FRONTEIRAS E FRONTEIRIÇOS

FRONTEIRAS E FRONTEIRIÇOS

Karoline Batista Gonçalves(CV)
Roberto Mauro Da Silva Fernandes
(CV)
Organizadores
Universidade Federal da Grande Dourados

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NARRATIVAS DE FRONTEIRA: GENTES E LUGARES EM MULTIPLICIDADE

 

Jones Dari Goettert
Curso de Geografia
Programa de Pós-Graduação em Geografia
Programa de Pós-Graduação em Antropologia
Universidade Federal da Grande Dourados
CNPq; FUNDECT
jonesdari@ufgd.edu.br
jonesdari@hotmail.com
                                                 

Resumo
Partindo de três narrativas de fronteira, construímos o entendimento de que toda “realidade” de fronteira é produzida como “situação” de relações específicas. Da ideia de “díade” construída por Michel Foucher, esboçamos à de “situação de fronteira” como aquela construída por contextos fronteiriços próprios, redefinindo suas próprias “realidades”, seus próprios “sistemas” simbólicos e seus próprios imaginários. Das fronteiras do escritor Tabajara Ruas, dos “laranjas”, sacoleiros e balconistas de produtos “do Paraguai”, e das relações da migração camponesa brasileiro-gaúcha para a Argentina, a fronteira (pluralizada) assume uma multiplicidade em movimento sempre aberto, capaz tanto de reprodução das imposições de fora como de transgressões e de conexões ainda não construídas – ali, como em todas as situações de fronteira, junto ao mapa que divide está o mapa da vida de la gente.

Palavras-chave: Fronteiras; Narrativas; “Situações de fronteira”.

Abstract
Starting with three narratives border, build the understanding that all "reality" of the border is produced as "situation" of specific relationships. The idea of ​​"dyad" built by Michel Foucher, the outline of "frontier situation" as the one built by frontier own contexts, redefining their own "realities", their own "systems" their own symbolic and imaginary. The borders of the writer Tabajara Streets, the "oranges", and clerks sacoleiros product "Paraguay", and relationships of Brazilian peasant migration to Argentina, gaucho, the border (plural) assumes a multiplicity moving always open, capable both playback of the charges off as transgressions and connections not yet built - here, as in all situations of border, next to the map is a map that divides the life of her people.

Keywords: Frontiers; Narratives, "boundary situations".

 

1 – Condições de fronteira

          A condição de fronteira é sempre aquela da dicotomia ser e não ser. Ser daqui e não ser de lá, ser de lá e não ser daqui. Mesmo que essa dicotomia seja suplantada por uma pretensa identidade fronteiriça ou identidade de fronteira, as nacionalidades emolduram com tanta força os sujeitos e seus lugares que o “vai-e-vem” é inevitável. Identidades, instituições culturas, línguas, jogos, encontros, comunidades, pertencimentos e outras e outros (de fronteiras), cedem espaço, em “última instância”, à condição hegemônica exercida pelas identidades, instituições, culturas, línguas, jogos, encontros, comunidades, pertencimentos e outras e outros, nacionais.
            No entanto, parece haver sempre brechas entre os arranjos institucionais inter-nacionais que tentam, em todo lugar e a todo tempo, impor-se como absolutos. Como qualquer instituição (a ideia de fronteira como instituição é apontado por Michel Foucher, 1991; 2009), a fronteira é tanto materialidade/imaterialidade vazada em relações as mais diversas, como o espelho que, se anseia pelo reflexo claro e translúcido de formas, cores e sons, cai em sua própria armadilha ao constatar que o direito aqui é o esquerdo lá, e vice versa.
            Por isso, nesses jogos de espelhos que marcam as fronteiras, as formas, cores e sons das inter-nacionalidades oficiais e oficialescas são borrados e rasurados por relações ao rés do chão. Relações como daquelas que fantasiam o mundo das crianças que ainda tem pouco clara a divisão entre país daqui e país de lá; de músicas ou de programas que tocam nas rádios ou nos canais de televisão com ondas que trazem a saudade, mas também vozes diferentes para o mesmo personagem (como assistir ao programa “Chaves” nas imagens vindas do Brasil, mas que na Argentina é “El show del Chavo”), dos produtos e das mercadorias que viajam atravessados pelo trabalho duplamente precarizado (em países asiáticos e daquele dos “laranjas” e “sacoleiros” no Brasil) ou mesmo pelo trabalho marcado ainda pelo “valor de uso” mais que pelo “valor de troca” (como nos produtos de colonos brasileiros que voltam ao Brasil depois de produzidos no nordeste argentino)...
            Formas, cores, sons e relações de fronteira são as permeadas por condições de fronteira (como qualquer outra relação que é sempre definida por sua especificidade). Isto é, as relações de fronteira são aquelas marcadas pelos “eventos” de fronteira, o que requer pensar, inversamente, que nem todas as relações que ocorrem em “espaço de fronteira” (ou zona, região, área de fronteira...) podem ser definidas como tal. O espaço de fronteira tende a desenvolver um conjunto de especificidades que se alojam em determinadas relações, mas nem sempre as relações no espaço de fronteira são atravessadas por essas especificidades.
            Uma camiseta de futebol “dividida” ao meio pelas cores e formas dos fardamentos das seleções brasileira e paraguaia, à venda em lojinha de camelô na Linha Internacional, que limita as cidades de Ponta Porã (Mato Grosso do Sul – Brasil) e Pedro Juan Caballero (Amambay – Paraguai), pode ser definida como um “objeto” em relação de fronteira. Se esta mesma camiseta estivesse disposta em loja da Rua 25 de Março, na cidade de São Paulo, pouca ou mesmo nenhuma imbricação teria com uma condição de fronteira. O exemplo é apenas ilustrativo mais ajuda a dar conta da necessidade de nossas leituras sobre condições de fronteira não serem reféns de um certo determinismo da fronteira. As condições de fronteira e suas relações se desenvolvem não simplesmente porque “estão” na ou “são” da fronteira, mas porque incorporam especificidades que as marcam como sendo de fronteira.
            Um conjunto dessas relações são analisadas aqui. Em um primeiro momento, percorremos as trilhas deixadas pelo escritor Tabajara Ruas. A partir de um relato de sua relação com a fronteira, o escritor deixa pistas importantes de como a fronteira teve participação profunda em sua infância e juventude, e de como continua marcando sua existência, às vezes mais, às vezes menos, mesmo distante do espaço fronteiriço entre Uruguaiana, Paso de Los Libres e Bella Unión, entre o Brasil, a Argentina e o Uruguai.
            Em um segundo momento a nossa análise de detém sobre condições e relações de fronteira experienciadas e vividas por “laranjas”, “sacoleiros” e balconistas entre o Brasil e o Paraguai, mais especificamente entre Foz do Iguaçu e Ciudad del Este. Mulheres e Homens com mais ou com menos idade dão voz a relações de tensão e conflito que permeiam o trânsito cotidiano de gentes “instrumentalizadas” para o transporte e venda de mercadorias “do Paraguai”.
            E em terceiro momento, analisamos condições e relações de fronteira de localidades na fronteira entre Brasil e Argentina a partir dos “eventos” narrados por brasileiros migrantes e por argentinos. No nordeste argentino, no extremo leste da Província de Misiones, as relações de gentes com a terra e com a condição de estrangeiridade vão redefinindo desde jeitos de falar a formas de comprar e vender coisas, de um e outro lado da fronteira. De um lado, brasileiras e brasileiros, a maioria famílias de pequenos agricultores oriundos do Rio Grande do Sul e com quem ainda estabelecem importantes relações, seja pela proximidade física (divididos unicamente pelo rio Uruguai) ou pela proximidade de pertencimento (familiares e parentes do Brasil visitam e são constantemente visitados pelos moradores agora da vizinha Argentina); e de outro lado, argentinas e argentinos protagonistas de uma condição de “recebimento” e compartilhando novas relações, marcadas tanto por certo modo de vida camponês como pela situação de fronteira imposta pelo controle e poder das nacionalidades.
            Dessas três rápidas analises, passamos à construção da proposição de que se toda fronteira pode ser compreendida pela formação de “díades” (“limites comuns de dois Estados contíguos” [FOUCHER, 2009, p. 10]), ela também deve ser pensada como produção de “situações de fronteira” diversas e múltiplas, não obedecendo, portanto, a um processo de homogeneização territorial-fronteiriça como talvez possa fazer supor os interesses nacionais em jogo. Cada “situação de fronteira” abarca um conjunto de relações que lhe é própria, construído temporal e espacialmente e por isso marcado pelas especificidades econômicas, sociais, culturais e políticas de cada “formação socioespacial” fronteiriça. Ao mesmo tempo, devemos considerar que ambos os lados de cada “situação de fronteira” são em si mesmos diversos, heterogêneos, desiguais e contraditórios, definindo jeitos distintos de sujeitos e coletividades construírem suas relações de fronteira.

