SAÚDE DO TRABALHADOR: UMA ANÁLISE SOBRE A PRÁTICA DO ASSISTENTE SOCIAL NO HOSPITAL OPHIR LOYOLA EM BELÉM-PA

SAÚDE DO TRABALHADOR: UMA ANÁLISE SOBRE A PRÁTICA DO ASSISTENTE SOCIAL NO HOSPITAL OPHIR LOYOLA EM BELÉM-PA

Maria Estrela Costa de Sousa (CV)
Marcelo Santos Chaves
(CV)
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará

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1. SAÚDE DO TRABALHADOR: ASPECTO TEÓRICO-HISTÓRICO

Para discutir saúde do trabalhador é preciso entender que a mesma tem relação direta com a saúde e também com as condições de trabalho. Nessa compreensão segundo Escorel (2006), a saúde é uma explicitação das condições de igualdade social na medida em que a mesma é determinada por um conjunto de direitos, é também a “(...) medida de existência em si, pois lida com a vida e com a morte – assim como outros direitos sociais, é um elemento potencialmente revolucionário e de consenso” (ESCOREL, 2006, p. 183).
De acordo com Buss (2000) proporcionar saúde significa não só evitar doenças e prolongar a vida, mas assegurar meios e situações que ampliem a qualidade da vida da pessoa, a capacidade de autonomia e o padrão de bem-estar que, por sua vez, são valores socialmente definidos. Nesse sentido, a nova concepção de saúde implica uma visão afirmativa, que a identifica com o bem-estar e qualidade de vida do ser humano.
Também conforme o SUS em seu Artº 3º “a saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais”.
É importante citar que, de acordo com a Constituição Federal de 1998 Artº 196 “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
A saúde do trabalhador é abordada nesta pesquisa, implicando uma discussão sobre trabalho, saúde e os desdobramentos que o mesmo acarreta para a qualidade de vida do ser humano, uma vez que é no processo de trabalho que se pode desencadear doenças relacionadas ao mesmo, ou seja, há comportamentos, posturas e ritmos na execução de determinadas tarefas específicas às atividades laborais. Diante disso, compreende-se como trabalho “a mediação entre o homem e a natureza. Por meio do trabalho o homem transforma a si mesmo, porque nesta relação planeja, faz projetos, representa mentalmente os produtos que quer transformar” (ROCHA & FRITSCH, 2002, p.58).
Dessa forma “(...) o trabalho não é apenas um modo de produzir bens de subsistência, mas é igualmente um modo de reconhecimento mútuo” (KAUFMANN, 2002, p.32). Para Albornoz (2004) o trabalho constitui uma operação humana de transformação da matéria natural em objeto de cultura. Diante disso é o homem em ação para sobreviver. Nessa perspectiva, para a realização de uma ação é preciso que o homem esteja bem fisicamente, assim, o processo de saúde estar ligado ao processo doença.
Nessa concepção é que a saúde do trabalhador, sendo um termo novo, emergiu no Brasil nos anos 80 como nova forma de apreender a relação trabalho-saúde. Dessa forma a saúde do trabalhador visa intervir:

(...) nos ambientes de trabalho e consequentemente de introduzir, na saúde pública, práticas de atenção à saúde dos trabalhadores, no bojo das propostas da Reforma Sanitária Brasileira. Configura-se um novo paradigma que, com a incorporação de alguns referenciais das Ciências Sociais-particularmente do pensamento marxista – amplia a visão da Medicina do Trabalho e da Saúde Ocupacional. (Gómez e Costa 1997, p. 25)

Para entender a saúde do Trabalhador é importante referenciar a trajetória da Medicina do Trabalho, a qual estava centralizada na figura do médico e era orientada por uma teoria de unicausalidade, ou seja, para cada doença havia um agente etiológico.
Segundo Mendes e Dias (1991), a medicina do Trabalho, enquanto especialidade médica surgiu na Inglaterra com a Revolução Industrial, período em que havia um grande contingente de mão-de-obra. Nessa época a força de trabalho humano foi inserida no processo acelerado e desumano de produção e o trabalhador se tornou apenas uma parcela da produção geral, perdendo o domínio sobre o produto final do seu trabalho. Esse processo industrial passou a exigir muito dos trabalhadores. Os mesmos tinham que se submeter a longas jornadas de trabalho, como é afirmado por Marx:

(...) processo de trabalho compreende aqui, além das 24 horas dos 6 dias úteis da semana, em grande parte dos casos também às 24 horas do domingo. Os trabalhadores são homens e mulheres, adultos e crianças de ambos os sexos. A idade das crianças e das pessoas jovens percorre todas as etapas intermediárias dos 8 anos (em alguns casos, dos 6) até os 18. Em alguns ramos, as meninas e as mulheres trabalhavam também à noite junto com o pessoal masculino. (Marx, 1988, p. 291)

Nessa situação o trabalho era determinado especificamente pela exploração da mão-de-obra, pois não se levava em consideração a saúde do trabalhador. Diante dessa realidade foi exigida uma intervenção para que houvesse mudança no processo de saúde dos trabalhadores, uma vez que, o trabalho desenvolvido era resultante da submissão dos trabalhadores a um processo acelerado e desumano de produção.
Esse trabalho desumano resultante, com maior particularidade, da Revolução Industrial, a qual passou a estruturar a mão-de-obra como mais uma engrenagem da máquina, não proporcionando aos trabalhadores nenhum cuidado médico, esse, por sua vez, era propiciado por instituições filantrópicas. Assim, de acordo com Mendes e Dias (1991), a efetivação da Medicina do Trabalho deu início quando Robert Dernham, proprietário de uma fábrica, percebendo que aos seus trabalhadores não era garantido cuidado à saúde; os mesmos só eram amparados pelas instituições de filantropias ele procurou ajuda de seu médico, o Dr. Robert Baker, para que o mesmo indicasse de que maneira poderia solucionar tal problema. A proposta foi a seguinte: colocar um médico no interior da fábrica para que o mesmo servisse de intermediário entre o dono da fábrica e os operários. Esse médico teria a tarefa de visitar sala por sala do ambiente de trabalho para que fosse identificado o efeito do trabalho sobre as pessoas.
E assim ocorreu, Robert Dernham contratou o seu próprio médico para trabalhar em sua fábrica têxtil, surgindo então em 1830 o primeiro serviço de medicina do trabalho. As finalidades desses serviços era caracterizada por:

  • Serviços que fossem dirigidos por pessoas de inteira confiança do proprietário e que a pessoa com essa função se dispusesse a defender o empresário;
  • Esses serviços seriam centrados na pessoa do médico;
  • A prevenção dos danos, proveniente do trabalho, à saúde do operário deveria ser de inteira responsabilidade do médico, assim como a ocorrência dos problemas de saúde do trabalhador.

A implantação desse tipo de serviço logo conquistou espaço no mundo, expandindo-se para outros países inclusive para os países periféricos, porém ao longo dos anos observaram-se a ineficiência da medicina do trabalho em virtude dos problemas de saúde ocorridos pelo processo de trabalho e também da insatisfação dos trabalhadores por se sentirem objetos e não pessoas para os empregadores.
O contexto econômico e político da guerra e pós-guerra, segundo Mendes e Dias (1991) provocou a perda da vida de várias pessoas em detrimento dos acidentes de trabalho a das doenças ocasionadas no mesmo, com isso começou a preocupar os empregadores que necessitavam da mão-de-obra produtiva e também as companhias de seguro que sofriam com tantas indenizações decorrentes de incapacidade provocada pelo trabalho.
Também vale ressaltar que pelo fato da tecnologia industrial ter evoluído muito e de forma acelerada com os novos processos industriais, novos equipamentos, produtos químicos etc., diante desses desdobramentos e dos problemas ocasionados pelo processo de produção a medicina do trabalho se mostrou ineficiente para intervir.
Para solução do problema houve a ampliação da atuação médica direcionada ao trabalhador, sendo assim utilizada para intervenção o instrumental oferecido por outras disciplinas. É nesse contexto que inicia a Saúde Ocupacional, caracterizada pela interdisciplinaridade, a mesma surge dentro das grandes empresas com organizações de equipes multiprofissionais, dando ênfase na higiene industrial e buscando intervir nos locais de trabalho objetivando assim controlar os riscos ambientais. Mas é necessário frisar que, mesmo diante de tantas perspectivas de mudança, esse modelo de saúde ocupacional desenvolvido para atender a necessidade de produção, não conseguiu atingir os objetivos propostos.
Os fatores que contribuíram para sua ineficiência segundo Mendes e Dias (1991), foram em virtude de:

  • O modelo da Saúde Ocupacional se manter firmado no mesmo referencial da medicina do trabalho, baseado no mecanicismo;
  • A proposta da interdisciplinaridade não se concretizava, mas as atividades realizadas se realizavam desarticuladas;
  • A produção de conhecimento e tecnologia assim como as capacitações de recursos humanas não conseguia acompanhar o ritmo de transformação dos processos de trabalho;
  • A Saúde Ocupacional era mantida no âmbito do trabalho e não no setor da saúde.

