O PROCESSO DE ENTRADA E PERMANÊNCIA DE ESTUDANTES COM DEFICIÊNCIA NAS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS DE ENSINO SUPERIOR EM MACAPÁ

O PROCESSO DE ENTRADA E PERMANÊNCIA DE ESTUDANTES COM DEFICIÊNCIA NAS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS DE ENSINO SUPERIOR EM MACAPÁ

Christian De Lima Cardoso
Tatiani Da Silva Cardoso
Yuri Yanic
Roberto Carlos Amanajas Pena
(CV)

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1.2 TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA INCLUSÃO SOCIAL DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO BRASIL

A atenção voltada às pessoas com deficiência, no Brasil, data da época do Império, no século XIX, com a criação, em 1854, do Instituto Imperial dos Meninos Cegos, hoje Instituto Benjamin Constant, e, em 1857, do Instituto dos Surdos-Mudos, atual Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), ambos criados por D. Pedro II, no Rio de Janeiro. Eram instituições de reabilitação ou asilos que perpetuavam a visão clínica e a normalização das pessoas com alguma deficiência. O Instituto Imperial dos Meninos Cegos foi criado pelo Imperador D.Pedro II através do Decreto Imperial n. 428, de 12 de setembro de 1854, tendo sido inaugurado, solenemente, no dia 17 de setembro do mesmo ano, na presença do Imperador, da Imperatriz e de todo o Ministério, com o nome de Imperial Instituto dos Meninos Cegos.
Este foi o primeiro passo concreto no Brasil para garantir ao cego o direito à cidadania. Estruturando-se de acordo com os objetivos a alcançar, o Imperial Instituto dos Meninos Cegos foi pouco a pouco derrubando preconceitos e fez ver que a educação das pessoas cegas não era utopia, bem como a profissionalização. Com o aumento da demanda foi idealizado e construído o prédio atual, que passou a ser utilizado a partir de 1890, após a 1ª etapa da construção. Em 1891, o instituto recebeu o nome que tem hoje: Instituto Benjamin Constant (IBC), em homenagem ao seu terceiro diretor, seu ilustre professor de matemática e ex-diretor, Benjamin Constant Botelho de Magalhães. Fechado em 1937 para a conclusão da 2ª e última etapa do prédio, o IBC reabriu em 1944. Em setembro de 1945, criou seu curso ginasial, que veio a ser equiparado ao do Colégio Pedro II em junho de 1946. Foi proporcionado, assim, o ingresso nas escolas secundárias e nas universidades.
Atualmente, o IBC vê seus objetivos redirecionados e redimensionados. É um Centro de Referência, a nível nacional, para questões da deficiência visual. Possui uma escola, onde capacita profissionais da área da deficiência visual, assessora escolas e instituições, realiza consultas oftalmológicas à população, reabilita, produz material especializado, impressos em Braille e publicações científicas. Toda a história centenária do IBC foi publicada no primeiro exemplar da Revista Benjamin Constant, em um texto que apresenta os seguintes tópicos históricos: antecedentes, fundação, primeiros diretores, nomes do instituto, imprensa Braille e o instituto no século XX.
O INES trabalha no atendimento de alunos desde a educação infantil até o ensino médio e além do atendimento específico aos alunos deficientes auditivos, trabalha também a parte de esportes, arte, e disponibiliza o ensino profissionalizante com estágios, como forma de promover a inserção dos alunos ao mercado de trabalho. Presta, ainda, para a comunidade, serviços de psicologia, fonoaudiologia e assistência social e dá apoio a pesquisas em novas metodologias para a educação da pessoa surda.
Este Instituto foi fundado pelo professor francês e surdo Hernest Huet, em 26 de setembro de 1857, durante o Império de D. Pedro II e com o apoio deste. Com características de asilo, eram admitidos somente surdos do sexo masculino dos quais, grande parte era abandonada pela família. Em 1931, foi criado o externato feminino com oficinas de costura e bordado, consolidando, assim, seu caráter de estabelecimento profissionalizante, instituído em 1925. No transcorrer da década de 50 houve algumas ações importantes, dentre elas, a criação do primeiro curso normal para professores na área da surdez (1951); e, em 1952, o Jardim de Infância do Instituto e, nos anos seguintes, criou-se o curso de Artes Plásticas, com o acompanhamento da Escola Nacional de Belas Artes. Já em 1957, foi criado o Centro de Logopedia1 , o primeiro do Brasil. Ainda em 1957, a partir de 06 de junho, o mesmo passou a denominar-se Instituto Nacional de Educação de Surdos.
Também foi criado, na década de 70, o Serviço de Estimulação Precoce, especializado no atendimento de crianças entre zero a três anos de idade. Já na década de 80, foi criado o Curso de Especialização para professores na área da surdez, com o objetivo de capacitar recursos humanos e de gerar agentes multiplicadores. Hoje, este curso é chamado de Curso de Estudos Adicionais. Através do convênio UNESCO/CENESP, em 1985, foi criado no INES o Centro de Diagnóstico e Adaptação de Prótese Otofônica 2 e um laboratório de Fonética (atual Divisão de Audiologia).
É criado, em 1990, o informativo técnico-científico “Espaço”, onde são publicados artigos direcionados para a educação do aluno surdo. Com a mudança de seu regimento interno, em 1993, através de ato ministerial, o instituto adquiriu nova personalidade, passando a ser referência em âmbito nacional na área da surdez. Já no século XX, em 1926, é fundado o Instituto Pestalozzi3 , especializado no atendimento às pessoas com deficiência mental. O primeiro atendimento educacional especializado às pessoas com superdotação foi criado por Helena Antipoff, em 1945, na Sociedade Pestalozzi; e a primeira Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) é fundada em 1954.
Em 1961, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei n. 4.024/61, passa a fundamentar o atendimento educacional às pessoas com deficiência, e traz uma abertura para que as pessoas “excepcionais” sejam atendidas preferencialmente dentro do sistema regular de ensino. Esta lei é alterada pela Lei n. 5.692/71, a qual

