PROCESSOS DE MUDANÇA, TURISMO E DESENVOLVIMENTO RURAL: AS ALDEIAS DO XISTO DO CONCELHO DE GÓIS E O PAPEL DA LOUSITÂNEA

PROCESSOS DE MUDANÇA, TURISMO E DESENVOLVIMENTO RURAL: AS ALDEIAS DO XISTO DO CONCELHO DE GÓIS E O PAPEL DA LOUSITÂNEA

Luiz Rodolfo Simões Alves (CV)
Universidade de Coimbra

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Novas funcionalidades: economia e sociedade rural

As mudanças que ocorreram na sociedade rural nas primeiras décadas após 1950 explicam-se, em grande parte, pela evolução da agricultura e suas relações com a ação do Estado e o funcionamento do mercado.
A agricultura, na impossibilidade de continuar a crescer de forma extensiva, arroteando novas terras, procurou o crescimento intensivo com modernização tecnológica, assente em particular na mecanização e na qualidade e quantidade (intensidade) dos fatores utilizados. A ação do Estado foi, então, essencial na proteção e suporte dos principais produtos agrícolas, subsídios aos fatores e incentivos à modernização tecnológica.
Contudo, as oscilações nas políticas públicas, resultantes em particular da menor ou maior abertura ao exterior, a evolução dos mercados nacional e mundial, as condições naturais e respostas locais diferenciadas, conduziram, não a uma intensificação generalizada, mas sim a “bolsas de intensificação e especialização”, em certos espaços, certas produções, certos atores e redes de interesses agrícolas, industriais, comerciais e financeiros, de âmbito nacional. Em contrapartida, outros espaços foram sendo reconvertidos para a pecuária extensiva, floresta, ou mesmo abandonados (Veiga; 2007:352).
Vários foram os impactos desta evolução da agricultura, que como já vimos, podem ser medidos a nível social, com o forte êxodo rural e consequente envelhecimento da população rural, a nível económico, com a crescente autonomização da agricultura em relação aos espaços locais e a redistribuição desigual de rendimentos entre espaços, produções, atores, para a qual as políticas públicas também contribuíram, e a nível ambiental, com erosão dos solos, poluição de águas, destruição de paisagens, perda de biodiversidade.
A agricultura foi perdendo importância social, mas também peso económico, quando comparada em particular com o crescimento dos serviços, e começou a ser questionada na sua relação com o ambiente e a natureza. “A crise da agricultura e o declínio dos espaços rurais têm conduzido a uma crescente preocupação com a diversificação das economias rurais e, logicamente, a novas perspetivas quanto à valorização dos recursos locais, naturais e outros. A ideia de diversificação da economia rural está hoje muito associada com o reconhecimento de que o espaço rural é bem mais do que um simples fornecedor de alimentos” (Cristóvão; 1999:22).
A partir do fim de 1980, novos processos de mudança ganharam peso ou começaram-se a manifestar, pelo que o simples estudo da evolução da agricultura passou a ser claramente insuficiente para compreender as mudanças que estavam a ocorrer na sociedade rural. Como faz notar Rodrigues “foi a partir da década de 80 (séc. XX) que se começaram a alertar consciências para a necessidade de intervir nos espaços rurais, de promover o seu desenvolvimento. Começaram então a valorizar-se cada vez mais as características, as potencialidades, os recursos, as mais-valias locais, no processo de desenvolvimento, o qual deveria assentar “na valorização de novas atividades económicas, jogando tanto com novos produtos como com novos serviços” (Rodrigues, 2007:33; citando Cavaco, 1999). A melhoria do bem-estar geral, a crescente mobilidade geográfica introduzida pelo desenvolvimento dos meios de transporte, em particular do automóvel, a “explosão” das tecnologias de comunicação e informação, uma certa deterioração do modo de vida urbano e crescente melhoria do bem-estar rural, levaram a sociedade urbana a redescobrir o rural procurando impor-lhe novos usos e funções, novas atividades produtivas, de consumo ou de simples fruição.
