PROCESSOS DE MUDANÇA, TURISMO E DESENVOLVIMENTO RURAL: AS ALDEIAS DO XISTO DO CONCELHO DE GÓIS E O PAPEL DA LOUSITÂNEA

PROCESSOS DE MUDANÇA, TURISMO E DESENVOLVIMENTO RURAL: AS ALDEIAS DO XISTO DO CONCELHO DE GÓIS E O PAPEL DA LOUSITÂNEA

Luiz Rodolfo Simões Alves (CV)
Universidade de Coimbra

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Uma abordagem ao conceito de turismo

            Tendo em conta a obra de Cunha (1997:8) este refere que a primeira definição de turismo foi apresentada por Hunziker e Krapf, em 1942, sendo que, de acordo com estes dois professores, o turismo “é o conjunto das relações e fenómenos originados pela deslocação e permanência de pessoas fora do seu local habitual de residência, desde que tais deslocações e permanências não sejam utilizadas para o exercício de uma atividade lucrativa principal, permanente ou temporária”. Ainda seguindo a obra de Cunha (1997:9) e, citando a definição de turismo, de 1991, da Organização Mundial do Turismo (OMT), esta refere que “o turismo compreende as atividades desenvolvidas por pessoas ao longo de viagens e estadas em locais situados fora do seu enquadramento habitual por um período consecutivo que não ultrapasse um ano, para fins recreativos, de negócios e outros”.
            De acordo com Domingues (1990:279), o turismo é um “fenómeno socioeconómico e cultural que se baseia na deslocação de pessoas para locais diferentes da sua residência habitual, onde permanecem por períodos superiores a 24 horas, com objetivos de lazer, utilizando as facilidades de alojamento, alimentação e outras oferecidas no destino” referindo ainda que o turismo é um “conjunto de atividades profissionais, relacionadas com o transporte, alojamento, alimentação e actividades de lazer destinadas a turistas”.
            Quando falamos no conceito de turismo podemos, de facto, abranger diversos entendimentos possíveis, sendo prova disso as variadíssimas definições sugeridas por um grande número de autores, para este conceito. “A evolução da complexidade do fenómeno (do turismo) foi fazendo crescer a sua abrangência; hoje, para que alguém seja considerado turista basta estar fora da sua residência habitual e fazê-lo por um período de tempo e motivação económica que o distinga do comum migrante, independentemente da sua motivação, forma de alojamento ou modalidade de viagem” (Umbelino e Pais, 2006:215). Ainda de acordo com os mesmos autores, “muito embora o turismo dependa da apreensão do ambiente (natural e cultural) e também envolva o consumo e a transacção de bens, a essência da atividade é um conjunto de prestações de serviços de informação, transporte, alojamento, alimentação e animação”, ou seja, a partir destas palavras, podemos depreender que, segundo estes autores, a grande base e suporte de turismo é o desempenho e funcionamento dos recursos humanos que acabam por servir como corpo e estrutura deste fenómeno.
            Seguindo esta ordem, e com o intuito de fazer um enquadramento sobre o tema em questão, parece importante apresentar uma breve referência àquilo a que pretendemos chamar definição de turista. A palavra turista, “banalizada” como tantas outras e, assumindo-se como uma palavra do real quotidiano, é relativamente recente. Como refere Cunha (1997:3), a expressão turista “começou a ser utilizada no início do século XIX para designar aqueles que viajavam por prazer”, embora se perceba que, nos dias de hoje, essa expressão tenha um sentido mais amplo. No “quadro moderno” a expressão turista diz respeito às pessoas que se deslocam para fora do seu local de residência habitual. Para além de se ter de deslocar para um local diferente do da sua residência, uma pessoa, para ser considerada como turista, tem que permanecer nesse mesmo local por um período superior ou igual a 24 horas. Um outro aspeto a considerar é o facto de uma pessoa, que preencha todos os requisitos referidos anteriormente, e que se desloque tendo em seu benefício uma remuneração poder ou não ser considerada como turista.
            Devido à dificuldade de criar um conceito que pudesse englobar todos os aspetos referidos anteriormente, a Organização das Nações Unidas (ONU) criou uma definição da qual surgiram os seguintes conceitos: visitante, turista e excursionista. Visitante “é toda a pessoa que se desloca temporariamente para fora da sua residência habitual, quer seja no seu próprio país ou no estrangeiro, por uma razão que não seja a de aí exercer uma profissão remunerada” (Cunha, 1997:7). Relativamente ao conceito de turista, o mesmo autor refere que, “turista é todo o visitante temporário que permanece no local visitado mais de 24 horas”; e por fim, de acordo com Cunha (1997:7), excursionista “é todo o visitante temporário que permanece menos de 24 horas fora da sua residência habitual”.     

