PROCESSOS DE MUDANÇA, TURISMO E DESENVOLVIMENTO RURAL: AS ALDEIAS DO XISTO DO CONCELHO DE GÓIS E O PAPEL DA LOUSITÂNEA

PROCESSOS DE MUDANÇA, TURISMO E DESENVOLVIMENTO RURAL: AS ALDEIAS DO XISTO DO CONCELHO DE GÓIS E O PAPEL DA LOUSITÂNEA

Luiz Rodolfo Simões Alves (CV)
Universidade de Coimbra

Volver al índice

Pena

Na margem esquerda da Ribeira da Pena, assente sobre um esporão quartzítico bem no meio dos impetuosos Penedos de Góis, Pena, a 590 metros de altitude, parece esmagada pela imponência do escarpado que se eleva na outra margem (Figuras 104 e 105). “As condições topográficas levaram a que a aldeia se desenvolvesse ao longo desse promontório, transparecendo que o casario se encontra em consenso com as leis do equilíbrio e em desafio à força da gravidade. Uma única rua e várias pequenas quelhas, tecem a malha urbana da Pena. Os materiais de construção predominantes são o xisto e o quartzito. Algumas fachadas estão rebocadas e pintadas com cores tradicionais” (A. Carvalho; 2013:244).
Tal como nas outras aldeias as padieiras das portas são, em geral, de madeira de carvalho ou castanho. As construções possuem, na sua grande maioria, dois pisos. Sendo que, na esmagadora maioria dos casos, o primeiro piso se destina a habitação e, o piso inferior, a espaços de arrumos ou lojas.
Em relação à etimologia da toponímia desta aldeia, Pena é topónimo que tem origem do latim em penna, variante de pinna, que significa penha, isto é, penhasco ou rochedo, situação característica da envolvente à aldeia, que se situa junto à crista quartzítica dos Penedos de Góis (Figura 106). Entre os vários e vigorosos afloramentos rochosos destaca-se o denominado “Penedo da Abelha”, sobranceiro à aldeia, na margem direita da Ribeira da Pena.
Armando Carvalho (2013), citando Viterbo (1798), aponta que, também, poderia significar local de construção de pequeno castelo ou pequena estrutura defensiva. Na ausência de vestígios não deverá ser o caso. Este povoado já existiria no Século XVI, uma vez que, no “Cadastro da População do Reino (1527)” consta no termo da Villa de Goys a existência da então denominada penna, onde viviam cinco moradores.
Apresenta uma população residente permanente de 14 pessoas (5 indivíduos do sexo masculino e 9 do sexo feminino), em 2013, e uma estrutura etária menos envelhecida do que nas restantes três Aldeias do Xisto do concelho de Góis, onde se regista inclusive a existência de crianças (facto único nas quatro Aldeias).
No que concerne ao edificado, esta aldeia, tem um universo de 76 imóveis, num património construído com caraterísticas tipicamente rurais, baseados em materiais e métodos de construção tradicionais. Em termos de pisos que compõem os edifícios, com exceção dos espaços destinados a garagem, anexos, arrecadações, telheiros, fornos e alminhas, bem como dos edifícios em ruínas, a esmagadora maioria do edificado apresenta dois pisos, sendo que, na maior parte dos casos, o piso superior se destina a função de habitação e, o piso inferior, a espaço de arrecadação ou lojas.
Na Pena predomina a utilização/função (Anexo XXII) destinada a habitação com 60,53% dos usos (com um total de 46 imóveis); as estruturas como telheiros, anexos e garagens correspondem a 25% do edificado da aldeia, com um total de 19 com esta função. Por sua vez, as estruturas dedicadas ao acolhimento de gado e da sua alimentação (currais e palheiros) e o edificado com o uso de forno, alminhas e moinhos representam, cada um dos grupos de tipologias, 4 edifícios (5,26% do total). Por outro lado, existem dois edifícios utilizados com alojamento coletivo, representando 2,63% do edificado total da Pena e, por fim, existe, ainda, uma coleção museológica, ocupando esta tipologia um único edifício (1,32% do património construído da aldeia).
