MARGINALIDADE CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA: UMA ANÁLISE DO DESLOCAMENTO DISCURSIVO E SUAS TENSÕES

MARGINALIDADE CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA: UMA ANÁLISE DO DESLOCAMENTO DISCURSIVO E SUAS TENSÕES

Cleber José De Oliveira (CV)
Rogério Silva Pereira
(CV)
Universidade Federal da Grande Dourados

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2.7 - Rap: tensão entre o ser e o ter no mundo contemporâneo  

Dinheiro é Foda
Na mão de favelado, é mó guela
Na crise, vários pedra 90 esfarela
(RACIONAIS MCs, 2002)

Dinheiro é puta,
E abre as porta,
Dos castelo de areia que quiser,
Preto e dinheiro,
São palavras rivais
(RACIONAIS MCs, 2002)

Dinheiro é bom, quero sim
Se essa é a pergunta,
Mas dona Ana fez de mim
Um homem e não uma puta!
(RACIONAIS MCs, 2002)

Sou exemplo de vitórias, trajetos e glórias
O dinheiro tira um homem da miséria
Mas não pode arrancar de dentro dele a favela
                           (RACIONAIS MCs, 2002)

É fato que na contemporaneidade o desejo de consumir exerce uma forte influência sobre a postura social dos indivíduos, principalmente naquele que por muito tempo foi cerceado desse poder. Refiro-me aos indivíduos da periferia que, historicamente, privados foram e ainda são do poder de consumir. E é exatamente sobre o perigo que o capital exerce sobre o caráter do sujeito oriundo da periferia que o rap impõe resistência:

Foda é assistir a propaganda e ver, 
não dá pra ter aquilo pra você
[...]
Seu comercial de TV não me engana, 
Hã! Eu não preciso de status nem fama. 
Seu carro e sua grana já não me seduz, 
E nem a sua puta de olhos azuis! 
Eu sou apenas um rapaz latino americano 
Apoiado por mais de 50 mil mano! 
Efeito colateral que seu sistema fez, 
Racionais, capítulo 4 versículo 3!
(RACIONAIS MCs, 1998)

A tomada de postura do eu se dá, primeiramente, em demonstrar consciência sobre a manipulação existente e exercida pelas mídias, nesse caso, pelos comerciais de TV, que disseminam uma ideologia da necessidade do consumo. O trecho demonstra a resistência a essa ideologia capitalista: “Eu não preciso de status nem fama” (RACIONAIS MCs, 1998). Como se vê, há uma relação de tensão ideológica entre o discurso do rap e o discurso do capitalismo de consumo. Nesse sentido, pode-se dizer que o rap prega o que deveria ser, a seu ver, uma postura coerente frente ao poder que dinheiro tem de corromper o caráter humano “O dinheiro tira um homem da miséria/ Mas não pode arrancar de dentro dele a favela”(RACIONAIS MCs, 2002). Enquanto que a ideologia capitalista embutida em meio aos comerciais de TV prega uma espécie de felicidade que se dá a partir da individualização dos sujeitos sociais.
Em “Elogio da profanação” (2007), Georgio Agamben aponta as relações de dependência entre o sujeito contemporâneo e o capitalismo de consumo. É importantíssimo entender que, na compreensão de Agamben, sobre o capitalismo  tudo se transforma em mercadoria o consumo não é apropriação. Essa compreensão pode explicar muito sobre o sistema de consumo. Esse sistema funciona da seguinte maneira: o consumo não é apropriação, pois como não nos apropriamos do que consumimos temos que consumir novamente para alimentar a ilusão de apropriação. Essa ilusão torna-se uma espécie de “escravidão” que ocorre pela incapacidade do indivíduo de compreender sua alienação frente ao devaneio consumista. Isso se dá porque na religião capitalista se promove uma ideologia que coloca o sujeito sempre em tensão com algum objeto que traz consigo a aura do novo e do necessário. Dessa maneira, o sujeito se torna uma espécie de servo do seu próprio fetiche consumista e, assim sendo, sempre estará numa tensão de cunho patológico, já que esta tensão culminará sempre em uma disjunção em relação ao objeto. E é a esse efeito alienatório que o rap se opõe.