PROCESSOS DE MUDANÇA, TURISMO E DESENVOLVIMENTO RURAL: AS ALDEIAS DO XISTO DO CONCELHO DE GÓIS E O PAPEL DA LOUSITÂNEA

PROCESSOS DE MUDANÇA, TURISMO E DESENVOLVIMENTO RURAL: AS ALDEIAS DO XISTO DO CONCELHO DE GÓIS E O PAPEL DA LOUSITÂNEA

Luiz Rodolfo Simões Alves (CV)
Universidade de Coimbra

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Turismo, lazer e desenvolvimento dos espaços rurais

Nas últimas duas décadas o desenvolvimento rural ganhou uma ampla visibilidade. Como refere Carvalho (2009:152) “assistimos à crescente revalorização da importância do mundo rural (onde se redescobrem novas centralidades com base na qualidade) e dos valores da ruralidade (também estes em mudança) para o equilíbrio e coesão do próprio sistema”.
Nesta nova etapa do espaço rural, o agricultor assume um papel importante, o de preservar e manter os valores patrimoniais e paisagísticos do espaço rural. Ao integrar os espaços rurais como potenciais recetores de fluxos de turismo não quer dizer que se tenham que perder as ligações à terra e à agricultura até porque, a agricultura, funciona também, como característica do espaço rural que, portanto, importa manter e preservar.
No caso dos espaços de montanha é, também, muito importante não esquecer que o seu trajeto de desenvolvimento nem sempre foi assim, com perspetivas tão animadoras como as de hoje para estes espaços. Sendo por isso, importante e interessante referir que as áreas de montanha “conheceram” várias etapas. Segundo Carvalho (2009:211), uma grande parte dos territórios de montanha de Portugal atravessaram três fases de ocupação e organização do território. Na primeira etapa, correspondente ao ciclo mais longo, a ocupação e organização espacial estavam assentes no policultivo de subsistência, na pastorícia e na exploração florestal. A segunda etapa corresponde à crise das atividades tradicionais e ao intenso êxodo rural. Por fim, a terceira etapa, que surgiu a partir dos anos 80 do século XX, corresponde à abertura da montanha em relação aos novos usos e funções e à afirmação de novos valores relacionados com a paisagem natural e cultural, tal como foi referido ao longo deste ponto do trabalho.
Com efeito, “ao espaço rural foram atribuídas novas funções regeneradoras e, para o seu desenvolvimento sustentável, promoveu-se a diversificação das atividades aí realizadas, em especial as não agrícolas como, por exemplo, o turismo e o artesanato, com os objetivos de assegurar a manutenção das comunidades rurais e preservar os ecossistemas e as paisagens construídas pela agricultura. A expressão mais utilizada desde então é «multifuncionalidade do espaço rural», que, em princípio, seria geradora de novos recursos e de melhoramentos das condições de vida das populações” (Almeida, 2007:310). De facto, o triângulo virtuoso – turismo, ambiente e agricultura – integra as atividades que melhor podem contribuir para um desenvolvimento rural sustentável das zonas mais desfavorecidas (Covas, 2008).
A realidade com que nos deparamos, desde alguns anos, no meio rural português é uma nova utilização do espaço que abandonou a agricultura como atividade principal e oferece aos seus utilizadores uma função muito mais associada ao lazer e ao recreio, potenciando os recursos existentes para atrair uma população carente de estímulos que lhe permitam libertar-se de um quotidiano urbano e repetitivo e propensa a uma certa nostalgia da natureza e do retorno ao passado. “Estas utilizações foram-se democratizando progressivamente, tendo o lazer em meio rural passado a abranger um leque mais vasto da população, incluindo os próprios habitantes do meio rural, agora empregados sobretudo nas áreas dos serviços. Entre os novos usos salientam-se os passeios em todo o terreno; o turismo cultural em geral, que inclui o consumo de bens patrimoniais (desde o património edificado ao gastronómico, passando pelo artesanal e outros); a utilização dos cursos de água e albufeiras como praias fluviais e como locais de realização de desportos náuticos; e as atividades mais tradicionais, como o termalismo, a caça e a pesca” (Almeida, 2007:296). Importa também considerar atividades como os percursos pedestres, o BTT e diversas outras práticas ao ar livre nos “ambientes” terrestre, aquático e aéreo. 
