PROCESSOS DE MUDANÇA, TURISMO E DESENVOLVIMENTO RURAL: AS ALDEIAS DO XISTO DO CONCELHO DE GÓIS E O PAPEL DA LOUSITÂNEA

PROCESSOS DE MUDANÇA, TURISMO E DESENVOLVIMENTO RURAL: AS ALDEIAS DO XISTO DO CONCELHO DE GÓIS E O PAPEL DA LOUSITÂNEA

Luiz Rodolfo Simões Alves (CV)
Universidade de Coimbra

Volver al índice

O desenvolvimento rural pós-2013

Com a aproximação do final da vigência do período de programação das políticas comunitárias para o período 2007-2013 começam-se, num período de forte contenção orçamental dos Estados e, consequentemente, com reflexos no orçamento Comunitário, a encetar as negociações e definições das estratégias para o novo ciclo de programação das políticas comunitárias. Sendo certo que nenhum dos Estados-Membros quer ver reduzido o total de verbas de que têm beneficiado nos últimos anos (e em especial aqueles que enfrentam, neste momento, fortes restrições orçamentais por força dos Planos de Ajustamento Financeiro que têm vigentes nos seus territórios) as negociações são, hoje mais do que nunca, extremamente importantes para a definição e prossecução de metas de desenvolvimento para a União Europeia e para os Estados-Membros no geral mas, em particular, para o desenvolvimento rural, considerado como um dos pilares importantes para o desenvolvimento sustentável dos países.
No caso concreto de Portugal, parece ser certo que muito ainda há para fazer no que concerne ao desenvolvimento rural mas, é inquestionável também, que não poderemos desperdiçar os Fundos e verbas já aplicados no território nacional, sendo que é necessário prosseguir e dar continuidade aos investimentos já realizados, dotando os territórios rurais dos instrumentos necessários para o seu desenvolvimento, para que, posteriormente, estes possam aumentar o seu contributo no desenvolvimento do país, criando condições para que o peso dos espaços rurais no Produto Interno Bruto possa crescer e cimentar um lugar na recuperação e, consequente, estabilidade económica e financeira de Portugal.
Relativamente ao processo de preparação do novo ciclo de políticas comunitárias para o período 2014-2020 (sintetizadas pela Figura 2) este assenta em quatro elementos de referência principais propostos pela Comissão Europeia: o documento Europa 2020, estratégia para um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo; uma proposta de orçamento para o referido período, designada A Budget for Europe 2020; um projeto de pacote legislativo sobre as futuras políticas comunitárias e, por fim, uma proposta de elementos para um Quadro Estratégico Comum para os cinco fundos.
Na Estratégia Europa 2020 são estabelecidas três prioridades:

  • Crescimento inteligente: desenvolver uma economia baseada no conhecimento e na inovação;
  • Crescimento sustentável: promover uma economia mais eficiente em termos de utilização dos recursos, mais ecológica e mais competitiva;
  • Crescimento inclusivo: fomentar uma economia com níveis elevados de emprego que assegura a coesão social e territorial.

A Comissão propõe, para a concretização dessas prioridades, cinco grandes objetivos, associando‐os à definição de metas quantificadas. A Comissão propõe, ainda, que cada Estado‐Membro traduza a Estratégia Europa 2020 em objetivos e trajetórias nacionais. “Esta estratégia contém diversas menções às componentes de coesão territorial e de desenvolvimento rural, mas as prioridades, os grandes objetivos e ainda as iniciativas apresentadas como emblemáticas são formulados de uma forma genérica, não territorializada. Não existem referências explícitas aos dois elementos chave deste Estudo: regiões funcionais e relações urbano‐rural” (Ferrão et al., 2012:51).
O projeto de pacote legislativo integra uma proposta de regulamento de enquadramento com disposições comuns para a gestão do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), do Fundo Social Europeu (FSE), do Fundo de Coesão, do Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER) e do Fundo Europeu para os Assuntos Marítimos e as Pescas (FEAMP). Esse Regulamento visa garantir a utilização mais coordenada e coerente dos cinco fundos comunitários.
O projeto apresentado pela Comissão está alinhado com os objetivos e metas da Estratégia Europa 2020 e pressupõe o estabelecimento de um Quadro Estratégico Comum ao nível da União Europeia e de Contratos de Parceria entre a Comissão e cada um dos Estados‐Membros.
O Quadro Estratégico Comum visa materializar os objetivos temáticos comuns e as metas de crescimento inteligente, sustentável e inclusivo que se encontram consagrados na Estratégia Europa2020 em ações suscetíveis de serem apoiadas pelos distintos fundos comunitários, assegurando a utilização integrada desses fundos na concretização de objetivos comuns (art.º 10 da proposta de Regulamento). Os cinco fundos comunitários passam, neste novo contexto, a serem referidos como os fundos do Quadro Estratégico Comum (Ferrão et al., 2012:51).
“Os Contratos de Parceria entre a Comissão e cada um dos Estados‐Membros identificam os compromissos estabelecidos entre os parceiros de nível nacional e regional e a Comissão visando a concretização dos objetivos Europa 2020 (art.º 13). Em termos práticos, e tendo por referência a situação atual, os Contratos de Parceria cobrem os domínios do QREN e ainda a componente de desenvolvimento rural. Os Contratos de Parceria deverão, entre outras condições, contemplar abordagens integradas de desenvolvimento territorial (art.º 14, b)” (Ferrão et al., 2012:51).
No contexto do regulamento proposto pela Comissão, destaque para o sublinhado que é dado aos seguintes aspetos:

  • Novas geografias de intervenção:

A inclusão do novo objetivo de coesão territorial, em consonância com o Tratado de Lisboa e complementando os de coesão económica e coesão social, implica que se atribua maior importância às cidades, às geografias funcionais e ao nível sub-regional;

  • Diagnósticos de base territorial:

“O conteúdo do Quadro Estratégico Comum deve identificar os desafios territoriais essenciais para as áreas urbanas, rurais, costeiras e de pescas, assim como para as áreas com caraterísticas territoriais particulares referidas nos Artigos 174 e 379 do Tratado (regiões mais setentrionais com densidade populacional muito baixa e regiões insulares, transfronteiriças e de montanha) (art.º 11); a identificação dos desafios territoriais deve ser acompanhada, sempre que se justifique, por uma lista das cidades participantes na plataforma de desenvolvimento urbano referida no artigo 7 de Regulamento FEDER (art.º 14)” (Ferrão et al., 2012:52);

  • Estratégias integradas de desenvolvimento local:

“De forma a melhor mobilizar o potencial de cada local 1 e a facilitar a concretização de intervenções multi‐dimensionais e trans‐setoriais, a Comissão propõe que os Estados‐Membros recorram a iniciativas focalizadas em territórios subregionais e promovidas pelas comunidades locais (community-led initiatives). A Comissão propõe ainda aos Estados‐Membros que promovam a execução de estratégias integradas de desenvolvimento local e a constituição de grupos de acção local que representem os interesses das comunidades.” (art.º 28, 29 e 30) (Ferrão et al., 2012:52);

  • Investimento Territorial Integrado (ITI):

Quando as estratégias de desenvolvimento urbano ou territorial exijam intervenções integradas por envolverem instrumentos de mais de um eixo prioritário, do mesmo ou de diferentes programas operacionais, as ações apoiadas por fundos comunitários devem ser desenvolvidas sob a forma de investimentos territoriais integrados no âmbito de um mesmo programa operacional (art.º 99) (Ferrão et al., 2012:52).
Finalmente, a proposta de elementos para um Quadro Estratégico Comum para os cinco fundos identifica onze objetivos temáticos e identifica, para cada um deles, metas e objetivos-chave, princípios gerais de complementaridade e, ainda, procedimentos de implementação e coordenação entre os vários fundos e entre estes e outras políticas e instrumentos da União Europeia.
Relativamente à Política de desenvolvimento rural e à Política de Coesão, a Comunicação da Comissão: “A PAC no horizonte 2020: Responder aos desafios do futuro em matéria de alimentação, recursos naturais e territoriais”identifica o “equilíbrio territorial”, a par dasegurança alimentar e do ambiente e alterações climáticas, como um dos desafios a que a novapolítica agrícola comum terá de fazer face. A Comissão reconhece que “um número crescente dezonas rurais depende cada vez mais de fatores estranhos à agricultura devido à diversificação da suaestrutura socioeconómica”, mas relembra que, nessas áreas, o setor agrícola continua a serresponsável por uma parcela significativa do valor acrescentado e do emprego, para além de geraroutras atividades económicas como a indústria agroalimentar, o turismo e o comércio. O desafio“equilíbrio territorial” surge associado à vitalidade das áreas rurais mas também à diversidadeterritorial da agricultura na União Europeia” (Ferrão et al., 2012:55).
Os três desafios identificados no documento dão lugar a outros tantos objetivos. O desafio “equilíbrio territorial” justifica a definição do objetivo “desenvolvimento territorial equilibrado”, desdobrando-se este objetivo em três dimensões:

  • Apoiar o emprego rural e preservar o tecido social das áreas rurais;
  • Melhorar a economia rural e promover a diversificação, a fim de permitir aos atores locais explorarem o seu potencial e otimizarem a utilização de outros recursos locais;
  • Permitir a diversidade estrutural dos sistemas de produção agrícola, melhorar as condições de vida para as pequenas explorações e desenvolver os mercados locais, porque na Europa as estruturas agrícolas heterogéneas e os sistemas de produção contribuem para a atratividade e a identidade das regiões rurais.

