PROCESSOS DE MUDANÇA, TURISMO E DESENVOLVIMENTO RURAL: AS ALDEIAS DO XISTO DO CONCELHO DE GÓIS E O PAPEL DA LOUSITÂNEA

PROCESSOS DE MUDANÇA, TURISMO E DESENVOLVIMENTO RURAL: AS ALDEIAS DO XISTO DO CONCELHO DE GÓIS E O PAPEL DA LOUSITÂNEA

Luiz Rodolfo Simões Alves (CV)
Universidade de Coimbra

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Avaliação e impacto das Aldeias do Xisto

Após esta etapa introdutória e de enquadramento às temáticas do Programa e da Rede das Aldeias do Xisto importa, agora, focalizar a análise desta dissertação sobre a avaliação financeira e o impacto territorial das Aldeias do Xisto, desde o primórdio da sua aplicação até à contemporaneidade, sendo que, como já tivemos oportunidade de referir, a implementação e o plano de atuação desenvolvem-se em duas etapas.
De facto, a primeira fase, já concluída nas 24 aldeias selecionadas para a etapa inicial de implementação da Rede das Aldeias do Xisto (levada a cabo pela AIBT-PI, no período compreendido entre 2000 e 2006), foi orientada para a requalificação e infraestruturação dos lugares serranos. Atualmente, a segunda fase, “dirigida” pela ADXTUR (no período de programação compreendido entre 2007 e 2013), está a ser orientada para as ações de promoção e animação das Aldeias do Xisto, havendo ainda margem de atuação para o aumento das várias Redes integrantes da Marca Aldeias do Xisto (Rede de Aldeias do Xisto; Rede de Lojas do Xisto; Rede de Praias Fluviais e Rede de Percursos Pedestres), entre outros, como teremos oportunidade de constatar mais à frente nesta investigação.

Fase AIBT-PI (2000-2006)