Irromperam, assim, as novas funções e atividades: industriais, energéticas, residenciais, recreativas, turísticas, entre outras, nos espaços anteriormente agrários, acompanhadas por uma crescente importância atribuída ao ambiente e à natureza, à sua proteção e valorização patrimonial, com críticas explícitas aos impactos negativos da agricultura.
A sociedade rural, que resistiu ao declínio da agricultura, e/ou que se reconstruiu, apoiada no poder autárquico, aproveita agora novas oportunidades, criadas por essa procura urbana, em atividades económicas como, por exemplo, a construção civil, o alojamento e restauração, a produção agroalimentar de produtos de qualidade, a organização de atividades de animação turística, “não esquecendo o papel central da atividade agrícola em todas as suas componentes: biológica, ambiental … e não apenas a sua versão produtivista” (Carvalho, 2009:147). De facto, “é certo que a atividade agrária não perderá, por efeito das transformações em marcha ou em vista, o seu caráter decisivo. Perde, já perdeu e continuará a perder quaisquer pretensões de exclusividade, mas o seu contributo não poderá ser secundarizado, antes se recomenda a conjugação de atividades endógenas e exógenas à agricultura” (Jacinto, 1995:144).
Por outro lado, o crescimento dos serviços públicos, da administração local e central, e para-públicos, de associações sem fins lucrativos financiadas pelo Estado, nomeadamente os serviços locais básicos e os serviços de educação, saúde e ação social, muito contribuiu e contribui para a mudança na sociedade rural, qualificando o território e diversificando os atores e as redes de atuação, concedendo à população melhores condições e qualidade de vida.
Contudo, mais uma vez, estes processos de mudança não têm uma expansão e um impacto igual em todos os espaços e atores sociais. Há espaços e atores que, apesar do contexto ser de grande incerteza e instabilidade, vão obtendo êxitos duradouros na criação de riqueza e empregos, enquanto outros vão definhando e caminham para o abandono e despovoamento.
As áreas rurais têm vivido um processo contínuo de perda de população e degradação das condições de vida dos seus habitantes. Os aspetos que tradicionalmente caracterizavam o mundo rural também se alteraram, de modo que, hoje em dia, “a sua função principal não tem de ser necessariamente a produção de alimentos e a atividade predominante pode não ser agrícola” (ocde, 1994:47). A sua dimensão não agrícola é cada vez mais valorizada, em função de três aspetos ou tendências: conservação e proteção da natureza, patrimónios históricos e culturais e mercantilização das paisagens (ocde, 1994).
“A natureza e o ambiente deixam de ter a função de produto agro-silvo-pastoril, prevalecente no passado, para adquirir uma representação estética e lúdica pelos novos protagonistas urbanos e institucionais, com conceção de território diametralmente oposta à que tradicionalmente assumiam os velhos residentes das aldeias, para quem o solo constituía basicamente um fator produtivo” (Almeida, 2007:312; citando Cardoso, 2001).   
 Como referem Santos e Cunha (2007:2), “torna-se evidente que é necessário definir quais as funcionalidades que podem atuar de modo sustentável e exequível socioeconomicamente no espaço rural. A importância da agricultura é fulcral em todo o processo de estruturação rural, porque a agricultura não é só uma atividade económica, é também criadora das paisagens que nos atraem e constituem a forma de suporte organizacional deste mundo de menor intensidade económica e populacional”. “Numa visão inversa, o abandono das atividades agrárias ou a diminuição da pressão antrópica nas paisagens culturais determina uma degradação deste recurso” (Aantos e Cunha, 2007:2; citando Moltó Mantero, 2004:72).
Entretanto, como evidencia Domingues (2010:21), “também a agricultura mudou ao ponto de “rural” e agrícola” não significarem o mesmo. Agrícola é a economia (os preços, as tecnologias de produção, os mercados, os modos de produzir,…); rural é a cultura”.
