PROCESSOS DE MUDANÇA, TURISMO E DESENVOLVIMENTO RURAL: AS ALDEIAS DO XISTO DO CONCELHO DE GÓIS E O PAPEL DA LOUSITÂNEA

PROCESSOS DE MUDANÇA, TURISMO E DESENVOLVIMENTO RURAL: AS ALDEIAS DO XISTO DO CONCELHO DE GÓIS E O PAPEL DA LOUSITÂNEA

Luiz Rodolfo Simões Alves (CV)
Universidade de Coimbra

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Comareira

Na vertente norte da Serra da Lousã, numa encosta profundamente sulcada por pequenas linhas de água, Comareira foi implantada numa posição soalheira, onde os declives menos acentuados e a água de rega para aqui desviada, permitem umas leiras de agricultura.
É um pequeno conjunto de construções, para habitantes e gado doméstico (Figura 99). Xisto e quartzito são os materiais de construção predominantes, embora algumas fachadas dos edifícios estejam revestidas com um caraterístico reboco crespo de cor tradicional. A aldeia, situada a 515 metros de altitude, é constituída por uma malha urbana simples, correspondendo a um acesso que no início da aldeia se divide em duas pequenas ruas que a atravessam e se encontram no interior da aldeia. As padieiras das portas são, em geral, de madeira de carvalho ou castanho. As construções possuem, na grande maioria dos casos, dois pisos.
Na Comareira, o universo de 19 imóveis, organizados segundo uma malha orgânica, própria de aglomerados rurais que crescem e se organizam de uma forma espontânea. Um casario adoçado ao terreno baseado em métodos de construção tradicionais do tipo da arquitetura popular, dispostos devido à morfologia do terreno onde estão implantados, em degraus ou patamares diferenciados, vencidos por rampas e degraus que os interligam.
No plano etimológico, Comareira, “muito provavelmente terá raiz em cômoro, combro ou combâro ‒ com o significado de pequeno socalco de terra, idênticos aos que envolvem a aldeia ‒ de onde terá derivado para combareira, termo que ainda ecoa na memória dos habitantes, o qual terá, finalmente, evoluído para Comareira” (A. Carvalho; 2013:148). 
No “Cadastro da População do Reino (1527)” não consta, no termo da Villa de Goys, qualquer referência à aldeia da Comareira pelo que, poderemos pensar que, eventualmente, em 1527 ela poderia ainda não existir.
Com uma população residente permanente de 2 pessoas (2 indivíduos do sexo feminino), em 2013, a com uma estrutura etária fortemente envelhecida (o habitante mais novo tem mais de 60 anos de idade), esta é uma das aldeias fortemente marcada pelo despovoamento.
No que concerne ao edificado, esta aldeia, tem um universo de 19 imóveis, num património construído com caraterísticas tipicamente rurais, baseados em materiais e métodos de construção tradicionais. Em termos de pisos que compõem os edifícios, com excepção dos espaços destinados a telheiro e forno, bem como dos edifícios em ruínas, todo o edificado apresenta dois pisos, sendo que, na maior parte dos casos, o primeiro piso se destina a função de habitação e, o segundo piso, a espaço de arrecadação, lojas ou para albergar animais domésticos.
Na Comareira predomina a utilização/função (Anexo XVI) destinada a habitação com 47,37% dos usos (com um total de 9 imóveis); e às estruturas dedicadas ao acolhimento de gado e da sua alimentação (currais e palheiros) com 7 edifícios (36,84% do total). Por outro lado, a utilização/função do edificado apresenta, ainda, mais três tipologias: telheiro, alojamento coletivo e forno, correspondendo cada uma das tipologias a uma edificação (o equivalente a um peso de 5,26% de cada uma destas tipologias no total do edificado da Comareira).
Neste aglomerado rural caraterizado, a classificação das habitações quanto à tipologia de ocupação (XVII) revelam, que predominam as ocupações periódicas (com 55,56%, correspondentes a 5 edifícios do total do edificado destinado a habitação), com uma importância muito clara do uso sazonal por parte de antigos habitantes deste povoado, de idade avançada e com necessidades de acompanhamento em lares ou em casa de familiares e que, frequentemente, costumam passar os fins de semana ou períodos de férias na sua terra natal. Por outro lado, os edifícios devolutos correspondem a um total 3 habitações (33,33% do edificado) e, por fim, são apenas 2 os edifícios com ocupação permanente (correspondente a 22,22% das habitações da aldeia e, na sua grande maioria, com residência fixa na área da Grande Lisboa); e, por fim, os espaços de habitação permanente, que representam, apenas, 14,29% do total do edificado destinado a habitação, com um total de três casas, pertencendo duas delas à mesma família.
