INFLAÇÃO E CONCENTRAÇÃO DE RENDA. Uma abordagem computacional a partir do software Gretl

INFLAÇÃO E CONCENTRAÇÃO DE RENDA. Uma abordagem computacional a partir do software Gretl

Marcelo Santos Chaves (CV)
José Luiz Ferreira Fonseca
Fernando Cardoso De Matos
Heriberto Wagner Amanajás Pena

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará

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2. O FENÔMENO INFLAÇÃO

2.1 Caracterizações
Um processo inflacionário de uma economia pode ser apontadoquandoa maioria dos preços dos fatores de produção e de mercadorias estejam sofrendo altanum dado período de tempo. Isto significa uma elevação contínua e inflexível. Caso ocorra uma alta sazonal, como é o caso das alterações dos preços agrícolas na safra (queda) e na entressafra (alta) e isto por si só não aponta um surto inflacionário. Exemplo: o açaí na Região Metropolitana de Belém.
Por deflação infere-se um processo de queda nos preços das mercadorias e dos fatores de produção num dado espaço de tempo. Um processo deflacionário pode vir a ser tanto ou mais prejudicial que um processo inflacionário, como ficou evidente durante a Grande Depressão que ocorreu nos EUA a partir de outubro de 1929.
Segundo Mathias e Gomes (2008) um surto inflacionário inesperado tende a beneficiar os devedores e aqueles que pagam juros. Quem obtém prejuízos são os credores e aqueles indivíduos que recebem renda fixa. Uma das consequências direta da inflação não prevista é provocar uma transferência de renda entre credores e devedores. Sofrem prejuízos também aqueles que têm menor poder de barganha, como os assalariados não sindicalizados e aquelas empresas que trabalham com matérias-primasabastecidas por setores monopolizados (com um único ofertante, a exemplo do petróleo no Brasil) ou oligopólios (com poucos ofertantes, a exemploda indústria automobilística como compradora das indústrias de autopeças, também no Brasil). Ou seja, se o fornecedor ou o comprador tiverem elevado poder de negociação, ele irá impor ao outro parceiro ou ao consumidor uma perda. Para corroborar com tais reflexões resgatamos o entendimento de Antonik e Veiga (2005) ao inferirem que a inflação provoca umadesordem distributiva, agindo como se houvesse um verdadeiro ‘imposto invisível’ capaz de dissimular os erros de gestão e as ineficiências na economia. Isto porque os preços relativos, isto é, a relação de um preço para com os outros, perde seu papel de sinalizador para as decisões econômicas. Outros desdobramentos mais importantes do ponto de vista financeiro consistena ilusão de rentabilidade e a imprevisibilidade das aplicações e das projeções financeiras.
O Brasil tem uma conhecida experiência histórica de inflação crônica bem registrada desde 1947, quando a Fundação Getúlio Vargas (FGV) começou a dar publicidade sobre índices de preços.

2.1.1Índices de Preço: definição e modelagens
Um índice de preços buscamensuraruma mudança ocorrida nos níveis de preço de um período para outro. Para tanto, calculam-se as variações que incidiram num dado universo de bens, ponderando-se estas variações pelas quantidades do período inicial ou final (MATHIAS e GOMES, 2008).
Por exemplo, conjeturemos uma economia fechada, que tenha produzido apenas dois bens: caminhão e soja.
Agora vamos entender que as quantidades e os preços anuais foram os seguintes:

i) Para o primeiro ano:

 

Quantidade (Q)

Preço (P)

Caminhão

2 unidades

$ 100/un.

Soja

4 toneladas

$ 70/t

 

ii) Para o segundo ano, elevou-se a produção e os preços dos dois produtos:

 

Quantidade (Q)

Preço (P)

Caminhão

3 unidades

$ 150/un.

Soja

5 toneladas

$ 100/t

 

Vejamos agora algumas das maneiras (modelos) de se calcular a variação de preços de um período para outro:

1º) Modelo - Variação Preço a Preço

Como pode ser observada, a inflação nos preços de cada bem foi:

Caminhão = 50% ao ano.
Soja = 42,85% ao ano

Como bem se nota, este modelo possui umamaneira de mensuração individual para cada bem. Não sendo suficiente estabelecer uma media única de elevação dos preços que correlacione os dois bens.

