FRONTEIRAS E FRONTEIRIÇOS

FRONTEIRAS E FRONTEIRIÇOS

Karoline Batista Gonçalves(CV)
Roberto Mauro Da Silva Fernandes
(CV)
Organizadores
Universidade Federal da Grande Dourados

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IDENTIDADES EM TRÂNSITO: BRASILEIROS E PARAGUAIOS NA FRONTEIRA ENTRE PONTA PORÃ (BR) E PEDRO JUAN CABALLERO (PY)

Cirlani Terenciani
Mestre em Geografia pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD)

 

Resumo
O objetivo deste artigo é discorrer sobre as diversas concepções de fronteira, principalmente àquelas que permeiam o contato entre brasileiros e paraguaios numa área de fronteira internacional. Entendemos que nas cidades de Ponta Porã (Brasil) e Pedro Juan Caballero (Paraguai), diversas concepções sobre a fronteira se entrecruzam no viver diário dos moradores locais, devido à mobilidade cultural e identitária que perpassa os limites do Estado-Nação. Dessa forma, vamos realizar uma discussão a respeito dos elementos que envolvem o cotidiano dos sujeitos transfronteiriços a partir das condições políticas e das configurações identitárias presentes nessa fronteira Brasil/Paraguai, sobre as relações e práticas culturais entre sujeitos de nacionalidades distintas que materializam a fronteira como um local privilegiado de encontros/desencontros.

Palavras-chaves: fronteira Brasil/Paraguai, sujeitos transfronteiriços, encontros/ desencontros na fronteira.

Abstract
The purpose of this article is to discuss the various conceptions of the border, especially those that permeate the contact between Brazilians and Paraguayans in an area of ​​the international border. We understand that the cities of Ponta Pora (Brazil) and Pedro Juan Caballero (Paraguay), different concepts of boundary intersect in daily life of the locals, due to mobility and cultural identity that permeates the boundaries of the nation state. Thus, we will hold a discussion of the elements that involve the subject of border everyday from political conditions and identity configurations present in this the Brazil / Paraguay, on the relationship between subjects and cultural practices of different nationalities that materialize the frontier as a privileged place for meetings / disagreements.

Keywords: border Brazil / Paraguay, border subject,  meetings / disagreements on the border.

 

1 – Introdução

[...] o local é um lugar simbólico, onde muitas culturas se encontram e talvez entrem em conflito [...] (COSGROVE, 2004, p. 93).
Como referencia Denis Cosgrove (2004) na epígrafe acima, o local (onde estamos e vivemos) pode se manifestar como um lugar simbólico onde várias culturas podem se encontrar, o que pode implicar em relações de conflito e tensões entre grupos culturais distintos. Nesse sentido, nos propomos aqui a realizar uma breve discussão a respeito das práticas culturais e identitárias nas cidades de Ponta Porã (Estado de Mato Grasso do Sul), e Pedro Juan Caballero (Departamento de Amambay), localizadas político e geograficamente na fronteira Brasil-Paraguai.
Este artigo é resultado de alguns elementos por nós discutidos na dissertação de mestrado “Interculturalidade e ensino de Geografia em escolas na fronteira Brasil-Paraguai em Mato Grosso do Sul”, concluída no ano de 2010, e que nos despertou para o caráter híbrido e intercultural que as fronteiras podem adquirir no tocante à formação identitária e cultural.
 Um dos fatores que acarreta grande complexidade em relação às fronteiras internacionais, refere-se à possibilidade de contato entre povos de nacionalidades distintas. De acordo com Stuart Hall (2006), a nacionalidade emerge na modernidade como uma das principais formas de identidade cultural, remetendo diretamente a uma forma de identificação, fundamentalmente vinculada a um conjunto de representações, afirmando que “as identidades nacionais não são coisas com as quais nascemos, mas são formadas e transformadas no interior a nossa representação” (p. 48). O contato entre sujeitos de nacionalidades distintas implica em embates culturais e identitários que nem sempre ocorrem de forma harmoniosa, havendo, em muitos casos, conflitos que se manifestam através de preconceitos de uns sobre outros. Cultura e identidade estão, assim, intimamente vinculadas e interligadas, garantindo aos sujeitos que as compartilham um sentimento de pertencimento e reconhecimento grupal. A identidade concentra aquilo que se é em relação ao que não se é, ou seja, representa a comunidade de valores, gestos, significados e comportamentos, sendo definida a partir do que se difere destes, estando, dessa forma, diretamente vinculada às concepções de diferença/alteridade (SILVA, 2000).
No caso das cidades de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, estas relações e práticas culturais entre sujeitos de nacionalidades distintas ocorrem cotidianamente, na qual a fronteira se materializa como um local privilegiado de encontros/desencontros entre brasileiros e paraguaios.
Assim, nosso principal objetivo aqui é discorrer sobre as diversas concepções de fronteira que permeiam o contato entre brasileiros e paraguaios numa área de fronteira internacional. As fronteiras podem adquirir sentidos e significados diversos, que variam de acordo com as abordagens e correntes teóricas que se propõe a analisá-las. Entendemos que nas cidades de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, diversas concepções sobre a fronteira se entrecruzam no viver diário dos moradores locais, que em função da mobilidade cultural e identitária entre ambos os países, podem apresentar uma nova configuração identitária, híbrida, transfronteiriça e que perpassa os limites do Estado-nação.
O presente texto está divido em três partes. A primeira visa discutir alguns elementos em torno dos conceitos de cultura e identidade a fim de compreender os elementos históricos e geográficos que permeiam suas composições. Na segunda parte, objetivamos analisar a composição das identidades brasileira e paraguaia, bem como os processos de antagonismos que se fundamentam em torno das mesmas. Por fim, buscamos discutir as diversas concepções que o sentido de fronteira pode congregar, indo desde abordagens geopolíticas, vinculada à delimitação e área de soberania do Estado, até adquirir dimensões subjetivas que aproximam e/ou distanciam sujeitos e identidades. Assim, discutimos elementos que perpassam o cotidiano dos sujeitos transfronteiriços a partir do entendimento de que a fronteira se materializa tanto na condição política, como a partir de encontros e desencontros entre brasileiros e paraguaios, possibilitando que novas configurações identitárias se façam a partir do caráter híbrido e intercultural.