O estado de conservação do edificado (Anexo XVIII) é, na generalidade bom havendo um número pouco significativo de edifícios em ruína. Assim, 78,95% do edificado está em bom estado de conservação (Figura 100), 15,79% encontra-se em conservado de modo razoável e, por fim, 5,26% do edificado da Comareira encontra-se em ruína.
Dentro do grupo dos edifícios em razoável estado de conservação são, na grande maioria, currais e palheiros, ou utilizados como tal, em que os proprietários não vêm necessidade de os recuperar, dado o seu uso. Os imóveis em bom estado e razoável são os habitados, em que o proprietário faz a sua manutenção com a intervenção levada a cabo pelo Programa das Aldeias do Xisto. Analisando os dados quanto ao estado de conservação dos imóveis antes da intervenção do Programa das Aldeias do Xisto (mediante a informação que consta nos Planos de Aldeia podemos verificar que as alterações foram muito significativas. Antes da intervenção do referido Programa não havia nenhum edifício em bom estado de conservação. Por outro lado, 38,8% dos edifícios (7) tinham o seu estado de conservação classificado como razoável e outros tantos em mau estado de conservação. Por fim, 22,2% dos imóveis (4 no total) estavam em ruína.
Passando a analisar o peso das intervenções realizadas com o Programa das Aldeias do Xisto, podemos constatar que o número de edificações que foram intervencionadas pelo Programa predomina no total de imóveis da Comareira (Anexo XIX). Assim, 63,16% do edificado da Comareira (12 imóveis) foram alvo de intervenção pelo referido Programa. Ao invés, 36,84% dos imóveis (o correspondente a 7 edificações) não foram alvo de qualquer tipo de intervenção (Figura 101).
Numa outra vertente, tentámos perceber a origem dos proprietários dos imóveis da aldeia em análise (Anexo XX). Assim, constatamos que a esmagadora maioria, 94,74% dos imóveis da Comareira são propriedade de autóctones, ou seja, de pessoas que têm as suas raízes na aldeia. Por outro lado, não se registam propriedades que pertençam a alóctones. Por fim, o Município de Góis é proprietário de um imóvel nesta aldeia (que representa 5,26% do edificado da Comareira), correspondendo ao imóvel convertido em unidade de turismo em espaço rural.
Por fim, analisando se a propriedade dos imóveis sofreu alterações desde de 2002 (data do iníco das intervenções nas Aldeias do Xisto do concelho de Góis), constatamos que o edificado da Comareira não teve qualquer mudança de propriedade (Anexo XXI).
Antes da intervenção do Programa das Aldeias do Xisto, os arruamentos da aldeia encontravam-se, na sua maioria, asfaltados, sendo a acesso à área agrícola em terra batida. A maior parte dos arruamentos estavam em bom estado de conservação e os acessos às áreas agrícolas, em mau estado de conservação. Com a intervenção realizada no decurso do Programa referido, os arruamentos passaram a ser revestidos por calçada de granito, contrariando a opção que seria mais adequada e que foi aplicada em algumas Aldeias do Xisto de outros municípios: xisto ao cutelo (proposta que também constava no Plano de Aldeia).
Apesar da dimensão reduzida da Comareira esta comtemplava uma série de infraestruturas que, segundo a análise feita em 2002 pelo Gabinete Técnico Local, marcavam os espaços da aldeia de forma negativa. Assim consideravam que na Comareira os postes de TLP podiam ser comparados a um estendal de fios, e os contadores de água foram considerados elementos dissonantes no contexto da arquitetura popular da aldeia. Foram identificadas, ainda, carência de alguns elementos no que respeita à iluminação pública. No geral, todos estes elementos transpareciam pouco cuidado na sua inserção, prejudicando a imagem urbana do aglomerado.
Relativamente às propostas que constavam no Plano de Aldeia para a Comareira, o referido documento propunha, integrado numa estratégia global de desenvolvimento turístico, a recuperação de um imóvel, em elevado estado de degradação e a necessitar urgentemente de obras, propriedade da Câmara Municipal de Góis, de forma a ser criada uma casa-abrigo, capaz de permitir o alojamento, em boas condições, dos visitantes desta área de montanha (Figura 102).
