PROCESSOS DE MUDANÇA, TURISMO E DESENVOLVIMENTO RURAL: AS ALDEIAS DO XISTO DO CONCELHO DE GÓIS E O PAPEL DA LOUSITÂNEA

PROCESSOS DE MUDANÇA, TURISMO E DESENVOLVIMENTO RURAL: AS ALDEIAS DO XISTO DO CONCELHO DE GÓIS E O PAPEL DA LOUSITÂNEA

Luiz Rodolfo Simões Alves (CV)
Universidade de Coimbra

Volver al índice

O concelho de Góis: geografia, património e turismo

Localização e contextualização

Em termos administrativos e estatísticos, o concelho de Góis situa-se na Região Centro, e mais concretamente na sub-região (NUT III) do Pinhal Interior Norte 1 (Figura 27).
            O município de Góis possui uma vasta área territorial ocupando cerca de 263,3 km2 (com um perímetro de 111 km, e um comprimento máximo norte‒sul de 28 km e este‒oeste de 20 km), e caracteriza-se por um forte isolamento geográfico, distribuindo-se o seu território por cinco freguesias 2: Álvares, Cadafaz, Colmeal, Góis e Vila Nova do Ceira.
Situado na parte oriental do distrito de Coimbra, o concelho de Góis é atravessado pelo Vale do Rio Ceira e é delimitado, e separado, da Beira Interior pelas Serras da Lousã e Açor. Como confrontações, tem a norte o concelho de Arganil e Poiares, a nascente os de Arganil e Pampilhosa da Serra, a sul o de Pampilhosa da Serra e a poente os de Lousã, Castanheira de Pera e Pedrógão Grande.
Marcado por uma geografia própria muito acidentada e por uma dimensão essencialmente micro-regional e local o modo de organização do seu território assume uma forte componente rural e de montanha.
Cerca de 60 % da área total do concelho encontra-se incluída na Bacia Hidrográfica do Rio Ceira (afluente de 1ª ordem do Rio Mondego) e a restante parte pertence à Bacia Hidrográfica do Rio Zêzere (afluente de 1ª ordem do Rio Tejo).
O concelho de Góis está incluído numa das áreas de máximo risco no que se refere aos incêndios florestais (Moita, 2009). Este facto, resulta da simultaneidade e da intensidade com que nele ocorrem certos fatores favoráveis, especialmente os respeitantes ao clima, pedologia e coberto florestal existente. A área florestal afeta à exploração de eucaliptal tende a aumentar dada a rentabilidade que oferece aos proprietários da terra.
A sua vida social e económica cruza-se com a forma de implantação e desenvolvimento dos aglomerados tradicionais existentes apresentando o território formas de povoamento disperso, como atestam as cerca de 190 povoações3 existentes distribuídas pelas suas cinco freguesias (Figura 28).
Relativamente à distribuição da população por lugar no concelho de Góis (Anexo II) podemos atestar que, e apesar de na Figura 28 não estarem representadas todas as povoações que constituem Góis, logo numa primeira análise, se evidencia o carácter de povoamento disperso que caracteriza este município, salientando, também, dois núcleos (mais importantes) de concentração de população por lugar: em torno de Vila Nova do Ceira e de Góis. Esse facto é facilmente comprovado pela análise à distribuição da população por lugares com maior número de residentes. Assim, no grupo de lugares com população que varia entre 54 e 147 habitantes, contabilizamos um total de onze lugares: três na freguesia de Vila Nova do Ceira (Várzea Pequena, Inviando e Monteira); cinco na freguesia de Góis (São Martinho, Ponte do Sótão, Bordeiro, Vale de Moreiro e Samoura); uma na freguesia de Cadafaz (Cabreira, o lugar mais importante, a nível populacional, na freguesia Cadafaz); e duas na freguesia de Álvares (Álvares e Chã). Num segundo grupo, com população a variar entre 148 e 337 habitantes, destaque para Várzea Grande (o lugar mais importante, a nível populacional, na freguesia de Vila Nova do Ceira) e Cortes (o lugar mais importante, a nível populacional, na freguesia de Álvares). Por fim, com população entre 338 e 941 habitantes, destaque para um único lugar, Góis (o lugar mais importante, a nível populacional, na freguesia de Góis).
Importa salientar que na totalidade das cinco freguesias que compõe o concelho de Góis, apenas três delas correspondem aos lugares mais importantes das suas freguesias: Góis, Vila Nova do Ceira (lugar de Várzea Grande, onde é a sede de freguesia de Vila Nova do Ceira) e Colmeal. Por outro lado, nas freguesia de Cadafaz o lugar com maior quantitativo populacional é Cabreira enquanto que, na freguesia de Álvares, o lugar com maior importância no que concerne ao número de habitantes é Cortes.