2 – “Cada vez que vejo uma ponte, penso que do outro lado está a Argentina”: depoimento de um homem de fronteira

            O escritor Tabajara Ruas1 , em “Depoimento de um homem de fronteira” (RUAS, 2004), apresenta uma impressionante narrativa da fronteira de um sujeito que nasce em uma de suas margens, mas que é “composto” por uma espécie de “totalidade fronteiriça”. Na expressão de Ruas, uma totalidade “triplicada”: “Nasci em Uruguaiana, uma cidade muito particular, porque faz fronteira com dois países. De um lado com a Argentina [Paso de Los Libres], de outro lado com o Uruguai [Bella Unión]”. Ali, Ruas morou até os dezoito anos, tempo suficiente para que a fronteira deixasse nele marcas indeléveis, como lugar que se junta ao corpo e ali se aloja em uma condição periclitante, isto é, participante de um “vai-e-vem” constante no encontro das lembranças e dos novos lugares de existência.

Nasci em 1942, na época em que estavam fazendo a ponte internacional de Paso de Los Libres, e o meu pai trabalhou na construção da ponte. Esse era um dos orgulhos da cidade, todos que haviam trabalhado na construção daquela ponte tinham alguma coisa grande e importante a contar. O meu pai me contava muitas histórias épicas da construção da ponte, que acabou se tornando uma presença constante na minha vida. Um poema do poeta uruguaianense Nei Duclós, diz: “Cada vez que vejo uma ponte, penso que do outro lado está a Argentina”. Esse sentimento me acompanhou durante toda a vida (RUAS, 2004, p. 58).

          As relações de Ruas com o outro lado da ponte participavam de um cotidiano de fronteira no qual o lado de lá aparecia tanto como mistério como por um atravessamento por motivos e interesses os mais diversos, grandes e pequenos. De outro lado, na Argentina, estava um outro país, uma outra nacionalidade, uma outro língua, mas também...

[...] em Paso de Los Libres que comprei as primeiras revistas em quadrinhos, meus primeiros gibis, onde comecei a desvendar – era um garoto de calças curtas – esse mundo da ficção que até hoje me fascina e me consome. A ponte unia dois países, e foi o primeiro caminho do garoto para o vasto mundo da cultura pop (RUAS, 2004, p. 58).

          A cultura “pop” que se globalizava também vinha pelo lado de lá da fronteira e não apenas pelos centros do Brasil. A distância da fronteira meio que se desfazia pelas idas e vindas pela ponte, mas também pelas ondas das rádios argentinas:

E o que escutávamos na nossa casa não era só a rádio Charrua de Uruguaiana, nem a rádio São Miguel. Escutávamos também a rádio General Madariaga de Paso de Los Libres. Nossa casa na cidade de fronteira, assim como era invadida por sambas, chorinhos e músicas gauchescas do lado de cá, era invadida, também, diariamente, por milongas e chamamés e salsas, que se tornaram também acompanhantes permanentes ao longo da minha vida (RUAS, 2004, p. 59).

          A fronteira grudou em Ruas. Nele, longe-perto da fronteira, a condição de “homem da fronteira” se fez também em “homem de fronteira”, ou seja, a abertura a uma condição duplicada (aqui e lá: Brasil e Argentina) e até triplicada (aqui, lá e acolá: Brasil, Argentina e Uruguai) de espaços nacionais, fazendo emergir um sujeito um tanto “omnilateral” e não “unilateral”, de um brasileiro que parece ter aceitado viver a fronteira na sua mais profunda troca de “objetividades” e de “subjetividades”.
            E se naqueles tempos de guris um “espírito fronteiriço” de apossava de Ruas e dos demais, este mesmo espírito também se revelara, depois, como o amálgama de uma condição que se quer inteira e não dividida por imaginários de diferenças grosseiras e austeras.

A fronteira tinha um lado físico: os jogos de futebol. Havia na primavera um torneio de futebol entre as escolas de Uruguaiana e as escolas de Paso de Los Libres. Com o tempo, cautelosamente, os dirigentes decidiram abolir os torneios. O furor dos jogos e a vitalidade da adolescência tornavam os torneios perigosos e violentos. Participei de, pelo menos, três torneios durante a minha adolescência, que terminaram calamitosamente. Quando vou a Uruguaiana ou, às vezes, a Paso de Los Libres, encontro os antigos jogadores de futebol e veteranos daquelas terríveis brigas em campo. Recordamos com nostalgia. Somos mais amigos, talvez, por causa dessas lembranças belicosas (RUAS, 2004, p. 59).

          Ruas conheceu Montevidéu e Buenos Aires antes de Rio de Janeiro e São Paulo. Aquelas mais europeias; essas, mais sul-americanas. De algum jeito, por isso, as fronteiras são capazes de agregar condições de experiência e existência multiplicadas (“duplicadas” ou “triplicadas”). No entanto, a condição de fronteira é dividida também com outras condições para além daquela “tipicamente” fronteiriça. Uruguaiana, de acordo com Ruas, se fazia também “cercada de pampa” e não parecia à toa que os filmes de cowboys,

[...] nas suas nuanças e complexidades que nem todos percebiam, nos remontavam àquele distante país, gigantesco e enigmático, que era os Estados Unidos e que, no entanto, tinha uma característica tão parecida com aquela nossa pequena cidade de Uruguaiana, que era a vida camponesa, aquela vida agreste, lidando com animais, com boi, com cavalo, com vaca, com aqueles elementos tão rústicos e tão próximos. E o exercício da coragem (RUAS, 2004, p. 61).

