PROCESSOS DE MUDANÇA, TURISMO E DESENVOLVIMENTO RURAL: AS ALDEIAS DO XISTO DO CONCELHO DE GÓIS E O PAPEL DA LOUSITÂNEA

PROCESSOS DE MUDANÇA, TURISMO E DESENVOLVIMENTO RURAL: AS ALDEIAS DO XISTO DO CONCELHO DE GÓIS E O PAPEL DA LOUSITÂNEA

Luiz Rodolfo Simões Alves (CV)
Universidade de Coimbra

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Atores, redes de cooperação para o desenvolvimento e de gestão dos espaços rurais

“ O estudo da configuração local específica de atores, estratégias, associações (redes de poder), relações sociais e fluxos económicos é decisivo para compreender o desenvolvimento, ou não-desenvolvimento, dos espaços rurais” (Veiga, 2007:354).
O desenvolvimento e a satisfação das necessidades da população passam pela mobilização das potencialidades endógenas, de cada local ou região, e, em particular, das pessoas associadas e envolvidas no próprio processo de desenvolvimento local, apelando assim, a um desenvolvimento pela base, ou seja, com o empenhamento das pessoas e das associações locais para o desenvolvimento. Para que tal processo seja passível de ter sucesso e que produza eficácia prática é importante obter um determinado limiar de densidade demográfica, não descurando a dimensão técnico-económica, institucional e humana, dimensões essas fundamentais para o sucesso do processo de desenvolvimento. Um outro aspeto relevante é a importância da formação de redes, que procurem esbater a velha dicotomia entre modelos endógenos e exógenos.
Como afirma Gonçalves (2007:113) “o desenvolvimento rural é um conceito político-social e processual, que dá prioridade à articulação entre pessoas e territórios, e à questão do poder. O desenvolvimento salienta a importância da capacitação (empowerment) e da participação da população local mas tentando aumentar o nível e qualidade de vida e reduzindo consequentemente as assimetrias socioeconómicas. Constrói a sustentabilidade económica e ambiental e mina a dependência através de uma ampliação de leque de escolhas e oportunidades”.  
Mas, o desenvolvimento rural, assumiu uma nova dimensão e, como afirmam Cravidão e Fernandes (2003:419) “esta evolução é acompanhada pela emergência de novos atores de desenvolvimento: desde os resultantes de um sistema centralizado e usurpador de iniciativas locais, até à emergência de uma densa teia de interventores sobre o espaço geográfico. Uma prática de desenvolvimento já não perante uma população passiva, objeto inerte de políticas exógenas, mas sim para (ou com) uma população animada pelo espírito de cidadania participativa, pela atitude crítica, pela capacidade de auto-valorização e auto-condução da sua vida pessoal e coletiva. Pelo princípio da subsidiariedade, cada problema deve ser resolvido na escala mais conveniente para o bem estar geral. Entretanto, ganha sentido um outro conceito, o de desenvolvimento local, no âmbito do qual se privilegiam as decisões e intervenções de sentido bottom-up”.
No que concerne aos atores de desenvolvimento e de gestão dos espaços rurais, a primeira estrutura/identidade que importa referir, pela sua importância inevitável (a nível legislativo e económico), é o Estado, neste âmbito representado pelo Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (MAMAOT), onde se insere a Direção-Geral da Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR), cujos objetivos passam pela gestão sustentável do território, a qualificação dos agentes e a diversificação económica de zonas rurais. É “obrigação” do DGADR lançar medidas e instrumentos de política que concretizem estes e outros objetivos de desenvolvimento rural.
Inserida na DGADR encontra-se a Direção de Serviços da Agricultura, dos Territórios e Agentes Rurais (DAS-TAR), “à qual compete estudar e propor as linhas de orientação estratégica e as medidas de política relativas às infraestruturas de suporte ao desenvolvimento agrícola e rural, promover e colaborar na concepção e desenvolvimento de acções de revitalização do tecido económico rural, incentivar e apoiar a qualificação das zonas rurais através da conceção e desenvolvimento de ações de preservação e valorização do património edificado cultural e paisagístico e da promoção e marketing das amenidades rurais” (Pais e Gomes, 2008:14/15).
Numa outra escala de análise, surgem as entidades locais responsáveis pela gestão dos espaços rurais. O desenvolvimento rural na perspetiva da autoridade local (os municípios) operacionaliza-se através de instrumentos como: em primeiro lugar, a Agenda 21 Local (A21L), processo participativo que integra os grupos de interesse da comunidade (municípios, cidadãos, técnicos, empresários, associações) através da preparação e posterior implementação de um Plano Estratégico de longo prazo. Procura dar resposta direta às preocupações e prioridades identificadas a nível local. Depois, através da Rede Social, que opera numa outra vertente, materializa-se através da criação das Comissões Sociais de Freguesia (CSF) e dos Concelhos Locais de Ação Social (CLAS), constituindo plataformas de planeamento e coordenação para uma intervenção na esfera social. De entre os principais agentes de desenvolvimento local, destacamos: as administrações públicas (instituições europeias, a nível nacional e a nível municipal); os empresários e as pequenas e médias empresas (que devem ter a perspicácia de identificar as oportunidades); as associações e agências de desenvolvimento local1 (ADL) (de índole económica, sindical, cultural ou desportiva, que devem impulsionar a promoção da igualdade no acesso ao desenvolvimento da qualidade de vida e na redução das assimetrias regionais); e os pequenos negócios rurais (que mantenham “vivas” as tradições e que preservem a manutenção dos solos através da agricultura e de outras atividades complementares).             