Turismo e lazeres turísticos em espaço rural

“The rural areas have attracted increasing interest as a space for leisure and tourism, as a result of recent trends in tourism demand, especially from urban populations” (Kastenholz e Lima; 2011:1).
O turismo é, na verdade, encarado como um setor de elevado potencial para estimular o desenvolvimento das áreas rurais, cujas caraterísticas específicas (paisagísticas, ambientais e socioculturais) são cada vez mais valorizadas. De facto, “o turismo tem sido o eixo de intervenção mais privilegiado pelas políticas e estratégias de desenvolvimento rural. A atividade turística foi a que mais beneficiou, nos últimos anos, dos apoios financeiros de programas comunitários, sobretudo em territórios onde é mais difícil atrair investimentos” (Pais e Gomes, 2008:15; citando Moreno, 1999).  
As perspetivas, em termos de afluxo de turistas, parecem promissoras, pois como referem Baltazar e Garcia (1999:331), a preferência por férias repartidas “tem provocado um acréscimo das estadas de curta duração à escala regional, tendo como destinos áreas urbanas e rurais de maior acessibilidade, com preferência para estas últimas".
O turismo rural, em particular, parece ter um potencial apreciável no quadro atual em que emergem novas preferências. Ele insere-se no designado turismo dos três “L” – Lore, Landscape and Leisure (tradições, paisagens, lazer) – que tende a fazer frente ao massificado turismo dos três “S” – Sun, Sea and Sand (sol, mar e praia).
Em Portugal, o turismo no espaço rural (TER) é recente, tendo sido consagrado legalmente em 1984 (decreto-lei nº 251/84 de 25 de julho). Atualmente, compreende os serviços de hospedagem prestados nas modalidades de casas de campo, agroturismo e hotéis rurais; bem como as atividades de animação ou de lazer que se destinem à ocupação dos tempos livres dos turistas e contribuam para a divulgação da região.
Atualmente, o Estado entende o turismo no espaço rural como “um produto completo e diversificado que integra as componentes de alojamento, restauração, animação e lazer, baseado no acolhimento hospitaleiro e personalizado e nas tradições mais genuínas da gastronomia, do artesanato, da cultura popular, da arquitetura, do folclore, e da história” (http://www.dgadr.pt).
Em Portugal, constituem-se como empreendimentos de turismo no espaço rural os estabelecimentos que se destinam a prestar, em espaços rurais, serviços de alojamento a turistas, dispondo para o seu funcionamento de um adequado conjunto de instalações, estruturas, equipamentos e serviços complementares, tendo em vista a oferta de um produto turístico completo e diversificado no espaço rural (Decreto-Lei nº. 228/2009, de 14 de setembro). Ainda de acordo com a mesma referência, os empreendimentos de turismo no espaço rural devem preservar, recuperar e valorizar o património arquitetónico, histórico, natural e paisagístico dos respetivos locais e regiões onde se situam, através da reconstrução, reabilitação ou ampliação de construções existentes, de modo a ser assegurada a sua integração na envolvente. Os empreendimentos de turismo no espaço rural podem ser classificados em quatro grupos: casas de campo; turismo de aldeia; agroturismo; hotéis rurais (Quadro 2).
O turismo em espaço rural foi lançado experimentalmente em Portugal em 1978 sob a forma de turismo de habitação em quatro áreas piloto: Ponte de Lima, Vouzela, Castelo de Vide e Vila Viçosa, tendo sido posteriormente alargado à totalidade do território nacional. Desde então, com um percurso por vezes algo sinuoso, o turismo em espaço rural tem vindo a assumir uma expressão cada vez mais importante no país.       