          Nesse caso, parecia se juntar, para Ruas, as duas condições, a gauchesca-pampeana e a fronteiriça, mescladas em filmes “faroestes americanos B”:

A coragem é uma fantasia masculina, sobejamente alimentada na fronteira. O que não é uma fantasia é lutar contra o medo. Isso talvez seja a coragem. Mas naquela região havia o mito da coragem. Todos nós tínhamos de ser corajosos e aqueles filmes americanos [de faroeste] que víamos era que nos davam a lição mais influente das nossas vidas, com certeza, por mais que eu queria me desligar dela. E por mais que eu tenha assistido dezenas de vezes os filmes de Antonioni ou do Tarkovski ou do Billy Wilder, quando me sento a escrever, em um ponto da minha memória está um daqueles faroestes americanos B, com a sua precisão narrativa, com seu ritmo, com suas bravatas e com suas tocantes simplificações sobre a vida.
[...]
Nossa casa era na beira do rio. Nós saíamos de casa e víamos a Argentina, aquela visão de que havia um outro país do outro lado do rio, um país ameaçador. Aquela visão era fascinante e ao mesmo tempo inquietava. A minha infância toda eu estava preparado para a invasão argentina. Aliás há um belo romance do José Antônio Severo que chama A invasão, cujo cenário final é a ponte internacional sobre o rio Uruguai, a ponte entre Uruguaiana e Paso de Los Libres. Havia esse mito, o de que haveria uma guerra entre Brasil e Argentina, e a cidade de Uruguaiana seria o primeiro campo de batalha, e então, por esses e vários outros motivos, nós tínhamos de estar preparados. Pior que a invasão dos argentinos, era a invasão Correntina, e isso porque, se os argentinos são bravos, os correntinos são os mais bravos de todos os argentinos. Tínhamos de também estar preparados para isso e outras fantasias que a fronteira gerava (RUAS, 2004, p. 61-63).

          Tabajara Ruas “deixou” a fronteira aos dezoito anos. Além dessa “ruptura”, na adolescência passou de leituras de “toda aquela literatura maravilhosa da aventura” a Erico Verissimo, “que abriu os nossos olhos para o fato de que a grandeza está aqui onde nós estamos”. Também na mesma época começou a escutar Bossa Nova... Morava em Porto Alegre quando estourou o golpe militar em 1964, e dali partiu para dez anos de exílio. Em Santiago e em Valparaiso, no Chile. Na Dinamarca. Em São Tomé e Príncipe, no golfo da Guiné, na África... (RUAS, 2004, p. 62-64).
            Por entre todos esses países e lugares, Ruas foi percebendo, principalmente ao observar as questões postas por dinamarqueses primeiro-mundistas e africanos “subdesenvolvidos”, que “[...] a identidade humana é uma pele muito superficial que nos é dada pelo lugar onde nascemos, as idiossincrasias, as nuanças, as bobagens que cada lugar tem, suas pequenas manias e mitos”. E na volta para o Brasil também voltou para rever Uruguaiana, “os antigos lugares, os lugares sagrados na memória” (RUAS, 2004, p. 64).

3 – “Então todo mundo começou a trabalhar fazendo bicos no Paraguai, do mais velho ao mais novo”: “laranjas”, sacoleiros e balconistas na fronteira

            Carlos, Pedro, Cláudio, Mario, Roberto, Deise, Paulo, Luis, Adriana e José são sujeitos “laranjas”, sacoleiros e balconistas que se fazem em condições de fronteira analisadas por Eric Gustavo Cardin2 (2011). Entre Brasil, Paraguai e Argentina (especialmente entre os dois primeiros), em área de “Tríplice Fronteira”, Cardin buscou compreender a situação de trabalhadoras e trabalhadores em condição precarizada como elemento central do desenvolvimento do neoliberalismo no capitalismo contemporâneo. Ali, nas fronteiras que se juntam, a precarização do e no trabalho parece e aparece em uma configuração “duplicada” e até “triplicada”, pois a pretensa ilegalidade dada sobre as mercadorias compradas em Ciudad del Este (Paraguai) tem sua lógica também marcada pela condição ilegal das mulheres e dos homens do trabalho, tanto pela informalidade nas lojas como na criminalização a que estão sujeitos na travessia e no percurso na fronteira até seus locais de origem.
            Tal condição, como bem acentuado por Cardin (2011), revela-se tanto na precarização do e no trabalho como na precariedade das próprias condições de existência, marcadas ambas pela “pobreza e exclusão social”. A precarização e a precariedade das relações de trabalho e das condições de existência de “laranjas”, sacoleiros e balconistas do comércio de reexportação na Tríplice Fronteira em análise, são compreendidas como parte do movimento amplo do capitalismo e de sua reestruturação recente, aliando neoliberalismo e globalização:

O comércio paraguaio dificilmente é compreendido se estudado de forma isolada; é preciso considerar a importância: 1) da reestruturação produtiva nas mercadorias que são negociadas a baixos preços; 2) do neoliberalismo ao abrir os mercados mundiais para a livre concorrência; 3) da flexibilização e da precarização das relações de trabalho para compreendermos a situação dos trabalhadores locais; 4) como também da globalização, que permite o fluxo de capital, de mercadorias e de valores em uma velocidade cada vez maior (CARDIN, 2011, p. 54).

          Os oito trabalhadores e as duas trabalhadoras ouvidas e trazidas por Cardin (2011) para dentro de seu texto apontam formas, cores e sons de uma fronteira em condições concomitantemente de “oportunidades” e de constrangimentos. As práticas de compra, transporte e venda de mercadorias “importados” como oportunidades de pequenos “lucros” garantindo a reprodução da existência, e ensejando, inclusive, “trabalhadores dispostos a acumular capital de qualquer modo” (CARDIN, 2011, p. 128). E as mesmas práticas, inversamente, como produção de constrangimentos que podem ir da perda das mercadorias pela fiscalização da Receita Federal, do lado brasileiro da fronteira, à criminalização radical pelo envolvimento com o tráfico de drogas ou mesmo com grupos mais organizados de contrabando de mercadorias que sofrem maior rigor pelos órgãos de controle (cigarros, bebidas, pneus etc). Ambas, oportunidades e constrangimentos, podem ser também concebidas como desdobramentos de práticas de transgressão a condições, armações e exigências (inter)nacionais de controle e fiscalização.
            É por entre controles e “descontroles” que os sujeitos “laranjas”, sacoleiros e balconistas assumem importante centralidade na análise de Cardin (2011). Falam de seus trabalhos, mas, fundamentalmente, em linhas e em entrelinhas, falam da vida em uma “totalidade” que apenas parcialmente é cortada pelas condições de fronteira que se envolvem. A maioria das mulheres e dos homens escutada por Cardin vive em área de fronteira, tendo nela um conjunto de relações que acaba por transbordar da fronteira atingindo relações de existência as mais diversas.
            Os sujeitos: Carlos, 41 anos, veio de São Paulo e mora em Foz do Iguaçu comprando e vendendo mercadorias “do Paraguai”; Pedro, 30 anos, é “laranja” e mora em Foz do Iguaçu; Cláudio, 27 anos, veio de Roncador, Paraná, e é sacoleiro em Foz do Iguaçu; Mario, 19 anos, é “laranja” e mora em Foz do Iguaçu; Roberto, 25 anos, trabalha em empresa de informática ligada a produtos eletrônicos “do Paraguai” e mora em Foz do Iguaçu; Deise, 16 anos, trabalha como vendedora em loja no Paraguai e mora em Foz do Iguaçu; Paulo, 24 anos, trabalha como “barqueiro” de produtos “do Paraguai” e mora em Foz do Iguaçu; Luis, 18 anos, trabalha como “laranja” e mora em favela na margem brasileira do rio Paraná; Adriana, 17 anos, apresenta as mesmas condições de Luis; e José, 46 anos, trabalha como motorista de ônibus de sacoleiros e mora em Foz do Iguaçu (cf. CARDIN, 2011, p. 78-123).
            Mulheres e homens extraordinariamente comuns atravessados por fronteiras que se juntam às relações pessoais, familiares, do trabalho, do passado, do presente e do futuro, das esperanças que já se foram e daquelas ainda por vir nos filhos que vão descobrindo suas próprias fronteiras, e até as fronteiras que já se fazem sentir por quem ainda vive a solteirice... Em situações várias as relações tanto se dão independentemente das condições de fronteira como, em outras, dão-se nela mergulhadas em transbordamento para as relações mais próximas.
            O vendedor de “produtos paraguaios”, Cláudio, gosta de assistir o “jornal das 8 e 9 horas”, enquanto a esposa prefere novelas. Depois, vai deitar. Com 41 anos parece esperar pouco da própria vida, repassando aos filhos e netos esperanças que nele já se perderam: “Eu já tenho certa idade [e] para mim não interessa ter carteira assinada, para meus filhos, sim [...] estou quase no fim da vida”. Contudo, a ideologia do trabalho atravessa Cláudio de forma avassaladora: “Trabalho para mim é tudo, tudo na vida. [...] se não fosse o trabalho eu estava perdido. [...] Vendo bóias de plástico no verão, churrasqueiras e brinquedos no inverno, e assim vou me virando”. Ironicamente, o trabalho é impedido tanto pelos agentes de fiscalização de práticas de “ilegalidade” como por agentes de controle do não-trabalho para os filhos menores: “a gente ta trabalhando e estão tirando o pão da boca da gente. [...] Os meus filhos trabalhando comigo já apanharam de autoridade [...] que os filhos da gente sejam criados que nem vagabundos, na rua...” (CARDIN, 2011, p. 78-83).
            As contradições entre os ideais de liberdade e práticas cotidianas são inevitáveis. Os pais devem controlar os filhos e o Estado controla a todos. Nas relações de trabalho e de mercado na fronteira, o controle tende a se multiplicar:

O discurso neoliberal, que defende a ausência de interferências do Estado no mercado, não corresponde às ações efetivadas pelo governo brasileiro na fronteira entre o Brasil e o Paraguai, pois ao controlar o fluxo de mercadorias contrabandeadas de Ciudad del Este ele consequentemente protege determinados campos da indústria nacional da concorrência “desleal” que seria promovida pela invasão dos produtos importados (CARDIN, 2011, p. 84-85).

          O controle das mercadorias é o controle também das mulheres e homens do trabalho, tanto no trabalho como fora dele. Pedro tenta cotidianamente burlar o controle:

Vou direto para uma favela nas proximidades do Rio Paraná. [...] A mercadoria que atravessa é colocada no porta mala de um carro de preferência de luxo para não levantar suspeita. [...] A mercadoria depois vai para um hotel nas redondezas e aí outras pessoas entram em ação levando até o destino, São Paulo e Rio de Janeiro (CARDIN, 2011, p. 86).

          A favela “se mistura” ao luxo, a pobreza à riqueza. A mercadoria como unidade básica e mediadora das relações humanas é alçada à condição de sujeito, enquanto mulheres e homens do trabalho à condição de contrabandistas, criminosos. A “contravenção” na fronteira alimenta também o mercado nos grandes centros. As práticas de contrabando envolvem, ainda segundo Pedro, uma “certa ética”, “[...] para que não tenha desavenças que prejudiquem a organização [...] [e] que envolve até mesmo a polícia” (CARDIN, 2011, p. 86).
            A “ética” do mercado e do trabalho na fronteira é capciosa, como o é o próprio mercado. Os sujeitos “fora da lei” e os “da lei” se misturam em uma promiscuidade que dificulta uma separação clara entre o que Milton Santos (1979) definiu por circuitos superior e inferior da economia urbana (o que deve valer certamente, também, para as economias não-urbanas). Em tais relações, os sujeitos do trabalho “quebram” a “legalidade” não apenas como condição de criminalidade, mas como condição de sobrevivência. Mário, por exemplo, começou a lida como “cigarreiro” aos 11 anos (“cigarreiro”: “Trabalhador responsável exclusivamente pelo transporte de cigarros sobre a Ponte da Amizade” [CARDIN, 2011, p. 97]). De pai que trabalhava com madeira, toda a família passou a se dedicar a atividades de trabalho na fronteira pela falta de empregos na cidade de Foz do Iguaçu: “Então todo mundo começou a trabalhar fazendo bicos no Paraguai, do mais velho ao mais novo” (CARDIN, 2011, p. 97).
            Por sua vez, Deise, com 15 anos, encontrou no Paraguai seu “primeiro emprego” trabalhando “[...] como vendedora em outra loja de informática e sem nenhum direito trabalhista, cumprindo um trabalho extenuante, que chega a dez horas por dia com dois domingos de descanso por mês”. Deise é trilingui, dominando bem o português, o espanhol e o guarani, e mesmo também com de habilidades em informática não tem oportunidades no Brasil. A sujeição ao trabalho na fronteira a priva de fazer “vontades mais bobas”, “[...] como sair com os amigos nos fins de semana ou comprar um ‘agrado’ para si mesma”. O que ganha no Paraguai é pouco (150 dólares por mês), mas “[...] é fundamental para sua família, pois mora apenas com a mãe e uma irmã que depende basicamente do dinheiro que obtém trabalhando no Paraguai” (CARDIN, 2011, p. 100-101). Para Deise, a sujeição ao trabalho é também na fronteira a sujeição tanto do tempo de trabalho como do tempo livre. O “corpo livre” precisa descansar para, amanhã, de novo... trabalhar. Dois domingos restam no mês, talvez para assistir “Faustão” ou “Domingo Legal”!
            A concepção apontada constantemente da suposta “imoralidade” do trabalho feito por “laranjas” e sacoleiros é contraposta veementemente pelo “laranja” Luis, para quem “o trabalho é moral e justo”, pois, como também dizem outros “laranjas” e sacoleiros, querem apenas “sustentar suas famílias”. No entanto, para Luis, mas também para Adriana, o trabalho que desenvolvem também é percebido e vivido como espaço ao mesmo tempo de transgressão e de plasticidade, no qual a Ponte de Amizade é “palco” de trocas de favores e até de companheirismo, aproveitando “[...] das situações e das pessoas que cruzam pelo seu caminho todos os dias para tirar coisas boas do serviço, para poder dar risada enquanto atravessa a ponte” (CARDIN, 2011, p. 105-108).
            Deise mora em Foz do Iguaçu e é filha de pai paraguaio, por isso entende que é mais difícil perder o emprego em Cuidad del Este, onde trabalha, pois a permanência no emprego também depende de ter ou não um “patrão forte”. Já Mario e Roberto apresentam posições diferentes sobre o trabalho que desenvolvem e possibilidades de superação das dificuldades: para o primeiro, há a necessidade de aumento dos empregos no Brasil para que diminua o fluxo de trabalhadores na “informalidade”; para o segundo, mais pessimista em relação a Mario, o “problema” sempre vai existir, pois “[...] Os sacoleiros sempre arrumam uma nova maneira de burlar a fiscalização e continuar fazendo o seu serviço” – opinião que também é corroborada por Cláudio: “[...] o ser humano sempre se adapta à situação, arrumando alternativas para entregar suas muambas” (CARDIN, 2011, p. 108-109).
            As atividades de “laranjas” e sacoleiros por entre Ciudad del Este e Foz do Iguaçu obedecem suas próprias regras e hierarquias, mesmo assim, segundo Mario, “[...] é comum um laranja tentar passar a perna no outro”. Mais do que isso, Mario também aponta que “meninas” mais “bonitinhas” podem ter mais facilidades de obterem bons “patrões”, até ao ponto de ser “[...] comum algumas mulheres fazerem determinados favores sexuais para conseguirem contatos mais vantajosos” (CARDIN, 2011, p. 111-112).
            As trabalhadoras e os trabalhadores se multiplicam na fronteira definindo lugares de atuação, de experiências e de vivências. Paulo, por exemplo, como barqueiro, “circula” de um a outro lado do rio Paraná. Já José, transita de forma diferente mesmo transportando as “mesmas” mercadorias e sujeitos semelhantes; como motorista de ônibus de sacoleiros, o “mau tempo” é um termo usado mais para as dificuldades impostas pelos pontos de fiscalização nas estradas do que para questões climático-metereológicas (cf. CARDIN, 2011, p. 103 e 123).

