O PROCESSO DE ENTRADA E PERMANÊNCIA DE ESTUDANTES COM DEFICIÊNCIA NAS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS DE ENSINO SUPERIOR EM MACAPÁ

O PROCESSO DE ENTRADA E PERMANÊNCIA DE ESTUDANTES COM DEFICIÊNCIA NAS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS DE ENSINO SUPERIOR EM MACAPÁ

Christian De Lima Cardoso
Tatiani Da Silva Cardoso
Yuri Yanic
Roberto Carlos Amanajas Pena
(CV)

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3. ALUNOS COM DEFICIÊNCIA NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAPÁ (UNIFAP)

No período da década de 70, quando o Amapá ainda era Território Federal, a Universidade Federal do Pará (UFPA) ofereceu cerca de 500 (quinhentas) vagas para a cidade de Macapá, através de sua Pró-Reitoria de Extensão, instalando-se assim, o Núcleo de Educação de Macapá (NEM/UFPA), situado na Rodovia Juscelino Kubitschek, km 02. Na década de 80, foram ofertados os cursos de Licenciatura Plena em diversas áreas. A concretização do Ensino de 3º grau, no Ex-Território, deu-se através de Convênio assinado entre o Governo do Território e a UFPA, que passou a fazer extensão universitária.
A criação da UNIFAP foi autorizada pelo Decreto n. 98.997, de 02 de março de 1990, publicado no diário oficial da União (DOU) n. 43, de 05.03.90, nos termos da Lei n. 7.530, de 29 de agosto de 1986, que autorizava o Poder Executivo a instituí-la. Neste mesmo ano teve seu Estatuto aprovado pela Portaria Ministerial 868/90, de 10.09.90, de acordo com o Parecer n. 649/90 - Central de Exames Supletivos (CESU), aprovado em 09.08.90 e publicado no Documento MRC n. 35. Seu funcionamento se deu em 1991, após a nomeação de uma Reitoria Pró-tempore e com a realização de exames vestibulares para os 09 (nove) cursos.
Somente depois de aproximadamente duas décadas de sua fundação foi instituído o Núcleo de Acessibilidade e Inclusão (NAI), no ano de 2008, através de concorrência ao edital SEESP-SESU-MEC/2008, que institui o Programa Incluir, programa de acessibilidade no Ensino Superior, por meio de liberação de verbas para a criação e estruturação de núcleos de acessibilidade nas IFES, sendo contemplada com valor de R$ 120.000,00, que foram utilizados na aquisição de recursos tecnológicos (impressoras Braille e computadores) e em adaptações físicas no campus (piso tátil, corrimões e banheiro adaptado).
De acordo com as informações repassadas pela coordenadora do núcleo, há atualmente 3 (três) acadêmicas com deficiência regularmente matriculadas: Maria Antônia da Silva, Kérsia Celimary Silvestre Ferreira e uma terceira que, pelo fato de não receber assessoramento do NAI, este não possui seus dados pessoais. Os tipos de deficiência e sua distribuição por cursos seguem na tabela abaixo:

Tabela 04: Tabela de deficiências da UNIFAP


CURSOS

DEFICIÊNCIAS

AUDITIVA

VISUAL

FÍSICA

TOTAL

Ciências Sociais

 

01

 

01

Enfermagem

01

 

 

01

Geografia

 

01

 

01

Fonte: Núcleo de Acessibilidade e Inclusão - NAI/UNIFAP

Ao se perguntar à coordenadora do NAI se existem verbas destinadas para atender especialmente aos alunos com deficiência, a mesma respondeu: “Não. As
verbas só existem quando concorremos a editais de fomento. Não existe uma política institucional com financiamentos próprios destinados a este fim.” Sendo, portanto, baseadas somente nestes financiamentos, as perspectivas de melhorias educacionais, e em formação continuada de professores, as mudanças educacionais.
Declarou também que inexiste na Instituição capacitação para o atendimento de alunos com deficiência. Já a Pró-Reitora de Graduação e Doutora Eliane Superti declarou que o NAI é mantido pela Instituição, apesar de ter recebido apoio do edital do MEC para sua implementação, afirmou também que questões orçamentárias são determinantes e dificuldades culturais que ainda persistem, para que a instituição atenda qualitativamente ao aluno com deficiência. Reiterou também que a equipe do núcleo tem feito trabalho junto aos professores para preparação de material de suporte às alunas e atendimento específico às necessidades das mesmas. Segundo a Pró-Reitora: “Vale ressaltar a luta da acadêmica Antônia que de forma obstinada pressionou a instituição para disponibilizar o atendimento das suas necessidades educacionais especiais”.
Os professores pesquisados não consideraram a instituição inclusiva, pois segundo a professora Helenilza Albuquerque: “Está havendo um esforço no sentido de algumas adaptações físicas quanto à locomoção de pessoas portadoras de necessidades especiais”. Afirmou também que o corpo docente não está preparado para receber pessoas com deficiência. “Falta uma preparação, por parte da Instituição, não só para o corpo docente como também para outros funcionários do quadro técnico-administrativo”, disse a professora.
Os 2 (dois) professores não têm informação com relação aos profissionais que atuam no assessoramento dos alunos com deficiência na instituição. Suas experiências com alunos com deficiência se deram de forma diferente, pois para o Professor Manoel Pinto:
Não foi fácil, pois fiquei sem saber como proceder em algumas situações, principalmente em termos de avaliação. Com o passar do tempo fui me acostumando um pouco mais. Mais uma coisa sempre tive certeza: o processo avaliativo teria que levar em consideração certos aspectos pedagógicos e bom senso.