“O Turismo em Espaço Rural deve ser um turismo local, um turismo de “território”, desejado e gerido pelos próprios residentes, um turismo de encontro, um turismo de partilha… Um turismo onde o homem deva constituir o elemento central e essencial da sua “rusticidade”, e tão atraente no acolhimento como na embalagem ou no acondicionamento dos produtos agro-alimentares. Tanto num caso como no outro, deve garante do real, do produto “autêntico”, do “local”, do “tradicional”, “do preço não artificial e do produto não traficado” (Gonçalves, 2007:156).  
Com efeito, por norma, estes turistas querem ver “como se fazia” e “como era dantes”, o que obrigou, em muitos casos, a uma nova complementaridade entre a agricultura e atividades como a gastronomia, o artesanato, a criação de gado e outras.
O lazer assume, cada vez mais, uma dimensão com elevado nível de importância na sociedade contemporânea, muito impulsionado pelo aumento dos índices de qualidade de vida associado à modernização do trabalho, que tem gerado uma maior disponibilidade para tempos livres. No lazer, apesar das múltiplas motivações de cada um, coabitam preocupações de saúde e bem-estar com enriquecimento cultural, e que muito têm feio alastrar a importância crescente do lazer na sociedade. Os espaços rurais constituem atualmente locais onde se podem encontrar ecossistemas particulares, ricos em fauna e flora, paisagens humanizadas, modos de povoamento, sítios históricos, aldeias exemplares, tradições, manifestações ancestrais, entre outros (Covas, 1999).
São vários os lazeres turísticos procurados nos territórios rurais, fruto das condições excecionais que estas áreas geográficas oferecem. A busca de ambientes mais calmos, com capacidade de oferecer atividades de lazer em múltiplas vertentes, com graus de exigência diferenciada, com possibilidade de usufruição durante todo o ano, a custos acessíveis, com acesso facilitado e com uma complementaridade em termos de oferta de equipamentos e serviços capazes de dar resposta à necessidade da prática de lazer, tornam os territórios rurais locais muito procurados para múltiplas práticas de lazer. Os lazeres turísticos, em particular os de domínio cultural, ecológico, de natureza, o touring cultural e paisagístico, industrial, arqueológico, os passeios pedestres, percursos e centros de BTT, através de lugares, rotas, circuitos e redes, na amplitude de esferas geográficas diferenciadas, assumem uma crescente visibilidade e relevância no contexto contemporâneo (Carvalho, 2012-a).
Os territórios rurais, no geral e de montanha, em particular, “oferecem uma base de recursos diversificada de extrema importância para o desenvolvimento de atividades turísticas, que lhes conferem um lugar de destaque no panorama dos destinos turísticos mais populares do mercado turístico atual. As caraterísticas únicas das montanhas – cenários de extrema beleza cénica, traços biofísicos excecionais, diversidade, isolamento e autenticidade natural e cultural – proporcionam as condições ideais para a prática de uma panóplia de atividades que enformam alguns dos mais interessantes produtos turísticos alternativos da atualidade, a maioria dos quais se inserem numa lógica de desenvolvimento sustentável, que os próprios territórios de montanha demandam” (Carvalho e Adelino; 2012:14).
São exemplo disso, o caso de atividades associadas ao turismo ativo, de aventura ou radical, de natureza, ecoturismo, e outras modalidades interligadas, podendo se destacar o montanhismo, alpinismo, pedestrianismo, escalada, trekking, orientação, bicicleta todo-o-terreno (BTT), downhill, todo-o-terreno turístico, parapente ou paramotor, heli-ski ou heli-hike, birdwatching, geocaching, escalada, canoagem, canyoning, rafting, entre outras.

