SAÚDE DO TRABALHADOR: UMA ANÁLISE SOBRE A PRÁTICA DO ASSISTENTE SOCIAL NO HOSPITAL OPHIR LOYOLA EM BELÉM-PA

SAÚDE DO TRABALHADOR: UMA ANÁLISE SOBRE A PRÁTICA DO ASSISTENTE SOCIAL NO HOSPITAL OPHIR LOYOLA EM BELÉM-PA

Maria Estrela Costa de Sousa (CV)
Marcelo Santos Chaves
(CV)
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará

Volver al índice

3. O IMPACTO DO TRABALHO NA QUALIDADE DE VIDA DAS ASSISTENTES SOCIAIS.

De acordo com os dados levantados nos formulários aplicados em outubro de 2007 obtiveram-se as seguintes informações descritas nas tabelas abaixo:

Tabela 6: Assistentes Sociais do HOL*

Profissionais

Estado civil

Tempo de formação profissional

Período de atuação no HOL

Especialização

A

Casada

30 anos

24 anos

Não

B

Solteira

4 anos

4 anos

Saúde pública e auditoria

C

Casada

25 anos

15 anos

Saúde pública

D

Casada

3 anos

3 anos

Saúde

* Responsáveis pelas clínicas de Mastologia, Ginecologia, Cirurgia Abdominal, Urologia e Cabeça e Pescoço.
Fonte: Elaboração dos autores com base no formulário aplicado às Assistentes Sociais.

 

Tabela 7: Atendimentos no ambulatório.

Clínicas
X
Atendimentos

Ritmo de
atendimento

Nº de
Atendimento
semanal

Nº de atendimento mensal

Atendimentos fora da programação**

Intervalo de descanso

Urologia

Intenso

2 vezes

200

10 a 15 por dia

Não

Cabeça e Pescoço

Intenso

2 vezes

270

20 por dia

Não

Mastologia/Ginecologia

Intenso

2 vezes

96

15 semanais

Não

Cirurgia Abdominal

Intenso

2 vezes

96

8 por dia

Sim

** Os atendimentos realizados fora da programação não são quantificados na estatística da coordenadoria do ambulatório, como já fora explicado anteriormente.
Fonte: Elaboração dos autores com base no formulário aplicado às Assistentes Sociais.

O atendimento das assistentes sociais no ambulatório se dá duas vezes na semana conforme os dados da tabela 7, no entanto essas atividades nos demais dias são diferentes, como afirmaram as assistentes sociais durante a entrevista.

(...) o que você faz na clínica é fazer visita, você programa junto com o médico uma alta do paciente, porque muitas vezes o paciente é do interior, mesmo que ele tenha que ficar aqui, tem que ser uma alta programada por causa do transporte, do retorno, do medicamento que ele vai usar, porque não é importante só o paciente estar de alta e pronto, ir para casa, não é bem assim; porque o paciente tem que ter toda uma orientação do retorno, da importância do medicamento para dá continuidade do tratamento porque se não esse paciente retorna para o hospital para a triagem para ser atendido porque ele não fez o curativo adequado (A, nov/2007).

Realizar visitas, primeiro eu passo uma visita cedo, as 6:15 a 6:20, meu horário é de 7:00h as 13:00, passo visita, sozinha primeiro, converso com os pacientes, vou extrai vou analisar o que estar acontecendo se tem algum entrave se não tem, se tem algum problema de ordem social, algum problema de ordem multiprofissional ou de cunho familiar ou até mesmo algum entrave burocrático que esteja impedindo a realização do atendimento cirúrgico que é um dos fatores (...) em seguida eu aguardo o profissional que vai passar visita no espaço que é o médico, o residente, passo com eles, com a psicóloga, o fisioterapeuta, dividimos as questões, conversamos sobre os pacientes (...) Contribuir no processo de agilizar nos avisos do bloco cirúrgico, formalizar a documentação do paciente pra que não tenha nenhum problema com a cirurgia. Quando eu falo contribuir, não sou eu que faço os avisos do bloco cirúrgico, mas eu tenho que contribuir na questão da organização, se estão atrasados se não estão os exames, conversar com os outros profissionais que operaram os pacientes anteriormente, se estão em serviço de alta se não estão, Contribuir na dinamização e otimização nas internações dos pacientes, realizo ambulatório (...) Entrevista social, selecionar as AIHs, selecionar algo que seja necessário para integração social quanto à priorização de leitos... Para internar com apoio clínico com caráter 5 com o médico, conversar com outros profissionais da rede (...) para questões de certidão, uma carteira profissional, uma identidade, consulta no hospital de clínica, é, contribuir no processo de formalização do TFD, não que eu vá fazer, mas articular todo o processo pra que efetive o TFD do paciente (B, nov/2007).

