PROCESSOS DE MUDANÇA, TURISMO E DESENVOLVIMENTO RURAL: AS ALDEIAS DO XISTO DO CONCELHO DE GÓIS E O PAPEL DA LOUSITÂNEA

PROCESSOS DE MUDANÇA, TURISMO E DESENVOLVIMENTO RURAL: AS ALDEIAS DO XISTO DO CONCELHO DE GÓIS E O PAPEL DA LOUSITÂNEA

Luiz Rodolfo Simões Alves (CV)
Universidade de Coimbra

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Desenvolvimento Rural: da afirmação de uma preocupação política ao papel crescente do lazer e turismo

Espaços rurais e desenvolvimento local

“ Acreditamos que a agricultura, o ambiente e o desenvolvimento rural serão áreas promissoras de crescimento sustentado e duradouro (…). As amenidades rurais devem ser encaradas como contributo para o desenvolvimento das zonas rurais desfavorecidas (…). Mantenhamos por isso algumas margens de esperança no futuro dos espaços e das comunidades rurais (…). Margens que cruzam a agricultura funcional, a crescente procura do espaço e território, a valorização da qualidade ambiental ou o aumento dos tempos de lazer” (Covas; 2004:53).
A par das alterações nas principais atividades dos espaços rurais, verificou-se um forte êxodo rural, traduzindo-se em processos de despovoamento e envelhecimento da população. Tais transformações resultaram, sobretudo, numa forte heterogeneidade dos espaços rurais, motivo pelo qual foi, e tem vindo a ser, necessário implementar políticas que tivessem em conta essa mesma diversidade e não visassem apenas a agricultura, como se havia refletido, até há algum tempo atrás, através da PAC, tornando-se, assim, necessário desenvolver políticas consistentes e adequadas às realidades onde pretendem intervir.
De facto, “a incapacidade das políticas difusionistas na resolução de problemas estruturais ligados às desigualdades e disparidades de desenvolvimento e à emergência de novas tipologias de marginalidade social e territorial, consequências da aplicação indiscriminada dos instrumentos de desenvolvimento estritamente económico, introduziu nas sociedades e nos territórios europeus a emergência de novos paradigmas que, embora não rompendo com os anteriores, denunciam a necessidade de focalizações com base em critérios e em referências diferentes” (Carvalho, 2009:145, citando Carvalho e Fernandes, 2001).    
O desenvolvimento rural alicerça-se nas boas práticas agrícolas não nefastas para o ambiente, na reflorestação, na preservação da paisagem, entre outros, incorporando ainda uma conotação espacial, depois de uma fase em que prevaleceram os objetivos de modernização, industrialização, produtividade e crescimento (orientados para o desenvolvimento agrícola, em grande parte decorrente das políticas da PAC). “Neste sentido, as novas políticas para o mundo rural passam a ser orientadas para o desenvolvimento rural integrado, unindo a dimensão sócio-rural e ambiental, assumindo que é necessária a diversificação das atividades produtivas nos espaços rurais, e determinando novos objetivos para a agricultura em função da perspetiva de ordenamento dos espaços rurais” (Carvalho, 2009:143, citando Salom Carrasco, 2000).
Como já foi referido, o atual interesse geográfico pelos espaços rurais está relacionado com a fragilidade destas áreas e com os seus recursos naturais e culturais, bem como com a reconversão e a reorientação funcionais que procuram ultrapassar a crise social, económica e territorial que atinge, na generalidade, os espaços rurais (Carvalho, 2009). 