2 – Entendendo cultura para compreender identidade

A cultura é uma realidade vivida que se manifesta material e simbolicamente (BONNEMAISON, 2002) estando numa constante relação de (re) produção espacial à medida que representa os modos de vida, os significados e a própria percepção do espaço humanizado pelos sujeitos. Constitui-se como um conceito amplo, possuindo diversos significados em correntes teóricas distintas. Para Corrêa (2008), as mudanças relativas ao conceito de cultura ao longo da história levam-nos a considerá-la como “como sendo simultaneamente reflexo, meio e condição social” (p. 3). Sendo ainda mais enfático, o autor afirma que “A cultura é entendida como os significados que um dado grupo social elabora e re-elabora com base em sua experiência, que inclui avaliações, contatos e descobertas” (2009, p. 1). A cultura constitui-se, nessa perspectiva, como um elemento sempre em movimento, concentrando e ampliando seus significados para os membros de determinado grupo que compartilham se seus valores e símbolos.
Para Adam Kuper (2002), embora cada grupo considere a cultura com um significado distinto, o elemento comum a todos eles está relacionado à forma como ela representa as identidades, de modo que “em seu sentido mais amplo, cultura é simplesmente uma forma de falar sobre identidades coletivas. Porém, o status também está em jogo. Muitas pessoas acreditam que, as culturas podem ser comparadas, e tendem a prezar mais a sua própria cultura [...]” (KUPER, 2002, p. 24).
A cultura apresenta diferentes significados e é também vivenciada de forma plural e diversa, o que corrobora a afirmação de Vera M. Candau (2005) de que a cultura deve ser entendida e analisada sempre no plural, como “cultura(s)”, para assim tentar compreendermos suas representações no interior de grupos culturais distintos. Podemos afirmar que as culturas são tão diversas quanto a quantidade de povos que vivem na Terra.
A cultura resulta do conjunto de ações e relações sociais que geram valores e significados para os membros do grupo, conferindo-lhes uma forma de identificação e pertencimento. Tal como a identidade, a cultura está sendo (re) construída ao logo da existência e a partir das práticas diárias que os sujeitos desenvolvem entre si no tempo e no espaço.
Entretanto, é importante analisarmos que a noção de cultura que temos hoje perpassou por diferentes abordagens e significados ao longo da história, passando por concepções “supra-orgânicas”, como a discutida por Carl Ortwin Sauer em 1922, na qual a cultura era entendida como determinante da ação humana, algo superior que influencia a sociedade e o homem não passava de um “mensageiro da cultura”, o que a tornava – a cultura - um elemento explicativo por si só, uma forma autônoma que determina a vida humana. Ou também apresentando leituras como a de Raymond Williams, embasa na “tese base-superestrutura” (CORRÊA, 2008).
Nesse sentido, uma importante contribuição conceitual a respeito do conceito de cultura surgiu a partir da década de 1980, quando emergiu na Inglaterra os chamados “Estudos Culturais” (Cultural Studies), que lançaram um novo olhar sobre as concepções de cultura. Na perspectiva dos Estudos Culturais a cultura estava ligada a sentimentos e visões de mundo que davam a cada grupo um pertencimento próprio e que os diferenciava de outros, quebrando a lógica homogeneizante em voga de uma cultura e uma identidade. A cultura, nesse contexto, passa a ser considerada como um conceito estratégico no processo de definição de identidades e alteridades, atuando como campo de lutas. Vale lembrar que este debate em torno do caráter diverso das culturas também se fazia presente na América Latina, tendo como um de seus representantes Nestor G. Canclini, estudando o caráter híbrido que estas podem adquirir no contexto moderno.
Um importante “aliado” neste processo de redefinição conceitual de cultura surgiu na Inglaterra em 1964, na Universidade de Birmingham, com a criação do Centre for Contemporany Cultural Studies – CCCS (Centro de Estudos Culturais Contemporâneos), tendo como principais representantes Richard Hoggart, Stuart Hall e Raymond Williams. O Centro tinha como objetivo inicial se dedicar à crítica literária inglesa, que representava um pensamento elitista, branco e que não abarcava todo o país como se pretendia. Estes estudos tinham como premissa a existência de uma “conexão orgânica” entre a vivência cotidiana e as posições teóricas adotadas pelos pesquisadores.
Os estudos realizados pelo CCCS influenciaram em grande medida vários campos de pesquisa, dentre eles a Geografia, que passou por um importante processo de ressignificação da cultura como objeto de análise passando a ser considerada também pelo viés da sociedade de classe e a partir da perspectiva de cultura dominante, de massa e popular. As influências teóricas e concepções de cultura adotadas pelo CCCS se espraiaram, contribuindo para reforçar as críticas e o movimento de renovação da Geografia cultural que se fazia presente.
De acordo com Denis Cosgrove e Peter Jackson (2007), umas das principais contribuições realizadas pelo Centro e seus teóricos está em nos mostrar o caráter instável e mutável da cultura, passível de transformações ao longo do tempo e do espaço. Ademais, deixa claro que esta é permeada por uma pluralidade, podendo apresentar um conteúdo político implícito ou explícito espacialmente, ressaltando o papel das formas culturais no tocante ao espaço, pois “a estrutura espacial é parte ativa da constituição histórica das formas culturais”. (COSGROVE & JACKSON, 2007, p. 142).
A cultura é entendida assim como meio e condição para a existência individual e coletiva. Para Paul Claval (2007, p. 56), no que diz respeito à Geografia, o objetivo dos geógrafos culturais passa a ser assim “[...] a interpretação simbólica que os grupos e as classes sociais dão ao ambiente, as justificativas estéticas ou ideológicas que propõem e o impacto das representações sobre a vida coletiva [...]”. Como a paisagem ganha destaque, o processo de interpretação das mesmas pode ser realizado sob diferentes perspectivas, nas quais a arte (pintura, escrita, filmes, fotografias) e seu significado tornam-se alvo e objeto de análise.
A cultura é representada pelo conjunto de símbolos que dão significado aos objetos e que garantem a determinados grupos uma identidade. É através do desenvolvimento e (re) produção da cultura e seus elementos que cada grupo garante e mantém sua identidade perante os outros. Assim, Paul Claval (2007) argúi sobre a importância do processo educativo na transmissão das culturas, seja ele formal (realizado através das escolas) ou informal (de base familiar) e que fazem parte do processo de constituição e (re) definição de nossas identidades. A relação entre cultura e identidade dos sujeitos se mantém íntima, uma influenciando na outra.
Nesse sentido, os sujeitos são carregados por referenciais identitários que fazem parte de sua vida, sejam eles individuais ou coletivos. Inicialmente, a definição de uma identidade parece ser um exercício simples: a identidade alude àquilo que se é (brasileiro, branco, negro, mulher, homem, jovem, velho...) baseando-se, assim, em um único referencial pensado a partir do “eu”. A diferença, nesta mesma perspectiva, é considerada também como um referencial autônomo, porém, que define o que o “outro” é e que se difere do “eu” (SILVA, 2000). Identidade e diferença/alteridade estão interligadas, entretanto, tendemos a considerá-las como realidades antagônicas, na qual a diferença é considerada, muitas vezes, como sinônimo de inferioridade.
A identidade se caracteriza como uma forma de garantir o significado e a experiência de um grupo. Todo conhecimento a respeito de pessoas e lugares deriva de uma denominação (identificação) que acarreta na sua distinção perante outros grupos. A identidade de um grupo ou coletividade é definida mediante processos de significação que elementos culturais desempenham (CASTELLS, 2002), processos estes mediados e marcados por relações de poder imbricadas no interior das relações inter-grupais1 .
Manuel Castells (2002) caracteriza três formas nas quais os processos identitários estão pautados, sendo eles: legitimador (representado pelas instituições dominantes como os Estados nacionais); de resistência (representado pelos diversos atores sociais que são estigmatizados historicamente, desvalorizados perante a lógica dominante); e a de projeto (caracterizada pela ação que os atores sociais podem construir no sentido de criação de uma nova identidade, redefinindo-a perante a sociedade). Como as identidades são móveis, os papéis que estas podem ocupar também não estão estanques no tempo e no espaço. Assim, o autor afirma:

[...] A construção de identidades vale-se da matéria-prima fornecida pela história, geografia, biologia, instituições produtivas e reprodutivas, pela memória coletiva e por fantasias pessoais, pelos aparatos de poder e revelações de cunho religioso. Porém, todos esses materiais são processados por indivíduos, grupos sociais e projetos culturais enraizados em sua estrutura social, bem como em sua visão de tempo/espaço [...] (CASTELLS, 2002, p. 23).

