DESSACRALIZAÇÃO DO SAGRADO CRISTÃO EM FRIEDRICH NIETZSCHE E RUDOLF OTTO

DESSACRALIZAÇÃO DO SAGRADO CRISTÃO EM FRIEDRICH NIETZSCHE E RUDOLF OTTO

Graça Auxiliadora Nobre Lopes (CV)
Ione Vilhena Cabral (CV)
Tatiani da Silva Cardoso (CV)
Roberto Carlos Amanajás Pena (CV)

3.5 O Aspecto “Mysterium” - O “totalmente outro”

Neste aspecto é importante salientar que no primeiro momento o tremendum foi concebido como adjetivo e não como substantivo, como cabe ao mysterium. Estes dois aspectos acabam se confundindo linguisticamente, pois em muitos casos o primeiro apresenta a conotação do segundo. Mas, este não os impede de agirem distintamente, “sendo que o misterioso no numinoso pode preponderar em comparação com a sensação do tremendum, inclusive a ponto de este quase se extinguir”. (OTTO, 2007, p. 57)
Dessa forma, o mysterium se caracteriza pela presença do fascinans (fascinante), espantoso (mirum ou mirabile), isto significa que o ser em si foi atingido psicologicamente por uma espécie de milagre que sua mente racionalmente não é capaz de explicar. Assim, diferentemente do que ocorria com o tremendum que tinha como característica o tremor (temor), no mysterium o aspecto que mais se aproxima é o “estupor” (stupor), cujo significado é pasmo, estarrecido, ficar boquiaberto, embasbacado e estranheza.
Pode-se compreender que este mistério é aquele que paralisa o ser diante da potência do majestas e que causa surpresa e espanto. Este mysterium ainda se manifesta como objeto supra-racional, incompreensível, logo, incompatível com a razão humana. Tal característica, assim, só pode ser elevada ao nível de manifestação religiosa irracional, que se mostra na psique do ser.

“Mistério, de um modo geral, significa inicialmente apenas enigma no sentido de estranho, não-compreendido, inexplicado; nesse sentido mysterium é apenas uma analogia, oriunda do meio natural, para aquilo a que nos referimos, uma analogia que não esgota o objeto em si. Este, porem, ou seja, mistério religioso, o mirum autentico, é (possivelmente em sua melhor formulação) o “totalmente outro”, o thãteron, o anyad, o alienum, o aliud valde, o estranho e o que causa estranheza, que foge do usual, entendido e familiar, contrasta com ele, por isso causando pasmo estarrecido”. (idem, 2007, p: 58)   

O aspecto do mirum, presente nas religiões primitivas tentou-se denominar posteriormente “almas”, mas esse conceito perpassa pela racionalização humana em tentar interpretar de alguma forma o enigma do mirum, amenizando assim, a experiência contida nesse aspecto. Seguindo essa perspectiva, coloca-se, uma questão interessante, no que tange a religião, Otto, declara que em função desse fato de se tentar interpretar o mirum, a religião não deriva daí. Mas, sim a racionalização da religião, que em muitos casos acaba excluindo o mistério do seu verdadeiro sentido.
Em contraposição o mistério seria a sensação de stupor diante de algo “totalmente outro”, onde esse “outro” pode ser denominado de espírito, demônio, ou simplesmente não lhe atribuir nenhuma designação. Quando então, se reduz esse misterioso ao conceito de alma ele deixa de ser algo que causa assombro, passando a ser um simples conceito formulado pela razão humana que não desempenha sua real função a de receio demoníaco.

“O objeto realmente “misterioso” é inapreensível não só porque minha apercepção do mesmo tem certas limitações incontornáveis, mas porque me deparo com algo “totalmente diferente”, cuja natureza e qualidade são incomensuráveis para a minha natureza, razão pela qual estaco diante dele com pasmo estarrecido”. (Ibidem, 2007, p. 59)

Neste sentido, o verdadeiro vislumbre da assombração esta no fato de se tratar de algo espantoso, ou seja, aquilo que eleva a mente humana a fantasia. Despertando nela o interesse e a curiosidade em saber o que esta por trás da coisa em si, mas este não pode ser definido como “fantasma” ou “alma”, como muitos convencionaram a chamar. Pois, este aspecto, trata de um fenômeno prodigioso, algo que pode não existir, algo “totalmente diferente”, que não faz parte da realidade humana, mas de outra completamente superior a esta. Daí, este fenômeno despertar interesse incontrolável na mente humana.
O “totalmente outro”, assim é transformado no caráter sobrenatural oposto ao mundo, elevando-se para o caráter supramundano. Esses termos passam a ser designações de uma realidade “totalmente distinta” da realidade humana, despertando sentimentos que não podem ser descritos e nem expressados conceitualmente. Esse aspecto “totalmente outro”, alguns místicos chamam de “nada”, ou seja, aquilo que nenhuma palavra consegue reproduzir, conceituar, sendo oposto a tudo que possa ser pensado pelo homem.

“Quem não tiver a sensibilidade interior para a linguagem dos mistérios e para os ideogramas ou termos sugestivos da mística terá a impressão de que essa busca dos budistas pelo “vazio” e pelo “esvaziar-se” da mesma forma como a busca dos nossos místicos pelo nada e pela auto-anulação devem ser uma espécie de loucura, ou seja, o próprio budismo seria um “niilismo” demente”. (OTTO, 2007, p. 61)      

Assim, essas impressões (nada, vazio), são na verdade ideogramas numinosos do “totalmente outro”, cuja, pessoa que não tiver predisposição para entender a excelência do mirum não poderá ser capaz de compreender o que esses aspectos realmente simbolizam. E ficara totalmente alheia ao fascínio que eles têm exercido em milhares de pessoas pelo mundo todo. Assim, o “totalmente outro”, o mirum é o incompreensível e inconcebível, ou seja, é aquilo que foge ao entendimento humano na medida em que transcende todas as categorias.
Este fenômeno além de transcender o entendimento humano, consegue contrapor-se a ele anulando-o, chegando-o a confundir, tornando-se além de incompreensível paradoxal. Pois, o “totalmente outro”, encontra-se, acima de toda e qualquer racionalização humana, chegando assim, a contrariar a própria razão. Tal fenômeno, assim, só pode ser elevado ao nível de manifestação religiosa irracional, que se mostra na psique do ser.
A mente humana não é capaz de apreender totalmente a concepção do misterioso, logo, suas percepções são extremamente limitadas, a ponto de somente se deparar com o “totalmente diferente”, ou seja, uma realidade que não faz parte da razão humana mais que, ultrapassa o campo do inimaginável. Assim, em vista disso, a natureza humana não consegue mensurar a entidade sobrenatural escondida por trás do fenômeno do mysterium.