Neste aglomerado rural, a classificação das habitações quanto ao tipo de ocupação (Anexo XXIII) revela uma predominância dos edifícios devolutos (43,75%, correspondentes a um total de 21 edifícios). Por outro lado, o edificado com um estatuto de uso periódico representa um número significativo do total da Pena, com 33,33% do total, ou seja, com 16 habitações, demonstrando o carácter e o peso da sazonalidade na ocupação do edificado, fruto do número significativo de pessoas que, habitualmente, costumam passar os fins de semana, períodos de férias e épocas festivas na aldeia. Por fim, os espaços de habitação permanente, representam a menor percentagem do total, com 22,93% do total do edificado destinado a habitação, com um total de 11 casas.
O estado de conservação do edificado (Anexo XXIV) é, na grande maioria, bom havendo um número reduzido de edifícios em mau estado de conservação ou em ruína. Com efeito, 81,58% do edificado está em bom estado de conservação (Figura 107), 7,89% encontra-se num estado razoável de conservação. Por outro lado, 5,26% dos imóveis da Pena encontram-se em mau estado de conservação, sendo que, a mesma percentagem referida anteriormente é verificada nos edifícios em ruínas.
Analisando os dados quanto ao estado de conservação dos imóveis antes da intervenção do Programa das Aldeias do Xisto (mediante a informação que consta no Plano de Aldeia) podemos verificar que as alterações foram muito significativas. Antes da intervenção do Programa apenas 15,9% dos edifícios se encontravam em bom estado de conservação. Por outro lado, 18 edifícios (28,9%) apresentavam-se em mau estado de conservação. A maioria do edificado tinha o seu estado de conservação classificado como razoável (47,8%). Por fim, 7,2% dos edifícios encontravam-se em ruínas.
Passando a analisar o peso das intervenções realizadas com o Programa das Aldeias do Xisto, podemos constatar que o número de edificações que foram intervencionadas pelo Programa e o total de edificações que não foram intervencionadas não é muito díspar entre si, sendo que, em todo caso, no cômputo geral, o número de edifícios não intervencionado supera o número total de edifícios intervencionados (Anexo XXV). Assim, 59,21% do edificado da Pena (45 imóveis) não foram alvo de qualquer intervenção. Ao invés, 40,79% dos imóveis (o correspondente a 31 edificações) foram intervencionados por ação do Programa das Aldeias do Xisto (Figura 108).
Por outro lado, é importante perceber a origem dos proprietários dos imóveis que compõem o edificado da Aldeia do Xisto da Pena (Anexo XXVI). Assim, verificamos que a grande maioria, 78,75% dos imóveis da aldeia, são propriedade de autóctones, ou seja, de pessoas que têm as suas raízes na aldeia. Por outro lado, os alóctones (pessoas sem qualquer vínculo familiar ou genealógico a este lugar) representam uma percentagem bastante interessante: 21,5% do total dos proprietários (16 imóveis) sendo que, quanto à sua origem, são oriundos dos concelhos de Coimbra (6 imóveis), Torres Vedras (5 imóveis) e da área da Grande Lisboa (5 imóveis).
Por fim, analisando se a propriedade dos imóveis sofreu alterações desde 2002 (data em que as intervenções tiveram impacto nas Aldeias do Xisto do concelho de Góis), constatamos que a esmagadora maioria do edificado, cerca de 97,4%, não registou mudança de proprietário. Por outro lado, 6,6% dos imóveis (2 no total) tiveram uma mudança de propriedade, embora passassem a ser propriedade de autóctones (Anexo XXVII).
Antes da intervenção do Programa das Aldeias do Xisto, os arruamentos da aldeia da Pena encontravam-se, na sua maioria, revestidos a betuminoso, nalguns casos, e por parte da iniciativa dos habitantes da aldeia, alguns dos arruamentos são em betonilha afagada, sendo os acessos às áreas dos terrenos agrícolas em terra batida.
Quanto ao seu estado de conservação, a maior parte dos arruamentos encontravam-se em razoável estado de conservação (à exceção dos em betonilha afagada que, na sua grande maioria, se encontravam em avançado estado de degradação). Porém, os acessos às áreas agrícolas estavam, na generalidade, em mau estado de conservação.