A identidade constitui-se como o elemento de identificação entre os semelhantes, e a cultura caracteriza os fatos que são comuns a um grupo cultural: seus símbolos, costumes, comportamentos; enfim, uma série de fatores que trazem para o grupo um sentimento de identificação, configurando, assim, uma identidade cultural que se impõe sobre a sociedade global.
Com a emergência do sistema capitalista e a insurgência do Estado-nação, baseado no que Stuart Hall (2009) caracteriza como “cidadania universal e neutralidade cultural”, houve uma apropriação de aspectos identitários por parte desta instituição visando a criação de uma identidade nacional, pautada sobre valores reconhecidos por ele. As identidades de diferentes povos passam a ser representadas em torno da concepção de “identidade nacional”. Na mesma perspectiva que Stuart Hall enfatiza a criação de uma identidade em nome da nacionalidade, Boaventura Souza Santos (2005) reflete sobre a modernidade e a formação das identidades em torno de um Estado, que tenta desconsiderar, apagar e anular o que este autor considera “lealdades alternativas”, ou seja, culturais, étnicas ou territoriais. Para o autor, “[...] sob a égide do capitalismo, a modernidade deixou que as múltiplas identidades e os respectivos contextos intersubjetivos que habitavam fossem reduzidos à lealdade terminal ao Estado, uma lealdade omnívora das possíveis lealdades alternativas [...]”. (SOUZA SANTOS, 2005, p. 142).
Muitos aspectos de culturas específicas como, por exemplo, a indígena, foram agregadas a Estados maiores, acarretando em uma neutralização no sentido de extinguir os laços culturais grupais em nome de um ideal moderno de identidade nacional. Desse modo, para Stuart Hall (2009), “a cidadania universal e a neutralidade cultural do Estado são as duas bases do universalismo liberal ocidental” (p. 74), que pressupõe uma homogeneidade da cultura nacional. Entretanto, ele afirma que “sob as novas condições multiculturais, entretanto, essa premissa parece cada vez menos válida” (p. 74), já que as sociedades apresentam cada vez mais um caráter híbrido e plural.
Para que isso acontecesse, a escola – entendida aqui como instituição do Estado – teve um papel fundamental como veiculadora da ideologia nacional. Aspectos simbólicos, como uma Bandeira Nacional, o hino de um país, a língua oficialmente falada, além de datas comemorativas se tornam elementos importantes para a construção de uma identidade nacional que valoriza e legitima o pertencimento a tal país, como se sua história se constituísse como a história de todo o povo 2.
A identidade étnica ou cultural se configura, assim, como uma alternativa inicialmente à unidade nacional e, posteriormente, ao universalismo global, proposto por um sistema desigual que tenta impor-se aos mais diversos espaços e temporalidades. A preservação de uma identidade étnica ou cultural é a prova de que há uma resistência a essa lógica universalizante. Entretanto, as identidades se configuram como “identificação em curso” como afirma, dentre outros, Boaventura de Souza Santos (2005), ao alegar que “mesmo as identidades aparentemente sólidas [...] escondem negociações de sentido, jogos de polissemia, choques e temporalidades em constante processo de transformação [...], que de época para época dão corpo e vida a tais identidades, identidades são, pois identificações em curso” (SOUZA SANTOS, 2005, p. 135, grifo nosso).
Entender os processos de identificação e de manifestação cultural representa uma forma de compreender a própria construção espacial, bem como relações de aproximação/distanciamento entre grupos culturais distintos que fazem emergir fronteiras materiais e simbólicas que afetam direta e indiretamente o contato interétnico e intercultural.
No caso de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, os processos de identificação entre brasileiros e paraguaios são carregados de tensões e conflitos que trazem consigo práticas e relações de poder capazes de inferiorizar um em detrimento do outro, neste caso, o paraguaio perante o brasileiro. O contato entre eles revela tensões identitárias e preconceitos históricos que se manifestam no tempo e no espaço.
Identidade e alteridade estão numa relação recíproca, uma só existe pela existência da outra. Ao refletirmos sobre nossa identidade, nos voltamos para o interior de práticas executadas e exercidas dentro de um determinado círculo de relações, mas não conseguimos enxergar estas relações em outros grupos. Tomaz  T. da Silva (2000) considera que o processo de inferiorização da diferença ou da alteridade ocorre porque temos como primeiro referencial de análise a identidade, como se esta fosse o primeiro padrão de análise, de forma que “[...] consideramos a diferença como um produto da identidade [...]” e assim, tendemos a “[...]tomar aquilo que somos como sendo a norma pela qual descrevemos ou avaliamos aquilo que não somos [...] (SILVA, 2000, p. 76), daí resultando os conflitos/contatos interculturais.
Entretanto, consideramos que a questão que se apresenta em relação a contatos culturais não está na pluralidade e na existência da diferença, mas sim nas situações de desprezo com que as culturas subalternas são tratadas. Sobre esta relação de inferiorização, Adam Kuper (2002, p. 296) considera que uma cultura hegemônica, representada pelo branco, classe média, homem e heterossexual “[...] impõe suas regras a todos. O restante da população é estigmatizada por ser diferente. Suas diferenças os definem: eles não são brancos, não são anglo-saxões, não pertencem à classe média, não são homens e nem heterossexuais”. Assim, qualquer forma que fuja a estas “normas” é desprezada socialmente, como se fosse um desvio de conduta que deve ser desconsiderado. É nesse contexto que surgem as práticas de intolerância, discriminação e preconceito para com grupos culturais periféricos.
Assim, a problematização dos conceitos e cultura e identidade é fundamental para a compreensão das práticas e relações desenvolvidas no contexto das cidades transfronteiriças, como é o caso de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero. A população local, brasileiros e/ou paraguaios vivenciam uma territorialidade própria, na qual o movimento e trânsito entre as duas identidades e os dois países se desenvolvem de forma espontânea no cotidiano local. Apesar das tensões e dos dramas provocados pelo contato como a “diferença e a alteridade”, novas identidades podem se fazer, recriando novos e velhos significados do que seja o viver transfronteiriço.

3 – Brasileiros e paraguaios: conflitos em torno das construções identitárias

A nacionalidade no cenário transfronteiriço ganha um forte sentido identitário para os moradores locais, sendo através dela que se distingue e emergem os contrates culturais. Como afirmou Roberto C. de Oliveira (2006), identidades étnicas e nacionais estão numa relação de soma e reciprocidade que se dão a partir do contato com o que se apresenta como “outro nacional”.
A etnicidade representa a interação entre grupos culturais diferentes dentro de um contexto social que lhes são comuns, estando intimamente vinculada ao sentido de território como lugar de pertencimento e reconhecimento do grupo (BONNEMAISON, 2002). Entretanto, a etnia tende a se fortalecer a partir do contado com outras etnias, ou seja, a partir de seu questionamento perante os demais. Esta interação nem sempre é pacífica e implica em relações de reconhecimento mútuo por parte destes grupos. O reconhecimento de grupos culturais e étnicos é uma busca moral pelo reconhecimento de direitos e, sobretudo, o direito de ter uma identidade (OLIVEIRA, 2006).
Esta dificuldade de interação e compreensão por parte de grupos externos sobre a dinâmica de outros grupos pode levar a práticas extremadas de etnocentrismos, ou seja, privilegiam-se as normas e regras do próprio grupo como parâmetro para outras sociedades acarretando, em muitas vezes, em relações de preconceitos e discriminação por parte dos mesmos.
Na visão de Joël Bonnemaison (2002), a delimitação de uma etnia é fundamental para a existência da cultura, sendo a consciência do grupo que funda suas bases étnicas, “[...] uma etnia existe, primeiramente, pela consciência que tem de si mesma e pela cultura que produz [...]” (p. 93). Entretanto, ele considera que esta definição apresenta contornos mais concretos em sociedades tradicionais e que na sociedade moderna, estas equivalem à definição de grupo cultural, afirmando:

Em outras palavras, a etnia é aquilo que em outros lugares é denominado grupo cultural, mas cujos contornos nas civilizações tradicionais são fortes porque estão freqüentemente ligados a uma expressão política – circunscrição de chefes tribais, reinos, eventualmente nações – e geográfica, isto é, um território, ou pelo menos uma certa área de ocorrência espacial (BONNEMAISON, 2002, p. 93, grifo nosso).

Por serem permeadas por elementos identitários dos grupos, as relações entre culturas são, em muitas vezes, conflituosas, pois entram em atrito práticas que envolvem a definição do ‘eu’ em relação ao ‘outro’, na qual cada grupo tenta se afirmar perante o outro, tentando provar sua importância e força, o que acarreta em práticas de inferiorização nas quais o grupo dominante se impõe e classifica o que é “bom” e o que é “ruim” a partir de suas próprias concepções de parâmetros e regras próprias. As afirmações das identidades são permeadas por antagonismos, nos quais se olha o “outro” a partir de “nosso” olhar, a partir de “nossas” práticas e experiências, do que consideramos como certo e errado, como se só “nossos” valores e práticas fossem o “correto”.
Nesse sentido, a situação de uma fronteira internacional ganha destaque nas discussões, pois os sujeitos locais estão inseridos em práticas cotidianas que revelam os contrastes do “eu” em relação ao “outro”. Os brasileiros, conforme constatamos através da realização de entrevistas com moradores locais e também consultas bibliográficas, sente-se superiores aos paraguaios, que em alguns casos, internalizam esta inferiorização, manifestando sentimentos de vergonha e negação de sua identidade.
A grande questão que se coloca na relação entre identidade e diferença/alteridade consiste no fato de que tendemos a classificar o diferente a partir de tudo o que não somos, ou seja, é o nosso padrão identitário que conduz as avaliações do outro, sendo este o modelo de classificação do positivo e do negativo, no qual o positivo é representado a partir de nossas características e o negativo seria o seu oposto. Nesse caso, o brasileiro representa o bom, o bonito, o aceito, em detrimento do “outro” paraguaio, que representa o seu oposto. Assim, entendemos que as palavras de Vera M. Candau (2005, p. 20) nos auxiliam na compreensão da relação ambígua e contraditória “eu versus outro”:

Nosso modo de situar-nos diante do “outro”, assume-se uma visão binária e dicotômica. Uns são bons, os verdadeiros, os autênticos, os civilizados, os cultos, os defensores da liberdade e da paz. Os “outros” são maus, falsos, bárbaros, ignorantes e terroristas. Se nos situarmos nos primeiros, o que temos de fazer é eliminar, neutralizar, dominar ou subjugar o “outro”. Caso nos sintamos representados como integrantes do pólo oposto, ou internalizamos a nossa “maldade” e nos deixamos “salvar”, passando para o lado dos “bons”, ou nos confrontamos violentamente com estes.

