DESENVOLVIMENTO EM ÁREAS DE MONTANHA

DESENVOLVIMENTO EM ÁREAS DE MONTANHA

Paulo Carvalho (CV)

1. Os espaços rurais e as montanhas no âmbito dos paradigmas de desenvolvimento territorialista e ecocultural

A territorialização das políticas públicas e a valorização dos recursos ecoculturais refletem orientações recentes em matéria de promoção do desenvolvimento regional e local.
Compreender a estruturação e o modo como estas políticas foram implementadas no território, interpretar os seus resultados e traçar linhas prospetivas configuram preocupações relevantes na perspetiva de uma abordagem de matriz geográfica.
Para responder a estas preocupações entendemos conveniente orientar a comunicação segundo dois eixos de análise: o primeiro visa contextualizar no plano teórico a temática das dinâmicas e perspetivas de desenvolvimento dos territórios rurais e das montanhas, explicitando a importância das políticas públicas e os processos de patrimonialização, requalificação, revitalização e turistificação; o segundo pretende aprofundar este quadro teórico, mediante a análise de um estudo de caso: o Programa das Aldeias do Xisto (Programa Operacional da Região Centro de Portugal, 2000-2006). Neste âmbito apresentamos os resultados preliminares de um ensaio metodológico baseado em inquéritos por questionário realizados em Gondramaz (Miranda do Corvo) e Fajão (Pampilhosa da Serra) que pretende analisar e avaliar os resultados do referido Programa.
No plano europeu e nacional destacam-se vários documentos orientadores e normativos que evidenciam preocupações a respeito do desenvolvimento dos territórios rurais. Por sua vez, as montanhas, com particularidades que reforçam os problemas estruturais mais agudos do mundo rural, têm vindo a ser integradas nas políticas sectoriais agrícolas da União Europeia. Contudo, é reconhecida, ainda, a falta de uma política adequada às suas especificidades (GRAÇA, 2003; CARVALHO, 2005; SERAFIM, 2005).
A evolução da Política Agrícola Comum, em quatro décadas, reflete uma trajetória que podemos sintetizar através de uma ideia: “do agrícola ao rural”, isto é, os espaços rurais europeus estão hoje mais comprometidos às novas funções/utilizações e mais (inter)dependentes da sociedade urbana (CARVALHO, 2006-a; CAVACO e MORENO, 2006; COVAS e COVAS, 2006).
Depois de um período norteado para o crescimento agrícola, em que dominaram os objetivos e as preocupações produtivistas e economicistas, assumem relevância, desde finais dos anos 80 (século XX), novas políticas e instrumentos orientados para o desenvolvimento rural. Em particular a última década reflete a afirmação de uma nova forma de pensar e atuar sobre os territórios, estruturada a partir de perspetivas ambientalistas, territorialistas e patrimonialistas que apontam diferentes vias para o desenvolvimento dos territórios rurais (CARVALHO, 2006-b). A multifuncionalidade emerge como paradigma dominante e a ruralidade reveste-se de novos perfis de geometria variável. O desenvolvimento rural afirma-se como o segundo pilar da PAC (mantendo-se a política de mercados e preços como prioridade e primeiro alicerce).
No quadro de abertura do mundo rural, de novas procuras sociais e crescente integração de novos usos, os lazeres turísticos configuram «propostas alternativas que podem gerar efeitos positivos se integradas em estratégias de desenvolvimento sustentado e orientadas para a dinamização territorial e revitalização do tecido económico e social das áreas de intervenção» (CARVALHO, 2006-a). Permitimo-nos destacar as modalidades integradas na designada nova fase do turismo, relacionada com o novo paradigma da economia globalizada. As suas características estruturantes, como a flexibilidade, a segmentação e a integração transversal, influenciaram muitos lugares a descobrir e valorizar os seus recursos ecoculturais com o intuito de aumentar o seu perfil competitivo (CARVALHO, 2006-b).
Com efeito, o património, como recurso diferenciador dos territórios, «pode ser utilizado para obter vantagem no quadro da competição entre os lugares, através de estratégias inovadoras que tendem a envolver agentes/operadores públicos e privados (cada vez mais em regime de parceria e segundo uma lógica de rede) no desenho de novos produtos turísticos (designadamente culturais e ambientais) destinados a captar segmentos específicos da procura turística» (CARVALHO, 2006-c).