Ainda nesse modelo, predominava a concepção positivista de que a medicina teria ampla autonomia e estaria no mesmo nível que o econômico, o político e o educacional, mediante essa compreensão é afirmada a teoria da multicausalidade do processo saúde-doença, o qual era considerado o fator de risco do adoecer e morrer com o mesmo valor de agressão.
Porém, essa concepção teórica começa a ser questionada a partir da década de 60, assim como o intenso processo de discussões teóricas e de práticas alternativas, com isso irá surgir à teoria da determinação social do processo saúde-doença, em que coloca a centralidade no trabalho enquanto organizador da vida social o que contribui para aumentar as críticas à medicina do trabalho e a saúde ocupacional.
Nesse processo, as referidas críticas tornaram-se mais fortes em virtude do surgimento de programas de assistência aos trabalhadores, pois os mesmos contribuíam para desvelar o impacto do trabalho sobre a saúde e também instrumentalizava os trabalhadores para reivindicarem por melhores condições de saúde.
Dessa forma, os trabalhadores passavam a expressarem desconfiança nos procedimentos técnicos e éticos dos profissionais dos serviços da saúde ocupacional. Nesse momento a participação do trabalhador em questões de saúde torna-se expressivo e põe em xeque os procedimentos utilizados pela saúde ocupacional1.
Mediante essas questões e as modificações dos processos de trabalho tanto em nível macro e micro, com a terceirização da economia e a automação e informatização respectivamente, assim como as doenças relacionadas ao trabalho foram dando lugar o que hoje se chama de saúde do trabalhador, esta considerada como “(...) um novo campo em construção no espaço da saúde pública” (MENDES & DIAS, 1991, p. 347).
A saúde do trabalhador “compreende-se um corpo de práticas teóricas interdisciplinares técnicas, sociais, humanas e interinstitucionais, desenvolvidos por diversos atores situados em lugares sociais distintos e informados por uma perspectiva comum” (GOMES & COSTA, 1997, p. 25).
Assim, de acordo com Gomes & Costa (1997) a saúde do trabalhador surge como uma nova forma de apreender a relação trabalho-saúde e como intervir nos ambientes de trabalho, a mesma também amplia a visão da medicina do trabalho e da saúde ocupacional. A saúde do trabalhador é:

  • No campo do conhecimento é uma construção que combina interesses em determinado momento histórico;
  • No campo da investigação adota determinados métodos de análises;
  • É uma área de intervenção que exige uma teorização dialética e uma interdisciplinaridade como algo intrínseca.

Segundo Freire (2000) a saúde do trabalhador manifesta-se no estado biopsíquico e se relaciona com as condições materiais e sócio-políticas presentes no processo e condições de trabalho e de vida do trabalhador.
Portanto, ela se esforça para entender e intervir no processo de trabalho em relação à saúde e a doença. É importante evidenciar que a saúde do trabalhador hoje é referenciada pela Lei nº 8.080 do Sistema único de Saúde, a qual compete executar através de ações de vigilância epidemiológica e vigilância sanitária, à promoção e proteção a saúde dos trabalhadores da mesma forma que à recuperação e reabilitação da saúde do trabalhador submetida aos agravos decorrentes das condições do trabalho.
O SUS tem hoje essa competência em virtude da Constituição de 1998 ter retirado o assunto saúde do trabalhador do campo do Direito do Trabalho para inserir no campo do Direito Sanitário, essa mudança se deu em virtude da compreensão de que a saúde é um direito e não algo para ser negociado. Nessa compreensão a saúde do trabalhador deve ser pensada de forma séria, pois hoje se ver cada vez mais doenças decorrentes do processo de trabalho e que podem gerar redução temporária ou permanente da capacidade para o trabalho ou mesmo levar à morte.

1 Esses procedimentos são referentes a exames médicos.