Corroborando os argumentos desta autora, Tomaz T. da Silva (2000) afirma que o problema que se coloca a partir da identidade e diferença/ alteridade é derivada de processos linguísticos, pois, para ele, é através da fala, do processo de comunicação social que os seres humanos constroem os aspectos semelhantes e diferentes entre si, aspectos culturais que são incorporados em nome de um ideal identitário que é construído e que passa a ser considerado como tradição de um povo ou grupo cultural, “[...] a identidade e a diferença têm que ser ativamente produzidas. Elas não são criaturas do mundo natural ou de um mundo transcendental, mas do mundo cultural e social. Somos nós que as fabricamos, no contexto de relações culturais e sociais. A identidade e a diferença são criações sociais e culturais” (SILVA, 2000, p. 76).
A identidade do “eu” só se faz presente quando entra em contato com o “outro”, sendo esta uma relação indissociável entre ambas as partes. No caso das culturas brasileira e paraguaia, estas são pautadas por elementos de referências distintas, representadas por aspectos da cultura européia, indígena, africana, e que formam as identidades (múltiplas) de ambas. Entendemos que a identidade é um elemento complexo de identificação dos indivíduos e que, portanto, falar em uma única identidade brasileira e uma única identidade paraguaia seria contradizer tudo o que já foi dito a respeito do assunto. Entretanto, em situação de fronteira, questões relativas à nacionalidade dos povos atuam como importantes elementos de identificação, principalmente por se tratar de uma área de fronteira internacional.
No Brasil, durante o processo de colonização, a cultura européia serviu de base para os colonizadores e também como padrão a ser seguido e disseminado para os povos indígenas que aqui viviam - considerados como bárbaros - e os elementos que representavam o europeu, eram reconhecidos como legítimos e verdadeiros 3.

[...] De modo particular, no mundo ocidental a cultura européia tem sido considerada natural e racional, erigindo-se como modelo de cultura universal. Desse ponto de vista, todas as outras culturas são consideradas inferiores, menos evoluídas, justificando-se, assim, o processo de colonização cultural. A doutrinização, nessa perspectiva, era interpretada como uma forma de ajuda que os povos ‘desenvolvidos’ dirigem aos ‘subdesenvolvidos’ para favorecer o seu crescimento [...] (FLEURI, 2003, p. 18).

Como aponta Reinaldo M. Fleuri (2003), a cultura européia é disseminada às mais diversas localidades e no caso brasileiro, não foi diferente, pois tivemos como padrão de cultura o que era representado pelo “Velho Mundo europeu”. Sobre esta questão, Otávio Souza (1994) considera que durante a fase de colonização americana e brasileira, os colonizadores tiveram dois olhares diferentes que se manifestaram em momentos distintos, de modo que, inicialmente os colonizadores olharam “muito mais para os índios e para a natureza americana do que para a Europa” (p. 124) e, posteriormente, se voltaram “para a Europa, muito mais na busca de identificação simbólica para ressituar-se na tradição que lhes deu origem” (SOUZA, 1994, p.125).
Desde o processo de colonização da América e, neste caso, do Brasil, os padrões da cultura européia figuram como a representação do verdadeiro, real e correto, portanto, devendo ser reproduzido, sendo este um legado da racionalidade moderna ocidental. Para Lylia da S. G. Galetti (2000), o processo de colonização sul-americana pautou-se em dois elementos centrais, pois de um lado, as elites sul-americanas “professavam em alto e bom som sua adesão aos valores civilizados da velha mãe Europa” (p. 21), porém, para se consolidar enquanto nações independentes, “esforçavam-se por inventar tradições próprias”, pois como haviam se libertado da situação de colônia, “deveriam apresentar-se ao mundo civilizado como entidades culturais distintas das metrópoles (GALETTI, 2000, p. 21). Ainda nessa perspectiva, continua a autora:

De qualquer modo, pode-se dizer que o modelo europeu figurou como referencial para um projeto político que apontava para a própria constituição da nacionalidade. Deste ponto de vista, o ‘caminho da ocidentalização’ deveria levar não apenas à modernização tourt court, ao desenvolvimento material que asseguraria o progresso econômico do país, mas também à plena constituição do que, no estilo de representação ocidentalista era considerado como uma nação moderna: estruturada em um Estado autônomo, politicamente soberana, portadora de uma cultura própria e capaz de tomar assento entre as demais nações civilizadas (GALETTI, 2000, p. 21).

No Brasil pós-independência era necessário criar uma imagem da brasilidade e do Brasil como nação portadora de originalidade e também de sua própria cultura. Para isso, a área conhecida como sertão 4 (relativa aos atuais estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul) teve uma grande importância, pois representava ao mesmo tempo a natureza - que alude ao mito da natureza perfeita na América e no Brasil – e a necessidade de levar a civilização e criar uma sociedade realmente brasileira, que não estivesse relacionada à metrópole.
O Brasil e a identidade brasileira são formados, assim, pela ação e presença dos colonizadores com seu olhar para as representações culturais da Europa. Durval M. Albuquerque Jr. (2007) argumenta que mesmo após o processo de Independência (1822),

[...] o Brasil como nação e como Estado se propunha a apenas continuar a obra aqui iniciada pelo colonizador, obra civilizatória, caracterizada pela garantia da ordem e da unidade política, administrativa, lingüística e religiosa de todo o território nacional. O Império brasileiro deveria se legitimar por continuar o processo de constituição do território, da população, da economia, da sociedade e da cultura brasileiras iniciado com sucesso pelos portugueses. Não deveríamos ter em relação à metrópole qualquer ressentimento, pois esta nos teria dado até mesmo a nossa elite dirigente e o imperador que, sabiamente, dirigia o país. As identidades do Estado, da nação, bem como de suas elites são constituídas como sendo continuidades do Estado, da nação e das elites portuguesas, portanto, européias, civilizadas, aristocráticas e brancas. (p. 48).

No caso do Paraguai, a hibridização ocorrida entre os indígenas e os colonizadores espanhóis foi intensa. De acordo com Alvina D. Boeira (2001), este processo ocorreu em dois sentidos: inicialmente o contato entre os colonizadores e os índios guaranis foi pautado por uma relação de intercâmbio na qual o modelo de colonização foi aceito em troca de proteção contra as tribos de guerreiros guaicurus; em troca os guaranis ofereciam recursos humanos e alimentos aos colonizadores. Entretanto, os índios da região não tinham idéia da verdadeira intenção dos colonizadores, que estavam em busca da mitológica “Serra do Prata”, onde supostamente estavam escondidas as riquezas.
Alvina D. Boeira (2001) argumenta que um dos principais fatores que contribuíram para esta hibridização foi o fato de que os espanhóis se deram conta de um importante elemento da cultura guarani: após o casamento os irmãos do sexo masculino da noiva deveriam estar à disposição do marido para ajudá-lo no que fosse necessário. Além disso, a mulher era responsável pelas práticas de agricultura e tecelagem, assim, “se os índios tinham em mente que um parentesco com os espanhóis traria status e proteção, os espanhóis, por outro lado, utilizavam tal aspecto cultural com estratégia de dominação e exploração” (p. 67)5 .
Dessa forma, a relação de contato entre colonizadores espanhóis e indígenas paraguaios fez com que a cultura do país se mantivesse carregada de elementos de ambos os povos, que são visíveis nas tradições e valores paraguaios, como se pode verificar através da língua falada no país, sendo o Paraguai o único país a apresentar a Língua Guarani como língua oficial.
Entretanto, o idioma guarani sofreu intensa discriminação chegando, inclusive, a ser proibida a sua reprodução através da fala e/ou da escrita no país, pois era considerado como língua de “ignorantes”. Entretanto, os elementos identitários não são facilmente destruídos e, neste caso, esta proibição não foi aceita, e fez com que o idioma guarani permanecesse como forte elemento da identidade paraguaia. Assim:

A língua guarani passou por teste de resistência no Paraguai até se firmar, fazendo com que o país se tornasse o único em todo o mundo que oficialmente fala o idioma. O primeiro deles foi no período de 1844 a 1862, época em que o então presidente da república, Carlos Antônio Lopez, defendia o idioma castelhano em detrimento do guarani. A perseguição continuou no governo do general Alfredo Strossner (1954-1989); em um ato de discriminação, ele proibiu a população de falar em Guarani alegando que a língua era de ‘ignorantes’ [...] (BOEIRA, 2000, p. 63).

Mesmo o guarani sendo considerado como uma língua proibida e inferior, no Paraguai a população local ainda o manteve vivo e presente em seu modo de vida, sendo este não apenas um teste de resistência, mas a representação simbólica de elementos de uma cultura que revelam um passado significativo que remete às relações de parentesco e pertencimento a uma determinada identidade. O reconhecimento do peso que o idioma representa para o país e para a sua população veio com a Constituição de 1992, que reconheceu o idioma guarani como língua oficial do país juntamente com o espanhol, sendo desenvolvido um programa escolar específico para que todos tivessem acesso a seu aprendizado (SOUZA, 2001).
O povo paraguaio apresenta uma cultura marcada por elementos distintos, que tem como principais manifestações a dança, a música, a culinária e também uma religiosidade intensa, que se misturam nas representações cotidianas e que caracterizam o que Cleonice Gardin (2007) considera como “modo paraguaio de ser”. No tocante à formação da cultura e identidade paraguaia, José C. de Souza (2001) expressa o que considera ser os fatores decisivos para a configuração da mesma:

Muito embora existam outros fatores importantes para a formação da sociedade e da cultura paraguaia, os mais decisivos parecem ser: a originalidade do conflito interétnico na época da conquista e da colônia; o isolamento do país e a conseqüente formação de uma cultura camponesa, que mais tarde debilitou, por não haver terra onde trabalhar; a falta de uma vida urbana mais intensa, ficando o país inteiro dependente, em todos os aspectos, da capital (SOUZA, 2001, p. 53).