4 – “Junto com o mapa está o mapa da vida de la gente”: relatos de gentes de fronteira

          No filme-documentário “Mistura de vida” (“Mixtura de vida” [Ana Zanotti, Série documental “Escenas de la vida en el borde”3 , 2002, sendo que as imagens de “Mixtura de vida” foram feitas mais precisamente em outubro de 2001]), mulheres e homens, crianças e adultos falam de suas relações às margens do Rio Uruguai, em uma terra Argentina com sotaque brasileiro-gaúcho. As localidades de Alba Posse, Santa Rita, Colonia Paraiso, El Soberbo, Colonia El Barrerito, Colonia Aparecida, 25 de Mayo, Colonia Alicia, Colonia Chafariz, San Francisco de Asis, 9 de Julho e San Javier (da margem argentina, província de Misiones), e Porto Soberbo, Alto Uruguai, Porto Mauá e Porto Xavier (da margem brasileira, estado do Rio Grande do Sul), vão aparecendo nos corpos, rostos, vozes, línguas, gestos, roupas, trejeitos, trabalho, músicas, fotografias, trocas e relações de Juans, Miguel, Irene, Robinson, Juliana, Wilmar, Maria Eva, Teresa, Irio, Edison, Irma, Fátima, Leandro, Eva Maria, Rosana e outras e outros anônimos que as imagens encenam em situação e condições de fronteira.
            O filme-documentário “Mistura de vida” é parte de uma série de quatro filmes (junto com “Seguir siendo”, “Um paso con historia” e “La creación”), que, como apresentado no início da exibição, são “[...] histórias [que] acontecem em Misiones, uma singular província de fronteiras no nordeste Argentino. [...] São histórias nascidas na dinâmica tumultuosa de migrações e de coexistências inquietas de culturas em contato. [...] Contam com voz própria o pequeno grande conflito de viver cruzando essas fronteiras na vida de todos os dias”4 .
            “Mistura de vida” termina com uma festa onde mulheres e homens dançam uma música-canto de “sotaque” gaúcho misturado à terra e jeitos argentinos, alemães e italianos (é nítida a constatação de que parte dos migrantes originários do Brasil descendem de alemães e italianos), gremistas e colorados, “brasileiros” (no Rio Grande do Sul, em lugares de forte presença alemã ou italiana, era e ainda é comum a referência de “brasileiros” para as pessoas de origem diferente, como as de sobrenome Santos, Silva e Pereira, sendo que muitas apresentavam e apresentam traços de descendência indígena, negra e/ou cabocla, criando, mesmo que entre gentes pobres de várias origens, uma certa condição de “estabelecidos” e “outsiders”5 [em aproximação a Norbert Elias e John Scotson, 2000]), locais, regionais, nacionais e globais.
            Se termina de tal jeito, por sua vez o filme-documentário “Mistura de vida” inicia com uma curiosa e até aparentemente “banal” constatação: a de como fomos e vamos nomeando as divisões ou pedaços do tempo, quase se dar conta disso. A uma parte do dia damos o nome de noite, à outra, de dia, e assim por diante... “E o tempo não sabe nada disso”! Da mesma forma, continua a narração inicial, também dividimos e espaço e nomeamos os seus pedaços, definindo partes, divisões, limites e fronteiras... “Mas a vida não é bem assim, não se deixa agarrar tão fácil”. É como se a artificialidade das divisões formais sofresse constantemente e até sem que percebamos os “ataques” de uma vida armada nas inconstâncias, maleabilidades e plasticidades nos jeitos de reproduzir, desviar, negar e transgredi-las. As divisões formais e oficiais do espaço, sempre tão certinhas, são invadidas por relações que as “desprezam” de tal jeito que a sua existência é dada por dissoluções e dissimulações que vão da tentativa de imitação dos sotaques das línguas (“por presupuesto”) ao canto cívico-patriótico de um hino nacional “estrangeiro”.
            Migrantes do vizinho Rio Grande do Sul, sobretudo descendentes de alemães e italianos, que há décadas foram reocupando terras do noroeste gaúcho e desavisadamente atravessando o rio Uruguai, ou para Santa Catarina (e depois para Paraná, Paraguai, Mato Grosso [virado Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rondônia depois], Pará, Bahia, Piauí, Maranhão... anos e mais anos seguidos) ou para a Argentina e ainda para o Paraguai. Na Argentina, nas terras estrangeiras feitas de pequenas propriedades camponesas de trinta a quarenta hectares, famílias migrantes foram abrindo picadas que viraram caminhos e depois estradas para carroças, carros e caminhões, derrubando matas que viraram lavouras de milho, de fumo, e os chãos das árvores que ficaram acabaram virando “territórios estratégicos” para meninos de sotaque estrangeiro-brasileiro armarem suas “aripucas”, e fazerem de palomas fáceis presas para serem misturadas à sopa da noite...

            A mobilidade do trabalho ou da força de trabalho camponesa foi/é também a migração de gostos (e desgostos), de jeitos (e trejeitos), de comidas (e restos), de roupas (e trapos), de línguas (e vozes truncadas), de temperos (e de chás amargos), de bebidas (e de bêbados), de casamentos (e de separações), de religiosidades (e de pecados), de torcedores de times de futebol (e de rivalidades como Brasil x Argentina), de pequenos contrabandos (e notícias de nascimentos, batismos, doenças, visitas, casamentos e falecimentos), de rápidas consultas com oculistas ou em postos médicos pequenos de cidades também pequenas, tudo por portos “Capivara, sem controle”... Na mobilidade camponesa migra todo um jeito de ver, cheirar, ouvir, plantar, cultivar, colher e cuidar a terra, de olhar para o céu e sentir a chuva próxima ou mesmo a estiagem longa...

A presença brasileira-camponesa em Misiones, na Argentina, em localidades próximas do rio Uruguai, é também uma certa reprodução da acumulação ampliada de línguas e sotaques virada expressões faladas por dialetos ainda meio que “presos” por condicionantes linguísticos histórica e culturalmente produzidos, e que se nos mais velhos é mais latente, nos mais novos a “vergonha” inicial nas escolas é progressivamente substituída pelo entrosamento fácil e desinibido. Músicas e cantos brasileiros (gauchescos, sertanejos, marchinhas...) atravessam o rio Uruguai em ondas de rádio “FM” tanto do Brasil (“América FM”) como da Argentina (“Alto Uruguay FM”), fazendo com que se misturem “Orelhano”, “Estoy Enamorado”, “Pense em Mim” e, em algum momento mais solene, o Hino Nacional argentino (do chamamé que se ouve e do tango tão longínquo quanto Buenos Aires, ausente)...