De entre os principais agentes de desenvolvimento local, e sem prejuízo para os restantes, destaque para as administrações públicas, e em especial para as Câmaras Municipais, e para as associações e agências de desenvolvimento local (ADL). Em primeiro lugar, as Câmaras Municipais constituem o principal agente de intervenção/dinamização económica dos pequenos territórios, principalmente os periféricos já que são dotados de autonomia administrativa e financeira para tal. “Os Municípios contribuem para o desenvolvimento sustentável dos seus espaços geográficos quer através do fomento e atração de iniciativas empresariais da promoção da boa imagem no exterior do território, proteção do ambiente, apoio a iniciativas associativas, quer fornecendo aos residentes um conjunto de bens e serviços básicos (saneamento, distribuição de água, eletricidade, serviços de proximidade, etc.) em ordem do seu “bem-estar” (Gonçalves, 2007:144). Em segundo lugar, mencionamos as associações e agências de desenvolvimento local (ADL), quer sejam elas de índole económica, sindical, cultural ou desportiva. “As Agências de Desenvolvimento Local (ADL) têm como objetivo principal impulsionar a promoção da igualdade de oportunidades no acesso ao desenvolvimento da qualidade de vida e na redução das assimetrias regionais, através da congregação de espaços e apoios com vista à atuação em prol do desenvolvimento local, em redes e numa lógica territorial de organizações, grupos e indivíduos” (Gonçalves, 2007:147).
Ainda de acordo com Gonçalves (2007:147/148), “a intervenção das ADL, em meio rural, tem incidido essencialmente nas seguintes áreas: análise do impacto das políticas nacionais e comunitárias, apresentação e defesa de propostas que promovam o desenvolvimento rural; produção, educação e difusão de documentos e realização de seminários, feiras, conferências e outras iniciativas relacionadas com a questão do desenvolvimento rural; promoção de ações de formação e apoio à conceção de candidaturas a projetos financiados pela União Europeia e relevantes para o desenvolvimento rural; circulação de informação sobre as políticas de Desenvolvimento Rural; troca de experiências entre agentes rurais e a difusão de inovação e do Know-how, nos territórios rurais mais desfavorecidos e com maior dificuldade de aderirem à mudança; e representação e concertação junto das entidades públicas (particularmente com o Ministério da Agricultura, Pescas e Desenvolvimento Rural e o Ministério do Trabalho e Solidariedade) e privadas”.       
A definição de território tem vindo a assistir a uma forte introdução de elementos interativos e relacionais na sua caraterização, de tal forma que atualmente se proclama a chamada “geografia relacional”. A geografia relacional representa “uma orientação teórica onde os atores e o processo dinâmico de mudança e desenvolvimento originado pelas suas relações são a unidade central de análise” (Correia e Brito, 2009:104; citando Boggs e Rantisi, 2003).   
De facto, o desenvolvimento local, do ponto de vista estratégico, “pugna-se pelo associativismo e redes/parcerias, promoção empresarial e institucional, com critérios de qualidade, apoiados por competência técnica, de índole endógena e/ou exógena, passando pela participação e envolvimento das gentes e recursos locais” (Cardoso, 2002:17).  
A título de exemplo importa referir a Rede Rural Nacional que pretende agregar e reforçar o intercâmbio entre todos os atores dos territórios rurais. Esta preconiza que a Estratégia Nacional para a agricultura e para o desenvolvimento rural deve estimular a competitividade e a sustentabilidade dessas atividades reforçando, assim, o seu contributo para o desenvolvimento do País e dos seus territórios. Como é evidente, tal “estratégia só pode ser realizada com a participação, qualificada e organizada de forma eficiente, de todos os agentes intervenientes e das populações rurais, o que implica uma aposta complementar e essencial, na melhoria da qualificação dos agentes e na sua organização para a intervenção e gestão em todo o processo de execução da estratégia” (Programa Rede Rural Nacional, 2012:9).
Com efeito, a Rede Rural Nacional “tem como objetivo reforçar o intercâmbio entre todos os atores dos territórios rurais, favorecendo o conhecimento das boas práticas e do know-how em coerência com as orientações comunitárias e com o Plano Estratégico Nacional de Desenvolvimento Rural (PENDR)” (Programa Rede Rural Nacional, 2012:5), estando a sua criação formalmente prevista no artigo 68º do Regulamento (CE) 1698/05, abrangendo a totalidade do território português.
Quanto ao seu âmbito de atuação e constituição legal, e de acordo com o Regulamento (CE) nº1698/05, “a Rede Rural deverá abranger a totalidade do território e os membros que a constituem deverão ser representativos das principais organizações públicas ou privadas envolvidas no desenvolvimento do mundo rural, à escala nacional, regional e local. A Rede deverá ainda ter uma expressão alargada a todos os domínios do desenvolvimento rural” (Programa Rede Rural Nacional, 2012:29), sendo seus integrantes um número bastante amplo de entidades, quer públicas quer de direito privado. De facto, com base no artigo 68º do Regulamento (CE) nº1698/05, a Rede Rural deve ser constituída por organizações representativas da sociedade civil e representantes da administração pública envolvidos no desenvolvimento rural e criar uma estrutura específica para o seu funcionamento.
Assente na interação entre a administração, as organizações e outra redes envolvidas no desenvolvimento rural, a nível nacional e europeu, a Rede Rural constitui uma plataforma de partilha de informação, de experiência e de conhecimento e promovendo uma atuação que desenvolva a parceria e a cooperação em torno das ações a concretizar (Programa Rede Rural Nacional, 2012:39).
Entendendo o Programa da Rede Rural como um instrumento privilegiado na implementação da política de desenvolvimento rural e, tendo em conta o diagnóstico efetuado e as orientações comunitárias para o domínio de atuação da Rede Rural, foram escolhidas as seguintes prioridades para a sua intervenção:

  • Capitalização da experiência e do conhecimento;
  • Facilitação da cooperação;
  • Observação do mundo rural e da implementação das políticas de desenvolvimento rural;
  • Facilitação do acesso à informação (Programa Rede Rural Nacional, 2012:26).

Para terminar esta apresentação e análise à Rede Rural importa, ainda, perceber a partir de que instrumentos esta rede reúne os fundos necessários à sua colocação em prática e à sua intervenção. Neste contexto, para o período de 2007-2013, a dotação global atribuída pelo FEADER à Rede Rural foi de 11.787.975 euros (cerca de 0,3% do total do FEADER atribuído a Portugal), tendo havido, em Janeiro de 2012, uma revisão ao programa fixando a dotação global FEADER em 9.335.547 (Programa Rede Rural Nacional, 2012:56). 

Por fim, salientar, em jeito de síntese, duas ideias que, de uma ou outra forma, já foram aqui abordadas. Em primeiro lugar, destacar a grande importância dos atores públicos, com destaque particular para as Câmaras Municipais, e dos atores locais privados coletivo, associações sem fins lucrativos, no apoio ao desenvolvimento local, expressa na sua capacidade técnica para formular e executar projetos que captam capitais nacionais e comunitários. Por outro, de forma indireta, a importância da ação do Estado e da União Europeia com as políticas públicas que facultam financiamentos para projetos públicos e privados de investimento e estabelecem a redistribuição de rendimentos. Criam-se, no entanto, por vezes dependências que tornam os atores beneficiários muito vulneráveis às mudanças constantes de política e das suas atuações (Veiga, 2007:360). 

1 A Associação, constituindo uma das expressões de maior vitalidade nas sociedades, é, por regra geral, caraterizada por se distinguir de outras que surgem independentemente da vontade dos indivíduos tais como a família ou a classe social. Na esteira de alguns sociólogos clássicos como Weber (1978), a associação é, em regra, apresentada como (i) organização de um grupo de pessoas com objetivos comuns, ainda que de diversa natureza (económica, social, política, cultural, recreativa); (ii) que opera de modo independente ou autónomo perante o Estado; e (iii) na qual cada um dos membros adere numa base voluntária (Cardoso, 2007:6/7).