“O tempo livre, o lazer1 , 2 e o turismo são, nesta sociedade terciarizada em que vivemos, conceitos centrais, que têm vindo a merecer um olhar atento por parte dos agentes económicos, sociais e políticos. Tal facto deve-se, essencialmente, ao crescente números de atividades que se desenvolvem em seu torno e à influência que exercem, nas comunidades locais e na organização e consumo de espaço, onde ocorrem” (Pinto, 2004:17).
A implementação do turismo nas áreas rurais, como afirma Carvalho (2009:171), “deve ser entendida como uma das vias complementares que se pretende incentivar num contexto de marginalização económica e social de grande parte dos territórios rurais, através de diferentes políticas, instrumentos e iniciativas, tendo em vista converter valores naturais e culturais em valores económicos”.
            Assim como os espaços rurais ganharam bastante (e continuam a ganhar) com a integração do turismo no seu quotidiano, também as áreas de montanha ganham essa visibilidade assumindo-se, de igual modo, como novas escolhas geográficas e uma excelente alternativa ao turismo massificado.
            Como bem faz notar Carvalho (2009:193) “o atual interesse geográfico pelas áreas de montanha está relacionado com a fragilidade destas áreas e com os seus recursos naturais e culturais, bem como a reconversão e a reorientação funcionais que procuram ultrapassar a crise social, económica e territorial que atinge, no geral, as montanhas”.
            A redução dos habitantes e da população residente nas áreas de montanha, que se tem verificado nas últimas décadas, colocam em evidência os problemas de degradação que se verificam nas áreas de montanha. Como via de resolução destes problemas e destes fatores de risco, a integração das áreas de montanha como espaços de potencial turístico podem reduzir e acabar com o abandono destes espaços, podendo ainda reabitar algumas áreas já abandonadas, dando-lhes hipóteses de poder competir com outras áreas, e revitalizando-as.
            A possibilidade de o turismo poder “abraçar” as áreas de montanha poderá ainda resolver outro tipo de problemas, que sem a implementação do turismo nestas áreas seria extremamente difícil. Podemos referir, por exemplo, da possibilidade de dotar estas áreas com equipamentos coletivos, de serviços básicos e infraestruturas, sendo importante referir que em muitas áreas de montanha, antes da chegada da perspetiva do turismo, nem sequer havia eletricidade. O turismo pode ainda criar condições favoráveis à criação de emprego, de alguma riqueza económica e, até mesmo, de alguma autonomia dos espaços rurais e de montanha em relação ao exterior, podendo ainda atrair atividades económicas capazes de fixar população nestas áreas. Resumindo, a atividade turística pode funcionar como alavanca dinamizadora da economia dos territórios de montanha (Carvalho, 2009:152).

1 “Le loisir est un ensemble d’occupations auxquelles l’individu peut s’adonner de plein gré, soit pour se reposer, soit pour se diverter, soit pour développer son information ou sa formation désintéressée, sa participation sociale volontaire ou sa libre capacite créatrice après s’être dégagé de ses obligations professionalles, familiales et sociales” (Dumazedier, 1962; citado por Pinto, 2004:52).

2 O termo lazer e os termos entrosados (ócio e recreação) e a expressão tempo livre, embora tenha, numa análise particular, valores simbólicos e significados distinguíveis, são, na visão de Santos (1996; citado por Pinto, 2004:52), vocábulos que, “na sua diversidade, têm subjacente uma realidade comum: entrecruzamento de um tempo de não trabalho (ocupação em actividades exteriores ao foro laboral, familiar…) e do espaço da sua aplicação (casa, ar livre, praia, montanha, termas, equipamentos desportivos, equipamentos culturais) ”.