Orelhano, de marca e sinal
Fulano de tal, de charlas campeiras
Mesclando fronteiras, retrata na estampa
Rigores do pampa e serenas maneiras [...]
Orelhano, brasileiro, argentino
Castelhano, campesino, gaúcho de nascimento
São tranças de um mesmo tempo, sustentando um ideal
Sem sentir a marca quente, nem o peso do bucal [...]
Orelhano, ao paisano de tua estampa
Não se pede passaporte, nestes caminhos do pampa
Orelhano, ao paisano de tua estampa
Não se pede passaporte, nestes caminhos do pampa [...].
[Mário Eléu Silva]

Quiero beber los besos de tu boca
Como si fueran gotas de rocío
Y allí en el aire dibujar tu nombre
Junto con el mío […]
Y en un acorde dulce de guitarra
Pasear locuras en tus sentimientos
Y en el sutil abrazo de una noche
Sepas lo que siento […].
[Donato & Estefano]

[...] Em vez de você ficar pensando nele,
Em vez de você viver chorando por ele,
Pense em mim, chore por mim,
Liga pra mim, não, não liga pra ele,
Pra ele! Não chore por ele [...].
[Leandro & Leonardo]

Oid ¡mortales! e grito sagrado: 
¡Libertad, Libertad, Libertad! 
Oid el ruido de rotas cadenas: 
Ved en trono a la noble Igualdad. 
¡Ya su trono dignísimo abrieron 
Las provincias unidas del Sud! […]
[Hino Nacional da Argentina]

          A mistura é também – em “Mistura de vida” – um “mesclando fronteiras” ritmada por uma musicalidade forte e intensa, ao mesmo tempo harmônica e harmoniosa e tensa e conflitiva, porque toda música é uma marcação literal e metafórica de um ritmo, de um timbre, de uma entonação e de uma afinação, todas e todos se misturando a la gente e a la tierra. “Orelhano, brasileiro, argentino [...] Não se pede passaporte, nestes caminhos do pampa”, “Y allí en el aire dibujar tu nombre Junto con el mío […]”, para que “[…] [em vez] de você ficar pensando nele […] Liga para mim, não, não liga pra ele [...]”, e ouvir e sentir libertad e igualdad em “[...] Las províncias unidas del Sud!”... Ali, en el borde, as gentes se fazem também como animais (orelhanos) sem marca alguma e com uma multiplicidade de marcas simultaneamente.
             Ali, nas “províncias unidas del Sud”, o nordeste argentino se encontra ao oeste-nordeste gaúcho-brasileiro, e ambos, longe de seus “centros” nacionais, produzem-se como situação de fronteira meio que “esquecidos”, tendo que, por isso, se reinventar como espaço que mescla o paradoxal contexto da lonjura e do isolamento com a “necessária” ingerência dos controles nacionais sobre os produtos agrícolas, as mercadorias, os veículos e principalmente as gentes de um para o outro lado do rio Uruguai. Mas, da mesma forma que um trovador e uma trova falada-cantada atravessam de barca o rio, todo um mundo se encontra com outro e uma nova situação se afirma, como se de fato a fronteira inter-nacional não passasse apenas de uma mal traçada rasura sobre um mapa traçado por todas as vidas e coisas juntas, até porque “[...] junto com o mapa [de papel] está o mapa da vida de la gente”.

          De uma “balsa vieja” parece terem vindo migrantes brasileiras e brasileiros, que, agora, já mostram as fotografias das visitas recebidas do Brasil (fotogramas 4 e 5); os que foram e os ficaram e que, mais cedo ou mais tarde, também atravessam o riu Uruguai por canoas pequenas e por balsas mais novas (fotogramas 6 e 7). Brasileiras e brasileiros (daqui para ) e argentinas e argentinos (de para ), principalmente as primeiras e os primeiros, além de atravessarem o rio para verem e reverem familiares e parentes, agora o fazem para venderem e comprarem coisas (fotograma 8), como “essência de citronela” que como todos os produtos e todas as mercadorias tem o preço definido pelas estabilidades/instabilidades do câmbio... Nas visitas, as fotos são guardadoras de memórias constantemente vasculhadas, revistas, relembradas, em imagens preto e branco e coloridas que se “desbotam” o tempo também redefinem novos jeitos de narrá-lo, em parentes que mudam de lugar mudando também os jeitos de falar e os jeitos de olhar. E de “partidas de futebol, bailes e festas” (fotograma 9) podem ir surgindo encontros que fazem nascer pequeninos que já não se enquadram “perfeitamente” nos enquadramentos dados por nossas arbitrárias divisões espaciais (locais, regionais, nacionais ou continentais), daí a invenção de gentes nem totalmente brasileiras nem totalmente argentinas, mas talvez “brasileiro-argentinas” ou mesmo “gaúcho-castelhanas”, até porque por outras bandas parece comum aos ouvidos a ideia, por exemplo, de “matuchos” (gaúchos no Mato Grosso) ou até de “acreúchos” (gaúchos no Acre).
            Em “Mistura de vida” a fronteira é a própria mistura confundida, pois “na fronteira tudo se confunde” e “tudo parece que está meio a construir”. Talvez seja ali, na fronteira, que a configuração territorial moderno-contemporânea em sua divisão em Estados-Nações seja mais característica, e é ali também que suas bordas são borradas, sua rigidez é porosa e suas gentes precisam fugir constantemente de um controle dado mais pela forma que pela vida. “O controle, então, não é tão fácil” como as marcações em mapa pretendem impor, pois “Que isso de dividir não funciona” com “gente simples cruzando” em “busca [de] preço onde mais lhe convém”.
            No “vai-e-vem” da fronteira pelas margens do rio Uruguai, as gentes camponesas e outras de afazeres “pequenos” (“maestros”, bolicheiros [pequenos comerciantes], locutores de rádio, músicos, motoristas, balseiros, policiais dos pontos de controle de fronteira...) tomam de assalto a vida.       Como disse um pequeno bolicheiro no lado brasileiro: “É uma vida que acontece em toda a fronteira”. Por entre as relações “pequenas” as mercadorias de grandes marcas transitam por estradas no chão ou por ondas de rádio e TV no ar, pois “as grandes empresas e marcas estão onde lhes convém” com seus “interesses globais, Mercosul...” “Mas não se vê muito claro como isso vai beneficiar a la gente”. Paradoxalmente, em “Mistura de vida”, “nós, da fronteira, sempre vivemos o global”. É evidente que as gentes dali vivem o mundo que se propaga e propagandeia pelas redes das rádios e das televisões em antenas parabólicas. Como dizem as crianças: “nós temos antena parabólica que pega a Globo, Bandeirantes, TV Escola, a nossa pega só brasileira, nós vemos a TV argentina mas só se ouve, a gente ouve mas ela não mostra as pessoas;  no Brasil anda bem”. Ali, onde as ondas de TV se confundem, é possível assistir ao mesmo que é também o diferente, como o programa “Chaves” do Brasil que vira “El show del Chavo” na Argentina – “podemos decidir se queremos ver um ou outro”
            Ali, junto da “língua” televisa das empresas e de suas mercadorias, ambas pretensamente globais, outra língua “nova” se inventa, o portunhol: “nosso idioma mesmo”. Nas escolas o portunhol é a “língua desta fronteira viva” e as crianças confundem as letras do português e do espanhol. As crianças (e são muitos ticos) menos ainda impregnadas pelas tradições nacionais, talvez sejam as gentes que por último tendem a compreender a divisão do mundo em países, por isso na escola estão mais suscetíveis à cooperação, à integração. Uma fronteira que se deixa fazer como se fosse uma coisa só, pois “há momentos que não há diferenças de um país para outro, como se tudo fosse o mesmo”. Sim, ali, naquela fronteira, “é outro mundo”, nem mais totalmente Argentina mas também nem menos totalmente Brasil: uma síntese inconclusa que se nega e que se afirma a todo instante mas aberta a conexões ainda não estabelecidas.
            É evidente que na Argentina as escolas, mesmo que na fronteira, são argentinas. Como instituição nacional, toda escola está (relativamente) presa à reprodução e até à  imposição de uma educação nacional, de uma história e de uma geografia nacionais, de um língua nacional, de valores e símbolos nacionais, isto é, de um conjunto de imposições que pretendem definir uma narrativa nacional com seus mitos de origem e destino pressupostos. Ali, na fronteira de terras argentinas, dias cívicos ecoam o Hino Nacional e hasteiam a sua bandeira, momento no qual as bandeiras brasileiras e argentinas que tremulam em balsas do rio Uruguai são substituídas rigorosamente pelo “pano” branco e azul celeste e no centro o “Sol de Maio”, que deve brilhar inconteste para todas e todos dali, “quando as fronteiras se levantam”... Os jogos de futebol entre as seleções do Brasil e da Argentina também são marcadores importantes de identidade – “aí se marca bem os amigos e os contrários”.
            De outra parte, e certamente próximo a muitas escolas da fronteira, levantam-se túmulos e cruzes de “memória” e de “saudade”. “Mistura de vida” é a mistura do corpo morto que faz viver a terra em um sentido profundo, e ali, na Argentina, de uma terra estrangeira que vira “última morada” de uma mãe, de um pai, de uma tia, de um filho... brasileiras e brasileiros (por isso talvez vale pensar que todo “Campo Santo” e seus mortos tivessem na lápide o lugar de nascimento e por certo o lugar de morte, o que demonstraria que a nossa América é e foi deste sempre um imenso tapete retalhado de gentes vindas e chegadas de todas as partes, de todos os cantos).
            E por várias passagens de “Mistura de vida” um trovador brasileiro, que aparenta ser de origem indígena, negra e/ou cabocla, deslinda trovas para a mulher amada que pode tanto ser brasileira como castelhana, de um amor tão forte e prestante que “este [rio] Uruguai que temos é água para mim e para ti”, simplesmente.