Como já referimos, o Programa das Aldeias do Xisto, foi criado em 2001 pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC), utilizando fundos comunitários provenientes do Programa Operacional da Região Centro (Medida II.6, componente do FEDER). O Programa desenvolveu-se como uma das principais linhas da “Ação Integrada de Base Territorial do Pinhal Interior” (AIBT do Pinhal Interior).
As AIBT destinam-se, através de uma concentração de investimentos e capacidades organizativas, a superar as dificuldades de desenvolvimento particularmente acentuadas, a aproveitar oportunidades insuficientemente exploradas, resultantes, umas e outras, das especificidades próprias de cada região portuguesa. Estas apresentam como característica fundamental o facto de agregarem numa mesma AIBT municípios com características territoriais semelhantes, independentemente das NUT’s em que os mesmos estejam inseridos (Adelino, 2010).
Estas procuram a promoção de parcerias multissetoriais e público-privadas de apoio ao desenvolvimento regional e local, visando o aumento da integração das políticas públicas e a melhoria dos instrumentos de apoio ao desenvolvimento em territórios e domínios considerados pertinentes.
“As ações levadas a cabo por estes agentes de desenvolvimento local dizem respeito essencialmente à reconstrução e recuperação de equipamentos e infraestruturas, à valorização do potencial endógeno, reforço da competitividade e qualificação dos territórios, reforço da articulação dos seus atores, melhoria da qualidade visual da paisagem, recuperação/valorização ou construção de edifícios com interesse patrimonial ou funcional, recuperação urbanística de áreas urbanas em declínio, entre muitos outros” (Adelino, 2010:30/31).
A Ação Integrada de Base Territorial do Pinhal Interior, apoiada pelo FEDER, enquadrou cinco linhas de ação, a saber: reforço e requalificação da capacidade de alojamento turístico; apoio à animação turística; promoção turística do território; acessibilidades locais e transversais; infraestruturas e equipamentos de promoção das potencialidades.
Aquando do período de intervenção da AIBT-PI, dos 21 concelhos seus constituintes, apenas em 14 foram selecionadas aldeias para beneficiarem do Programa das Aldeias do Xisto, com um total de 24 aldeias a serem abrangidas pelo Programa das Aldeias do Xisto (período de atuação apresentado neste ponto), sendo que, atualmente, são 17 os concelhos que abarcam as 28 Aldeias do Xisto que constituem a Rede das Aldeias do Xisto (Figura 5).
Como afirma Carvalho (2010:186), “a estruturação e a implementação da AIBT do Pinhal Interior, segundo os principais domínios de intervenção e investimentos realizados, reflete dois eixos prioritários: o turismo (cultural e ecológico) e o património (cultural e natural)”.
Ainda de acordo com Carvalho (2010:186), e a título de comparação, “podemos referir que as Aldeias Históricas de Portugal, no período de 1994 até 2002 (primeiro, em 1994-199, como Programa Nacional, com dez lugares, e depois, em 2000-2006, como AIBT do Programa Operacional da Região Centro, com mais dois lugares), apoiaram investimentos (concretizados) de cerca de 35 milhões de euros (montante que, entretanto, ultrapassou os 40 milhões de euros). Por outro lado, é importante referir outras linhas de ação concretizadas, como a reabilitação social, em que foram realizadas diversas ações de formação dirigidas às populações das Aldeias do Xisto no sentido de dotá-las com as competências básicas em diversas áreas, designadamente atendimento turístico, pedreiros do xisto e gastronomia, e o apoio às atividades económicas relacionadas com o turismo, nomeadamente alojamento, animação restauração/cafetaria e comércio de produtos endógenos”. 
Relativamente aos investimentos totais realizados na Fase AIBT-PI1 , e de acordo com análise realizada por Carvalho (2006-a), a primeira ideia a sublinhar, considerando a totalidade dos projetos segundo os grandes domínios de intervenção (Tabela 5), é a de que o património cultural e natural está presente de forma direta na esmagadora maioria das propostas de ação, conforme sugere a estrutura conceptual da AIBT do Pinhal Interior.
Relativamente à distribuição do total de investimento elegível executado há a destacar a preponderância de dois grupos de projetos: por um lado, o Programa das Aldeias do Xisto 2, que é responsável por quase 47% do investimento (pouco mais de 13,3 milhões de euros); por outro lado, os projetos relacionados com as ações e iniciativas de valorização do património natural e cultural (que totalizam pouco mais de 14,2 milhões de euros, ou seja, 50,09% do total de investimento executado), como por exemplo, os museus (da geodesia, em Vila de Rei, do azeite, em Sarnadas do Ródão, e o Museu Municipal de Alvaiázere), os núcleos eco-museológicos (na Lousã), as praias fluviais (sendo que a Lousitânea teve um investimento executado de 290.726,09 euros na Rede das Praias Fluviais) e a sua envolvente, como acontece com a Praia das Rocas, em Castanheira de Pera (que corresponde ao maior investimento por projeto da AIBT – superior a 2 milhões de euros) mas, também, nos municípios de Góis, Figueiró dos Vinhos, Pedrógão Grande, Oleiros e Proença-a-Nova. Como refere Carvalho (2006-a:16), “a política de construção, ampliação e beneficiação das praias fluviais, na linha de continuidade do anterior Programa Operacional (1994-1999) e do apoio concedido por outros programas (como, por exemplo, o LEADER), permitiu estruturar uma rede de grande expressão no panorama nacional. Ainda neste domínio, embora sem a importância dos exemplos que acabámos de assinalar, aparecem alinhados projetos como estradas panorâmicas, parques de campismo, beneficiação de caminhos municipais, centros de interpretação da paisagem, ações de promoção e animação turística, miradouros, planos de desenvolvimento e intervenções no património”.
Por fim, evidencia-se o investimento executado no âmbito do Sistema de Incentivos Específicos para o Pinhal Interior, com projetos apoiados em investimentos como unidades de alojamento de Turismo em Espaço Rural, unidades de restauração, empresas de animação turística, instalação ou modernização de estabelecimentos de artesanato e de divulgação de produtos tradicionais, o qual é de apenas 3,03% do montante global (cerca de 862 mil euros) da AIBT.
No plano dos investidores, destaca-se o ator público e em especial as Câmaras Municipais, embora se reconheça o apoio concedido a outras entidades como a Região de Turismo do Centro, a Direção Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais, a Lousitânea, a ADXTUR e a Associação Pinus Verde (responsável pela elaboração do Plano de Desenvolvimento Sustentado das Aldeias do Xisto).