Vou começar pela clínica, na clínica a gente faz admissão, primeiro a gente começa com a programação cirúrgica depois a gente faz a visita diária com a equipe médica orientando quanto ao TFD, encaminhamento para a nutrição, quanto benefícios, encaminhamento para o bloco cirúrgico, também tem o ambulatório onde a gente faz a orientação quanto a cirurgia, viabilização daqueles casos a gente procura sentar com a equipe e discutir a urgência e emergia dos caso, esse ai é o que seria do serviço social mais claro, que a gente faz muito, vai mais além do que deveria mais a gente faz tudo em prol do paciente (D, nov, 2007).

Atendimento ambulatorial com o objetivo de programar cirurgias, atendimento em clínica dando suporte médico social, psicossocial aos pacientes etc. (C, nov/2007).

Diante das colocações das profissionais observa-se que a gama de atividades no hospital são diversas: seja no aspecto de orientações, encaminhamentos, viabilizações de leitos etc. O trabalho desenvolvido exige tempo, dinamismo e percepção na resolução de problemas, haja vista que a demanda tem sido grande.
De acordo com as afirmações das assistentes sociais as atividades vão mais além, mas o objetivo é garantir o direito do cidadão, assegurar o acesso à saúde, já que a mesma não se constitui favor e sim direito. Na Constituição Federal de 1988 na seção II Art. 196 é assegurada a saúde enquanto direito de todos e dever do Estado, sendo garantida através de políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Portanto, todas as ações que extrapolam o limite de atendimento dos pacientes é realizada pensando nos mesmos que muitas vezes se encontram fragilizados com a doença, com essa atitude a carga de trabalho aumenta suscitando assim de alguma forma lesão a saúde.

Tabela 8: Relação trabalho x saúde.

Profissionais

O trabalho afeta a sua saúde

Aspecto físico

Emocional

Familiar

Cansaço

Preocupação

Ansiedade

A

Sim

Não

Sim

Não

Às vezes

Às vezes

Às vezes

B

Sim

Sim

Sim

Não

Sim

Sim

Sim

C

Não

-

-

Não

Sim

Sim

Sim

D

Sim

Sim

Sim

Sim

Sim

Sim

Sim

    
 Fonte: Elaboração dos autores com base no formulário aplicado às Assistentes Sociais.

Na tabela acima informa como se dá o ritmo dos atendimentos ambulatoriais realizado nas clínicas do Hospital Ophir Loyola pode-se observar que a maioria das assistentes sociais afirma que o trabalho afeta a saúde de alguma forma, seja no aspecto físico ou emocional. Vale salientar que a assistente social C disse que o trabalho não afeta a sua saúde, no entanto, fala do cansaço, da ansiedade e da preocupação, levando-nos a constatar, com isso, que a mesma parece não se dar conta que o ritmo de seu próprio trabalho e os problemas apresentados pelos usuários reflete na sua saúde. Quanto ao aspecto físico foi relatado o seguinte:

(...) o profissional tem que utilizar muito a voz que é um elemento muito importante de comunicação, devido isso esse ritmo diário afeta a parte física, a garganta (...) algumas clínicas o volume de trabalho são mais intenso que as outras, não discriminando o trabalho de ninguém e nem a forma de trabalhar também; em alguns momentos eu me vejo com rouquidão, não contínua, mas uma rouquidão (...) Essa rouquidão, esse cansaço é proveniente do nosso atendimento, nosso atendimento é muito grande, nossa demanda é reprimida, então a gente atende muitas vezes mais do que devia por uma questão não só profissional, mas por uma questão também de humanidade; a maioria é do interior e tem consulta marcada então a gente fica preocupada porque sabe a dificuldade do paciente, de acesso, então acaba atendendo mais do que comporta, a média de atendimento das assistentes sociais que trabalham nas clínicas de maiores demandas não é menor do que 20, 25, 29; fica nessa faixa, o dia que esse atendimento é menor é 17 (...) (B, nov/2007).

Tem dias que eu vou comer às 10h da noite, eu tomo café da manhã e janto, tem dias que eu não como nada, eu peguei uma gastrite, H. Pilory, 3 cruzes, mas não adianta porque eu não consigo ter uma dieta, eu tomo café a hora que dá, canso de não almoçar, eu estranho o dia que eu almoço, porque nos dias de ambulatório eu fico até 2h ou 3h da tarde e, nos dias normais, fico para separar guias, a tarde é mais calmo para se separar alguma coisa; têm os ambulatórios que os médicos me chamam para ver um caso grave e aí a gente vai ficando, vai deixando de se alimentar, aí quando sente alguma coisa corre para o médico (...) Depois que eu entrei no serviço social não posso gripar que eu fico afônica, eu nunca tive isso, mas depois que entrei, eu gripei um pouquinho perco a voz, mas mesmo assim eu venho trabalhar (...) (D, nov/2007).

