DESENVOLVIMENTO EM ÁREAS DE MONTANHA

DESENVOLVIMENTO EM ÁREAS DE MONTANHA

Paulo Carvalho (CV)

2. Património e turismo: eixos de vertebração de novas políticas e intervenções territorializadas em áreas de montanha

O património, na sua amplitude conceptual, tem sido utilizado como âncora no âmbito de diversas políticas e instrumentos de promoção do desenvolvimento regional e local em Portugal e na Europa, em especial desde o início dos anos 90 (século XX). As grandes linhas de ação contemporânea compreendem também a reconstrução de memórias e identidades, a requalificação e renovação da imagem dos territórios e as ações (formais e informais) de educação patrimonial, tendências alinhadas com as orientações, recomendações e outros textos juridicamente vinculativos dos principais organismos internacionais nesta matéria, designadamente a UNESCO e o Conselho da Europa. Estes influenciaram de modo profundo a evolução conceptual do património (marcado também por um certo nomadismo científico) e contribuíram para uma certa convergência dos critérios reguladores e da terminologia atualmente utilizada, de tal maneira que as últimas três décadas definem grandes tendências neste domínio, a saber: crescimento e alargamento campo patrimonial; importância crescente das dimensões imateriais (dimensões culturais intangíveis como a música, as festividades, as tradições orais e o saber fazer) e dos ambientes rurais e vernaculares; maior ambição no que concerne à escala de intervenção, valorizando-se o contexto relacional e dialético dos bens a proteger e a valorizar (ou seja o quadro natural e construído que interfere na perceção estática ou dinâmica desses bens ou conjuntos); aproximar (e devolver) o património aos cidadãos e estabelecer com eles uma nova relação; incentivar a participação dos cidadãos na proteção do património; atribuição de responsabilidade crescente ao poder local (nomeadamente por via dos instrumentos de gestão territorial); reconhecimento da importância da educação patrimonial, como processo de mediação entre o património e a sociedade (CARVALHO, 2007-b). Portanto, trata-se de uma visão integrada, territorial e dinâmica do património em que os seus elementos apresentam tipologias, escalas e contextos diversos.
A crescente ligação do património aos novos usos do território e aos valores da sociedade pós-moderna deve, igualmente, ser relacionada com o quadro das orientações recentes das políticas públicas de desenvolvimento e dos instrumentos relativos à intervenção espacial, nomeadamente a centralidade do território e as novas formas de gestão territorial.
Os territórios de baixa densidade, em particular os de matriz rural, uma vez que suscitam preocupações prioritárias de intervenção, emergem no centro de políticas, instrumentos e intervenções impulsionadas pelo Estado, agora que deixaram de ser olhados e sentidos apenas na ótica das suas capacidades produtivas. Com efeito, na Europa, depois de uma fase (de três décadas) dominada por preocupações produtivistas, difusionistas e assistencialistas, emergem orientações territorialistas, ambientalistas e patrimonialistas que apontam diferentes vias para o desenvolvimento desses territórios.
As intervenções realizadas neste domínio, percorrendo diversas escalas geográficas, mostram a importância do turismo cultural e ecológico (os lugares, as redes e os itinerários); os (velhos e novos) museus; os parques temáticos; os eventos culturais; o marketing dos territórios; os estatutos de proteção e a classificação dos lugares (CARVALHO, 2007-b). Contudo, os resultados das intervenções públicas em Portugal são pouco conhecidos, uma vez o processo de avaliação não está institucionalizado, e mesmo quando é realizado não se divulgam convenientemente os resultados. Assim, entre outros problemas, é sempre mais difícil definir orientações e recomendações para a formulação e aplicação de novas políticas de desenvolvimento sustentável relacionadas com o património. Ao mesmo tempo, é reconhecida a dispersão dos programas e das ações, a falta de cooperação, coordenação e articulação entre as instituições e os atores envolvidos.
Neste espectro de intervenções, a partir do exemplo das áreas de montanha, fixamos a componente do lazer turístico. Como já se referiu, uma parte significativa dos espaços serranos/montanhosos portugueses, com as suas dinâmicas de refuncionalização territorial e renovação da imagem, refletem uma ligação crescente ao novo sistema social de valores e práticas turísticas e recreativas das populações urbanas. Por sua vez, os recursos ecoculturais aparecem de forma recorrente ancorados aos processos de turistificação, nomeadamente as modalidades alternativas de turismo, que podem suscitar trajetórias inovadoras e sustentadas de desenvolvimento regional e local.
A análise das tendências evolutivas do turismo na Europa revela o crescimento relativo de modalidades que configuram novas escolhas geográficas, como por exemplo o campo, os planos de água e a montanha. No caso de Portugal, as estatísticas sobre as Férias dos Portugueses (da Direção Geral do Turismo), confirmam a referida tendência, em que as novas escolhas geográficas (incluindo as cidades), em alternativa ao ambiente tradicional de sol e mar, representam cerca de 20% das respostas sobre o ambiente de gozo de férias. A interpretação destes resultados não pode ser dissociada das tendências qualitativas que marcam o novo comportamento dos turistas: mais ativos e participativos; interesses mais diversificados e segmentados (OMT, 2003); mais exigentes e menos influenciados pelas perspetivas da oferta massificada (BARROS, 2004); mais esclarecidos e informados (MCGETTIGAN, 2005).