Muitas das imagens que temos a respeito do povo paraguaio são repletas de preconceitos e reproduzidas de diferentes formas, conforme pode ser observado nas próprias palavras de José C. de Souza (2001), quando este discute as representações em torno do homem paraguaio, afirmando: “Quando líder é arbitrário, prepotente e individualista, agindo sem diplomacia. Se tomar dinheiro emprestado, não gosta de pagar e não quer que o lembre da dívida. É vingativo para com as pessoas que lhe traem a confiança”. Descrições como estas corroboram as imagens depreciativas em torno dos paraguaios e do Paraguai como um lugar e um povo em que não se pode confiar. Nesse sentido, continua o autor, “Costuma-se dizer que três coisas o paraguaio não dá: a mulher, o cavalo e a arma” (SOUZA, 2001, p. 55).
As afirmações de José C. de Souza (2001) revelam o olhar preconceituoso que muitos brasileiros lançam sobre os paraguaios. Estas representações são, na maioria das vezes, construídas a partir de características tidas como negativas e que servem para acentuar ainda mais os estereótipos. Este tipo de discurso contribui para reforçar a imagem do paraguaio como sinônimo de “falsidade, ilegalidade, desconfiança”, enfim, uma série de adjetivos depreciativos que lhes são atribuídos.
Nesse sentido, através do estudo da cultura podemos chegar a uma compreensão mais ampla dos fenômenos humanos, com o conjunto de relações e símbolos que os sujeitos tomam para si como elementos coletivos e que refletem a sua forma de viver e entender o mundo, ou seja, um modo de vida. Através do estudo das culturas e sua manifestações no espaço é possível verificar as transformações ocorridas não apenas com relação a aspectos físicos como também relativos ao comportamento das pessoas, as diferentes formas de organização espacial que variam de acordo com a forma de viver e que tornam-se visíveis material e simbolicamente. A partir das discussões sobre cultura e identidade, podemos compreender acerca dos processos de processos de identificação e os conflitos existentes entre brasileiros e paraguaios na fronteira entre Ponta Porã e Pedro Juan Caballero. Os conflitos e tensões diários existentes entre ambos os povos refletem elementos históricos e geográficos que vem sendo reproduzidos ao longo dos anos, mas expressam também a possibilidade de novas formações identitárias que se fazem no movimento transfronteiriço que dialoga entre o “ser brasileiro” e o “ser paraguaio”, dando origem ao “sujeito transfronteiriço”, híbrido e intercultural.

4 – As fronteiras em Ponta Porã e Pedro Juan Caballero: multiplicidade de relações e territorialidades

É no contexto de um país com uma grande extensão de faixa de fronteira 6 que se insere Ponta Porã. O lugar onde hoje está localizada a cidade foi elevado à categoria de município no ano de 1912, tornando-se, em 1943, território nacional e voltando a ser município em 1946. Geograficamente é caracterizada como área de fronteira seca com Pedro Juan Caballero, sendo separadas/unidas apenas por uma rua (Figura 1), o que lhes confere a classificação de “cidades-gêmeas”, estando conurbadas uma à outra, o que lhes possibilita tornarem-se um dos principais lócus da interação e cooperação transfronteiriça.

A área onde hoje estão localizadas Ponta Porã e Pedro Juan Caballero tiveram uma origem comum. Inicialmente denominado como Punta Porã, no qual “[...] punta, oriundo do castelhano, significa cabeceira, e porã, do guarani, bonita. Com o decorrer do tempo, o termo punta foi incorporado à língua portuguesa, passando à ‘ponta’”. (PEREIRA, 2001, p. 21). Entretanto, esta era uma área sob domínio paraguaio, pois o povoado de Punta Porã foi criado pelo governo paraguaio oficialmente em 1899, objetivando subsidiar a população paraguaia que trabalhava nos ervais da Companhia Matte Larangeira 7. Posteriormente, esta cidade passou a se chamar Pedro Juan Caballero, em homenagem a um dos capitães protagonistas da independência paraguaia e também em função de que o nome “Ponta Porã” se popularizou mais no aglomerado de lado brasileiro. Mas o processo de nomeação e controle destas cidades não foi harmonioso por parte de Brasil e Paraguai, passando por intensas disputas ao longo do tempo, conforme aponta Jacira H. do V. Pereira (2002).
Com o povoamento destes locais, surgiram conflitos étnicos, culturais e nacionais entre a população, e que, em alguns casos, se prolongam até os dias atuais. Nesse sentido, a formação e estruturação do Estado-nação vinculado diretamente à definição precisa de sua base territorial confere ao limite e à fronteira internacional certa singularidade com relação a outras áreas do país.
 Este caráter peculiar característico das fronteiriças ocorre em grande parte devido à infinidade de contatos e encontros interétnicos que se dão nas mesmas, envolvendo sujeitos com nacionalidades distintas, implicando em culturas e modos de vida diferenciados. Por isso, mesmo na escala de um único país, suas fronteiras também não são únicas: não podem ser simplesmente comparadas em função da localidade geográfica, pois englobam uma extensa área muito diversa, com uma população plural representando um conjunto intensamente variado de relações sociais, políticas, culturais, econômicas que, em muitos casos, quando se trata de fronteiras secas, acabam se entrecruzando diariamente.
Historicamente, os limites e as fronteiras eram considerados termos basicamente equivalentes, representando ambos o “fim do território nacional”, uma área rigidamente definida e controlada que separa um Estado e sua população do outro. Embora pareçam ser sinônimos, há algumas distinções entre as definições de limite e fronteira na literatura corrente: o limite, numa definição bastante grosseira, não pode ser habitado, aparecendo como uma linha abstrata que separa países distintos e que “parece significar o fim do que estabelece a coesão do território” (HISSA, 2002, p. 34); a fronteira representa a área ou região abstrata por onde passa o limite. Para Cassio V. Hissa, “o limite estimula a idéia sobre distância e a separação, enquanto a fronteira movimenta a reflexão sobre o contato e a integração.
Tradicionalmente, o ideário de fronteira está intimamente vinculado à concepção de Estado-nação, ideia que se fundamentou principalmente a partir da leitura de Friedrich Ratzel e sua concepção de “espaço vital”, necessário à consolidação e solidificação do Estado. Entretanto, no caso de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, observamos que a fronteira se manifesta em dois sentidos que se entrecruzam na vida dos sujeitos: uma fronteira político-administrativa representando a escala do Estado-nação; e uma fronteira étnica/identitária, caracterizada pela diferenciação cultural dos sujeitos.  Nesse sentido, Jones D. Goettert (2011) sintetiza alguns elementos que a fronteira congrega em seu significado.

A fronteira captura, orienta, determina, intercepta, modela, controla e assegura gestos, condutas, opiniões e discursos. Obviamente que não é a fronteira em si, ela mesma, em sujeito, que captura, orienta... mas, ao contrário, é o território subjetivado, “dividido ao meio” como processo político, geopolítico e de subjetivação/objetivação, o regulador de uma fronteira para si, isto é, inventada, imaginada mas fundamentalmente vivida como dispositivo condicionante de um jeito de falar, de ouvir, de olhar, de sentir, de se portar, de comprar, de vender, de andar, de definir-se a si e ao outro, como algumas das múltiplas repartições típicas de fronteira (GOETTERT, 2011, p. 63, grifos do autor).

