CONSERVAÇÃO IN VITRO E EX SITU E VALORIZAÇÃO DE ENDEMISMOS IBÉRICOS DAS APIACEAE PORTUGUESAS

Ana Cristina Pessoa Tavares dos Santos

Endemismos Ibéricos das Apiaceae Portuguesas: uma reavaliação para fins de conservação

É sabido que as sociedades humanas foram construídas sobre a biodiversidade, beneficiando da grande variedade de organismos, que aprendemos a usar como medicamentos, alimentos, fibras e outros recursos (Diaz et al., 2006). Na realidade, a biodiversidade tem feito parte integrante da experiência humana. Além do seu valor intrínseco, ecológico, genético, social, económico, científico, educacional, cultural, a biodiversidade proporciona também valias recreativas e estéticas que recomendam a sua preservação. No entanto, muitas atividades indispensáveis ​​à subsistência do Homem conduzem à perda de biodiversidade, tendência que deverá continuar no futuro.
A mudança climática é um processo natural e constitui uma ameaça importante para a biodiversidade global; contudo, a perturbação antrópica é a ameaça mais prejudicial de todas, tendo causado, nas últimas décadas, o próprio aumento da taxa de alterações climáticas (Shehadeh, 2011). Estima-se que em 2100, 10-30% das espécies a nível global podem estar em elevado risco de extinção (Fischlin et al., 2007; Heyder, 2010), o que significa que deverá ocorrer um aumento na erosão genética das espécies, reduzindo drasticamente a sua capacidade de adaptação aos novos e instáveis ecossistemas. A variabilidade genética dentro das populações é essencial para a sobrevivência e segurança futura de qualquer espécie e sem uma fonte de genes diversificada, mais espécies ficam em risco devido à falta de capacidade de adaptação a ambientes em mudança (Shehadeh, 2011). Outras ameaças à biodiversidade incluem uma área de distribuição geográfica limitada, como o caso dos endemismos, e a invasão de espécies exóticas agressivas, que podem resultar também de intervenções humanas, pela interferência em ecossistemas porventura mais delicados.
Não proteger, para utilização futura, a diversidade de importantes culturas vegetais que constituem grande parte da dieta de cada ser humano seria extremamente insensato. Shehadeh (2011) refere ainda que, se não for por outro motivo, os seres humanos devem conservar a biodiversidade por propósitos egocêntricos. Aliás, o Artigo 1º sobre os objetivos da Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD, 1992) indica claramente a importância da preservação da biodiversidade para a utilização humana. Assistimos atualmente ao desenvolvimento de trabalho em rede onde especialistas avaliam o valor das espécies negligenciadas e subutilizadas, relativamente a possíveis impactos sociais, ambientais e económicos, as designadas espécies NUSs (Will, 2008).
A diversidade é assim considerada como uma indicação do bem-estar do ecossistema e, consequentemente, da necessidade de proteção de determinado local, ou seja: quanto maior o valor de diversidade, maior o valor ecológico do ecossistema em questão. A perda da diversidade biológica em vários ecossistemas em todo o mundo é con­siderada como a maior mudança na ecologia contemporânea, que hoje inclui elementos humanos, socioeconómicos e políticos (MA, 2003; Mlambo, 2012). Atualmente, a conservação da biodiversidade alargou o seu enfoque para além da compreensão e preservação da diversidade de genes, espécies e ecossistemas, devendo ser hoje abrangidos, na pesquisa pela biodiversidade, os aspetos relativos à promoção do bem-estar da humanidade (Rands et al., 2010; Robertson et al., 2010; Probert et al., 2011; Mlambo, 2012), recorrendo aos serviços de base, de abastecimento, de regulação e culturais proporcionados pelos ecossistemas (MA, 2003).
No quadro atual são considerados três alertas fundamentais sobre a biodiversidade à escala global: (a) as mudanças induzidas pelo homem na orientação de perdas e prevalência claras das espécies em comunidades bióticas; (b) os grandes impactos dessas mudanças nos processos do ecossistema e, portanto, no bem-estar humano, e (c) as consequências negativas, que serão sentidas desproporcionalmente pelos mais pobres, mais vulneráveis à perda dos serviços dos ecossistemas (Diaz et al., 2006; Mlambo, 2012).
Numa escala regional, o conjunto dos seres vivos que habita um país constitui um património insubstituível porque, cada espécie, bem como cada popula­ção, abriga na sua composição genética a infor­mação de milhões de anos de adaptações que foram evoluindo.
Existem inúmeras possíveis abordagens para a conservação da diversidade, mas podem ser caracterizadas três tipos distintos (e complementares): individual, nacional e global. A primeira refere-se a um estudo numa área individual protegida - um banco de genes; a segunda, um estudo florístico - conservação da flora de uma região geográfica definida, usualmente nacional; a terceira, um estudo monográfico - à escala global, por exemplo, constituição de um reservatório/inventário de genes de um determinado taxon (Maxted e Kell, 2009; Brehm et al., 2011; Kell e Maxted, 2011; Maxted et al., 2011). Este trabalho enquadrou-se no segundo caso – um estudo florístico, pela conservação da flora ibérica e endémica da família Apiaceae, sendo o objetivo principal contribuir para o conhecimento, preservação e valorização da biodiversidade em Portugal.