Desde a Nova Política Agrícola Comum (PAC), a União Europeia tem desenvolvido uma série de iniciativas que atendem às diversas funções do meio rural, sendo hoje uma prioridade encontrar meios de estimular e ativar essa multifuncionalidade. A PAC preconiza-a como uma das suas ideias de base, juntamente com a indissociabilidade entre o futuro da agricultura, do mundo rural e da sociedade como um todo; e a diversidade, ou seja, o reconhecimento de que existe um elevado número de sistemas agrícolas com caraterísticas agro-tecnológicas e sócio estruturais muito diversas.
“A perspetiva da multifuncionalidade das explorações agrícolas e do espaço rural está presente nas intervenções propostas, que visam não só ao desenvolvimento da agricultura e da floresta, mas também, muito em particular, à diversificação das economias e à criação de novas atividades, baseadas na proteção dos recursos naturais e da biodiversidade, na valorização da paisagem, na gestão do espaço, e na preservação de valores culturais e patrimoniais” (Cristóvão; 2011:104).
De facto, como refere Pizarro (2005:1), “atualmente, a agricultura já não é vista como uma atividade limitada exclusivamente à produção de alimentos, sendo encarada numa perspetiva multifuncional – a conservação da natureza, a gestão das paisagens rurais ou a promoção do turismo são tarefas que se enquadram também no âmbito da atividade dos agricultores. A natureza destas atividades e a sua importância para o interesse coletivo apela diretamente à participação dos cidadãos, não só porque esta multifuncionalidade pode estimular a criação de emprego e ajudar a combater a exclusão, mas, sobretudo, porque coloca o exercício da cidadania no centro do desenvolvimento e coesão das comunidades locais. Por este motivo, a dinamização das zonas rurais europeias é um assunto que não diz respeito apenas aos que aí vivem, mas a todos os cidadãos europeus”.
Porém, pese embora a defesa da multifuncionalidade dos espaços rurais possa sugerir uma leitura mais sensível à diversidade económica dos territórios rurais, sobretudo em alguns círculos de índole académica e/ou política, como faz notar Ferrão (2003:245), “ainda assim o estereótipo de áreas rurais como territórios agro-florestais e homogéneos permanece vivo no mapa cognitivo de muitos decisores políticos, técnicos e empresários, com implicações importantes no que se refere à formulação de estratégias e políticas de desenvolvimento para essas áreas”.
Por fim, de forma geral, podemos afirmar que “assistimos à crescente revalorização da importância do mundo rural (onde se redescobrem novas centralidades com base na qualidade) e dos valores da ruralidade (também estes em mudança) para o equilíbrio e coesão do próprio sistema. Na Europa, descortinam-se, em cada território, as suas potencialidades específicas e procuram alicerçar-se as novas filosofias do desenvolvimento territorial dos espaços rurais em conceitos como a multifuncionalidade, a sustentabilidade e a subsidiariedade” (Carvalho, 2009:147).
Neste contexto, ao agricultor, cabe a “tarefa” de “(eterno) guardador do espaço rural” 1 que, a partir das palavras de Carvalho (2009:148), assume o papel “de um importante ator na tarefa da preservação dos valores patrimoniais e paisagísticos do mundo rural. Com efeito, a agricultura, assume-se mesmo como o cerne da multifuncionalidade que se pretende para os espaços rurais europeus, sem a qual se inviabilizarão outras funcionalidades, como, por exemplo, o turismo em espaço rural”, sempre com o intuito, claro e objetivo, de alcançar resultados com a finalidade de promover e fomentar o desenvolvimento local (e rural) e melhorar as condições de vida das populações.

1 De facto, em 1976, em plena reforma agrária e numa conjuntura de aumento da produção, Gonçalo Ribeiro Teles clamava pela nova função do agricultor como o “construtor da paisagem rural e guardião na Natureza” e “escultor e arquitecto da paisagem”, que tem o direito “a ser pago pela sociedade como construtor, defensor e gestor da paisagem rural”. Também Oliveira Baptista, em 1993, descrevia este grupo como “jardineiros da natureza”, que “cuidam da terra sem terem como móbil a produção para o mercado” (Almeida, 2007:311).