Mesmo compartilhando alguns elementos culturais, identitários e símbolos em comum, existem barreiras/fronteiras que não são transpostas no convívio social. Para compreendermos a complexidade do contato entre brasileiros e paraguaios nesta fronteira, foram realizadas entrevistas com os moradores locais brasileiros e também aqueles portadores de dupla nacionalidade. A partir dos dados obtidos, entendemos que estes últimos representam de forma efetiva a mobilidade transfronteiriça, ou seja, conseguem transitar entre as diferentes identidades e culturas, em “jogos de identidades” nos quais ora sobressai a identidade paraguaia, ora a brasileira, depende do contexto e das relações que estão sendo estabelecidas.
Através dos relatos percebemos que a identidade paraguaia é acionada/desativa em determinados contextos, manifestando as fronteiras identitárias existentes entre os sujeitos, de modo que para serem aceitos socialmente, estes têm de se adaptar à forma de falar e viver dos brasileiros. Nesse sentido, temos um trecho da fala de Ana8 , filha de pais paraguaios, que morou e cresceu em Pedro Juan Caballero, mas que possui também a nacionalidade brasileira:

[...] é o seguinte: os brasileiros... eles não se empenham e nunca se empenharam em querer aprender a língua espanhola e a língua paraguaia. [...] Agora o paraguaio tenta falar o português, ele tenta! Por mais que ele fale, por mais que ele gesticule as palavras, por mais que ele se esforce, ele pronuncia as palavras, mas muito feio. Você vê que a pessoa que é criada lá... a pessoa que é criada do lado paraguaio tenta falar o português, mal mais tenta, e os brasileiros aqui não fazem isso, não fazem isso de jeito nenhum. [...] eu acho que é interesse, eles parecem que sentem vergonha da língua [...]. Acho que eles sentem vergonha de querer aprender. O espanhol até que não acho... a maioria das pessoas acham bonito [...]. Mas o guarani é muito difícil alguém querer aprender, muito difícil mesmo, e eu acho que tem preconceito sim. Eu acho não, eu penso e tenho certeza que tem, tem mesmo, porque eu tive vários colegas na faculdade que diziam: ‘ah eu não quero aprender essa língua, essa língua é muito difícil, essa língua é muito feia, a gente não entende nada’.  [...] (Entrevista realizada com Ana, em novembro de 2010).

A resistência que existe por parte dos brasileiros, moradores de Ponta Porã, em aprender o idioma falado pelos paraguaios e que remete ao “ser paraguaio” tem uma conotação fortemente negativa, dentro e fora da fronteira internacional. Reportamo-nos aqui a Paul Claval (2007) quando este afirma que a situação de contato entre grupos culturais distintos gera relações diversas entre os mesmos, ocorrendo práticas para preservar suas identidades e isso pode gerar limites que se manifestam no momento em que o grupo sente seus códigos de valores e comportamentos ameaçados.

Os sentimentos de identidade têm consequências geográficas aparentemente contraditórias: eles favorecem, através do sentimento de territorialidade, a emergência de espaços culturalmente homogêneos, e, ao mesmo tempo, permitem aos indivíduos ou aos grupos manterem suas especificidades quando estão misturados entre si. O cuidado em preservar sua identidade não impede o estabelecimento de relações com aqueles que são diferentes, mas introduz limites que proíbem a aceitação daquilo que ameaça os valores centrais que foram adotados (CLAVAL, 2007, p. 181, grifos do autor).

Estamos de acordo quando o autor salienta que muitos limites existentes entre os grupos culturais decorrem da tentativa de preservar uma identidade sobre a outra, sendo esta relação sempre permeada por relações de poder entre os grupos em questão e que fazem com que fronteiras étnicas e culturais possam se estabelecer. Na concepção de Claude Raffestin (1993), os limites e fronteiras representam a relação de poder entre os grupos, que estão dialogando entre si em busca de maior representatividade. Entendemos que na negociação de poder entre brasileiros e paraguaios, parece ter ocorrido uma legitimação dos primeiros sobre os segundos, de modo que os paraguaios se vêem subordinado à cultura brasileira. Embasamo-nos aqui, nas considerações de Fredrik Barth (1998), quando este afirma que devemos consagrar nossa atenção às fronteiras sociais que, por sua vez, podem adquirir dimensões territoriais: “Se um grupo conserva sua identidade quando os membros interagem com outros, isso implica critérios para determinar a pertença e meios para tornar manifestas a pertença e a exclusão” (p. 195).
As fronteiras são realidades simbólicas que se revelam materialmente na vida social através da interação humana: a vida é marcada por encontros e a identificação entre os membros de um grupo ocorre quando estes compartilham as mesmas concepções, valores e comportamentos (BARTH, 1998). Em Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, a fronteira étnica se apresenta na forma de práticas preconceituosas, discriminatórias e também através de discursos que tentam legitimar uma pretensa superioridade brasileira sobre os paraguaios. Estas práticas e os sentimentos impedem, em alguns casos, uma aproximação efetiva entre ambos; o contato se estabelece de forma mais ativa no setor econômico, mas a fronteira existente entre uma identidade e outra, muitas vezes, se mantém firme, recriando e mantendo formas de discriminação que são reproduzidas ao longo do tempo e do espaço e que tem como consequência a negação da cultura paraguaia e do Paraguai em relação à cultura do Brasil.

[...] eu acredito que existe um preconceito muito forte também dos europeus em relação com os latinos, né? Essa mesma relação de discriminação que o europeu tem com o brasileiro, o brasileiro tem com o paraguaio. O próprio paraguaio se discrimina quando esconde a fala [língua guarani e espanhol] e quer ser chamado de brasileiro, né? Essa é uma discriminação dele mesmo porque nem ele quer ser paraguaio [...]. (Entrevista realizada com Adriana, em abril de 2010).

Podemos aqui relacionar o relato de Adriana com o mesmo processo descrito por Frantz Fanon (2008) com os negros antilhanos que incorporaram conscientes e inconscientes a sua negritude como um aspecto negativo e que devia ser negado, passando este a pensar e se comportar como branco, afirmando ele que “[...] quando os pretos abordam o mundo do branco, há uma certa ação sensibilizante. Se a estrutura psíquica se revela frágil, tem-se um desmoronamento do ego. O negro cessa de se comportar como indivíduo acional. O sentido de sua ação estará no Outro (sob a forma do branco), pois só o Outro pode valorizá-lo [...]” (FANON, 2008, p. 136).
Pode-se  estabelecer uma relação entre os mesmos processos de negação e inferiorização vivenciados pelos negros antilhanos descritos por Frantz Fanon (2008) com as práticas sociais que ocorrem em Ponta Porã/Pedro Juan Caballero, nos quais se fundamentam uma espécie de superioridade do brasileiro sobre o paraguaio; o brasileiro representado pelo “legado da cultura européia, branca, classe média alta”; e o paraguaio caracterizado como o “bugre preguiçoso, feio, pobre”, dentre outros adjetivos depreciativos. Estes ideários adquirem uma dimensão psicológica tão intensa que, em alguns casos, os próprios paraguaios acreditam que isso possa ser verdade, não querendo assim ser identificados como tal. Entretanto, a relação de classificação do “outro” se faz em ambos os lados: os paraguaios também constroem estereótipos negativos com relação aos brasileiros, considerados como oportunistas e aproveitadores. Soma-se a estas representações o claro ressentimento que estes possuem em relação à derrota durante a Guerra contra o Paraguai (1864-1870), que dizimou grande parte da população paraguaia, em especial os homens, deixando o país em uma situação econômica e social muito precária.
Deste modo, recorremos novamente a Claude Raffestin (1993) para buscarmos compreender esta realidade de fronteira. Para ele, as fronteiras e os limites são realidades expressas e vivenciadas cotidianamente em nossas vidas, pautadas e mediadas por meio das relações de poder entre os grupos, sendo estas relações que definirão a existência e emergência de práticas de diferenciação e/ou aproximação. O autor considera o próprio conjunto de relações sociais desenvolvidas entre os seres humanos é baseado direta e indiretamente na noção de limite: “[...] Toda relação depende da delimitação de um campo, no interior do qual ela se origina, se realiza e se esgota” (p. 165).
Para este autor, o limite configura-se como um conjunto, e a fronteira, um subconjunto do limite. Contudo, a imagem da fronteira ganha maior dimensão a partir do momento em que o Estado-nação se apropria de seu sentido, traçando-a a partir da definição clara “fronteira = limite sagrado”, representada fisicamente através dos marcos que são implantados na mesma. Para ele, a “fronteira se torna um sinal” na medida em que o “o Estado moderno atingiu um controle territorial ‘absoluto’ e tornou unívoca a mensagem de fronteira = limite sagrado. Para aí chegar, foi preciso que se realizasse toda uma série de condições específicas, dentre as quais a linearização da fronteira é talvez a mais importante [...]” (RAFFESTIN, 1993, p. 166).
A fronteira fica então intimamente vinculada à imagem de “fronteira internacional” aludindo diretamente ao meio delimitador das bases dos Estados nacionais, que uma vez estabelecidas e reconhecidos pelos demais, atuam como elemento de distinção e de separação do que está “dentro” e o que está “fora”, podendo ser considerada como um fator de identificação e de identidade.
Para Claude Raffestin (1993), foi a partir da estruturação do Estado Moderno, com a centralização do poder territorialmente definido, que a fronteira ganha um traçado preciso, cujas representações se tornaram visivelmente reconhecidas a partir da elaboração dos mapas, que se caracterizam como um “instrumento ideal para definir, delimitar e demarcar a fronteira” (p. 167), pois esta só pode ser definida “quando a demarcação se processa” (p. 167). Para o autor, a fronteira apresenta funcionalidades distintas e complementares ao longo do tempo e do espaço9 .