As profissionais B e D demonstraram realmente que na clínica onde desenvolvem suas atividades têm refletido na sua saúde. No entanto, é importante frisar que as mesmas afirmaram, durante a entrevista, que realizam o seu fazer profissional com prazer e se sentem felizes enquanto profissional da saúde.
A assistente social B afirmou que mesmo diante de tantas ações a realizar e tantos entraves impostos pela burocratização, não considera um fator impeditivo para intervir. Diante dessa compreensão, pode-se afirmar, segundo Rocha e Fritsch (2002), que o trabalho é processo de transformação e faz parte do cerne do ser humano, haja vista que as pessoas produzem o que são.
Rocha e Fritsch (Idem) afirmam ainda que o bem-estar físico e psicológico do trabalhador reflete no seu desempenho profissional. Por isso é importante a qualidade de vida no trabalho, visto que essa se relaciona diretamente com as possibilidades concretas no trabalho do profissional a ser compreendido como sujeitos humanos integrais e integradores.
Nesse sentido, é necessário perceber de que forma o profissional está se envolvendo nas ações de trabalho a ponto de deixar que o mesmo venha afetar sua saúde. De acordo com Santos (2005) a nova forma de organização de trabalho faz o trabalhador buscar integrar-se cada vez mais à lógica do mercado, a fim de ir além do seu limite para atender as demandas, ficando assim sujeito aos impactos e mudanças na própria saúde. Nessa perspectiva, conforme afirmaram as assistentes sociais no relato abaixo o emocional também é algo que é/ou pode ser afetado pelo o ritmo de trabalho.

Com certeza o emocional, porque é muito difícil você vê um garoto de 16 anos perdendo um membro que para o homem é essencial e você tem que dizer para ele que a partir daquele momento à vida sexual ativa (...) acabou. Essa é a parte do serviço social, porque o médico diz que ele vai fazer amputação do pênis; só que muitas das vezes o paciente não sabe que essa amputação será total. Ele acha que o médico vai tirar um pedacinho e que dali ele terá uma vida normal (...). Na verdade isso é muito angustiante (...). O paciente de hérnia de próstata é [diagnóstico] benigno, mas que a demanda é reprimida e que não pode, de imediato, dizer que ele vai se internar; você dá mais ou menos um prazo de 90 dias para que ele volte, para saber se já existe uma perspectiva de cirurgia. Então, tudo isso angustia muito; ainda mais na clínica de urologia que possui oito leitos (...). Você tem uma fila de pacientes de 82 anos, de 90 anos, de 92 anos, de 89 anos. E, eu tenho pacientes de 40 anos [ela se refere às condicionalidades], mas tem o Estatuto do Idoso que o ampara, assim, eu preciso interná-lo com urgência, mas por outro lado é um paciente que já viveu bem e eu tenho um de 40 anos, mais o que vou fazer? Então é muito angustiante, têm noites que eu não consigo dormir porque deito e fico pensando no que vou dizer amanhã para o paciente que vai me ligar, com certeza, para saber porque que não se internou (...). Tenho problemas de insônia, depois que eu entrei no serviço social eu nunca mais pude dizer dormi uma noite inteira de sono, mas eu não reclamo porque eu amo o que faço (D, nov/2007).

(...) têm alguns momentos, alguns casos que me deixam muita ansiosa, como se apresenta a situação do paciente, a situação social e clínica do paciente, eu fico preocupada, ansiosa, até certo ponto fico nervosa, preocupada porque quero resolver logo a situação, para que o paciente consiga chegar até ao leito (...). O paciente chega aqui estressado desconta na gente, porque está a meses fazendo exames e eram exames que não precisam ser feitos aqui; era para ele trazer, para adiantar o processo, paciente com baixo nível de instrução; aí, conclusão, nossa demanda é altamente reprimida; são encharcadas, aí estressa também a gente (...). A equipe que eu trabalho é de 6 profissionais [se refere aos médicos], que me geram 30 guias por semana, mais ou menos nessa faixa e eu tenho 14 leitos para trabalhar; veja isso quanto vai no mês; eu tenho uma demanda de mais de 800 pacientes na fila com diagnósticos fechados, com situações diferenciadas, eu sei disso, tanto benigno quanto maligno, isso não tem como não te preocupar, não tem como não interferir (B, nov/2007).

