PROCESSOS DE MUDANÇA, TURISMO E DESENVOLVIMENTO RURAL: AS ALDEIAS DO XISTO DO CONCELHO DE GÓIS E O PAPEL DA LOUSITÂNEA

PROCESSOS DE MUDANÇA, TURISMO E DESENVOLVIMENTO RURAL: AS ALDEIAS DO XISTO DO CONCELHO DE GÓIS E O PAPEL DA LOUSITÂNEA

Luiz Rodolfo Simões Alves (CV)
Universidade de Coimbra

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Introdução

 Tema e âmbito da investigação

Aos territórios rurais reconhece-se, de uma forma generalizada, um percurso histórico de mutações constantes da sua estrutura a diversos níveis (económico, social, patrimonial, entre outros) com múltiplas alterações do seu peso e importância quando em comparação com os territórios urbanos (e/ou de sua influência).
Essas vicissitudes são ainda mais notórias, e com uma repercussão muito mais vincada, nas áreas de montanha onde a busca por afirmação clara do seu papel no contexto de desenvolvimento dos territórios tem conhecido várias fases, marcadas por altos e baixos, numa trajetória de mudanças, mais ou menos constantes, sem conseguir uma estabilidade duradoura e a capacidade de se afirmar como um contexto geográfico de valor e de preponderância crucial na coesão dos territórios e no desenvolvimento sustentável dos lugares, regiões e nações.  
Simplificadamente podemos atribuir às áreas de montanha em Portugal três grandes fases da sua evolução, organização económica e social e gestão dos seus usos sem que, no entanto, seja possível definir onde começa e acaba cada uma delas, de forma clara porque, até os territórios mais singelos e pequenos na sua dimensão conseguem ser bastante complexos na sua organização, evolução e compreensão. Assim, a etapa mais longa no tempo, remete para a organização tradicional das áreas de montanha, onde a ocupação e organização espacial assentava na “trilogia” agro-silvo-pastoril, com uma predominância indubitável da quase exclusividade do policultivo de subsistência, da pastorícia e da exploração florestal.
A segunda fase, que terá começado em meados dos anos 40/50 do século passado, mediante as especificidades de cada território, induziu um estado de crise traduzindo-se para muitos territórios um golpe de misericórdia nas suas aspirações de sobrevivência e de desenvolvimento. De facto, a crise das atividades tradicionais impulsionou um intenso fenómeno de êxodo rural despindo os lugares de população, enfraquecendo às já debilitadas estruturas económicas, fazendo imergir às áreas de montanha um estado de crise profunda, com usos demasiado tradicionalistas e poucos rentáveis para as exigências vorazes de uma sociedade que começava a entrar no ritmo da globalização.
O início da terceira fase remonta até meados da década de 80 do século XX, um período onde se começa a assumir um papel de preocupação com a sustentabilidade do desenvolvimento dos territórios e com uma crescente consciência social para questões ambientais com uma forte raiz em movimentos ecologistas diferenciados da atuação massificada da sociedade da época. Esta fase consegue transportar e ver nos territórios de montanha outras funções que extravasam a visão produtivista sem, no entanto, a colocar de parte. Desenha-se, assim, uma nova organização espacial, associada a novos usos, assistindo-se à abertura da montanha em relação aos novos usos e funções e à afirmação de renovados valores relacionados com a paisagem natural e cultural.
Porém, esta terceira fase sofre ainda de uma juvenilidade que não permite aos territórios de montanha um corte com as dificuldades pesadas emanadas pelo seu esquecimento passado. De facto, as dinâmicas económicas fracas, a falta de um mercado de trabalho consistente, conjugada com a rarefação de população e o seu envelhecimento demográfico, aliadas à fragilidade das perspetivas que as suas populações equacionam para as suas vidas e para estes territórios, criam uma situação de bloqueio parcial, tornando todo o processo de desenvolvimento uma tarefa ainda mais complicada para todos os seus múltiplos intervenientes.
À expressão territórios de baixa(s) densidade(s), que tão frequentemente se aplica às áreas de montanha, tem-se tentado sobrepor a expressão territórios de “grandes oportunidades” porque, de facto, falamos de contextos geográficos fortemente debilitados mas que encerram uma panóplia densa de oportunidades alicerçadas nas suas múltiplas riquezas associadas aos novos usos (turismo, lazer, recreio) mas, também, associadas aos “velhos” usos produtivistas sendo certo que, a capacidade de gerir as áreas de montanha através do aproveitamento dos seus múltiplos recursos, e impedindo o seu desenvolvimento apenas alavancado por uma única atividade (como o turismo, por exemplo, tal como aconteceu no passado quando se explorava apenas o valor produtivo das áreas de montanha), levará a uma quarta fase que se espera mais duradoura, sustentada e com um ordenamento prévio e cuidado, de complemento entre setores de atividade, políticas diferenciadas de desenvolvimento e capacidade de gestão.
São vários os sinais que nos levam a crer que a aposta do desenvolvimento dos territórios passará por uma inclusão clara das áreas de montanha na equação. Os incentivos de âmbito local para a atração e fixação de população jovem, passando pela aposta e reforço de políticas e de investimentos públicos (de índole nacional e europeia), pela criação de planos de correção das assimetrias regionais, configuram diversas medidas, propostas e estratégias com o intuito de minorar e solucionar os problemas dos territórios rurais e de montanha.
            Assiste-se, assim, a uma reafirmação destes espaços, com novas dinâmicas onde a multifuncionalidade prima por uma presença ativa na ocupação e distribuição de diversas atividades económicas no espaço, como uma alavanca para a indução de dinâmicas de desenvolvimento, tendo sempre por base o aumento da qualidade de vida, mediante medidas e atuações conducentes com os desígnios de sustentabilidade.
            Quanto às políticas e estratégias a adotar, o passar dos anos e os resultados da aplicação de várias políticas, programas, estratégias e instrumentos de desenvolvimento tem demonstrado que, no caso concreto dos espaços rurais, tais ferramentas devem ser ponderadas e aplicadas mediante processos de desenvolvimento bottom-up, pela intimidade no conhecimento das especificidades de cada território, em concreto, que esta abordagem permite, procurando sempre elevar o melhor da base local e o contato com outras experiências e o trabalho em rede, mediante a criação de redes de cooperação, fundamentais para que os territórios possam ganhar escala de atuação, permitindo o trabalho em problemas comuns aos lugares constituintes da rede, criando uma dinâmica integradora e coesa.