O conceito de desenvolvimento para estas áreas assenta em duas ideias complementares: tornar os territórios mais competitivos e coesos; e oferecer condições de fixação de segmentos ativos e de regeneração demográfica. O desenvolvimento de estratégias de afirmação positiva dos territórios surge como um objetivo fundamental na ligação de recursos a mercados, correspondendo, também, a uma forma diferente de olhar para os valores locais, que necessitam de eficácia nas atuações orientadas para a valorização de mercado desses recursos do território.
Quando se pensa em desenvolvimento rural pensa-se, necessariamente, na “melhoria das condições de vida e de trabalho da população residente e na valorização dos recursos endógenos, incluindo nestes o património histórico e os recursos humanos, com as suas capacidades de iniciativa, culturas específicas, saberes-fazer próprios1 . Tudo isto, sem prejuízo dos equilíbrios ambientais, ou seja, utilizando prudentemente os recursos naturais renováveis, e mais ainda os não renováveis, dos solos e das águas à diversidade biogenética” (Cavaco, 1996:347). Além de sustentável, o desenvolvimento rural deverá ser integrado, potencializando as sinergias das intervenções nos diferentes setores de atividade, nas infraestruturas e equipamentos, na qualificação da população, na dinamização de iniciativas, etc.      
Como afirma Jacinto (1995:143), “o processo de desenvolvimento está estritamente correlacionado com a acessibilidade física e socioeconómica. As zonas rurais economicamente integradas e mais dinâmicas, localizam-se quase sempre na proximidade daqueles centros (polarizadores e dinâmicos), enquanto as zonas rurais intermédias e as mais deprimidas se situam nas periferias mais ou menos remotas”.  
As políticas da União Europeia, para os espaços rurais, têm vindo a sofrer uma longa evolução, intrinsecamente ligada à própria evolução do conceito de desenvolvimento rural. Até aos anos 80, o desenvolvimento rural apoiava-se, sobretudo, numa conceção setorial das ajudas e as políticas que daí emanavam adotavam ações descendentes, top-down, que visavam a subvenção dos beneficiários. “Atualmente, entende-se que, mais do que isso, é essencial estimular os agentes locais e os promotores de projectos a adquirirem as competências necessárias para se tornarem agentes implicados no desenvolvimento do seu território” (Carneiro, 2010:700), ou seja, ações do tipo ascendente (bottom-up).
Segundo (Moreno; 2007:134), o desenvolvimento local pode ser entendido como “um processo continuado de melhoramento das condições do território e das suas populações, sempre que tal seja reconhecido pelos atores sociais, incluindo os do meio urbano”. Neste contexto, o desenvolvimento local (de áreas rurais) passa por um investimento na manutenção e divulgação dos recursos e dos produtos endógenos das regiões, nos quais os lazeres turísticos podem ser uma forte “alavanca” quando bem pensados, estruturados e geridos. O desenvolvimento do território terá de ter sempre presente uma visão assente num “produto” de diferenciação que as paisagens construídas e as paisagens naturais lhe conferem em conjunto com as produções locais, com os produtos endógenos (queijos, azeite, produtos artesanais, vinho, entre muitos outros), com os produtos de qualidade, e com os “produtos imateriais”, e que são igualmente de vital importância e que fazem parte das raízes dos lugares, com sejam os saberes, as memórias, a cultura e as identidades locais.        