5 – Situações de fronteira: as singularidades em multiplicidades

            Cada situação de fronteira produz sua narrativa. Ou talvez fosse mais acertado dizer que cada situação de fronteira produz suas narrativas, pois como em qualquer outra configuração socioespacial cada situação é marcada por interesses e necessidades, razões e emoções, “tecnoesferas” e “psicoesferas” (cf. SANTOS, 2004) ou materialidades e imaterialidades dificilmente homogêneos, ao contrário, quase sempre contrastantes, conflitantes, ambíguos e contraditórios. Mas, capturadas por “práticas discursivas” (cf. FOUCAULT, 1996) que se pretendem hegemônicas, essas marcações tendem, ideologicamente, a “condensar” as relações a uma narrativa única. É preciso, por isso, vasculhar a contrapelo cada configuração.
            A constatação de que cada configuração socioespacial de fronteira – as situações de fronteira – se fazem por e em multiplicidades não requer que a compreendamos a partir de um relativismo reducionista “banal”. Em situações de fronteira os “processos de fronteiramento” (cf. CARVALHO, 2010) devem ser entendidos em rebatimentos múltiplos, pois tanto as relações atingem diferentemente os sujeitos e as coletividades como cada configuração se produz e se movimenta também por aproximações e distanciamentos com espaços (inter)nacionais amplos, contíguos, em rede ou mesmo “rizomáticos”6 (cf. DELEUZE E GUATTARI, 1995). A contiguidade não necessariamente define uma gradação do mais ao menos envolvimento com uma dada situação de fronteira, pois, por exemplo, uma colônia de pequenos agricultores no interior do Paraguai pode ser mais atingida por “processos de fronteiramento” que sujeitos e coletividades próximas à Linha Internacional entre Ponta Porã e Pedro Juan Caballero. As relações em rede dependem de configurações mais abertas ou mais fechadas às “interações espaciais” (cf. CORREA, 1997) que perpassem escalas do local ao global, podendo passar pelas escalas regionais e nacionais. Por sua vez, as relações em espaços rizomáticos são aquelas dadas pelo movimento do ainda não “conectável”, do acaso, do improvável e do imprevisto, portanto, do não dado por pertencimentos ou enraizamentos a priori; em configurações socioespaciais de fronteira, justamente por comportarem potencialidades em relações duplicadas ou até triplicadas, pelas bi ou tri-nacionalidades envolventes, conexões novas (em rizoma) tem terreno bastante apropriado.
            Desse modo, se as “díades” fronteiriças têm sua definição calcada sobretudo pelas relações macro-escalares dos Estados-Nações em interação (delimitações e demarcações, tratados e acordos, normas e legislações etc.), as situações de fronteira tanto são definidas pelas relações da “díade” da qual fazem parte como pelas relações construídas pelas especificidades de cada configuração socioespacial de fronteira. Assim, se para Michel Foucher (1986) “a fronteira é uma descontinuidade geopolítica, com função de marcação real, simbólica e imaginária”7 , cada situação de fronteira tende à produção de uma realidade, de um “sistema” simbólico e de um imaginário específicos (a conjugação de tais questões no plural é, repetimos, uma pertinência importante).
            De acordo com Michel Foucher (1986):
         
A função da realidade é o limite espacial do exercício de uma soberania em suas modalidades próprias: linha aberta, entreaberta ou fechada. O simbólico remete ao pertencimento a uma comunidade política inscrita num território que lhe pertence; ele diz respeito à identidade. O imaginário conota a relação ao Outro, vizinho, amigo ou inimigo, portanto à relação consigo mesmo, a sua própria história e a de seus mitos fundadores, ou destruidores.

            Nas três situações de fronteira trazidas e rapidamente analisadas aqui, as realidades, os “sistemas” simbólicos e os imaginários diferem em cada contexto. Igualmente, os constructos “morais”, “éticos” e “performativos” (cf. RAFFESTIN, 1993; 2005; e RIBEIRO, 2005) produzidos em cada situação são específicos – o que não quer dizer que não hajam aproximações. Tabajara Ruas (2004) apresentou uma fronteira entre Uruguaiana, Paso de los Libres e Bella Unión definidora de suas relações na infância e juventude mas também participante de suas aproximações e distanciamentos para além dela, dentro e fora do Brasil. Eric Gustavo Cardin (2011), através de falas de “laranjas”, sacoleiros e balconistas de “Tríplice Fronteira” entre Brasil, Paraguai e Argentina, tornou presente as tensões e transgressões de sujeitos precariamente inseridos em atividades que também resvalam avassaladoramente para relações fora do “mundo do trabalho”. E Ana Zanotti (2002) fez “surgir” um mosaico de relações em concatenação a uma fronteira marcada pelo trânsito de práticas e de sentidos, que vão do trabalho à terra dos mortos passando pelas línguas “brasileira”-castelhana reelaboradas em um “portunhol” já típico de uma dada situação de fronteira.
            É mister salientar, ainda, que em cada situação de fronteira as realidades, os “sistemas” simbólicos e os imaginários são processos sempre em construção e sempre em disputas. Tanto sujeitos como coletividades tanto estão inseridos em contextos definidores de relações, como ainda os mesmos sujeitos e as mesmas coletividades reelaboram suas formas, seus sons e suas cores de ver e sentir o mundo, em configurações socioespaciais de fronteira nas quais o mundo é no mínimo o encontro sempre de duas realidades, de dois “sistemas” simbólicos e de dois imaginários. Os encontros e desencontros desses mundos evidentemente podem ser previsíveis, mas não deixa de abarcar instantes e momentos de imprevisibilidade que podem e fundar ou refundar especificidades.