Objetivos e metodologias

A presente investigação, apresentada em forma de dissertação, surgiu com o intuito de compreender as dinâmicas de desenvolvimento dos espaços rurais em contexto de montanha e do modo como estes se podem articular através de redes de cooperação para fazer face aos seus constrangimentos e de trabalharem em conjunto para alcançar os desígnios de superação dos seus contextos territoriais bastante debilitados mediante dinâmicas e projetos de desenvolvimento, de base local.
Pretende-se, com esta dissertação, a prossecução de vários objetivos, como sejam a compreensão das dinâmicas territoriais no contexto rural; compreender a evolução dos espaços rurais e, com maior pormenor, o seu momento atual e a importância da multifuncionalidade no seu desenvolvimento; analisar, sistematizar e reconhecer o complexo trajeto de implementação das Políticas Comunitárias de desenvolvimento rural e quais as especificidades do próximo Quadro Comunitário de Apoio; compreender e expor a importância da inclusão e da atuação dos territórios em redes de cooperação; analisar de forma muito aprofundada o Programa das Aldeias do Xisto e a sua repercussão nos territórios; analisar o contexto socioeconómico do concelho de Góis; avaliar a incidência do referido Programa nas Aldeias do Xisto do concelho de Góis; e estudar, dar a conhecer e relevar o papel da Lousitânea – Liga de Amigos da Serra da Lousã, no contexto do desenvolvimento local.
Esta investigação assume um papel diferenciador das várias outras que têm incidido sobre o território das Aldeias do Xisto por abordar de forma integrada várias temáticas já analisadas, como seja o turismo de passeio pedestre e o turismo acessível (Tovar, 2010; Nunes, 2011); políticas de desenvolvimento (Pais e Gomes, 2008; Carvalho, 2006-a); imagem dos lugares e marketing territorial (Silva, 2008; Barros e Gama, 2010); papel das redes para o desenvolvimento (Monteiro e Deville, 2007; Carvalho, 2009). Além disso, apresenta na base o intento de conseguir abordar e compreender o impacto das políticas destinadas às Aldeias do Xisto desde 2000 até 2013, territorializando os investimentos e as ações, no geral, e em particular as intervenções levadas a cabo nas Aldeias do Xisto do concelho de Góis, com uma escala de lugares muito interessante, num estudo comparativo entre o previsto nos Planos de Aldeia e o executado na atualidade. Tudo isto em consonância com o exemplo de uma associação de desenvolvimento local e com uma análise aprofundada acerca das suas intervenções, ações e peso no desenvolvimento destes lugares serranos. 
Em termos de metodologias a utilizar a primeira parte da dissertação assenta em recolha, leitura e análise de bibliografia, perfazendo o “estado da arte” acerca dos assuntos em estudo/análise, que permitirá um suporte sustentado na construção e no enriquecimento do conteúdo deste trabalho de investigação. Terá também, na segunda parte, uma base muito importante e substancial de recolha, tratamento e análise de informação estatística de vários níveis. Esta etapa apresenta, de igual modo, uma forte componente de trabalho de campo com observação direta, análise de processos e fenómenos territoriais, recolha fotográfica, e elaboração de cartografia resultante das ações de trabalho de campo, pretendendo-se representar a expressão territorial das várias temáticas a que nos propomos tratar e sobre as quais incidimos com a maior minúcia possível.