Relativamente ao Programa das Aldeias do Xisto (Anexo I), interessa analisar a distribuição do investimento executado, segundo as categorias de intervenção e os territórios envolvidos no Programa. No caso das categorias de intervenção, constata-se, facilmente, que os imóveis particulares correspondem à maior parte do investimento realizado, com mais de 4,3 milhões de euros (34,67% do total). Por sua vez, os espaços públicos (21,76%, correspondentes a mais de 2,7 milhões de euros) e as infraestruturas (14,1%, equivalente a mais de 1,7 milhões de euros), considerados de modo isolado, ou de forma conjugada (15,86%, totalizando mais de 1,9 milhões de euros), foram responsáveis por mais de 86,38% do investimento (ou seja, mais de 10,86 milhões de euros). A intervenção nos imóveis públicos equivale a 13,62% da verba total executada. Assim, os projetos e as ações surgem por iniciativa de entidades privadas (quase sempre a título individual mas, em que, os municípios tiveram um papel muito importante, quer na explicação dos tramites que as candidaturas e execução dos projetos deveriam conter e, ainda, com estabelecimento de acordos com os proprietários de forma a auxiliar (a título de empréstimo) na comparticipação de investimento obrigatoriamente legal de cada proprietário) e das autarquias locais, sendo que estas últimas foram os maiores investidores do Programa das Aldeias do Xisto.
Segundo Carvalho (2006-a), verificou-se uma desigual representatividade das áreas de intervenção no espectro dos lugares, segundo o total de investimento. A título de exemplo podemos assinalar a importância da recuperação de imóveis particulares nas intervenções realizadas, em curso ou a efetuar, em Ferraria de São João (67,55%), Casal Novo (65,91%), Água Formosa (63,92%), Martim Branco (57,14%) e Candal (56,77%); o significado da intervenção nos imóveis públicos na Foz do Cobrão (62,58%), Barroca (49,47), Comareira (28,37%), Aigra Nova (27,30%) e Janeiro de Cima (26,21%); a grande expressão do investimento nos espaços públicos em Gondramaz (60,08%), Sarzedas (41%), Martim Branco (39,26%) e Foz do Cobrão (37,42%), assim como o peso relativamente elevado do investimento em infraestruturas e espaços públicos, em Aigra Velha (65,12%), Casal de São Simão (58,18%), Talasnal (53,86%) e Benfeita (53,75%). Embora com valores relativamente mais reduzidos, na escala do investimento executado pelo Programa das Aldeias do Xisto, é de salientar o esforço de investimento dos municípios em infraestruturas, com destaque para Figueira (51,66%), Candal (39,13%), Casal Novo (34,09%), Pena (34,94%) e Casal de São Simão (31,63%).
No que concerne aos lugares que fazem parte do Programa das Aldeias do Xisto podemos referir as desigualdades de distribuição do investimento total, identificando situações que não excedem os 180 mil euros (Aigra Velha, Casal Novo, Chiqueiro e Água Formosa) e, por oposição, lugares que apresentam investimento superior a 900 mil euros (como Barroca, Janeiro de Cima, Fajão e Pedrógão Pequeno). A leitura, na perspetiva da dimensão municipal (Figura 14), permite destacar os concelhos com maior investimento no PAX, como Fundão (2.746.479,69 milhões de euros), Góis (1.381.469,48 milhões de euros), Pampilhosa da Serra (1.361.201,45 milhões de euros), Lousã (1.341.171,86 milhões de euros), Castelo Branco (1.101.618,68 milhões de euros), Sertã (975.175,88 mil euros) e Arganil (870.621,09 mil euros). Por outro lado, os municípios que correspondem aos valores de investimento mais modestos são: Vila de Rei (165.254,30 mil euros), Miranda do Corvo (440.410,51 mil euros), Figueiró dos Vinhos (355.696,27 mil euros) e Proença-a-Nova (471.223,46 mil euros).
Analisando os investimentos executados por sub-região (Figura 15) destaca-se, indubitavelmente, a NUT III Pinhal Interior Norte como aquela que abarca a maior percentagem de investimento (com 47,7% do total), seguindo-se as sub-regiões Cova da Beira e Pinhal Interior Sul, com 20,6% e 18,6%, surgindo com menor percentagem de investimento a Beira Interior Sul com 12,1% do investimento total. Os dados apresentados pela CCDRC incluem, ainda, na análise os investimentos executados pela ADXTUR (mas sem referência ao local de execução dos mesmos), com 0,9% do total de investimentos no âmbito do Programa das Aldeias do Xisto.
Numa outra escala de análise, seguindo o pensamento de Carvalho (2006-a), a questão territorial suscita, de igual modo, interesse do ponto de vista da expressão geográfica dos concelhos de enquadramento dos lugares selecionados no âmbito do Programa das Aldeias do Xisto, destacando-se, de forma evidente, a Serra da Lousã e a sua bordadura, com mais de 50% das aldeias apoiadas pelo PAX, em especial os concelhos de Lousã (Candal, Casal Novo, Cerdeira, Chiqueiro e Talasnal) e Góis (Aigra Nova, Aigra Velha, Comareira e Pena). Ao mesmo tempo, assume alguma importância o eixo de lugares na proximidade do Rio Zêzere (Barroca, Janeiro de Cima, Janeiro de Baixo, Álvaro e Pedrógão Pequeno).
Passando, agora, a analisar os valores anteriormente apresentados, e considerando também a variável população residente em cada uma das aldeias, são obtidos resultados importantes que permitem uma visão mais aprofundada da incidência do Programa. Com efeito, verifica-se que as aldeias que apresentam maiores índices de investimento por habitante (Tabela 6), para o período compreendido entre 2000-2006, são Talasnal, Candal e Casal de São Simão (as duas primeiras com um investimento superior a 190 mil euros por habitante, e a terceira com um investimento a rondar os 71 mil euros de investimento por habitante). De facto, o contexto no qual estas aldeias se inserem (com um forte impacto dos fenómenos de despovoamento e de abandono) explicam que o investimento por habitante seja tão avultado mas, se o aspeto demográfico fosse o único fator a ter em consideração na implementação do Programa das Aldeias do Xisto, muito provavelmente, grande parte do projeto não seria o que hoje realmente é (porque 10 das 24 aldeias apresentavam, em 2001, população residente inferior a 5 habitantes). Porém, é demais sabido que a riqueza e valor inestimável destes pequenos lugares ultrapassa, indubitavelmente, a esfera demográfica, estando eles muito marcados por valores patrimoniais, culturas, paisagísticos e identitários muito relevantes e ímpares na Rede das Aldeias do Xisto.
Por outro lado, são as aldeias com maiores quantitativos populacionais as que realizaram menos investimentos por habitante, sendo exemplos disso as aldeias de Janeiro de Cima, Pedrógão Pequeno e Janeiro de Baixo, com investimentos inferiores a quatro mil euros por habitante. Em termos médios, o Programa das Aldeias do Xisto apresentou um investimento executado de cerca de 7.082 euros por habitante.
A concretização de vários projetos permitiu às populações acederem a equipamentos coletivos de que não dispunham, terem melhores acessibilidades e usufruírem de melhores condições para a prática de atividades lúdico-desportivas, entre outras, consubstanciando-se num aumento muito significativo da sua qualidade de vida. Muitos dos projetos permitiram colmatar problemas ao nível do saneamento básico e tratamento de águas residuais e das condições físicas de edifícios de habitação e de elevado valor patrimonial, além de terem permitido a melhoria/substituição de redes de água, gás, iluminação, sinalização, acessibilidades e telecomunicações (Barros e Gama, 2010).
Porém, “não se registaram, todavia, alterações apreciáveis na ampliação e diversificação da base económica dos territórios de intervenção. Para isso, deveria ter havido participação bastante mais expressiva e sistemática da iniciativa privada. Com efeito, um dos principais constrangimentos à eficácia das AIBT residiu na insuficiente complementaridade entre investimentos públicos e privados. Para incrementar os efeitos induzidos pela valorização territorial, ambiental e patrimonial acima referidos, teria sido necessário o envolvimento mais directo e intenso de privados na dinamização desses territórios” (MAOTDR, 2008; citado por Adelino, 2010:31).