A área urbana (área social em núcleo urbano) apresenta uma expansão lenta, encontrando-se circunscrita às sedes de freguesia, com exceção de Ponte de Sótão (na freguesia de Góis); Cortes (na freguesia de Álvares, em que as condições de edificabilidade são significativamente melhores que as da sede de freguesia); Cabreira, na freguesia de Cadafaz; e Várzea Pequena (na freguesia de Vila Nova do Ceira).
Esse facto é facilmente demonstrado pela análise à distribuição da população por lugares com maior número de alojamentos 4 (Figura 29) e de edifícios clássicos 5 (Figura 30). Assim, relativamente aos alojamentos (Anexo II) podemos constatar que há um total de onze lugares com um total de alojamentos que varia entre 62 e 152, um na freguesia de Vila Nova do Ceira (Várzea Pequena); três na freguesia de Góis (Bordeiro, Ponte do Sótão e São Martinho); dois na freguesia de Cadafaz (Cabreira e Cadafaz); dois na freguesia de Colmeal (Colmeal e Carvalhal do Sapo); e, por fim, três na freguesia de Álvares (Álvares, Roda Cimeira e Amioso do Senhor). Num segundo grupo, com um total de alojamentos a variar entre 153 e 341, destaque para duas freguesias: Vila Nova do Ceira, com um lugar (Várzea Grande); e Álvares, com dois lugares (Cortes e Chã). Por fim, com um quantitativo de alojamentos a variar entre 342 e 619, destaque para um único lugar, Góis, a freguesia sede de concelho.
Por outro lado, no que concerne aos edifícios clássicos (Anexo II) podemos facilmente constatar que há um total de vinte e sete lugares com um total de edifícios clássicos que varia entre 34 e 79 (onze na freguesia de Góis, oito na freguesia de Álvares, três na freguesia de Vila Nova do Ceira e Colmeal e, por fim, dois na freguesia de Cadafaz). Num segundo nível na hierarquia dos lugares, com um total de edifícios clássicos a variar entre 80 e 195, destaque para um total de onze lugares: quatro deles na freguesia de Álvares (Chã, Álvares, Roda Cimeira e Amioso do Senhor); dois em Góis (Bordeiro e São Martinho), Cadafaz (Cabreira e Cadafaz) e Colmeal (Colmeal e Carvalhal do Sapo) e, ainda, um em Vila Nova do Ceira (Várzea Pequena). Por fim, com um quantitativo edifícios clássicos a variar entre 196 e 443, destaque para os lugares de Várzea Grande (freguesia de Vila Nova do Ceira), Góis (freguesia de Góis) e Cortes (freguesia de Álvares).
A dinâmica de transformação dos aglomerados, para as funções residencial e comercial tende a ser mais significativa nas suas formas de expansão urbana do que nas vertentes de reabilitação/reutilização do património existente (edificado ou solo urbano).
Merecem destaque as características ambientais e de património edificado do concelho de Góis, e a sua relação de acessibilidade com Coimbra. O património edificado do concelho apresenta consideráveis adulterações, quer nos núcleos principais, quer em situações isoladas, associadas à introdução de novos materiais e influências de linguagens arquitetónicas mal assimiladas e fora de contexto. Encontram-se, ao longo do espaço concelhio, edifícios de traça e construção tradicionais, de pequena dimensão e que não estão afetos a qualquer uso (caso da Talisca, conjunto da Cabreira).
As características da paisagem, ditadas pelo acidentado do terreno, pela concentração do povoamento e a possibilidade de aproveitamento recreativo dos recursos hídricos, conjugada com a existência de pequenas edificações disponíveis, constituem atrativos (a juntar aos do património edificado) a aproveitar sob a forma de produto turístico.
Do ponto de vista de lazer e recreio podemos salientar dois aspetos principais que se ligam ao aproveitamento das áreas de caça que cobrem praticamente todo o concelho de Góis, que representa 10% da área do Pinhal Interior Norte, 1% da área da Região Centro e 0,3% da área total de Portugal.