Para além de dois quartos com casa de banho privativa, no piso inferior do edifício, dotou-se o piso superior com uma cozinha (recuperando a já existente), e no espaço reservado a arrecadação, instalou-se uma casa de banho completa, bem como a construção de uma casa para a caldeira a gasóleo. A sala comum é, simultaneamente, área de refeições e convívio. Adjacente a este espaço, construiu-se um quarto com três beliches. A gestão desta unidade de alojamento previa-se que fosse efetuada através do Posto de Turismo de Góis e, para a sua manutenção diária, contava-se com um residente local. Porém, é à Lousitânea que cabe ambas as funções, por protocolo estabelecido com o Município de Góis. Com uma área bruta de intervenção de 142,57 m2, a recuperação deste edifício teve um custo estimado de 89.526 euros.
Uma outra proposta previa que, em terreno cedido por Alfredo Simões, seria construído um pequeno lavadouro público de madeira, com cobertura de telha serrana, de forma a abrigar dois tanques de lavagem de roupa, com um custo previsto de 2.500 euros (proposta esta que, até ao momento, não foi posta em prática).
Uma terceira proposta visava uma intervenção no Largo da Eira, situado à entrada da aldeia, virado a nordeste, numa enseada preexistente que permitia proceder à sua instalação, para dar resposta à inexistência de espaços públicos (visto que os espaços públicos existentes eram apenas os acessos aos imóveis).
 Com esta proposta de intervenção previa-se, no fundo, colmatar uma necessidade de espaço de estadia e permanência a pensar nos residentes e nos visitantes, como um espaço de estar e de convívio, enquadrando um espaço que permite uma vista abrangente sobre a paisagem serrana.
Com pavimento em cubo de granito, foram instalados bancos, uma papeleira e um bebedouro, complementados com a plantação de três cerejeiras, a pedido dos residentes. De forma a dotar este local de paragem, foi construído um parque de estacionamento, na margem oposta, com capacidade para 3 viaturas (Figura 103). Com uma área bruta de intervenção de 130 m2, a recuperação deste Largo teve um custo estimado de 8.748 euros.
A proposta efetuada pelo Gabinete Técnico Local, que teve a seu cargo a preparação e implantação do Programa das Aldeias do Xisto, previa intervencionar um total de 18 imóveis, sendo 13 edifícios alvo de recuperações de grau 2.
Para a Aldeia do Xisto da Comareira, o Gabinete Técnico Local definiu as seguintes intervenções: imóveis particulares (arranjo de fachadas; arranjo de coberturas, instalação de cercas); imóveis públicos (instalação de casa abrigo de montanha, construção de lavadouro); espaços públicos (requalificação do Largo da Eira; remoção de betuminoso/assentamento de calçadas; colocação de placas toponímicas (ruas e largos, nome da aldeia); infraestruturas (melhoria da iluminação pública e reformulação da rede de distribuição elétrica; reformulação da rede telefónica, melhoria da rede de abastecimento de água; instalação da rede de drenagem de águas pluviais; instalação de três bocas de incêndio com kit de mangueira extensível).
O Programa de Aldeia definido para a Comareira apresentava custos totais previstos cifrados em 338.762,37 euros. Do total previsto, 112.528.37 euros estavam destinados para as invenções a realizar nos 18 imóveis particulares que se previa intervencionar, correspondendo 73.055,33 euros para a reparação de fachadas e 39.473,04 euros para a recuperação de coberturas. No referido plano previa-se, ainda, um custo total de 56.408 euros para intervenções a realizar em espaços públicos.
As intervenções preconizadas na Comareira revelam um investimento médio de 37.456,4 mil euros por habitante, sendo que, esta aldeia teve uma intervenção profunda com a implementação do Programa das Aldeias do Xisto, num investimento global que rondou os 224.738,52 mil euros, correspondentes a 16,27% do total investido no concelho de Góis e 1,68% do investimento total executado nas vinte e quatro Aldeias do Xisto.
Relativamente à distribuição do investimento executado, segundo as tipologias/categorias de intervenção, na Comareira destacam-se as intervenções realizadas em infraestruturas e espaços públicos com um investimento executado superior a 115 mil euros (51,3% do total investido nesta aldeia). Por sua vez, os imóveis públicos correspondem ao segundo maior volume de investimento, com uma alocação de 63.766,67 mil euros, correspondentes a 28,37% do investimento executado na Comareira. Por fim, as intervenções realizadas em imóveis particulares correspondem à restante fatia de investimento, perfazendo uma soma total superior a 45.675 mil euros, ou seja, 20,32% do montante global executado nesta Aldeia do Xisto.