O que eu quero é resolver a situação, eu não me acho ansiosa eu posso está naquele momento para resolver determinada situação (...). A responsabilidade do profissional para resolver aquela situação, a responsabilidade nossa é muito grande (...) (A, nov/2007).

A ansiedade e a preocupação que as profissionais relataram, sobre o trabalho diário, é produto de uma ação profissional cuja habilidade exige o compromisso com a garantia do atendimento, pois isto faz parte de sua formação profissional.
 Para Santos (2005), o impacto desse tipo de ação na saúde do trabalhador tem gerado problemas de sofrimento na atualidade. A saúde desse profissional frente às modificações vivenciadas na composição do trabalho só poderá ser realmente discutida associando-a a suas relações sociais.
Durante a investigação foi constatado que a maioria das assistentes sociais procura não deixar que o trabalho interfira em suas vidas familiares, porém não é uma tarefa fácil. Segundo uma das assistentes sociais às vezes não tem como evitar.

Às vezes a gente está em um lugar de lazer e o telefone toca; é um problema do trabalho, e eu tenho que me ausentar para resolver, porque eu não consigo ouvir o telefone tocar e não atender. Com os colegas também, às vezes a gente está em uma reuniãozinha à tarde, o telefone toca sou eu falando com o médico, com a assistente social, com a colega que me liga, para perguntar alguma coisa e que a gente não deixa de resolver (D, nov/2007).

O processo de trabalho do assistente social exige muito do profissional e não se constitui tarefa fácil, pois demanda interesse, responsabilidade e amor pelo que se faz. “Eu gosto muito do que faço, eu não fiz serviço social por fazer, eu fiz serviço social por paixão, eu acho que a diferença do profissional para o profissional está aí, do gostar de fazer.” (D, nov/2007).
Quando a assistente social se refere sobre a diferença entre profissionais engendra compreender aqueles profissionais compromissados com o que fazem e aqueles não compromissados, pois quando o mesmo se envolve realmente no fazer profissional procura efetivar seus deveres descritos no código de ética, tendo o mesmo como direcionador de sua prática.
Sabe-se que o código de ética do assistente social traz deveres para o profissional em relação àqueles a que lhes é destinado os serviços, e esses deveres perpassam em contribuir para a viabilização da participação efetiva da população usuária nas decisões institucionais; garantia de informação e discussão sobre as possibilidades e consequências das situações apresentadas; democratização das informações e o acesso aos programas disponíveis à participação do usuário; devolver as informações colhidas nos estudos e pesquisas aos usuários com o intuito de que os mesmos possam usá-las para os seus devidos interesses e contribuir para a criação de mecanismos que venham desburocratizar os serviços ofertados, no sentido de agilizar e melhorar os serviços prestados.
Essa prática compromissada baseada no código de ética busca fazer diferenciações ultrapassando o mero fazer por fazer, é por essa razão que o conhecimento teórico precisa estar entrelaçado à prática. Assim:

Faz então necessário ao profissional que, pela via do conhecimento teórico, da escolha consciente por valores universais, da direção política que atribui a sua prática, bem como de uma postura renovada e qualificada, transcenda a mera cotidianidade para alcançar o patamar do exercício crítico, competente e comprometido. Pra tanto, os projetos profissionais críticos se constituem na mediação privilegiada do exercício profissional competente e comprometido. (GUERRA, 2007, p. 10)

É no dia a dia do trabalho que o compromisso e os deveres se efetivam, ganhando vida quando são concretizadas as ações relacionais e de serviços. Agora, é certo que essa prática de trabalho se dá com muito esforço, pois segundo Nicolau (2004) mobiliza a totalidade do indivíduo com sua história e experiência que é apropriado na formação.
Apreender esse trabalho no espaço sócio-ocupacional em vinculação com a práxis social denota captar os determinantes que interferem em diferentes espaços do exercício da profissão. Como coloca Nicolau (2004) no fazer profissional é preciso levar em conta o contexto material do surgimento da profissão e sua evolução; a diversidade teórica, política e ética que articula a profissão; o debate sobre o saber fazer em diferentes espaços e tempos e os interesses que define o profissional em termos de formação acadêmica.
Nessa compreensão, a assistente social D afirmou durante sua entrevista sentir cansaço e preocupação no trabalho, com tantas situações que a mesma necessita viabilizar e o interesse em conseguir melhorar o seu desempenho profissional. Diante disso, quando essa prática é canalizada com empenho não tem como não influenciar de alguma forma na saúde.