Marcado por uma geografia própria bastante acidentada, o território está inserido na área serrana entre os rios Mondego e Zêzere (Figura 31) fazendo parte do complexo orográfico da Serra da Lousã (Maciço Antigo) (Figura 32), território no qual detém 17% da sua área total inserida em Rede Natura 2000, estando ainda presente no concelho de Góis materiais do Paleogénico (ECj – Formação de Côja), na área de Vila Nova do Ceira (correspondente às Bacias de Lousã‒Góis‒Arganil) (Figuras 33 e 34) correspondentes a cascalheiras, arcoses e arenitos; Neogénico (Grupo de Sacões, que corresponde a sedimentos heterométricos, conglomeráticos e pelíticos, depositados no sopé das Serras da Lousã e do Açor (Figura 35), nas proximidades de Sacões e em outras áreas da Freguesia de Vila Nova do Ceira; do Neoproterozóico (Grupo das Beiras: NCa – Formação de Caneiro e NBS – Formação de Boque – Serpins, ambas correspondentes a xistos e grauvaques, e que ocupam a maior parte do território do concelho de Góis); e, por fim, do Ordovícico quartzitos (OQA – Formação do Quartzito Armorciano (Arenigiano) (Figuras 36 e 37); OBF – Formação de Brejo Fundeiro (Oretaniano-Dobrotiviano-Caradociano Inferior) e OLO – Formação de Louredo, com grande representação na Senhora da Candosa (Vila Nova do Ceira) e nos Penedos de Góis).
Com altitudes que oscilam entre os 150 metros e os 1205 metros, na maior parte do território os declives são bastante acentuados (entre os 20 e 25%), correspondendo a solos com aptidão unicamente florestal. Os declives menos acentuados verificam-se no setor meridional (freguesia de Álvares) do concelho, e ao longo do vale do Ceira, de Vila Nova do Ceira até Góis, onde se atingem valores inferiores a 5%.
 No contexto municipal, em termos geológicos, geomorfológicos e paisagísticos destaca-se o afloramento quartzítico do Ordovícico, vulgarmente conhecidos por Penedos de Góis (Figura 38).
Situados a oeste do concelho de Góis, os Penedos de Góis, que atingem uma altitude máxima de 1043 metros, fazem parte da Cordilheira Central, marcando a transição entre a Serra da Lousã e as Serras do Açor. Como referem Alves e Cordeiro (2012:31), “a sua imponência marca, de forma bastante vincada, a paisagem do concelho de Góis bem como da região envolvente, quer pela rigidez da forma concedida pelo quartzito quer pelo contraste fornecido pela “suavidade” do relevo xistoso envolvente, em que estão inseridos”.
“No interior das Serras de Xisto afloram quartzitos, em manchas alongadas e estreitas, orientadas NW-SE (numa direção ortogonal à orientação geral das formas de relevo das Serras de Xisto, de NE-SW), de idade ordovícica (cerca de 480 milhões de anos) nomeadamente nos Penedos de Góis, num afloramento que se estende desde os Penedos de Fajão à Serra do Muradal e, ainda, em noutras pequenas manchas” (Lourenço; 1999:35).
Seguindo a proposta de Lourenço (1999:145), “os Penedos de Góis são delimitados, a Norte, pelo vale da ribeira da Ponte do Sótão, a qual explora a falha que soergue a crista. Sensivelmente a meio do afloramento, são, ainda, franqueados pela ribeira da Pena, a qual, para o efeito, aproveita o acidente que levanta a Serra do Penedo, a Sul”.
Após um estudo exaustivo à área dos Penedos de Góis (realizado por Alves e Cordeiro durante o ano de 2012), foi possível elaborar e apresentar um estudo técnico pormenorizado ao Município de Góis onde se patenteia, de forma clara e inequívoca, a importância e a necessidade de serem tomadas medidas que visem à preservação dos Penedos de Góis (Figura 39), pela sua singularidade em vários aspetos, propondo o referido relatório a sua classificação como Monumento Natural (ao abrigo do Decreto‒Lei nº. 142, de 24 de julho de 2008).
Um dos elementos que expressa essa singularidade e importância de valorização e de conservação do património natural que encerra os Penedos de Góis são as icnofáceis, que podem definir-se como um conjunto de pistas e marcas associadas num dado sedimento e suscetível de fornecer informação de cariz paleoambiental, as quais são classificadas de acordo com o icnofóssil mais frequente e característico. Dos vários tipos de icnofácies existentes foram identificadas dois tipos nos Penedos de Góis: Scolithus6 e Cruziana7(Figuras 40, 41 e 42), sendo a última aquela que apresenta maior representação na referida área.  