[...] A funcionalização ou a desfuncionalização não afetam somente o território, mas também o tempo social no interior deste território. Com frequência, o espaço e o tempo social se fazem e se desfazem simultaneamente. O invólucro espaço-temporal no qual se originam as relações de poder é um todo. Assim, pois, o limite ou a fronteira não decorrem somente do espaço, mas também do tempo. De fato, a quadrícula não é exclusivamente territorial, é também temporal, pois as atividades que são regulamentadas, organizadas e controladas se exprimem de uma só vez, no espaço e no tempo, num local e num momento dados, sobre uma certa extensão e por uma certa duração [...] (RAFFESTIN, 1993, p. 168).

Claude Raffestin (1993) deixa claro que a definição dos limites e fronteiras correspondem a momentos específicos, adquirindo novas conotações e novos significados sendo, portanto, móvel. Nesse sentido, a configuração das fronteiras políticas internacionais ocorreu a partir do processo de configuração do Estado-nação estabelecendo os contornos dos territórios a partir dos quais este se formou, mas também com a função de garantia e institucionalização dos direitos de propriedade que se fundamentam com a emergência da burguesia. Aqui a noção de limite tornou-se fundamental e com ela uma nova forma de racionalidade, pautada na matematização e geometrização do mundo, na qual os limites naturais já não coincidiam necessariamente com as fronteiras políticas e administrativas dos Estados.
A definição rígida das fronteiras a partir de seu mapeamento alude a  uma racionalidade de dominação, onde o território é considerado como recurso a ser utilizado. Daí a importância de sua defesa: seu controle implicava na possibilidade de lucros futuros, e os limites e fronteiras são seus contornos, que não deveriam ser ultrapassados. Entretanto, de acordo com Lia O. Machado et al (2005), a “[...] demarcação da maior parte dos limites internacionais, não só na Europa, mas em outras partes do mundo, só se fará no século XIX, inclusive no Brasil, emergindo com ela o direito internacional em moldes modernos (MACHADO, et al, 2005, p. 245, grifos da autora).
Percebemos assim, que a delimitação precisa dos contornos dos Estados é uma prática relativamente nova, sendo efetivada a cerca de quatro séculos após o início do processo de colonização da América (século XV). Entretanto, a noção de fronteira permeia as mais distintas esferas da existência humana, perpassando os níveis mais íntimos e subjetivos de cada sujeito, até chegar às esferas político-administrativas e econômicas do circuito internacional de relações. Vivemos assim, como destacou Claude Raffestin (2005), constantemente atravessando fronteiras, sejam elas em escala individual quando simplesmente conseguimos alcançar ou ultrapassar algo, seja em grande escala quando atravessamos países, estados, cidades, etc. Enfim, nossa vida é tecida através do movimento no qual as fronteiras são partes constitutivas, configurando-se “muito além do fato geográfico que ela realmente é, pois ela não é só isso [...] é um fato social de uma riqueza considerável pelas conotações religiosas nele implícitas” (p. 10)
 Limites e fronteiras, nessa perspectiva, sempre existirão, o que muda são os significados que podem adquirir no tempo e no espaço, atuando como importante elemento identitário, pois, ao definir o “dentro” e o “fora”, estabelece também o “nós” e os “outros”. A fronteira se estrutura na vida dos sujeitos em diferentes contextos a partir do movimento de entrar/sair dos lugares, configurando-se como sistemas plásticos devido a seu caráter móvel no interior das relações humanas que, para Claude Raffestin (2005) “nasce da diferença” atuando como elemento de identificação e diferenciação.
Mesmo que tradicionalmente fronteiras e limites evoquem uma dimensão de barreira e fixidez, agem como elemento diferenciador e separador, podendo também unir e aproximar realidades distintas, estabelecendo uma relação que Claude Raffestin (1993) chama de “jogo paradoxal permanente” em função das práticas que são vivenciadas nestas áreas e das relações de poder que são exercidas pelos sujeitos locais, implicando em territorialidades que são acionadas dependendo do contexto, podendo manter, destruir ou recriar limites, de modo que “[...] o jogo estrutural do poder conduz a assegurar ora continuidade, deslocando os limites, ora provocar a descontinuidade, criando novos limites [...]” (p. 169). As fronteiras são realidades dinâmicas que representam um campo de práticas e interações sociais, políticas, econômicas e culturais que evocam conflitos e tensões que são inerentes aos sujeitos. A questão central é que a diferença/alteridade, nestes e em outros locais, não deve ser tratada como essencial, como uma realidade supra-orgânica que paira sobre os sujeitos, e também não deve ser negada ou desprezada, mas sim considerada a partir da lógica plural da sociedade contemporânea, marcada por práticas diversificadas decorrentes da diversidade humana e produzida por ela.
As práticas desenvolvidas de um e outro lado de cada fronteira internacional são partes constitutivas da vida dos sujeitos que convivem com este tipo de realidade, na qual o elemento identitário ganha uma dimensão intensa para os sujeitos transfronteiriços. Dessa forma, cada fronteira apresenta características únicas derivadas de sua base cultural diversa 10, cada um com um conjunto de relações e práticas sociais, culturais e políticas que remetem ao seu país de origem e ao encontro com o outro.
No exemplo vivenciado em Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, estas relações de interações e trocas entre os moradores das cidades ocorrem a todo tempo, desde o momento em que se fazem as “rodas de tereré” tão comuns entre o povo paraguaio e que foi incorporada pelo brasileiro (sul-mato-grossense), até os intercâmbios econômicos que ocorrem tanto por parte de brasileiros, que vão ao Paraguai em busca de preços baixos das mercadorias, sobretudo os eletrônicos; como também por parte dos paraguaios que vêm ao Brasil em busca da facilidade de crediário que conseguem no comércio brasileiro. O contato também se verifica na fala, à medida que muitos chegam a falar os três idiomas correntes na fronteira: português, espanhol e o guarani.
Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, no contexto de “cidades gêmeas”, se constituem como lugares marcados pela ambiguidade (dos países) e pluralidade de pessoas, sendo assim lugares eminentemente multiétnicos, daí sua singularidade socioespacial. A população local estabelece entre si uma rede de relações na qual a descontinuidade do território político é apenas uma característica a mais a ser transposta. Além disso, há um processo de identificação espacial que está além do limite internacional, na qual através das vivências cotidianas de brasileiros e paraguaios, como também de outras identidades étnicas e culturais que aí residem, ocorre uma territorialização que se manifesta neste movimento de “cruzamento de fronteiras”. Nesse sentido, temos a afirmação de Rogério Haesbaert (2009, p. 229) de que “a própria fronteira, muito mais do que uma ‘linha de fratura’ a separar identidades culturais (ou ‘civilizacionais’) claras [...] transforma-se no lócus do hibridismo, da imbricação de culturas”.
Entretanto, no caso de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, Jacira H. do Vale Pereira (2002) ressalta que “ao se deter na convivência dos fronteiriços entende-se que os intercâmbios, apesar de intensos [...] não produzem de fato a superação dos conflitos entre os dois povos vizinhos” (p. 77), sendo simplista o ideário de que o compartilhamento de alguns elementos culturais possa, “diluir no cotidiano da fronteira, ou seja, no espaço regional, as diferenças nacionais e o sentimento de pertencimento a uma nação ” (PEREIRA, 2002, p. 77).
Assim, as imagens e estereótipos do “outro” se fazem. Entre os brasileiros, a imagem que se tem dos paraguaios está, geralmente, associada a contravenções, ao narcotráfico e ao contrabando, ou seja, “o Paraguai e os paraguaios são considerados sinônimo de ilegalidade”, contribuindo para reforçar “a relação incerta, tensa e ambígua entre brasileiros e paraguaios [...]” (PEREIRA, 2002, p. 83).
Nesse sentido, Ponta Porã e Pedro Juan Caballero são representadas por graus distintos de contato e interação entre a população local, transitando entre identidades e territorialidades diferentes. Esta alternância de identidades étnicas é muito comum entre os paraguaios que portam a documentação e nacionalidade brasileira. Entretanto, o mesmo não acontece entre os brasileiros que apresentam apenas a nacionalidade brasileira. No caso dos paraguaios, a busca pela cidadania brasileira reflete novas possibilidades de existência na fronteira, na qual a hibridização e a interculturalidade se fazem presentes, vivenciando assim, múltiplas territorialidades que podem ser acionadas e/ou desativas de acordo com os contextos em que estão inseridos.