2º) Modelo - Agregado Simples de Preços (A)

Para obtenção do agregado simples de preços, basta somar os preços dos dois períodos e dividir as somas, subtrair o resultado de 1 (um), e depois multiplicar por 100 (cem):

 

Este resultado indica um aumento de 47,05% a.a no nível geral de preços do grupo sob consideração.
Para Mathias e Gomes (2008) o índice obtido pode ser interpretado do seguinte modo: ele mede a alteração no custo agregado de comprar-se um conjunto consistindo de uma unidade de cada um dos bens (no caso, um caminhão e uma tonelada de soja).
Este índice, porém, apresenta o problema de depender da unidade de medida. Para exemplificar este aspecto, suponhamos que o preço da soja seja dado em quilograma em lugar de tonelada:

- Preço no primeiro ano: $ 0,07kg (obtido pelo quociente: $ 70/1000).
- Preço no segundo ano: $ 0,1kg (obtido pelo quociente: $ 100/1000).

Neste caso, o novo índice passaria a ser:

 

Ou seja, por este novo índice, a variação nos preços passa a ser de 49,05% a.a em lugar dos 47,05% a.a que obtivemos anteriormente. Portanto este modelo mostra-se altamente viesado (sem condições de expressar a realidade de um processo inflacionário).

3º) Modelo - Agregado Ponderado de Preços

Para elidir o efeito da unidade de medida, temos de ponderar os preços dos bens de acordo com sua importância relativa. Uma maneira de fazer isto é ponderar os aumentos pelas quantidades.
Podemos fazer isto através de dois modelos:

Ponderação pela quantidade inicial (PI):

 

Manteve-se constante a quantidade inicial dos dois produtos nos dois períodos. Ou seja, estamos calculando o custo de compra dos dois bens com as quantidades do ano-base (ano inicial), mas com os preços do ano-base e do ano seguinte.
A inflação observada, por este modelo, foi de 45,83%.
A titulo de investigação, vejamos o que ocorre quando alteramos os preços da soja para quilogramas:

 

Como se nota, o índice de inflação permaneceu o mesmo em relação ao calculado anteriormente.
Note também que ajustamos a produção de tonelada para quilograma na formula, multiplicando o valor anterior por 1000, com o objetivo de uniformizar as unidades de preço e quantidade.
Este modelo de calcular o índice de inflação é conhecido como índice de Laspeyres1.

Ponderação pela quantidade final (PF):

Ponderando-se os preços observados pela quantidade do segundo ano, obtemos:

 

Neste caso, a variação de preços (inflação) observada foi de 46,15% ao ano.Este modelo de calculo do índice de inflação é denominado de índice de Paasche2.
Como resultado, temos agora o Índice de Inflação de Laspeyres de 45,83% e o Índice de Paasche de 46,15%. Ante ao exposto, Antonik e Veiga (2005) observam para este caso que o Índice de Laspeyres tem a tendência de valorizar (exagerar) a alta devido o mesmo considerar as quantidades iguais aos da data base. Ou seja, como essas quantidades são consideradas apropriadas para época inicial e não à época atual, admite-se que o numerador possa apresentar-se superdimensionado e assim o índice de Laspeyres demonstrar uma certa tendência de elevação. Por outro lado, o Índice de Paasche, ao contrário, tende a valorizar (exagerar) a baixa, porque leva em consideração somente as quantidades da época atual. Ou seja, como essas quantidades são consideradas apropriadas à época atual e não à época inicial, admite-se que o denominador possa se apresentar, eventualmente, superdimensionado e assim o índice de Paasche apresentar tendência ao rebaixamento.
Neste sentido, vejamos outro modelo que nos permita correlacionar os Índices de Laspeyres e Paasche, e a partir daí tirarmos algumas conclusões.

Média geométrica das ponderações (MP):

Como foi visto anteriormente os índices de Laspeyres e de Paasche apresentam certas limitações em sua metodologia de cálculo. Daí o economista e matemático Irving Fisher3 propôs um novo modelo para cálculo de um número índice (composto) conhecido como “índice ideal de Fischer, que nada mais é do que a média geométrica dos índices de Laspeyres e de Paasche” (SARTORIS, 2003, p.389 apud ANTONIK e VEIGA, 2005, p. 12).

 

Em relação ao modelo apresentado podemos utilizar os dados calculados anteriormente para apurar o acerto entre os modelos PI (Laspeyres) e PF (Paasche).

