MARGINALIDADE CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA: UMA ANÁLISE DO DESLOCAMENTO DISCURSIVO E SUAS TENSÕES

MARGINALIDADE CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA: UMA ANÁLISE DO DESLOCAMENTO DISCURSIVO E SUAS TENSÕES

Cleber José De Oliveira (CV)
Rogério Silva Pereira
(CV)
Universidade Federal da Grande Dourados

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3.3 - O silêncio dos intelectuais

A questão sobre o silêncio dos intelectuais talvez seja um dos assuntos mais discutidos atualmente, principalmente, pelos próprios intelectuais. Sobre isso Fuller afirma que  “o silêncio constitui uma falha grave da responsabilidade intelectual” (2006, p. 109). Em geral, pode-se dizer que os conceitos vistos até aqui sobre o intelectual, de uma maneira ou de outra, vão nessa esteira de pensamento, a de que o silêncio não é nem pode ser uma característica do intelectual.
           Cabe aqui expor a crítica feita por Russel Jacoby em Os últimos intelectuais (1990), a qual lança luz sobre o porquê do possível silêncio dos intelectuais, tão discutida atualmente. É preciso dizer que Jacoby escreve sobre o contexto americano. Os “últimos intelectuais” de fala é a geração de homens relativamente independentes, não ligados a universidades, que correspondeu na Europa a homens como Sartre, dentre outros. Dito isso, é preciso assinalar o quão apropriada é a descrição de Jacoby para o contexto brasileiro. Neste, vemos que o trabalho intelectual foi sendo também aos poucos incorporado pela academia.
Para Jacoby, o referido silêncio pode ser consequência de uma ruptura entre gerações intelectuais, da lacuna que se abriu depois dos anos de 1960 e 1970, em função da falta de intelectuais públicos. Aponta que há intelectuais hoje, mas estes se encontram enclausurados dentro das universidades e escrevem não mais para o grande público, mas sim para eles mesmos quase sempre por meio de gêneros discursivos científicos tais como dissertações e teses, tornando-se invisíveis aos que realmente deveriam ser seus interlocutores – as massas. De certa maneira, o aparecimento dessa lacuna se deu porque após os últimos intelectuais públicos os que os sucederam se deparam com um cenário diferente caracterizado pela própria democratização do ensino superior, a reestruturação das cidades (que perdeu suas zonas de boemia, onde povo e intelectuais coabitavam), e das relações sociais que teve como consequência o fim de uma forma boêmia de se viver e discutir o social.
Cury em seu texto “Intelectuais em cena” aponta uma espécie de reflexão que o intelectual contemporâneo deve fazer como forma de repensar sua própria função, seu próprio papel de agente construtor de formas de resistências:

Se o intelectual contemporâneo encontra-se ele próprio em crise, se é colocado em crise por um sistema que o desvaloriza e até ignora; se ele próprio, muitas vezes, cede às injunções do mercado ou, por causa delas se vê silenciado, talvez seja a ocasião propicia para decisões (CURY, 2008, p. 26) 

Essa crise à qual se refere Cury, talvez se instaurou na comunidade intelectual contemporânea quando estes perceberam que já não detinham mais o poder que seus antecessores desfrutaram: “os intelectuais se consideravam responsáveis pela construção do conhecimento, sua seleção e sua divulgação entre aqueles que a eles não podiam ter acesso” (WALTY, 2008, p.32). De certa maneira, essa postura entra em ocaso no mundo contemporâneo, já que a realidade atual descrê de intervenções heróicas por partes de indivíduos que pensam ser os detentores do conhecimento.
Sarlo aprofunda aspectos desse problema, dizendo:

o intelectual, se quiser ser realmente eficaz em sua sociedade, deve medir seu distanciamento na escala dos milímetros, a fim de evitar uma separação grande demais da comunidade à qual se dirige. O modelo de intervenção heróica oferecido pelo vanguardismo não impressiona mais ninguém: seja porque as sociedades se afastaram dos ideais (que são o impulso do heroísmo), seja porque compreenderam que as mudanças podem ser provocadas sem a violência material ou simbólica da santidade, sem a solidão da profecia, sem a autoridade do guia iluminado. De todo modo, ninguém mais está em busca de um modelo heróico (SARLO, 2000, p. 166).

  As palavras de Sarlo apontam na direção de que, nos dias atuais, já não é mais possível promover intervenções tais quais as feitas por Sartre na primeira metade do século XX, justamente porque a vida contemporânea se caracteriza pela descrença na intervenção de um herói social (por muito tempo o intelectual gozou desse status) que prega o interesse coletivo sobre o individual, principalmente sobre temas universais como liberdade, poder político e social. A mesma autora pondera ainda:

Os que antes eram considerados intelectuais são os primeiros a rechaçar esse modelo[...] os intelectuais públicos, ou seja, homens e mulheres que atuavam nos palcos da esfera pública, entraram aos milhares numa área especializada do público: a academia. Nela trabalham como especialistas e não como intelectuais (SARLO, 2000, p.166-7).     

Por este enfoque, convergem aqui o pensamento de Foucault, Jacoby e Sarlo. De um modo ou de outro, os intelectuais se refugiaram na academia e, sem mais veleidades de serem santos ou heróis, se tornaram especialistas. Parece que houve migração em massa do intelectual que se encontrava na esfera do mundo público para a esfera do mundo privado, principalmente o da academia. Seria este um fato causador do tal silêncio dos intelectuais? É possível que sim, já que em sua grande maioria os intelectuais ao adentrar no mundo acadêmico deixam de priorizar a ação pública e se tornam especialistas produzindo uns para os outros como afirmou Jacoby (1990).  
Para Marilena Chauí, o que se vê hoje não é um silêncio propriamente dito por parte dos intelectuais, já que este (silêncio) nos remete à esfera do calar, do não se manifestar publicamente perante os acontecimentos sociais, e sim uma espécie de incapacidade de produzir discursos que deem conta de interpretar e desvendar as transformações e contradições da vida contemporânea:

[...] o retraimento do engajamento ou o silêncio dos intelectuais é signo de uma ausência mais profunda: a ausência de um pensamento capaz de desvendar e interpretar as contradições que movem o presente. Não se trata de uma recusa de proferir um discurso público e sim da impossibilidade de formulá-lo (CHAUI, 2006, p. 09).

      Com essa ponderação, Chauí descortina a provável causa da ausência de atuação pública por parte dos intelectuais dito públicos que teriam no engajamento sua força maior. No entanto, aqui, deve ser feita a crítica no sentido de que essa “negligência” se dá apenas na esfera de atuação clássica do intelectual clássico, pois se considerarmos a atuação tanto  do MC, com seus poemas (o rap) quanto a do escritor de literatura marginal como sendo uma espécie de intervenção intelectual na esfera pública e no processo de (re) significação cultural e simbólico, se verá que estes estão atuando a pleno vapor, ou seja, de nenhum modo se calaram frente aos novos e complexos acontecimentos sociais, culturais, econômicos e étnicos que surgem na vida contemporânea, nas ultimas três décadas.
Dito isto, faz-se necessário o seguinte questionamento quem é o MC pensado, aqui, como intelectual?