1  De acordo com o diagnóstico do Programa Nacional de Política de Ordenamento do Território (PNPOT), o Pinhal Interior, apesar da sua localização estratégica, apresenta diversas fragilidades estruturais, sendo as mais problemáticas o défice de capital humano e a inexistência de um sistema de mobilidade adequado ao desenvolvimento integrado da Região.
De facto, “trata-se de um dos espaços mais problemáticos do País em termos de perspetivas de desenvolvimento. Sem dimensão populacional, com uma base económica débil assente nos recursos florestais e sem estrutura urbana, as perspetivas são de continuação da perda de população e para a redução do seu contributo para a economia nacional. Os cenários analisados apontam para que em 2020 o Pinhal Interior possa representar bastante menos do que 1% do VAB nacional. As acessibilidades são decisivas no desencravamento e na articulação deste espaço, revelando-se como fundamentais os eixos rodoviários de atravessamento, sobretudo os que possam contribuir para a sua estruturação urbana” (PNPOT; 2007:100).

2 A este respeito importa referir que, com a Reforma Administrativa Local, para o concelho de Góis a Unidade Técnica para a Reorganização Administrativa do Território propôs a agregação entre as freguesias de Cadafaz e Colmeal, passando esta nova freguesia a denominar-se por União das Freguesias de Cadafaz e Colmeal. Este novo mapa, com apenas quatro freguesias, ainda não havia sido aprovado em março de 2013.

3 Apesar de o concelho de Góis contabilizar cerca de 190 povoações, nos dados referentes aos Censos 2011 apenas são consideradas, para fins estatísticos, 143 povoações. A representação da totalidade das cerca de 190 povoações viria a vincar ainda mais o caráter de povoamento disperso existente no concelho de Góis. 

4 Segundo o site do Instituto Nacional de Estatística, local corresponde a local distinto e independente que, pelo modo como foi construído, reconstruído, ampliado, transformado ou está a ser utilizado, se destina a habitação com a condição de não estar a ser utilizado totalmente para outros fins no momento de referência: por distinto entende-se que é cercado por paredes de tipo clássico ou de outro tipo, é coberto e permite que uma pessoa ou um grupo de pessoas possa dormir, preparar refeições ou abrigar-se das intempéries separado de outros membros da coletividade; por independente entende-se que os seus ocupantes não têm que atravessar outros alojamentos para entrar ou sair do alojamento onde habitam.

5 O site do Instituto Nacional de Estatística define edifício clássico como um edifício cuja estrutura e materiais empregues tem um caráter não precário e duração esperada de, pelo menos, 10 anos.

6  Produzida por organismos suspensívoros em fundos móveis, arenosos, de média a alta energia próprios de praia e da zona médio litoral ou de pequena profundidade, sujeitos a constante remobilização do sedimento. Têm uma forma retilínea e posição vertical.

7 Caraterístico de andar sublitoral até uma profundidade de 200m, onde a energia hidrodinâmica é baixa, conservando-se as marcas de superfície de traçado predominantemente horizontal.