DESENVOLVIMENTO EM ÁREAS DE MONTANHA

DESENVOLVIMENTO EM ÁREAS DE MONTANHA

Paulo Carvalho (CV)

1. Espaços rurais de montanha: do isolamento, declínio e marginalização às novas oportunidades de desenvolvimento

A montanha representa cerca de 35% do território da União Europeia e quase 20% de Portugal. Contudo, configura paisagens e dinâmicas territoriais muito diversas.
A análise interpretativa das grandes tendências evolutivas das áreas de montanha sugere que estas apresentam características e indicadores alinhados com o mundo rural, e em muitos casos reforçam de modo significativo as suas especificidades e problemas profundos (de natureza estrutural).
As maiores preocupações atuais prendem-se com o ordenamento e o desenvolvimento sustentado das montanhas e das suas populações, também na perspetiva do reconhecimento das diferentes funções de interesse coletivo relacionadas com a utilização dos seus diversos recursos.
De forma sintética podemos dizer que as dinâmicas de desenvolvimento de uma parte significativa da montanha portuguesa refletem cada vez mais o interesse e a influência da população urbana.
Importa explicar que pelo menos até meados do século XX, a montanha em Portugal é sinónimo de espaço isolado, inóspito e repulsivo, situação que resulta, ao mesmo tempo do papel secundário (marginal) que se atribuiu às regiões montanhosas nas políticas territoriais (CARVALHO, 2005).
Posteriormente, a montanha reflete a crise das atividades tradicionais (agricultura, pastorícia e exploração florestal) e os movimentos migratórios (internos e externos) que afetaram a maioria da população, com particular intensidade entre 1940 e 1980. As montanhas transformam-se em espaços fragilizados, despovoados, vazios, apagados e envelhecidos. Uma parte significativa dos lugares de montanha atingiu o máximo demográfico cerca de 1911 ou 1940. De tal maneira, que é frequente identificar situações de intensa e continuada recessão demográfica, em que os indicadores de população residente atuais refletem níveis muito inferiores em relação ao referido registo, assim como lugares abandonados e arruinados, e outros recuperados (no âmbito da residência secundária) mas sem população residente.
O declínio do povoamento e das atividades económicas nas montanhas acompanha a crise do sistema rural que se generaliza no país. Esta manifesta-se no desaparecimento de modos de vida e formas de ocupação e organização espacial seculares, através das quais se manifestavam relações harmoniosas entre a sociedade e o território ao longo do tempo. Fatores externos como a florestação estatal dos baldios serranos e a construção de aproveitamentos hidroelétricos, entre outros, contribuíram também para alterar uma situação de um certo equilíbrio ecológico (CARVALHO, 2007-a).
Contudo, as últimas três décadas refletem importantes mutações no discurso, nas políticas e na imagem da montanha. O título “da montanha produtiva à montanha recreativa” enquadra o que de mais importante marca a evolução do perfil territorial e a renovação da imagem da montanha, sendo que estes são indissociáveis da emergência de um novo sistema social de valores e de práticas turísticas e recreativas. Os recursos da montanha mais valorizados socialmente afastam-se dos valores produtivos, embora se reconheça o papel desse espectro para a manutenção da paisagem e a importância estratégica dos recursos florestais, minerais, hídricos e eólicos (CARVALHO, 2005).
A apropriação da montanha é comandada do exterior e as populações urbanas procuram a montanha para (re)criar refúgios (MORENO, 1999) que ocupam de forma permanente (neo-rurais), ou utilizam no âmbito dos tempos livres (residência secundária, turismo, entre outros). As suas paisagens, das menos alteradas pela ação milenar do fator antrópico, são de forma crescente sinónimo de reserva ambiental/patrimonial e de grande qualidade estética e visual.
Esta matriz de transição funcional dos espaços de montanha está muito articulada com a valorização de recursos ecoculturais e a utilização crescente do tempo livre. A descoberta dos encantos do meio rural, e em particular da montanha, e o culto urbano de uma certa ruralidade, no âmbito dos lazeres turísticos sugere também algumas preocupações no âmbito das políticas e instrumentos de desenvolvimento para as montanhas. Como lembra MESSNER (2001) o que está causa é assegurar a continuidade das montanhas como espaços de vida diversificados, qualificados e sustentados. Por outras palavras, é essencial assegurar a continuidade de atividades económicas, mediante práticas sustentáveis, no sentido de manter níveis mínimos de população residente e preservar e valorizar os recursos naturais e culturais.
Com efeito, o risco e a vulnerabilidade que está associado às áreas de montanha, «quer devido às alterações climáticas, quer devido às mudanças sociais e económicas do tempo presente» (SERAFIM, 2005: 3), a modificação dos tipos e padrões de uso da montanha e a sua paisagem, exige a definição e articulação de políticas e instrumentos orientados para o uso diversificado e para a participação comprometida dos habitantes e atores locais.
As orientações políticas da União Europeia, procuraram, sobretudo, compensar as dificuldades naturais (por via da política agrícola) e valorizar um número reduzido de recursos/atividades (como, por exemplo, a neve, o turismo e os desportos associados). A crescente valorização política da componente territorial e dos mecanismos de cooperação e trabalho em rede traduz um incremento do número de propostas conceptuais e de ações de reconhecimento da especificidade dos territórios montanhosos.
A preocupação de integrar as montanhas nas políticas comunitárias e sobretudo a necessidade de uma política europeia de montanha, alargando a política de coesão e aprofundando a política regional a favor dos territórios específicos da União Europeia, nos quais se incluem as montanhas, assume grande significado na conjuntura atual da União Europeia.
Em Portugal, ao contrário do que sucede em outros países europeus (como por exemplo, Espanha, França, Itália e Suíça), não existe uma política específica para a montanha. Se podemos identificar algumas intervenções sectoriais, em especial desde o início dos anos 90, relacionadas com as políticas agrícola e regional da União Europeia, então é também inevitável reconhecer as suas fragilidades e desarticulações. As maiores preocupações e as tarefas mais urgentes referem-se às paisagens em rápida transformação, como são as áreas de maior abandono, ou aquelas onde a atividade recreativa e turística, dispersa e descontrolada ameaça alterar radicalmente as funções desses espaços, e com eles, a paisagem.