Turismo e desenvolvimento dos espaços rurais: mito ou solução?

O turismo tem sido considerado como uma estratégia de desenvolvimento económico e social por variadíssimos argumentos, como o aumento de rendimentos, construção de novas infraestruturas e formação de recursos humanos, criação de emprego e aumento de produção, entrada de divisas e, no geral, criação de mais riqueza (Cardoso, 2002, segundo Simões, 1993 e C.E., 1998). Dessa forma, “the tourism development in rural areas aims to solve key business objective outside motivation and satisfaction of tourism and economic issues related to the depopulation of areas caused by migration of rural population to urban centers” (Druţu e Drăgulănescu; 2012:197).     
Como referem Neves et al. (2002:6), “as novas formas de turismo, assentes em valores como a criatividade, o intercâmbio cultural, a promoção de recursos locais e o reforço da identidade dos territórios, podem reforçar as dinâmicas das áreas rurais, a nível demográfico, social e económico”. Mas, envolve também, certos perigos e desvantagens, como a existência de flutuações de mercado (onde a procura é muito incerta e imprevisível), a eventual criação de tensões entre os membros das comunidades hospedeiras e a destruição do património e do ambiente.
As instituições comunitárias identificam, assim, o turismo como um setor elegível, no desenvolvimento da política comunitária, sendo apontado como uma estratégia para alcançar o “desenvolvimento harmonioso e equilibrado das atividades económicas, de um crescimento sustentável e não inflacionista, que respeite o ambiente” (Cardoso; 2002:9, citando o artigo 2º. do Tratado da União Europeia, 1995).
Como já podemos constatar, tornou-se estritamente necessário procurar atividades económicas alternativas, mas ao mesmo tempo complementares, à agricultura, de forma a poderem revitalizar e diversificar as áreas rurais marginalizadas. Uma vez que hoje a agricultura, por si só, não se apresenta como o único caminho para o desenvolvimento rural, torna-se evidente que é fundamental, sem deixar de potencializar a agricultura, encorajar e implementar medidas que, diversificando as atividades económicas, permitam promover um desenvolvimento local sustentável, como o turismo, por exemplo. Mas, o turismo, não deve servir como uma “desculpa” para desencorajar as atividades ligadas à agricultura, pode sim, servir (de forma ponderada) para uma importância parcial na revitalização dos espaços rurais. De facto, este de turismo, tem sido promovido “com el objetivo de alcanzar la revitalización social y económica” (Vera; 1997:122).
Como afirma Margareta (2007:1) “the rural tourism seems to be one of the best ways of revitalizing the rural areas and assuring sustainable future for them by creating or maintaining jobs, their diversity, the attracting of new services, the farm support, the cultural environment, the surrounding environment and maintaining the traditional practices and the workmanship as a mean of attracting tourists”.
O turismo em espaço rural é um setor económico e social em pleno crescimento, fator esse que motiva um número cada vez maior de operadores, promotores, investidores, etc., neste domínio. De certa forma, será também correto afirmar que esta atividade, bem estruturada, poderá dar um grande contributo para um desenvolvimento rural equilibrado. Mas, embora o turismo rural possa revitalizar e capitalizar recursos locais, fixar (temporariamente) população, quebrar o isolamento social, encorajar relações e identidades socioculturais e promover consumo de produtos de qualidade, não é a solução global e universal para resolver os problemas de subdesenvolvimento em que muitas das zonas rurais se encontram, conclusão essa também patente nas palavras de Jacinto (1995:145), “o turismo, embora possa desempenhar um papel significativo, não pode ser sempre apontado como a atividade redentora, já que dificilmente poderá ser a única alternativa para a resolução de todos os males, bem como do problema chave das áreas rurais: o emprego”. Sendo uma atividade importante, deriva de uma política setorial e, por isso, não apresenta soluções globais (Cardoso, 2002).
De acordo com Gonçalves (2007:157), “o Turismo em Espaço Rural não é remédio universal para os problemas de marginalização económica e social das zonas rurais, mas importa promovê-lo de forma harmoniosa e sustentada, como um fator de pluri-atividade, através da dinamização de um conjunto de outras atividades económicas que dele são tributárias, dentro de um modelo integrado de desenvolvimento rural, respeitando sempre as diferenças que caraterizam cada região e os requisitos de qualidade e de comodidade exigidos pela clientela que o procura. Com uma oferta turística organizada de modo a realçar as potencialidades de cada região com circuitos temáticos selecionados numa gama de diversificação, seria possível apresentar ao visitante (…) motivos para permanecer no meio rural beneficiando este em termos de desenvolvimento”.
O sucesso do turismo rural é, no geral, como afirma Cavaco (1996:354), “identificado pela evolução do número de unidades e de camas, sem ter em conta as dependências relativamente a intermediários, o custo do isolamento microempresarial num mercado global, a produtividade do trabalho e do capital, o emprego realmente criado, a naturalidade e residência dos que o ocupam, os efeitos na economia do local e da região, através de lucros, salários e procura turística de bens e serviços diversos, incluindo o das artes e ofícios tradicionais”.
Mas, a consciencialização das dificuldades de êxito (do turismo como “motor” dos espaços rurais), não deve, de todo, ser um fator inibidor ou, até mesmo, dissuasor da tomada de iniciativas, endógenas ou exógenas, de desenvolvimento de atividades específicas, relacionadas com o turismo ou com qualquer outra atividade. Será sim importante preparar qualquer ideia ou plano com o devido cuidado e conduzi-las com a ousadia necessária (responsável) (Cavaco, 1996).