Para uma intervenção pública ajustada às necessidades e às especificidades que cada território apresenta, é necessário, em primeiro lugar, conhecer os problemas e fraquezas bem como as forças e as oportunidades de cada área específica, sendo por isso, importante estabelecer uma estreita articulação entre geografia, evolução histórica e trajetória económica, sempre adaptadas a cada realidade.
A partir dessa mesma análise é possível elaborar uma “lista”, mais ou menos rigorosa, dos principais pontos de destaque, de fatores e processos que atuam ou que podem vir a ter realce, quer do ponto de vista positivo ou negativo, nas áreas rurais. Essa análise pode ser apresentada, grosso modo, segundo uma divisão entre os problemas e as oportunidades, complementada com a apresentação das ameaças e das fraquezas, lista essa que será resumida e apresentada no Quadro 1.
Em relação aos problemas ou fraquezas, existe uma panóplia de fatores que contribuem, negativamente, para a evolução e desenvolvimento dos espaços rurais. De entre esses múltiplos fatores ou motivos, podemos colocar em destaque os seguintes: a baixa densidade demográfica, que se reflete numa rarefação do povoamento, a que se junta a situação de pessoas isoladas com condições e vida preocupante, muito por causa de se tratar, sobretudo, de população idosa; a baixa densidade económica, marcada por uma ausência, quase total, de mercado, de poder de compra e de empresas, com grandes dificuldades na atração de mais-valias económicas; défice de bacias de emprego de dimensão suficiente para permitirem uma gestão flexível da força de trabalho; défice na obtenção de limiares para o suporte de projetos produtivos de base local; fragilidade dos mecanismos de interação, entre pessoas e entre empresas, na difusão da informação, originado assim, uma redução da capacidade de inovação nestas áreas; os custos acrescidos na prestação de serviços às populações e no acesso destas às funções urbanas; insuficiência de infraestruturas de serviços e de equipamentos, onde predomina a ausência de vias rodoviárias e ferroviárias, de infraestruturas ambientais (relacionadas com o abastecimento de água potável e o saneamento básico), de equipamentos de saúde, de educação, de cultura e de recreio, bem como a falta de capacidade organizativa, mesmo quando esses serviços ou equipamentos existem; abandono dos recursos locais e empobrecimento das fileiras produtivas neles baseados; fragilidade dos atores locais, presente na excessiva atomização dos mesmos, na “promiscuidade” dos atores locais em diferentes entidades, bem como a excessiva presença dos municípios em instituições para o desenvolvimento; elevadas taxas de analfabetismo e pouca formação profissional dos habitantes destas áreas (em termos gerais); fraco desenvolvimento científico e tecnológico; falta de manutenção destes espaços; forte incidência de incêndios florestais nestas áreas; e, por fim, a “fetichização do rural” que, em muitos casos, valoriza (por vezes em excesso) a atividade turística, em detrimento da dinamização do mercado de emprego.       
No que concerne às oportunidades e forças, dos espaços rurais, pese embora o número elevado de problemas ou fraquezas destes espaços, é também possível destacar um amplo número de oportunidades que estas áreas detêm, com uma forte exclusividade. Tanto que, é possível afirmar que mais do que espaços de problemas, o “mundo rural” deve ser visto como um espaço de oportunidades que decorrem dos recursos do território (património natural, paisagem, património cultural, entre outros) e dos recursos humanos, mas que neste momento, em grande parte, são determinados por fatores externos a estes espaços. Assim, de entre as várias oportunidades ou forças, dos espaços rurais, podemos colocar em evidência os seguintes: património natural (clima, paisagem, fauna e flora) extremamente rico e diversificado, património histórico e arquitetónico (paisagens humanizadas); diversas manifestações culturais (festividades, gastronomia, entre outras); artesanato; produtos locais de qualidade (frutas, vinhos, azeite, queijo, entre outros); tradições seculares; manifestações ancestrais; oferecem espaço abundante para a instalação de infraestruturas e equipamentos; oferecem um conjunto de bens cada vez mais procurados e valorizados como a liberdade, a tranquilidade, um ambiente saudável, a proximidade com a natureza; oferece ainda boas condições para a implementação de atividades e negócios relacionados com os diferentes tipos de turismo, ligados à natureza e às tradições (por exemplo); bem como outras que aqui não foram recebidas e que serão diferentes dependendo de cada contexto em concreto. De referir ainda que, o desenvolvimento sustentável destes territórios poderá passar por uma valorização do seu potencial endógeno, uma promoção das suas potencialidades turísticas, afirmando-os e promovendo a sua competitividade e coesão, económica e social.
A singularidade dos espaços de montanha é, de facto, única, mais não seja por uma análise quase poética, a partir do que depreendemos das palavras de Carvalho (2009:189) citando Cunha (2003), ao afirmar que, as áreas de montanha, “como entidade geográfica é indissociável de simbologias e qualificativos: espaço barreira, espaço sagrado, espaço sublime, espaço grandioso, belo e apaixonante, mas também como espaço vazio, temido, e por vezes, maldito e odiado; como território de recursos naturais e como santuário ecológico, paisagístico e ambiental; finalmente, ainda, como espaço natural tradicional, de estabilidade e de permanência de valores que já não podem ser encontrados na sociedade urbano-industrial atual, o que confere forte valorização enquanto espaço turístico e de lazer (turismo ativo e desportivo, mas também turismo rural e ambiental)”. Importa ainda referir que, para um desenvolvimento integrado e sustentável dos espaços rurais, é fundamental a elaboração de planos e de estratégias que visem esses mesmos princípios, de forma a conseguir resultados que resolvam ou atenuem o mais possível, de forma célere, as fragilidades e os problemas que estas áreas enfrentam, com o intuito de promover o desenvolvimento local, que será também um fator de desenvolvimento regional e nacional, com o qual todos poderão ganhar.

1 “O património rural carateriza-se pela diversidade de formas, de objetos, de elementos e escalas de observação, e pela heterogeneidade dos elementos que o constituem, que vão desde os modos de existência materiais aos objetos naturais dominados e designados pelo Homem; dos saberes, das técnicas e dos utensílios de construção às maneiras de comunicar e ao imaginário social e integram a fauna e a flora selvagens, as paisagens naturais ou modificadas pelo Homem, as aldeias e montes que apresentam múltiplas especificidades históricas e arquitectónicas, sob a forma de edifícios mas também de outras obras, como pontes, moinhos de vento ou muros de pedra solta […] a cultura na sua dimensão imaterial: língua, costumes, folclore, tradições musicais e artísticas, danças, produtos caseiros, especialidades culinárias, sem esquecer evidentemente o artesanato, os ofícios e os antigos saber-fazer” (Ribeiro, 2010:15).