Com a intervenção realizada no decurso do Programa, os arruamentos passaram a ser revestidos por calçada de granito, contrariando a opção que seria mais adequada e que foi aplicada em algumas Aldeias do Xisto de outros municípios: xisto ao cutelo (proposta que também constava no Plano de Aldeia).
A nível das infraestruturas, a equipa que trabalhou no terreno considerou que estas marcavam os espaços da aldeia pela negativa. Assim consideravam que, à semelhança do verificado nas restantes 3 aldeias, também na Pena o tipo de infraestruturas é bastante variado, pouco cuidado e, como sendo exemplo isso, a questão da iluminação pública e de todos os fios que, cruzavam a aldeia, entre postes de eletricidade.
No que concerne às propostas de intervenção para a Pena, o Plano de Aldeia propunha a recuperação da linha de água que corre na parte inferior da aldeia (ribeira da Pena), propondo a reconstrução de uma represa que servisse não só para voltar a colocar em funcionamento um moinho de rodízio existente, como, também, para criar um espelho de água, de forma a criar uma pequena praia fluvial, proposta essa que, até à data, não foi concretizada. À semelhança do proposto para a Comareira, também se previa, para a Pena a construção de um pequeno lavadouro público (até ao momento não construído), bem como a recuperação de uma alminha em avançado estado de degradação. Numa outra proposta, com o propósito de encontrar uma solução para a necessidade de demolição de três garagens/anexos construídos de forma não autorizada, junto ao arruamento principal da aldeia, propôs-se a construção de um alpendre de madeira que permitisse o abrigo das alfaias agrícolas, sendo que, até ao momento, as três edificações referidas ainda se encontram bem visíveis na Pena, e o referido alpendre (que as deveria substituir) não foi construído.
A proposta efetuada pelo Gabinete Técnico Local, que teve a seu cargo a preparação e implantação do Programa das Aldeias do Xisto, previa intervencionar um total de 64 imóveis, classificados por três tipologias de intervenção: 15 de grau 1, 46 de grau 2, e 3 de grau 3.
A par da reabilitação do tecido edificado foram feitas algumas propostas (para além das já mencionadas anteriormente) com o intuito de proceder à requalificação dos espaços públicos.
Assim, para além da remoção dos betuminosos existentes nos arruamentos das da Pena e o assentamento de calçadas de cubos de granito ou nalguns casos de xisto colocado a cutelo (xisto este que não foi aplicado na recuperação dos arruamento de nenhuma das aldeias), regularizaram-se algumas ruas que tinham como pavimento primitivo afloramentos rochosos.
Em paralelo com a requalificação das ruas, foram identificados os principais largos de reunião e receção, procurando, assim, traçar propostas de intervenção, recuperação e valorização. Nesse contexto, para cada um destes largos, foram concebidos projetos específicos de arranjo urbano, que contemplavam, para além da melhoria da pavimentação, a instalação de mobiliário urbano, constituído por chafarizes, bancos, papeleiras, resguardo de contentores do lixo, entre outros, bem como a substituição das luminárias para a iluminação pública.
A equipa técnica do Município de Góis apresentou, com maior profundidade e pormenor, a intervenção em três espaços de domínio público e que seriam de elevada importância na requalificação da aldeia e na valorização dos seus espaços públicos.          Na primeira proposta, designada no Plano de Aldeia como Largo A, propunha a requalificação do largo situado no centro da aldeia, ponto de confluência de todas as ruas (Figura 109). A proposta de intervenção visava a pavimentação com calçada de granito irregular, melhoria da iluminação com a instalação de luminárias em consola e instalação de um banco, uma papeleira e um fontanário, bem como a colocação de uma boca de incêndio com mangueira extensível. Com uma área bruta de intervenção de 160 m2, a recuperação deste largo teria um custo estimado de 4.500 euros.