Bibliografia

CARDIN, Eric Gustavo. Laranjas e sacoleiros na Tríplice Fronteira: um estudo da precarização do trabalho no capitalismo contemporâneo. Cascavel: EDUNIOESTE, 2011.
CARVALHO, Thiago Rodrigues. O Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira e o Mato Grosso do Sul: discursos e desdobramentos da política governamental na fronteira. Dissertação. Dourados: PPGG-UFGD, 2010.
CORRÊA, Roberto Lobato. Interações espaciais. In: CASTRO, I. E. de; GOMES, P. C. da C.; CORRÊA, R. L. Explorações geográficas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997, p. 279-318.
DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Vol. 1. São Paulo: Ed. 34, 1995.
ELIAS, Norbert; SCOTSON, John. Os estabelecidos e os outsiders. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 12 ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1996.
FOUCHER, Michel. L’invention des frontières. Paris: Fondation pour les Études de Défense Nationale, 1986.
_____. Fronts et frontiers: un tour du monde géopolitique. Paris: Fondation pour les Études de Défense Nationale, 1991.
_____. Obsessão por fronteiras. São Paulo: Radical Livros, 2009.
MORAIS, Maria de Jesus. Acrianidade: invenção e reinvenção da identidade acriana. Tese de doutorado. Niterói: PPGG/UFF, 2008.
RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993.
_____. A ordem e a desordem ou os paradoxos da fronteira. In: OLIVEIRA, T.C.M. de. Território sem limites: estudo sobre fronteiras. Campo Grande: EdUFMS, 2005.
RIBEIRO, António Sousa. A retórica dos limites. Notas sobre o conceito de fronteira. In: SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.). A globalização e as Ciências Sociais. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2005, pp. 475-501.
RUAS, Tabajara. Depoimento de um homem de fronteira. In: SCHÜLER, Fernando Luís; BORDINI, Maria da Glória (Orgs.). Cultura e identidade regional. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004, p. 57-67.
SANTOS, Milton. O espaço dividido: os dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1979.
_____. A natureza do espaço. 4 ed. São Paulo: EdUSP, 2004.

Filmografia

“Mixtura de vida”. Série documental “Escenas de la vida en el borde”. Produção de Ana Zanotti. Posadas – Misiones – Argentina. 2002.

Musicografia

“Estoy Enamorado”. Donato & Estefano [produtora e data não encontradas].
“Orelhano”. Mário Eléu Silva [produtora e data não encontradas].
“Pense em Mim”. Leandro & Leonardo. Chantecler GEL, 1990.
Hino Nacional da Argentina. Vicente López y Planes. 1813.

Sites Consultados

Tabajara Ruas. http://pt.wikipedia.org/wiki/Tabajara_Ruas (acessado em 23/12/2011).
Eric Gustavo Cardin. http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/busca.do (acessado em 27/12/2011].
Escenas de la vida en el borde”. http://www.portalcomunicacion.com/dialeg/paper/ pdf/196_zanotti.pdf (acessado em 28/12/2011).

1 Tabajara Ruas (Uruguaiana, 11 de agosto de 1942) é escritor, jornalista e cineasta brasileiro, ex-jornalista do Jornal do Almoço, do Grupo RBS. [...] Cursou arquitetura na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Entre 1971 e 1981 ficou exilado no Uruguai, no Chile, na Argentina, na Dinamarca, em São Tomé e Príncipe e em Portugal. [...] Em 1999, co-redigiu com Beto Souza, roteirizou e produziu o longa-metragem Netto perde sua alma, baseado em seu livro homônimo. [...] Entre 2002 e 2003 foi consultor especial da Rede Globo para a produção da minissérie A casa das sete mulheres. [...] Em 2007, lançou o documentário longa-metragem Brizola - Tempos de Luta, sobre o político Leonel Brizola. Em 2008, foi a vez do longa-metragem de ficção Netto e o domador de cavalos. Atualmente está produzindo o longa Os Senhores da Guerra. [Alguns livros] O fascínio, O amor de Pedro por João, A região submersa, Netto perde sua alma e Perseguição e cerco a Juvêncio Gutierrez [todos pela Editora Record]. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Tabajara_Ruas [acessado em 23/12/2011]).

2 Eric Gustavo Cardin. Bacharel e licenciado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Mestre e Doutor em Sociologia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Atualmente, atua como professor adjunto nos cursos de graduação e mestrado em Ciências Sociais da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Tem experiência e publicações nas áreas correspondetes aos mundos do trabalho, aos movimentos sociais e a educação (http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/busca.do [acessado em 23/12/2011]).

3 Ana Zanotti. Leones – Córdoba – Argentina, 1952. Sobre “Escenas de la vida en el borde”: “This contribution has to do with the documentary TV series “Escenas de la Vida en el Borde” (“Life at the Borderland”) focusing borderland life within a region of trinational boundaries (Argentina, Brazil and Paraguay). The series relates to different kinds of cultural “encounters” in everyday life, where borders - both external and internal - are constantly crossed over, defining contrasting situations in a background of diversity”. (http://www.portalcomunicacion. com/dialeg/paper/pdf/196_zanotti.pdf [acessado em 28/12/2011]).

4 As passagens de frases e falas de “Mistura de vida” que aparecem neste texto foram reproduzidas em tradução livre (pelo autor do texto) do espanhol (ou portunhol) para o português.

5 Uma condição que tende a ser minimizada ou até mesmo anulada em território estrangeiro, pois uma dada configuração de possíveis diferenças e tensões de um lugar tende ser demovida, pelo menos parcialmente, em configuração distinta; sobretudo, em território estrangeiro, os migrantes de outro país tendem a se “unir” em nome de uma pretensão condição homogênea de origem.

6 Para Deleuze e Guattari (1995, p. 15), “[...] qualquer ponto de um rizoma pode ser conectado a qualquer outro e deve sê-lo. É muito diferente da árvore ou da raiz que fixam um ponto, uma ordem. [...] Num rizoma [...] cada traço não remete necessariamente a um traço linguístico: cadeias semióticas de toda natureza são aí conectadas a modos de codificação muito diversos, cadeias biológicas, políticas, econômicas, etc., colocando em jogo não somente regimes de signos diferentes, mas também estatutos de estados de coisas”.

7 As traduções dos livros de Michel Foucher do francês para o português foram realizadas por Maria de Jesus Morais (Curso de Geografia da Universidade Federal do Acre). Maria de Jesus Morais é autora de importante tese sobre a reinvenção da identidade acreana, que é, em grande medida, uma identidade calcada em um processo de identificação/diferenciação que tem na fronteira (o estado do Acre com a Bolívia e com o Peru) uma marcação decisiva, juntamente com os movimentos migratórios e a relação distante e tensa com o governo central sobretudo entre 1903 (Tratado de Petrópolis) e 1962 (criação do estado do Acre) (ver MORAIS, 2008).