Para a Professora Helenilza Albuquerque a experiência foi boa, pois a aluna contava com seus próprios recursos tecnológicos e a partir desses mecanismos conseguiu realizar suas atividades. Quanto a informações prévias acerca de alunos com deficiência, o professor constatou em sala que havia uma aluna especial, e a professora soube por uma professora de pedagogia. Declararam que a relação é de preocupação em saber se o aluno está aprendendo e que poderia ser melhor, pois os mesmos declararam que não receberam capacitação para trabalhar com alunos com deficiência, por este mesmo motivo e por não haver condições consideram que o desempenho destes poderia ser melhor. A professora concluiu com a seguinte afirmação: “As pessoas com necessidades especiais podem acompanhar um curso superior desde que sejam dadas mínimas condições para atender suas limitações”.
Ao se entrevistar a acadêmica Maria Antônia da Silva que possui baixa visão (amblíope) e cursou as séries iniciais no ensino regular, com auxílio da educação especial (com ajuda de sala de recursos), a mesma declarou que adentrou na Universidade em 2007, via vestibular, no curso de Geografia, mas devido a transtornos não cursou. Ficou um semestre, mas não fez nenhum trabalho. Trancou o segundo semestre e retornou na turma de 2008. Depois de questionar bastante na UNIFAP, em razão da inacessibilidade, inclusive recorrendo ao Ministério Público, conseguiu uma professora “emprestada” do Estado para lhe assessorar no ano de 2008, no curso de Geografia; no entanto, as dificuldades permaneceram, pois o curso de Geografia exige reconhecimento de mapas, e a Universidade não possui recursos adaptados para que um deficiente visual os identifique.
Em 2007, devido a não existência de tais recursos e mediante a suas constantes reclamações à Reitoria, à PROGRAD, em meios de comunicação e ao Ministério Público, foram-lhe apresentadas opções de cursos, dentre os quais, o de Pedagogia. Neste processo obteve apoio da professora Marinalva para efetuar a troca do curso de Geografia para Pedagogia, no qual retornou no ano de 2009. Vale ressaltar que neste processo não pôde creditar disciplinas, por isso teve que começar o novo curso desde o início e por conta disto, perdeu dois anos da trajetória acadêmica. Não tinha nenhum tipo de assistência, por isso estes anos em que teve de lutar para conseguir iniciar um curso foi de muitos transtornos, ainda assim, esforça-se e é participativa, mas reconheceu que o seu rendimento não tem sido o mesmo que de seus colegas. A aluna, não considera a UNIFAP uma instituição inclusiva, criticou a inaplicabilidade das leis e dos discursos inclusivos. Criticou a realidade prática dizendo:

[...] inclusão pra mim no papel ela é linda, maravilhosa, agora quando chega na realidade não é nada daquilo que as pessoas pregam lá no papel, que é uma coisa maravilhosa, na realidade é totalmente diferente. Sempre comento que eu acho um papo furado inclusão. As pessoas acham que inclusão é só pegar o aluno jogar lá na sala e deixar lá e não dar recurso nenhum, não dar condições para esse aluno. (Maria Antônia da Silva)

Afirmou que o NAI só surgiu por causa de suas constantes reclamações e que o núcleo ainda é precário para uma universidade inclusiva de qualidade. Em termos atitudinais, declarou que foi muito bem recebida pelos colegas das turmas de Geografia, no entanto, está enfrentando dificuldades na turma atual, de Pedagogia, pois, percebeu certa falta de perspectiva e maturidade por parte de colegas; declarou que dentre estes alguns não gostam de fazer trabalho com ela, pois a concebem como um empecilho, pelo fato de ela não conseguir ler o material; disse que só as pessoas mais maduras em relação à idade é que não se importam de formar grupo com ela. Declarou que os professores se importam e que se sente assistida por eles. Poucos são os que ainda não se adequaram a ela, afirmou que os professores atuais lhe tratam de forma normal e que estão sempre dispostos para lhe ajudar.
Em termos estruturais, reclamou da ausência de uma estrutura adequada, por exemplo, a falta de corrimão no corredor para garantir mais segurança para o deficiente físico caminhar sozinho de forma tranquila; um cadeirante não consegue entrar na maioria dos banheiros; em relação aos alunos com deficiência visual, considerou que seria mais importante, no momento, fazer uma sala adaptada para efetuar a leitura de forma mais independente, em vez de ser feito o piso tátil. Em sua opinião, havia coisas mais urgentes para serem feitas, apesar da importância daquele. Não existem recursos tecnológicos para lhe assessorarem, pois os computadores destinados para este fim não estão funcionando, assim como a sala.
Mencionou que já “brincaram” consigo dizendo que se finge de cega, porque não tropeça e anda tranquila. Fez uso de bengala, portanto tem a técnica do uso, mas depois que conseguiu controlar o glaucoma, parou de usar. Declarou que no curso atual alguns professores estão preparados para receber alunos com deficiência, pois é um curso em que estes professores já tiveram experiências com alunos deficientes, no entanto, em outros cursos, considera que os professores não estão preparados.
Ao ser perguntada se já sofreu discriminação dentro da Instituição, declarou: “com certeza...às vezes as pessoas não te dizem... assim na lata, não dizem logo, já fui discriminada na PROGRAD, com palavras pejorativas, brincadeiras de mau gosto”. Disse que, como vivia na PROGRAD, reclamando pela falta de condições para cursar, mentiam-lhe dizendo que a pessoa por quem procurava não se encontrava no momento, enquanto a própria Antônia ouvia a pessoa, por quem procurava, falando. Ao ser questionada se já pensou em desistir, respondeu que muitas vezes, pois, além da falta de recursos tecnológicos e estruturais, Antônia sofre com a falta de apoio da família, no entanto, acredita que concluirá o curso, mesmo com as muitas dificuldades.