[...] ao definir ‘tratamento especial’ para os alunos com deficiências mentais, os que se encontram em atraso considerável quanto à idade regular de matrícula e os superdotados, não promove a organização de um sistema de ensino capaz de atender às necessidades educacionais especiais e acaba reforçando o encaminhamento dos alunos para as classes e escolas especiais”. REVISTA INCLUSÃO (2008, p.10).

Foi criado, em 1973, pelo Ministério de Educação e Cultura (MEC), o Centro Nacional de Educação Especial (CENESP), ao qual coube gerenciar a educação
especial no Brasil. Não houve nesse período políticas públicas que efetivassem o acesso universal à educação, prevalecendo, portanto políticas assistencialistas, de tratamento especial. A Constituição Federal de 1988 traz em seus artigos 205, 206 e 208 um marco na trajetória da educação inclusiva. No primeiro, trata a educação como um direito de todos, garantindo o pleno desenvolvimento da pessoa, o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho. No artigo 206, inciso I, fica estabelecida a igualdade de condições de acesso e permanência na escola. No artigo 208, inciso III, determina que

O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: [...] atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino. (Constituição Federal de 1988).

Seguindo esta política, a Lei n. 8.069/90, denominada Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no artigo 55, traz o seguinte reforço ao que determina a Constituição: “Os pais ou responsáveis têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino”. (Lei n. 8.069/90). No contexto mundial, a década de 90 foi marcada pela Declaração Mundial de Educação para Todos (1990) e pela Declaração de Salamanca (1994), as quais deram base e subsídio para a elaboração de políticas públicas para a educação inclusiva, como a Política Nacional de Educação Especial, que elaborou critérios de acesso às classes comuns do ensino regular para os alunos que apresentam “condições de acompanhar e desenvolver as atividades curriculares programadas do ensino comum, no mesmo ritmo que os alunos ditos normais”.
A LDBEN, no artigo 59, é assegurado aos educandos com necessidades especiais “currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender às suas necessidades;” no parágrafo único, estabelece:

O poder Público adotará, como alternativa preferencial, a ampliação do atendimento aos educandos com necessidades especiais na própria rede pública regular de ensino, independentemente do apoio às instituições previstas neste artigo. (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional -LDBEN).