Tabela 01 – Índices de Inflação


Índices

Valores

Índice de Laspeyres

45,83

Índice de Paasche

46,15

Índice de Fischer

45,98

Fonte: os autores

Fonte: Elaborada pelos autores

Aferindo os dados calculados observa-se que houve uma variação de um índice para o outro e que o índice de Fisher, no caso, é um numero médio entre os demais, isto atesta que ele trata de um acerto dos índices de Paasche e de Laspeyres. Claro que para valores tão pequenos a diferença não iria ser significativa, mas ao longo do tempo traria uma distorção da realidade representativa (ANTONIK e VEIGA, 2005).

 

Figura 01 - Escala de Índices

2.1.2 Calculo do índice oficial de inflação
Em 30/06/1999, o Estado brasileiro através doConselho Monetário Nacional (CMN) estabeleceu o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) como índice oficial de inflação do Brasil. De acordo com BACEN (2004), em seu Relatório de Inflação, a metodologia de cálculo do IPCA tem por fulcro o índice de Laspeyres, cuja fórmulapode ser expressa da seguinte maneira:

 

Onde:

Pn = é o preço de um item qualquer no período atual (final);
Po = é o preço de um item qualquer no período base (inicial);
Qo = é a quantidade de um item qualquer no período base (inicial);

Segundo o IBGE o período de coleta de dados para o IPCA estende-se, em geral, do dia 01 a 30 do mês de referência. A população-objetivo do IPCA correspondeàs famílias com renda mensal de 1 a 40 salários mínimos, qualquer que seja a fonte desses rendimentos. A pesquisa (coleta) é feita em nove regiões metropolitanas (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Belém, Fortaleza, Salvador e Curitiba) além dos municípios de Goiânia e Brasília, tendo sido escolhido como alvo do regime de Metas de Inflação (inflation targeting), adotado no Brasil através do Decreto Federal nº 3.088/99, com o objetivo de ancorar a inflação ante aos ataques especulativos na economia do país ocorrido naquele ano.
O que nos chama atenção é: por que o governo brasileiro adotou exclusivamente o índice de Laspeyres para fins de referência inflacionária? Após sucessivas revisões bibliográficas em artigos sobre o tema, não temos uma posição oficial do IBGE para adoção deste índice, porém podemos fazer algumas considerações.
Tomar como referencia de calculo o índice de Fischer pressupõe a obtenção prévia tanto do calculo do índice de Laspeyres, como também do índice de Paasche. Isto por si só denota uma total falta de praticidade, já que ambos os índices encontram-se bastante próximos da média geométrica central. Ocorre, porém, que o modelo de Laspeyres, para qualquer cenário de preços e quantidades, sempre resultará em um valor mais próximo da média central do que o modelo de Paasche. Observe na Escala da Figura 01que a distancia que Laspeyres encontra-se do centro da média é de 0,15%, enquanto que Paasche encontra-se a 0,17%. Isso mostra que se existe uma diferença mínima entre a media central em relação aos demais índices, essa diferença torna-se ainda menor se compararmos apenas com o índice de Laspeyres. Outro detalhe importante deduzido a partir das colaborações de Antonik e Veiga (2005) é a tendência do modelo de Laspeyres em superdimensionado a alta dos preços, fato que já discorremos anteriormente. Ou seja, talvez as autoridades monetárias entenderam por bem trabalhar com uma referencia que apresente uma propensão a alta, para assim, nivelar por cima, e assim se antecipar com medidas anti-inflacionárias como alta de juros e ampliação dos encaixes bancários.

1 De acordo com a enciclopédia eletrônica Wikipédia, Etienne Laspeyres foi um economista alemão e representante daEscola historicista alemã, foi professor ordinarius de Economia e Estatística em Basileia. Laspeyres era descendente de uma família Huguenote de origem francesa que se tinha estabelecido em Berlim no século XVII, o que tornou confusa a pronúncia do seu nome.

2 De acordo com a enciclopédia eletrônica Wikipédia, Hermann Paaschefoi um estatísticoeeconomistaalemão. Estudou economia, agricultura, estatísticas e filosofia na Universidade de Halle. Em 1879, ele se tornou professor de ciência política na Aachen Universityof Technology.

3 De acordo com a enciclopédia eletrônica Wikipédia, Irving Fisher foi um matemático com PhD em economia, nascido nos Estados Unidos em 1867. Foi professor de economia política em 1898 e professor emérito em 1935 na Universidade de Yale.