DESSACRALIZAÇÃO DO SAGRADO CRISTÃO EM FRIEDRICH NIETZSCHE E RUDOLF OTTO

DESSACRALIZAÇÃO DO SAGRADO CRISTÃO EM FRIEDRICH NIETZSCHE E RUDOLF OTTO

Graça Auxiliadora Nobre Lopes (CV)
Ione Vilhena Cabral (CV)
Tatiani da Silva Cardoso (CV)
Roberto Carlos Amanajás Pena (CV)

 INTRODUÇÃO

A interpretação que tem como título “Dessacralização do Sagrado Cristão em Friedrich Nietzsche e Rudolf Otto”, buscou verificar a coerência entre as concepções do sagrado no compasso do cristianismo, por meio de suas manifestações, de modo, a compreender como a consciência construiu o sagrado.
Para tanto, houve a necessidade de fazer uma retomada às origens do cristianismo, perpassando pelo judaísmo e, até mesmo, fazer uma pequena trajetória histórica da formação do povo judeu e do processo de construção de seu Deus soberano, visto que, a consciência de sacralidade que resultou da fé em um único Deus, deu uma nova configuração à consciência no ocidente, condicionando a visão de mundo a partir desta fé, que foi imposta como única e verdadeira via de salvação do homem.
O dinamismo da consciência, no entanto, não possibilitou que a estrutura sacra permanecesse íntegra desde sua origem até os dias atuais, manifestando-se de inúmeras formas, que, apesar de, em alguns momentos se revelarem como dicotômicas e auto-excludentes, reclamam-se como cristãs. Assim, para investigar o tema, analisou-se o pensamento dos filósofos supracitados, que pontuam ideais sobre as questões que envolvem a consciência do sagrado.  
Fez-se imprescindível compreender, em primeiro momento, como se desenvolve o processo em que o homem passou acreditar e a designar o que era e o que não era sagrado. Em que condições de existência a consciência humana acreditou ou determinou que existisse Deus? A ideia da existência de divindades ou de uma força superior que permeia as decisões ou o destino de uma pessoa ou de um povo está intimamente ligada com a estrutura de funcionamento da psique humana, pois, a relação que o homem tem com as coisas e o mundo apresenta-se de forma comum, como arquétipos. Deus, portanto, apresenta-se como um arquétipo dentre vários que o homem tem necessidade de dar existência.  
A capacidade humana de contemplar a vida de forma meditativa diante de todo o universo e diante da realidade como ela se apresenta na natureza e na historia é vivenciada a partir de experiências que o homem tem com a mesma, este, fascinado pelo fenômeno, acaba atribuindo-lhe características divinas. O homem, diante das suas necessidades espirituais, começa a ter experiências com o divino de forma de maneiras que não consegue explicar através de conceitos, teorias, mas sim a partir, das sensações experimentadas em sua intuição.
 Isto significa que só é possível vivenciar o sagrado a partir do momento em que o individuo, através da sua psique, consegue experimentar as visões, as sensações manifestadas e todo o complexo de emoções que, conjuntamente, configuram o sagrado, como resultado da liberdade do espírito, do “ser livre”. Vale ressaltar ainda que, para se alcançar tal plenitude, só é possível através da intuição e não através da ciência, este é um tipo de fenômeno que não pode ser explicado através de fundamentos teóricos como ocorre com os experimentos científicos.
  A abordagem do primeiro capítulo esboça a gênese do pensamento acerca da consciência do sagrado nas sociedades arcaicas. Os ancestrais da humanidade possuíam deus que era responsável pela chuva, que garantia ao povo boas colheitas; deus do sol, que proporcionava o nascente de cada dia. Todo fenômeno natural sem explicações momentâneas adquiriam valor sagrado, logo era considerado divino. Neste sentido, fez-se premente a trajetória histórica (traçada por Mircea Eliade) do deus El e das duas divindades que lhe emprestaram suas qualidades: Asherah, a deusa da fertilização; e Baal, o Deus da guerra. A dinâmica cultural, na região habitada pelos povos que possuíam estes deuses, propiciou ao deus El absorver aquelas qualidades, aumentando, sobremaneira, seus poderes e sua influência.
Assim, neste capítulo, pode-se entender a dinâmica que possibilitou a este deus, que dividia sua existência com tantos outros, tornar-se o todo poderoso, o soberano, o único deus, tal como conhecemos segundo a concepção cristã, e sob a sombra do qual, construiu-se a ideia de sagrado no Ocidente.  Constam-se no mesmo também, as concepções romanas do que era sacro; estas influenciaram significativamente o processo de construção do domínio de uma cosmovisão, até a atualidade: o cristianismo.  Neste processo, vale ressaltar a importância das interpretações filosóficas de Agostinho de Hipona e Tomás de Aquino, acerca da fé.  Desta feita, buscou-se adentrar na gênese da construção do sagrado, que se preestabeleceu no contexto cultural.
O segundo capítulo expõe sobre as investidas de Nietzsche contra os fundamentos psicológicos da consciência cristã, assim como busca evidências da dessacralização do sagrado por meio de suas obras. Tal diálogo entre suas idéias são retomadas para se entender a percepção do homem na construção e reconstrução, assimilação e interpretação dos valores morais, éticos e religiosos que deram sentido a existência humana; tal sentido foi suscitado pelo filósofo como mais uma abstração da mente.
Nietzsche traça críticas ao cristianismo, dizendo que o objetivo principal desta instituição religiosa é alienar e reprimir os sentimentos e instintos internos do homem. E mais, que o Deus cristão apresenta características típicas do homem, logo, ele é tão humano quanto o homem, pois, sentimentos como ira, amor, compaixão, são aspectos extremamente humanos, que fazem parte dos aspectos que caracterizam a presença e a existência de Deus.
 Deus, então, seria apenas uma abstração da consciência do ser.  Pode-se dizer que Nietzsche é um dos poucos filósofos que teve coragem de atacar diretamente o Cristianismo. E mais, ousou ao afirmar que “Deus está morto”, frase esta que ficou famosa, despertando nas pessoas interesse, curiosidade, indignação e uma série de outros sentimentos que o homem sente quando lê suas obras.
O terceiro capítulo tem como finalidade expor a análise do pensamento do filósofo Rudolf Otto, que expõem suas idéias a partir da intuição dos atributos divinos para expressar a manifestação do sagrado no âmbito do irracional. Com isto, Rudolf Otto, em sua análise sobre as manifestações do sagrado enfatiza, características de elementos não-racionais, em contraste com as características racional, dentro do universo religioso.
Portanto, Otto propõe estudar as dimensões do sagrado, interpretando que o mesmo não pode ser tão somente concebido de forma preconceituosa e insuficiente, mas sim, a partir de sua manifestação. Otto evidencia em sua obra a manifestação do sagrado como fenômeno da irracionalidade, transpassando as barreiras da racionalidade. O homem, apesar de recorrer à ciência, não é capaz de explicar racionalmente a manifestação do sagrado. Somente o individuo que já vivenciou tal manifestação pode “tentar”, de forma simbólica, explicar esta experiência.