É importante começar por definir e avaliar a diversidade. Ela refere-se à variedade da vida no planeta, ou seja, à propriedade intrínseca aos sistemas vivos, de serem distintos; engloba, numa unidade funcional, as plantas, os animais, os microrganismos, os ecossistemas e os processos ecológicos (Diaz et al., 2006). Biodiversidade no sentido amplo é o número, a abundância, a composição, a distribuição espacial e interações de genótipos, populações, espécies, tipos e características funcionais e unidades de paisagem num determinado sistema (Diaz et al., 2006).
Neste trabalho, o desenho experimental começou com a consulta de floras portuguesas e ibérica e das checklists disponíveis para estimar a priorização dos taxa a estudar, passando pela análise da sua diversidade e de possíveis falhas de informação. Desenvolvido o plano de ação, avançaram as atividades de campo e de conservação in situ e ex situ para o estudo e a caracterização dos taxa, e o seu interesse e disponibilidade para uma utilização sustentável, num modelo de conservação aproximado ao de Maxted et al. (1997a); a partir da diversidade vegetal e da exploração de campo, o investigador avança para estratégias, técnicas e produtos de conservação, sua caracterização e utilização. De acordo com alguns conservacionistas, a conservação é mais facilmente conseguida se as populações humanas constatam algum valor económico nas espécies a proteger (Kareiva e Marvier, 2007). Assim, juntamente com os estudos para a conservação das plantas endémicas Apiaceae da flora Portuguesa, também se procurou encontrar características dessas plantas suscetíveis de serem exploradas e que possam ter algum interesse do ponto de vista económico. As plantas da família Apiaceae são produtoras de óleos essenciais e as atividades biológicas dos óleos essenciais produzidos por algumas destas espécies foram avaliadas. Também, sobre este aspeto, as técnicas de micropropagação constituem uma ferramenta poderosa na conservação, produção e disponibilização de plantas e dos seus óleos essenciais, ou outros compostos de interesse, que possam ser isolados a partir delas, evitando assim a sobre-exploração de populações nativas.
 A nossa estratégia de ação, à escala das possibilidades reais de trabalho, consistiu numa tentativa de aproximação à metodologia de conservação gap analysis que é aplicável a qualquer abordagem de conservação da biodiversidade (Maxted et al., 2008), que engloba as tecnologias in situ e ex situ - as duas principais técnicas de conservação da biodiversidade definidas na CBD (1992) - complementadas com o estudo de herbário e análises ecogeográficas e de germoplasma.
Seguindo esta metodologia de conservação foi construída uma unidade de conservação de cariz geral, absoluto, e não foi nosso objetivo a utilização de parâmetros de diversidade biológica para avaliação da conservação relativa. Contudo, essa seria uma possibilidade interessante, num outro estudo de conservação de teor mais quantitativo, passível de ser desenvolvido na mesma amostragem, por uma equipa mais vasta e interdisciplinar.
No contexto apresentado revelam-se de extrema importância todos os esforços para a preservação e a valorização do património genético, principalmente de espécies raras, espécies utilizadas em diferentes culturas e de espécies silvestres relacionadas com espécies cultivadas (CWR) (CBD, 2002; Sharrock, 2006; Maxted e Dulloo, 2008; Maxted e Kell, 2009). É importante desenvolver programas ex situ e técnicas de micropropagação in vitro que permitam a conservação do genótipo e a rápida multiplicação, estudo e valorização de plantas (Ekiert, 2000), com eventual contributo para o bem-estar da humanidade.
Como indicado por Shehadeh (2011), a conservação efetiva e o uso sustentável da biodiversidade requer diferentes ações: o uso complementar de metodologias de conservação ex situ e in situ; a coordenação de esforços de conservação nacionais, regionais e internacionais; a ligação da conservação com a utilização para a conservação; capacitação dos guardiões da biodiversidade; adaptação e melhor compreensão da biologia, distribuição e ameaças, de várias espécies em genepools; promoção da educação e consciencialização sobre a importância da conservação da diversidade das plantas; reforço das capacidades dos sistemas nacionais para a conservação dos recursos genéticos.
Concretizando uma avaliação ampla e genérica dos endemismos ibéricos das Apiaceae em Portugal, pretendeu-se compatibilizar o conhecimento e a conservação da natureza com o uso diversificado e sustentável dos seus recursos, sensibilizando a comunidade e estimulando a pesquisa científica.

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