1 Segundo Adelino (2010:30), “analisando a ação das 22 AIBT existentes no território nacional, contamos 10 localizadas nas áreas de montanha nacionais (segundo os critérios da Circular 10/2001 para as áreas desfavorecidas) e o investimento total efetuado nas áreas de montanha foi de quase 420 milhões de euros, menos de metade do total nacional. A AIBT que mais investimento efetuou foi a Ação Integrada de Base Territorial do Alto Douro (com mais de 73 milhões de euros) e a que fez menos investimento foi a Ação Integrada do Pinhal Interior, com apenas 26 milhões de euros, menos de metade do exemplo anterior”.

2 Importa referir que, para o apuramento dos valores correspondentes ao investimento do Programa das Aldeias do Xisto, foi necessário fazer cruzamento de dados entre várias referências (nomeadamente entre o Relatório de Execução Final do Programa Operacional da Região Centro (QCA III) e as Revistas Aldeias do Xisto, onde foram divulgados alguns valores que iam acompanhando a execução dos projetos à data). Foi necessário implementar esta metodologia pela incoerência e falta de rigor expressos no Relatório de Execução Final do Programa Operacional da Região Centro (documento oficial e que foi enviado à União Europeia para efeitos legais) no qual, por exemplo, é atribuído à aldeia do Xisto da Aigra Velha um investimento na recuperação de imóveis privados de zero euros quando, na realidade, foram realizadas intervenções e que são quantificadas, por exemplo, nas Revistas das Aldeias do Xisto (o que pode suscitar a questão de se tal facto terá ocorrido, também, em outras aldeias e em outras intervenções). A inexistência (ou pelo menos a não divulgação do Relatório de Execução Final da AIBT Pinhal Interior) leva a que não seja possível, de forma verdadeira e precisa, aferir qual o investimento total global que, realmente, foi aplicado na intervenção do Programa das Aldeias do Xisto, pelo que, os valores aqui apresentados poderão não ser os finais e os reais (mas, de facto, nem os documentos oficiais têm a capacidade de expressar a verdadeira intervenção e dotação financeiro do Programa das Aldeias do Xisto).