Apesar de as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica ampliarem “o caráter da educação especial para realizar o atendimento educacional especializado complementar ou suplementar à escolarização” a mesma não potencializou “a adoção de uma política de educação inclusiva na rede pública de ensino”, pois admitiu a possibilidade de substituição do ensino regular. (REVISTA INCLUSÃO, MEC, n. 01, 2008)
O Decreto n. 3.956/2001, que promulgou a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, realizada em 1999, exigira uma nova interpretação da educação especial, pois esta, no Brasil, ainda trazia resquícios da segregação proporcionada pela antiga concepção de educação especial. Tal convenção trouxe como objetivo “prevenir e eliminar todas as formas de discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência e propiciar a sua plena integração à sociedade” e reafirmou.

[...] as pessoas portadoras de deficiência têm os mesmos direitos humanos e liberdades fundamentais que outras pessoas e que estes direitos, inclusive o direito de não ser submetidas a discriminação com base na deficiência, emanam da dignidade e da igualdade que são inerentes a todo ser humano. (DECRETO Nº 3.956, de 08 de Outubro de 2001).

A Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) é reconhecida como meio legal de comunicação e expressão pela Lei n. 10.436/02, a qual impõe aos sistemas de ensino de todas as esferas de poder a garantia de inclusão do ensino da LIBRAS nos cursos de formação de Educação Especial, de Fonoaudiologia e de Magistério, em seus níveis médio e superior, como parte integrante dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), conforme legislação vigente. Visando a entrada de alunos surdos às escolas, o Decreto n. 5.626/05 dispôs sobre a inclusão da LIBRAS como disciplina curricular, a formação e a certificação de professor, instrutor e tradutor/intérprete nesta modalidade de comunicação e expressão e o ensino da Língua Portuguesa como segunda língua para alunos surdos. Diretrizes e normas para o uso, ensino, produção e difusão do sistema Braille em todas as modalidades de ensino são estabelecidas pela Portaria n. 2.678/02 do MEC, a qual recomendou seu uso em todo o território nacional.
A ONU aprova, em 2006, a Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da qual o Brasil é signatário. Tal convenção estabelece que os Estados - Partes devem garantir às pessoas com deficiência um sistema de educação inclusiva a todos os níveis de ensino. No ano seguinte é lançado o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), tendo como objetivos a formação de professores para a educação especial, a implantação de salas com recursos multifuncionais, a implantação de uma arquitetura que permita a acessibilidade nas escolas, o acesso e a permanência das pessoas com deficiência no Ensino Superior.
Assim, as instituições de Ensino Superior, públicas e privadas, teriam até o final de 2008 para se adequarem tanto fisicamente quanto na disposição de disciplinas para atender às pessoas com deficiência. Pela resolução do Ministério da Educação (MEC), as instituições deveram ter na sua grade curricular, principalmente nos cursos de Pedagogia, Letras Licenciaturas, disciplinas de LIBRAS e do sistema Braille.
Ao concordar com a Declaração Mundial firmada em Jomtien, na Tailândia, e ao mostrar consonância com os postulados produzidos em Salamanca (Espanha, 1994), o Brasil fez opção pela construção de um sistema educacional inclusivo.

Todas as crianças, de ambos os sexos, tem direito fundamental à educação e que a ela deva ser dada à oportunidade de obter e manter nível aceitável de conhecimento. Os sistemas educativos devem ser projetados e os programas aplicados de modo que tenham em vista toda a gama dessas diferentes características e necessidades. (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994)

Foram as combinações destes fatores acima enunciados que criaram as condições para que o discurso de integração fosse substituído pelos saberes e fazeres das práticas inclusivas. A educação inclusiva, no Brasil se tornou essencial como política publica dos Estados e municípios para integração da pessoa com deficiência.

1 É um conjunto de métodos utilizados para a correção de vícios de pronúncia.

2 Aparelho de surdez.

3 Instituto Pestalozzi é uma ONG sem fins lucrativos, cuja missão está em prestar serviços de educação especial e atendimento clínico à comunidade, esta é uma ação extensionista promotora de integração social de Pessoas com Deficiência.