento histórico atual o intelectual, escritor de literatura, “ainda conseguiria ecoar sua voz em praça pública para se transformar em um intelectual público” (SANTIAGO, 2004, p.37). A partir desse questionamento, Santiago parece querer apontar que não dá mais para ser um intelectual ao modo de Sartre nos dias de hoje; possivelmente, em função das mudanças que ocorreram e vem ocorrendo nas formas de relações sociais, pois é sabido que nestes tempos, as formas e os meios de atuação no espaço público foram predominantemente incorporados pelos meios de comunicação de massa e suas ideologias, muito diferente das que eram vivenciadas entre a segunda metade do século XIX e a primeira do século XX. Esse, quiçá, seja o grande desafio do intelectual hoje, desenvolver meios de atuação na esfera pública que  ecoem tão audíveis quanto o discurso veiculado nos meios de comunicação de massa. E para fazer isso é preciso ampliar o espaço de atuação, é preciso forçar um desenraizamento, um deslocamento do discurso, em suma um novo lócus de enunciação acompanhado de uma postura de atuação original, possivelmente, algo que talvez seja inaceitável para os intelectuais tradicionais.         
Ivete Walty aponta uma possível função contemporânea do intelectual:

Podemos nos perguntar se, no exercício de assumir o viver juntos, o viver com o outro, sem escamotear as contradições de tal opção, não estaria a função do intelectual hoje, a circular camaleonicamente  entre grupos sociais diversos, entre fronteiras deslizantes, entre espaços moveis (WALTY, 2008, p. 41).

Desse modo, pode-se pensar numa possível possibilidade e viabilidade do surgimento de uma nova espécie de intelectual – o intelectual marginal. Nesse sentido, é relevante pensar o papel desse intelectual na configuração das novas formas de relações sociais da contemporaneidade.