Para responder aos desafios e objetivos identificados, o documento propõe os instrumentos de política que considera mais adequados, organizados em três grandes conjuntos: pagamentos diretos, medidas de mercado e desenvolvimento rural (Figura 3). No âmbito deste último conjunto de instrumentos, são identificados três objetivos, salientados por Ferrão et al. (2012:53):

  • Competitividade da agricultura, promovendo a inovação e a reestruturação e permitindo que o setor agrícola utilize de forma mais eficiente os seus recursos;
  • Gestão sustentável dos recursos naturais, cuidando do ambiente e da capacidade de resistência da agricultura às alterações climáticas, do mundo rural, e mantendo a capacidade produtiva da terra;
  • Desenvolvimento territorial equilibrado das zonas rurais em toda a União Europeia, potenciando o papel dos habitantes locais e melhorando as condições locais e as ligações entre zonas rurais e urbanas (Ferrão et al., 2012:55).

A Figura 4 realça o modo como a dimensão territorial é considerada no contexto do documento. A referida Comunicação da Comissão termina com a apresentação de “três opções, não mutuamente exclusivas, quanto às principais orientações a tomar durante o processo de preparação da nova Política Agrícola Comum: uma primeira opção (cenário de ajustamento), centrada na equidade na distribuição dos pagamentos diretos entre os Estados‐Membros; uma segunda (cenário de integração), mais alinhada com os objetivos da Estratégia Europa 2020 de crescimento inteligente, sustentável e inclusivo; e, finalmente, uma terceira (cenário de reorientação), que atribui maior importância a objetivos ambientais e de combate às alterações climáticas” (Ferrão et al., 2012:56).
No resumo da avaliação de impacto relativa à Política Agrícola Comum no horizonte 2020 (enviado pela Comissão Europeia ao Conselho da União Europeia) toma‐se claramente partido pela segunda opção, de integração, considerada como a que maximiza o valor acrescentado da União Europeia e a que melhor garante um equilíbrio justo da nova PAC com os objetivos da Estratégia Europa 2020.
O mesmo documento realça, claramente, a necessidade de a PAC responder aos vários desafios económicos, ambientais, climáticos e territoriais identificados neste domínio através de uma melhor integração dos seus objetivos e dos de outras políticas da União Europeia e de um ajustamento das suas medidas em função de tais objetivos. O documento reconhece, de forma inequívoca, que a opção de integração implica uma alteração significativa na política de desenvolvimento rural, salientando que: “o resultado deverá ser uma política mais eficaz, que produza resultados conformes com as prioridades da Estratégia Europa 2020 no âmbito de um quadro comum com outros fundos da UE, desde que as possibilidades sejam bem utilizadas pelos Estados‐Membros e regiões a nível da programação e que a coordenação mais estreita com outros fundos não elimine as sinergias com o primeiro pilar” (Ferrão et al., 2012:56/57).
A orientação final politicamente adotada terá, presumivelmente, implicações do ponto de vista da importância, âmbito e conteúdo da componente “desenvolvimento rural”. Porém, e independentemente da decisão que vier a ser tomada, o facto de a Comissão propor a necessidade de melhorar as relações entre as áreas rurais e as áreas urbanas como fator de desenvolvimento territorial equilibrado das áreas rurais é significativo, na medida em que se alarga às áreas rurais, visando o seu desenvolvimento, a aplicação de uma dimensão tradicionalmente limitada às políticas de ordenamento do território e à Política de Coesão (Ferrão et al., 2012:57).
Face ao congelamento nominal do orçamento averbado ao segundo pilar da PAC no próximo período de programação financeira, a situação parece óbvia: a manutenção da política de desenvolvimento rural no estrito âmbito do segundo pilar da PAC, mesmo num contexto de possibilidade de transferências entre os dois pilares, penalizará a sua ambição; por oposição, uma política de desenvolvimento rural mais robusta terá inevitavelmente que se basear na articulação de diferentes políticas e fundos.
De facto, como afirma Ferrão et al. (2012:57) “as políticas de desenvolvimento rural na União Europeia têm estado muito dependentes da Política Agrícola Comum, sobretudo, e de forma direta, do designado segundo pilar. No entanto, um maior alinhamento dos objetivos e instrumentos da PAC com a Estratégia Europa 2020, uma maior aproximação entre a política de desenvolvimento rural e a Política da Coesão e, finalmente, as novas oportunidades abertas pela proposta de Regulamento sobre os cinco fundos do Quadro Estratégico Comum apresentada pela Comissão, tornando possível a existência quer de instrumentos de política financiados por vários fundos quer de programas multi‐fundo (no caso dos Fundos Estruturais e de Coesão), criam condições favoráveis à emergência de uma nova política de desenvolvimento e coesão rural”.
Contudo, segundo Dax et al. (2011), citados por Ferrão et al. (2012:57/58), a concretização dessa possibilidade implica:

  • Uma menor dependência, por comparação com a situação hoje prevalecente, da política de desenvolvimento rural em relação à PAC;
  • Um entendimento da política rural como um elemento chave da territorialização de distintos instrumentos de desenvolvimento em áreas rurais;
  • A adoção de uma visão integrada e territorial que supere a dicotomia rural‐urbano, permitindo reforçar a articulação e coordenação entre política de desenvolvimento rural, política regional e outras políticas ou instrumentos com incidência relevante nas áreas rurais;
  • O desenvolvimento de estratégias, parcerias e formas de governança territorial capazes de dar uma resposta adequada às potencialidades e necessidades de distintos contextos territoriais à luz do entendimento de política rural e da visão integrada e territorial tal como foram referidos nas duas alíneas anteriores;
  • A integração, por parte da política regional, de objetivos de desenvolvimento rural.

Os fundamentos de uma política de coesão rural pós‐2013, tendo como referenciais estratégicos o documento Europa 2020 e o Livro Verde sobre a Coesão Territorial, têm, aliás, vindo a ser formalmente apresentados por responsáveis da Direção-Geral para a Política Regional. Partindo do reconhecimento de que é necessário garantir uma melhor coordenação entre os vários fatores de desenvolvimento das áreas rurais (diversificação económica, acessibilidade e serviços de interesse básico, melhoria do capital humano, etc.), é sugerida uma articulação futura efetiva entre o Pilar II da PAC e a Política de Coesão.
A Ação Preparatória “RURBAN ‐ Partnership for sustainable urban‐rural development" tem, precisamente, o objetivo de contribuir para identificar formas de fortalecer pontes entre as futuras política de desenvolvimento rural e política regional, através de:

  • Transformação das relações rural‐urbano em fatores de desenvolvimento territorial integrado;
  • Identificação de boas práticas de parceria territorial que permitam melhorar as formas de cooperação entre distintos atores e desenvolver e executar iniciativas comuns envolvendo espaços rurais e urbanos numa ótica de desenvolvimento territorial integrado.

A proposta de Regulamento das ações de apoio ao desenvolvimento rural pelo FEADER apresentada pela Comissão em outubro de 2011 sublinha que as estratégias de desenvolvimento local devem incidir sobre espaços com uma dimensão que garanta a obtenção de resultados que contribuam efetivamente para concretizar as prioridades da União em termos de desenvolvimento rural e inovação.
Torna-se evidente que esta referência “parece dar razão aos que defendem uma política de desenvolvimento rural baseada em geografias de intervenção flexíveis e adequadas aos objetivos definidos e aos resultados visados […] Embora a proposta de Regulamente não o diga explicitamente, aquela observação indicia a vantagem de se alargar a utilização do conceito de “região funcional” a áreas rurais ou a relações rural-urbanas, não o restringindo a regiões urbanas ou às relações urbano‐rurais” (Ferrão et al., 2012:59).

1 Embora nem sempre exista uma referência explícita nesse sentido, o conceito de “local” pode aplicar‐se a qualquer escala geográfica sub‐regional, entre o “local” em sentido estrito e o regional. Numa Nota com perguntas e respostas sobre desenvolvimento territorial preparada pela Comissão (DG G 1 Regional Policy Team) e divulgada em 14 de Dezembro de 2011, refere‐se o seguinte a propósito da questão What is the definition of "local": “there is no definition of local inthe legislative proposals, this will depend on the institutional set‐up of the Member State. The important thingabout the local development approach proposed is that it be community‐led. Therefore the local area shouldhave sufficient critical mass to implement a viable local development strategy and, at the same time, besufficiently small to allow for local interaction. A delegated act will set out criteria for the definition of the areaand the population covered by the strategy (Art. 29 (6) CPR)” (Ferrão et al., 2012:52).