5 – Considerações finais

Em áreas transfronteiriças, identidade e alteridade/diferença (representados pela diferenciação cultural, nacional, linguística e étnica) estão em constante choque; as territorialidades e os próprios limites territoriais estão sendo (re) feitos, alternando entre formas, controles individuais, coletivos e também políticos nacionais.
No caso de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, os sujeitos transfronteiriços vivenciam cotidianamente múltiplos territórios, tanto em escalas individuais de apropriação material e simbólica, quanto em escalas maiores, relacionadas ao controle político-administrativo que os Estados (Brasil e Paraguai) têm sobre os mesmos, mas que é perturbado/alterado pela mobilidade dos sujeitos locais, cidadãos da fronteira, que convivem diariamente num movimento marcado pelo trânsito entre territórios, territorialidades, culturas e identidades conflitivas e contrastantes. Estes elementos marcam as fronteiras entre o “eu” e o “outro”, entre o “nós” e o “eles”, perpassando a soberania estatal e as fronteiras geopolíticas, se configurando como fronteiras identitárias que influenciam direta e indiretamente nas práticas de proximidade/distanciamento entre os sujeitos.
Os paraguaios e o Paraguai são, historicamente, discriminados por brasileiros, “dentro” ou “fora” da faixa de fronteira. Estes recebem sempre as piores características, comparados a tudo o que é falso e ilegal. São frequentes afirmações, tais como: “o paraguaio é preguiçoso, não gosta de trabalhar, é sujo, mentiroso, tem uma língua feia”. Já para os paraguaios, o brasileiro é entendido oportunista, além disso, carregam consigo uma mágoa muito presente em relação à derrota durante a Guerra contra o Paraguai (1864-1870). Tais afirmações representam o preconceito que faz emergir em uma fronteira internacional, uma fronteira identitária, étnica e cultural. Entretanto, a fronteira se caracteriza como uma “via de mão de dupla” que, ao mesmo tempo em que pode separar, também une diferenças.
Assim, na fronteira internacional entre Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, a fronteira condensa e aglutina diferentes sentidos do viver transfronteiriço, isto é, um viver permeado por relações dialógicas entre ambas as identidades, que são facilmente acionadas/desativadas de acordo com o contexto em que os sujeitos estão inseridos. Paraguaios portadores da cidadania brasileira encontram nesta identidade híbrida uma nova possibilidade de viver e compreender a fronteira, sem congregar um sentimento dicotômico ou unilateral de uma identidade sobre a outra. A partir das identidades híbridas e interculturais transfronteiriças, novos entendimentos sobre os conceitos de identidade, cultura e sobre a própria fronteira vão se fazendo, permeadas por tensões e dramas que se manifestam nas tramas cotidianas, questionando o caráter homogêneo das identidades e os próprios limites dos Estados.

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1 São estas relações que definem no interior dos grupos as características positivas ou negativas e que são socialmente aceitas. Para Michel Foucault (1984), as relações de poder podem se expressar através dos efeitos da palavra, entendidas como práticas discursivas; através das disparidades econômicas, por mecanismos de controle e vigilância. Estas relações de poder têm a capacidade de (re) criar hierarquias culturais e sociais, tornando-se aceitas e (re) produzidas como tais.

2 No caso brasileiro, Marilena Chauí (2010) discorre sobre o “verde-amarelismo” que marca a sociedade e a identidade brasileira em torno de seus elementos “naturais” e que buscam criar e fundamentar a identidade e a nação brasileira, atuando como um “simiófaro”, ou seja, “um conjunto de signos trazidos à frente ou empunhado para indicar algo que significa alguma outra coisa e cujo valor não é medido por sua materialidade e sim, por sua força simbólica” (p. 11).

3 Sobre a colonização européia no Brasil, Jones D. Goettert e Marcos L. Mondardo (2009) afirmam que: “A causa que moveu os europeus foi produzida no contraponto entre o civilizado-Eu e o incivilizado-Outro. Não era uma questão meramente identitária, mas uma questão civilizacional participante de um “processo civilizador” – em empréstimo de Norbert Elias (1993, 1994b) –, do processo de acumulação primitiva de capital e da expansão de um novo modo de produzir ou de um modo novo de produção material, calcado sobre uma nova racionalidade. Mais que um projeto de Nação, estava em curso o projeto europeu de conquista de um território (mundial ou internacional) de produção, de uma moral, de uma ética e de uma estética de pensar e de fazer. Evangelização, educação, racionalização, civilização e ordem obedeciam a esse ideal. O Outro – os índios e os negros – era o escravo, e os pobres não escravos, fora da polarização civilizados/não civilizados, eram os “desclassificados sociais”, os “inclassificáveis” ou mesmo a “humanidade inviável” [...]” (p. 106).

4 Lylia da S. G. Galetti (2000) afirma que a imagem do sertão era permeada por uma relação dicotômica na qual ora era considerado como símbolo da verdadeira brasilidade e das tradições realmente brasileiras, ora como sinônimo de atraso, de passado, de rural em oposição do urbano e moderno que tinha como lócus o que hoje entendemos como região Sudeste.

5 Entendemos a partir da leitura de Darcy Ribeiro (1995), que no Brasil o sistema de cunhadismo entre as comunidades-feitorias e as tribos indígenas se assemelha ao processo vivenciado no Paraguai entre os grupos indígenas e os colonizadores espanhóis. No caso brasileiro, o cunhadismo serviu de embrião para a formação da identidade brasileira. Para Darcy Ribeiro, a estruturação da cultura e da identidade brasileira se fundou em três principais pilares: a identidade étnica; a estrutura socioeconômica, representada pelo mercantilismo; e as técnicas produtivas, baseadas na dependência externa.

6 A fronteira abrange uma extensão muito maior que o limite, transpondo as demarcações definidas pelos Estados e indo além, abarcando uma área do território vizinho, não havendo uma definição exata para sua extensão, dependendo de cada país. No caso brasileiro, de acordo com a Lei de Fronteiras nº 6.634, de 02/05/1979, a extensão da faixa de fronteira brasileira corresponde a 150 km para além dos limites internacionais do país, mas esta definição não é a mesma para todos os países (MACHADO, et. al. 2005). Dessa forma, aproximadamente, 27% de todo o território nacional (15.719 km) está inserido em faixa de fronteira. (GADELHA; COSTA, 2005).

7 Esta empresa desenvolveu uma intensa atividade de extração de erva-mate tanto no Paraguai quanto no Brasil. Sua atuação ocorreu de 1882-1940, fundada por Tomáz Laranjeira, arrendando áreas num total de mais de cinco mil hectares. Inicialmente suas atividades estavam concentradas no Paraguai, em Laguna Capi-ivary, no Departamento de Concepcion, mas em função de problemas de exportação foi transferida para o lado brasileiro. Para Pereira (2002), a atuação da empresa na região fronteiriça apresenta dois pontos centrais, pois atuou como importância emblemática na economia da região e do Estado, uma vez que sua receita era superior à estadual, concedendo empréstimos ao então estado de Mato Grosso. Isso implicava em um forte controle político e econômico da região. Entretanto, atuava também como elemento que dificultava o povoamento da local, pois impedia os deslocamentos populacionais para a área em questão, impossibilitando a efetivação de núcleos urbanos locais.

8 Optamos por preservar as identidades dos sujeitos entrevistados, de modo que seus nomes são fictícios, por entendermos que assim seus relatos se tornavam mais independentes e espontâneos.

9 Claude Raffestin (1993) considera ser estas as principais funções exercida pelas fronteiras: Demarcação: define e delimita o traçado territorial sob o qual é exercido o controle legal, institucional e fiscal, com definição e regulamentação de normas jurídicas que regem tal sociedade. Controle: esta função, como o próprio nome já diz, tem por função controlar a circulação de pessoas e mercadorias para além dos limites entre países (que tornam legítimas a inspeção da circulação de bens, mercadorias e pessoas para além dos limites territoriais. Vale destacar que, atualmente, com o processo de globalização econômica, o controle sobre circulação de bens e mercadorias está se tornando cada vez menos efetivo por entre as fronteiras, pois as normas do mercado estão bem mais flexíveis. Ideológica: muito presente atualmente, agindo e camuflando os poderes militares disseminando as ideologias nacionais de forma a ser incorporada pela população em geral como elemento de distinção. Militar: aparece somente em contextos específicos, mas não está restrita apenas ao controle por parte do Estado, já que parte de grupos que fazem parte do crime organizado também utilizam essa função.

Mesmo no interior de um país há uma intensa diversidade cultural e étnica, entretanto, nas áreas de fronteira esta diversidade tende a se acentuar em decorrência da diversidade de base nacional, que tende a se caracterizar como importante elemento de distinção nas fronteiras.