A segunda proposta visava uma intervenção a realizar no designado Largo B, espaço situado na entrada norte da aldeia (classificado pelo Plano de Aldeia como mal definido e desqualificado) situado no cruzamento da estrada que faz a ligação à Aigra Velha (que, até ao momento, não foi concretizada). A proposta de intervenção para este largo deveria incluir separação da área pedonal da área viária através da criação de um passeio com calçada de granito irregular. A proposta visava, ainda, a plantação de um castanheiro e instalação de bancos, papeleiras e um bebedouro, bem como a definição de uma área de estacionamento automóvel e melhoria da iluminação pública coma instalação de luminárias. Com uma área de intervenção bruta de 900 m2, a concretização desta proposta teria um custo previsto de 2.900 euros.
A terceira proposta consagrava uma intervenção a realizar no Largo dos Castanheiros, situado na entrada da aldeia da Pena (na estrada de acesso por pavimento asfaltado). A proposta de intervenção deste largo, átrio de receção da aldeia, assentava na criação de três parques de estacionamento, na melhoria da iluminação pública e na colocação de alguns bancos, sendo que o pavimento seria em granito de forma irregular. A área bruta de intervenção da proposta realizada era de 1100 m2, e a concretização desta proposta teria um custo estimado de 12.300 euros. Até à presente data esta proposta não foi posta em prática (Figura 110).
Em síntese para a Aldeia do Xisto da Pena, o Gabinete Técnico Local definiu as seguintes intervenções: imóveis particulares (arranjo de fachadas; arranjo de coberturas; currais e arrecadações; instalação de cercas); imóveis públicos (construção de lavadouro público; recuperação de alminhas; recuperação de moinho comunitário/construção de represa de água; construção de alpendre comunitário para alfaias agrícolas); espaços públicos (requalificação do Largo A; requalificação do Largo B; requalificação do Largo dos Castanheiros; remoção de betuminoso/assentamento de calçadas; regularização do pavimento rochoso de arruamentos; colocação de placas toponímicas (ruas e largos); colocação de placas toponímicas (nome da aldeia); infraestruturas (melhoria da iluminação pública e reformulação da rede de distribuição elétrica; reformulação da rede telefónica, melhoria da rede de abastecimento de água; instalação de drenagem e tratamentos de águas residuais; instalação da rede de drenagem de águas pluviais; instalação de 3 bocas de incêndio com kit de mangueira extensível).
O Programa de Aldeia definido para a Pena apresentava custos totais previstos cifrados em 472.030,78 euros. Deste total, 188.276.19 euros estavam destinados para as invenções a realizar nos 64 imóveis particulares que se previa intervencionar, correspondendo 122.955,24 euros para a reparação de fachadas e 65.280,95 euros para a recuperação de coberturas. No referido plano previa-se, ainda, um custo total de 104.904,59 euros para intervenções a realizar em espaços públicos.
As intervenções preceituadas na Pena revelam um investimento médio de 18.896,5 euros por habitante (a média mais baixa do conjunto das quatro aldeias analisadas, fruto de esta registar o maior efetivo populacional à data das intervenções, com 25 habitantes), sendo que, esta aldeia teve uma intervenção profunda com a implementação do Programa das Aldeias do Xisto, num investimento global que rondou os 472.411,82 euros, correspondentes a cerca de 34,2% do total investido no concelho de Góis e 3,54% do investimento total executado nas vinte e quatro Aldeias do Xisto.
Relativamente à distribuição do investimento executado, segundo as tipologias/categorias de intervenção, na Pena destacam-se as intervenções realizadas em imóveis particulares com mais de 133 mil euros (40,41% do total). Por sua vez, as infraestruturas alocando 32,94% do investimento total executado na aldeia (equivalente a 155.600 euros), e os espaços públicos com 26,65% do total executado (mais de 88 mil euros) completam o montante global executado na Aldeia do Xisto da Pena.
As intervenções levadas a cabo na Pena permitiram, ainda, a recuperação de dois edifícios reconvertendo-os em unidades de Turismo em Espaço Rural (“Casa da Cereijinha” (Figura 111) e “Casa do Neveiro” (Figura 112) dotando, assim, esta aldeia com a capacidade de alojamento de turistas que visitem estes lugares serranos.