3.1 Pesquisa etnográfica de caso individual realizada na UNIFAP

Kérsia Celimary Silvestre Ferreira tem 24 anos, é nordestina, solteira, trabalha como bolsista no Núcleo de Inclusão da UNIFAP e como massoterapeuta no Centro de Referência de Tratamentos Naturais (CRTN). Sua contribuição na renda familiar tem caráter auxiliar. Classifica-se como branca e faz Ciências Sociais na UNIFAP.
Mora na casa de seus pais, de quem recebe grande apoio, como por exemplo de transporte, pois é levada e trazida de carro; quando não, toma carona com colegas que a deixam em casa que fica próxima à UNIFAP. É aluna com deficiência visual. Cursou as séries iniciais no ensino regular, com um acompanhamento específico para algumas dificuldades como matemática, por exemplo. Adentrou à instituição via vestibular. Declarou que quando adentrou à Instituição, não era assessorada, mas com a criação do Núcleo de Acessibilidade e Inclusão (NAI), passou a receber seus materiais em dia. Quanto aos aspectos atitudinais, afirmou:

Para mim, falta o treinamento dos demais professores que muitas das vezes nem notam minha existência em sala e me tratam com descaso não são todos que agem assim, mas ainda assim, alguns possuem este comportamento[...] tive que entrar na universidade para que houvesse mudanças. (Kérsia Celimary Silvestre Ferreira)

Quanto aos aspectos estruturais, faltam placas em Braille em cada departamento para uma melhor orientação. Considerou ser de grande valia o piso tátil para a mobilidade. Faz uso de um programa de informática denominado Virtual Vision, o qual é seu. Acerca do corpo docente, afirmou que não está preparado, pois lhe faltam orientação e cursos apropriados para receber alunos com deficiência; em seu caso, afirmou que alguns professores ficam receosos e que o método de avaliação utilizado pelos professores é o mesmo para todos da turma; há professores que tentam se adequar, mas em sua opinião isto não é suficiente. Reclamou, ainda, que se sente prejudicada por falta de adaptações metodológicas, instrumentais e/ou curriculares em algumas disciplinas, como Estatística, por exemplo, em que o professor não tinha técnica em Soroban (ferramenta para cálculo utilizada pelos cegos). Consequentemente, teve de fazer somente a parte teórica, em detrimento de cálculos e gráficos.
Kérsia Celimary pretende concluir seu Curso e avançar para os outros níveis de estudo, mesmo enfrentando tantas dificuldades na graduação, pois declarou sofrer preconceito, por parte de colegas que nem sempre a querem nos grupos, e que às vezes a julgam antes de conhecê-la, subestimando sua capacidade pelo fato de ser diferente. Relatou um fato que não esquece, estava fazendo parte de um grupo, quando o professor pediu que alguém do grupo lesse o texto pra ela em voz alta, ninguém se disponibilizou a ler, e ficaram todos calados, lendo cada um para si, e ela, percebendo aquilo, se retirou da sala. Ela comentou com seu professor sobre o fato e o mesmo chamou atenção do grupo, dizendo que aquilo não deveria acontecer.
Hoje, ela faz trabalhos com pessoas de sua confiança. Este fato revela uma situação embaraçosa sofrida por Kérsia Ferreira, pelo professor e pela turma: Ela tem o direito de ser assessorada em sala de aula, o professor lançou sobre o grupo esta responsabilidade, o mesmo não a assumiu, e quem sofreu privação de direitos foi Kérsia Ferreira. Durante o período de observação do dia-dia da aluno Kérsia Ferreira, foi constatada a falta de material adaptado para que Kérsia Celimary fizesse suas leituras de forma independente, ocasionando possibilidades de se repetir o fato anteriormente mencionado.