Alinhadas com as perspetivas recentes em matéria de desenvolvimento sustentável, as preocupações atuais do turismo valorizam a gestão dos recursos turísticos (designadamente recursos naturais e culturais), na perspetiva de alcançar resultados económicos, sociais e ambientais duradouros. O desafio da sustentabilidade da atividade turística, configurando um encontro entre as necessidades do turista, os locais de acolhimento e os interesses das populações locais (INSKEEP, 1991) é na atualidade mais exigente no sentido de envolver a participação dos cidadãos (motivados por diferentes e potenciais conflitos de interesses) e a inclusão dos territórios no desenho, aplicação, acompanhamento e avaliação das políticas e instrumentos relacionados com a intervenção espacial (CARVALHO, 2006).
Como reconhece a Proposta de Manifesto aprovada no “Congresso Nacional de Desenvolvimento Sustentável em Áreas de Montanha” (que decorreu no Parque Nacional da Peneda-Gerês, em 2002), o turismo sustentável em áreas de montanha pode vir a constituir-se uma decisiva alavanca de alteração da situação atual e de promoção do desenvolvimento local sustentável. Contudo, para que tal se materialize é necessário clarificar, sem equívocos, os princípios que, obrigatoriamente, o devem nortear e fazer dele um produto turístico específico. O turismo sustentável em áreas de montanha, em Portugal, deve assumir-se como um produto que privilegia a qualidade em detrimento da quantidade, sujeita a sua ação a uma constante análise da capacidade da sua carga sistémica, promove a monitorização e avaliação dos resultados com base em indicadores distintos dos clássicos indicadores turísticos, procura implementar formas de gestão pró-ativa (para além da clássica gestão retroativa) e está organizado de modo a que os proveitos que gera revertam em prol da região e seus habitantes. Para além disso o turismo sustentável de áreas de montanha deve: permitir o usufruto do território velando pela sua conservação (nomeadamente, em termos de ambiente, paisagem e recursos, com especial destaque para a biodiversidade e geodiversidade); oferecer um alojamento específico que conjuga formas variadas que vão desde a hotelaria clássica até às Casas de Natureza, passando pelo Turismo em Espaço Rural; privilegia a gastronomia tradicional e típica de cada região; promover os produtos locais tradicionais; divulgar o património histórico-cultural da região; fazer da interpretação e animação ambiental um traço fundamental da sua essência.
A prossecução destes objetivos significa também um processo de mudança de atitudes e comportamentos quer ao nível do planeamento territorial quer no âmbito da educação para o desenvolvimento sustentável. Na primeira situação, está em causa a adoção de uma nova política de planeamento territorial integrado e uma nova política de infraestruturas adaptadas às características de cada região; no segundo caso, importa considerar o conhecimento e a ação como um binómio indissociável que acompanha a adoção de novas atitudes alicerçadas em pensamento crítico, eticamente referenciado e comprometido.
Mas tão importante como definir grandes princípios é estruturar propostas de intervenção consequentes. A consagração do estatuto de área de montanha e a definição de áreas montanhosas de intervenção prioritária, segundo critérios objetivos, pode constituir uma base estruturante de novas políticas e instrumentos integrados e ajustados às suas especificidades. A concretizar-se uma institucionalização de fundos próprios e exclusivos para a implementação de intervenções estruturantes em áreas de montanha, é de esperar apoio prioritário ao turismo sustentável.
Em síntese, as montanhas emergem neste quadro de segmentação e especialização dos mercados turísticos e na atmosfera de diversificação funcional e de transição acelerada dos valores produtivos (ou de uso) para os valores de fruição (CARVALHO, 2007), ao mesmo tempo que se reconhece a necessidade de uma política específica e integrada de discriminação positiva capaz de induzir novas trajetórias de desenvolvimento e a integração crescente e duradoura das montanhas nas dinâmicas globais. Até ao momento, o que acontece é a integração das montanhas em planos e programas sectoriais, como por exemplo o LEADER e as Ações Integradas de Base Territorial (no âmbito dos Programas Operacionais Regionais, 2000-2006). Apesar dos seus resultados positivos, a maioria dos problemas estruturais permanecem por resolver.
No âmbito do novo fundo específico da União Europeia para o desenvolvimento rural (FEADER) e da sua aplicação nacional (através do Programa de Desenvolvimento Rural, em fase de aprovação), emergem alguns sinais de que as montanhas possam ser consideradas como áreas de intervenção prioritária, dotando as linhas de ação (como por exemplo, a manutenção da paisagem e a gestão da Rede Natura 2000) de meios financeiros adequados. Contudo, sublinhamos, o mais importante é a integração das políticas e a concentração dos fundos através de instrumentos e ações de matriz territorial adequadas aos problemas específicos do mosaico montanhoso serrano nacional (compartimentado em vários subconjuntos).