Estrutura da dissertação

O presente trabalho desenvolve-se em torno de duas grandes partes sendo, a primeira, correspondente à abordagem teórica, que enquadra e contextualiza as múltiplas temáticas abordadas, recorrendo à revisão bibliográfica, tendo em vista traçar o “estado da arte” (sendo certo que nunca poderíamos ter lido tudo o quanto desejávamos e que seria necessário). A segunda parte incide, de forma clara, numa abordagem prática dividida em dois elementos principais: o Programa das Aldeias do Xisto, no geral, e as Aldeias do Xisto do concelho de Góis, em particular. Cada uma das partes está dividida em diferentes capítulos e, por sua vez, estes estão subdivididos em vários pontos.
            A dissertação, após esta abordagem introdutória, começa com uma exposição mais conceptual acerca da temática dos espaços rurais, aportando e referindo as várias abordagens a este conceito. Estabelecem-se as relações espaciais que se formam entre o espaço rural e o espaço urbano, fazendo também a ligação com o conceito de baixa densidade. Procura-se, também, enfatizar as suas formas de organização e abordar as suas novas funcionalidades (caráter multifuncional), com especial destaque para a economia e sociedade rural.
O terceiro capítulo procura demonstrar a ligação existente entre os espaços rurais e o desenvolvimento local, diagnosticando as perspetivas destes territórios, abordando, também, a importância das políticas e programas da União Europeia para o desenvolvimento dos territórios rurais, percorrendo alguns dos mais importantes que foram postos em prática, lançando algum destaque e perspetivando as políticas de desenvolvimento rural para o período pós-2013. Disserta-se, também, acerca dos atores, das redes de cooperação e a sua importância para o desenvolvimento e gestão dos territórios rurais, dando como exemplo a Rede Rural Nacional. Numa outra perspetiva neste capítulo importa fazer a introdução à temática do turismo, do lazer e da importância de ambos para o desenvolvimento local, versando sobre os vários conceitos envolvidos, e finalizando o capítulo com a análise da importância do turismo para o desenvolvimento dos espaços rurais, tentando compreender se esta atividade se apresenta como a única solução ou como parte da solução para a resolução dos problemas que estes territórios enfrentam. 
A partir do quarto capítulo centramos a análise num patamar mais prático, com a contextualização do estudo de caso utilizado. Este inclui uma apresentação do Programa e da Rede das Aldeias do Xisto, expondo os seus objetivos, pressupostos e estrutura e, também, uma avaliação dos seus resultados, dividindo a análise em duas fases distintas: Fase AIBT-PI (2000-2006) e Fase PROVERE (2007-2013), com uma análise exaustiva a várias escalas geográficas.
Por sua vez, no quinto capítulo desta investigação abordamos de forma aprofundada e integradora as múltiplas caraterísticas que encerram o concelho de Góis, começando por um enquadramento geográfico, com destaque para vários elementos, como sejam a geologia, a geomorfologia e outros elementos do património natural; a distribuição da população e do edificado por lugar; vários aspetos demográficos (evolução da população, máximos demográficos, taxas de natalidade e mortalidade, processos migratórios, entre outros); atividades económicas (distribuição da população por setor de atividade, agricultura e floresta, indústria, comércio e serviços); e uma abordagem integrada de várias questões sociais (emprego e desemprego, envelhecimento e qualificação dos recursos humanos). Terminamos este capítulo com uma análise e compilação dos principais recursos e potencialidades do concelho de Góis (património natural, património cultural, entre outros).  
No sexto capítulo, começamos por enquadrar geograficamente a área de estudo, particularizando as aldeias de Aigra Nova, Aigra Velha, Comareira e Pena no contexto dos lugares serranos da Serra da Lousã, introduzindo, entre outros elementos, uma abordagem à arquitetura popular e às singularidades da Serra da Lousã, com especial destaque para estas quatro aldeias, propondo-se, também, uma análise às alterações sofridas nos modos de vida das populações destes lugares. Numa outra fase incidimos, de forma direta e pormenorizada, sobre as propostas, intervenções e projetos do Programa das Aldeias do Xisto nas quatro aldeias do concelho de Góis, em especial a análise dos Planos de Aldeias e as intervenções efetuadas por aldeia.
No último capítulo, findamos esta investigação com a análise de uma associação de desenvolvimento local, procurando demonstrar a importância dos atores locais no desenvolvimento dos territórios, mediante a apresentação de um caso prático e que merece destaque pelo seu papel no desenvolvimento do concelho de Góis: a Lousitânea – Liga de Amigos da Serra da Lousã. Aqui procuraremos analisar o seu percurso enquanto associação de desenvolvimento local, as suas áreas e territórios de intervenção, o seu programa de animação, bem como um estudo nunca antes feito (nem pela própria Lousitânea) aos registos de visitantes dos vários espaços geridos pela Associação (Loja das Aldeias do Xisto, múltiplos Núcleos do Ecomuseu “Tradições do Xisto”, Casa da Comareira e sócios da Lousitânea).
Por fim, antes dos anexos e do registo das referências bibliográficas consultadas, apresentamos as principais conclusões retiradas do estudo que foi sendo elaborado ao longo da dissertação.