As preocupações patrimoniais e a evolução recente do seu entendimento não excluíram o mundo rural e os seus valores (materiais e imateriais). A normativa internacional (que inclui mais de uma centena de documentos referenciais, entre cartas, resoluções e convenções, produzidos no seio de importantes organizações como a UNESCO, o Conselho da Europa e o Conselho Internacional dos Monumentos e dos Sítios, entre outras, e a legislação nacional (que decorre em particular da Lei nº 107/2001, de 8 de setembro) refletem um conjunto de tendências muito significativas neste domínio, designadamente: o crescimento e plasticidade do universo de bens suscetíveis de patrimonialização, «destacando-se nos últimos anos as dimensões imateriais e os ambientes rurais e vernaculares; a maior ambição no que concerne à escala de intervenção, enfatizando o contexto territorial e dialético dos bens a proteger e a valorizar, isto é, o quadro natural e construído que influi na perceção estática ou dinâmica desses elementos ou conjuntos, ou a eles se vincula de maneira imediata no espaço, ou por laços sociais, económicos ou culturais (UNESCO, 2006); a democratização do acesso e fruição dos bens culturais e patrimoniais; a necessidade de devolver o património aos cidadãos e de estabelecer com eles uma nova relação, também por via da sua participação (espontânea ou organizada) nas diversas tarefas relacionadas com a salvaguarda e valorização do património» (CARVALHO, 2006-b), e a preocupação de encontrar funções ou utilizações para o património.
Por outro lado, é importante destacar as novas atitudes dos turistas, a saber: mais ativos, participativos e exigentes (no que concerne igualmente à preservação dos recursos patrimoniais) do que no passado e menos influenciados pelas perspetivas da oferta turística massificada (CARVALHO, 2006-c), assim como enfatizar o maior interesse na «recreação, nos desportos, na aventura, no conhecimento da história, da cultura, na natureza e na vida selvagem das áreas visitadas» (BARROS, 2004: 30), tendência relacionada com a diversificação e a segmentação dos seus interesses.
No que diz respeito às áreas de montanha, a evolução recente, no plano das dinâmicas territoriais e das perspetivas de desenvolvimento, demonstra também a convergência destas diversas orientações. De facto, uma parte importante das montanhas em Portugal está cada vez mais vinculada às populações urbanas, aos recursos e aos valores ecoculturais, depois de uma fase de crise acentuada das atividades económicas tradicionais e dos intensos fluxos migratórios (externos e internos) que conduziram a processos de despovoamento, desvitalização económica, demográfica e social, abandono e degradação das paisagens serranas.
Nesta atmosfera de renovação dos usos e da imagem territorial, em ligação aos recursos ambientais e patrimoniais, a apropriação da paisagem é comandada a partir do exterior e a população urbana procura a montanha para (re)criar refúgios (MORENO, 1999) que ocupa de forma permanente (neo-rurais), ou utiliza no âmbito dos tempos livres (de que são exemplo, a residência secundária e o turismo).
Como já se referiu, as recentes políticas e instrumentos de desenvolvimento mostram a tendência de incluir as regiões montanhosas, embora seja evidente a ausência de uma orientação política comum e a forma desarticulada como são concebidas e implementadas (CARVALHO, 2006-b). O exemplo do turismo e do património cultural edificado é muito significativo. É possível identificar no mesmo lugar (e de forma surpreendente na mesma rua ou até em estruturas edificadas contíguas) projetos (no alinhamento de objetivos semelhantes ou complementares), apresentados por entidades públicas e privadas, com apoio financeiro no âmbito de programas tão diversos como o LEADER (Ligação entre Ações de Desenvolvimento da Economia Rural), uma AIBT (Ação Integrada de Base Territorial) ou um programa sectorial (neste caso na área do turismo). Portanto, sinais preocupantes de uma metodologia comprometedora de planeamento, operacionalização e avaliação dos instrumentos de gestão territorial. A compor este cenário, acresce a frequente omissão de apresentação e discussão pública dos resultados (para informação e participação da sociedade e para apoiar a estruturação de novas políticas) e o modo isolado, redutor e “paroquial” de definir estratégias de desenvolvimento. Assim, é mais difícil criar novas oportunidades de desenvolvimento e promover os territórios e a qualidade de vida das populações.