O PROCESSO DE ENTRADA E PERMANÊNCIA DE ESTUDANTES COM DEFICIÊNCIA NAS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS DE ENSINO SUPERIOR EM MACAPÁ

O PROCESSO DE ENTRADA E PERMANÊNCIA DE ESTUDANTES COM DEFICIÊNCIA NAS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS DE ENSINO SUPERIOR EM MACAPÁ

Christian De Lima Cardoso
Tatiani Da Silva Cardoso
Yuri Yanic
Roberto Carlos Amanajas Pena
(CV)

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2 ALUNOS COM DEFICIÊNCIA NA EDUCAÇÃO SUPERIOR NA UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAPÁ (UEAP)

A UEAP foi criada através da Lei n. 0969, de 31 de março de 2006, que autoriza a sua criação, e Lei n. 0996, de 31 de maio de 2006, que a institui. É regida pelos instrumentos normativos: Estatuto, Projeto Político Pedagógico (PPP), Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), Regimento Geral e Projetos Pedagógicos de Cursos. criação da UEAP vem como alternativa necessária ao processo de formação de profissionais de Ensino Superior a partir do seu foco central, que é potencializar a biodiversidade encontrada no Estado, transformando-a em oportunidade de negócios; e gerar riqueza e renda, com o intuito de beneficiar as populações locais, mantendo níveis satisfatórios de conservação do meio ambiente.
A UEAP surge como um instrumento para a promoção do desenvolvimento científico e tecnológico que permite a geração e difusão de novos conhecimentos e tecnologias, visando à melhoria dos produtos naturais locais. A instituição desde sua criação tem se preocupado em oferecer vagas para alunos com deficiência, destinando 5% de vagas de cada curso a estas pessoas que concorrem entre si, oferece apoio aos alunos com deficiência através do Núcleo de Educação Inclusiva (NEI) que assessora os candidatos com deficiência nos eventos internos, vestibulares e nas salas de aula.
O NEI foi criado em 25 de junho de 2008, e até o momento em que foi realizada esta pesquisa de campo, somam-se no total 12 (doze) funcionários, 3 (três) professores da área de inclusão, 3 (três) técnicos na área de deficiência visual, 6 (seis) intérpretes de LIBRAS e duas bolsistas. Os acadêmicos com deficiência da instituição, até a presente pesquisa, somavam 17 (dezessete) estudantes, reunidos em 3 (três) categorias de deficiência: DA, DV e DF, como se observa na tabela abaixo:

Tabela 03: Tabela de deficiências da UEAP


CURSOS

DEFICIÊNCIAS

AUDITIVA

VISUAL

FÍSICA

TOTAL

Pedagogia

05

05

Letras

02

01

03

Filosofia

02

02

04

Engenharia Florestal

03

03

Design

02

02

Fonte: Núcleo de Educação Inclusiva - NEI/UEAP

Sabe-se que a UEAP tem muito que avançar em relação a acessibilidade, mas também deve-se reconhecer que a instituição está passando por um processo de melhorias, visto que a reitoria está acompanhando as mudanças ocorridas na legislação brasileira em referência à política de inclusão e tem se preocupado em pôr essas mudanças em prática, mas uma das grandes dificuldades enfrentadas pela Universidade se dá em decorrência da mesma não receber verbas federais para por seus projetos em prática. A instituição, portanto, mantém sua política de acessibilidade apenas com a verba que é repassada pelo Governo do Estado do Amapá, a qual tem que ser dividida com todos os departamentos que compõem a instituição, dificultando assim, a rapidez para sanar alguns problemas relacionados ao NEI.
Contudo, segundo relato dos funcionários lotados no NEI, a IES está em processo para adquirir mais uma impressora em Braille e no mês de setembro inaugurou a videoteca que facilitará a pesquisa dos acadêmicos DV, além da produção de material em Braille. Também está em vias de começar um projeto no intuito de fomentar a produção de material em áudio para a criação da biblioteca de áudios-livro.
Em relação ao corpo docente, o relacionamento do NEI com este é incipiente, mas segundo Rai Passos, funcionário do NEI, este, juntamente com a Pró-Reitoria de Graduação (PROGRAD), já está tomando medidas para que possa haver interação com os colegiados, não só com aqueles que já possuem alunos com deficiência, mais sim com todos, para que possam estar preparados para receberem um aluno nesta condição. Serão ofertados cursos de LIBRAS, Braille e palestras sobre a importância da educação inclusiva e as leis de acessibilidade para o corpo docente da instituição, visto que, uma parcela dos professores não foi preparada em suas graduações para saber lidar com aluno com deficiência. No entanto tem se verificado que ainda existe um distanciamento e falta de articulação entre o NEI e os demais setores da comunidade acadêmica. Isto ficou constatado com a ausência dos mesmos na cerimônia organizada pelo núcleo, onde se comemorava o seu 1º aniversário, ocasião em que se encontravam presentes apenas alguns acadêmicos, o pró-reitor e os funcionários do mesmo.
Com relação à interação dos deficientes com a turma onde se fez o acompanhamento de um acadêmico com deficiência física, observa-se que desde o início existe uma interação entre os mesmos, tanto por parte dos acadêmicos deficientes visuais, que não colocaram barreiras para desenvolver laços de amizade e interatividade, quanto da turma que se preocupa, que tem cuidado dos mesmos por conta de limitações como voltar para casa, deixá-los na parada de ônibus, levá-los para festa, mostrando uma consciência de que sabem que os deficientes podem desenvolver atividades além do que outras pessoas podem imaginar, como, por exemplo, dançar, jogar bola, apresentar teatro, dublagem, tocar instrumentos, trabalhar, ou seja, levando uma vida normal como qualquer pessoa, pois ter limitações não significa dizer não ter capacidade de desenvolver quaisquer atividades.
As principais conquistas de acessibilidade, presenciadas no decorrer da pesquisa, são méritos de uma conscientização de suas capacidades por parte dos acadêmicos deficientes, e por parte dos colegas que interagem de forma tal que a deficiência deixa sua característica de principal componente da identidade deles, sendo, portanto, mérito de certa maturidade em lidar com esta situação. Com isso, a interação destes acadêmicos ocorre sem tantas barreiras como a que ocorre entre eles e o demais quadro de pessoal da instituição.
No decorrer da pesquisa, dos 17 (dezessete) acadêmicos com deficiência, 7 (sete) foram entrevistados, e destes, 6 (seis) consideraram a UEAP uma instituição inclusiva e só um diz que em termos. Na opinião deste único aluno ainda há muito para se construir para que haja acessibilidade plena diante das diversidades de deficiências. Um dos fatores observados que levaram ou outros acadêmicos a estas opiniões é o assessoramento presente na sala de aula e a existência de recursos tecnológicos como impressora Braille, internet, material didático. Os dois cegos entrevistados avaliaram positivamente a instituição em termos estruturais. Ao serem perguntados sobre as dificuldades de acessibilidade e permanência na instituição, um deles respondeu: “Essas barreiras estão sendo vencidas, por isso não nos impedem, pois já obedecem o padrão da legislação de acessibilidade”. O outro afirmou: “Não sinto dificuldade, pois existe rampa, e os banheiros são adaptados”. Os quatro deficientes auditivos entrevistados declararam não ter dificuldades. Já o deficiente físico entrevistado enfatizou sua dificuldade para beber água nos bebedouros, devido incompatibilidade de altura.
Em termos de atitude, os dois cegos declararam ter um bom relacionamento interpessoal na instituição e fora dela, nas palavras de Graça Lopes, “quebrando este paradigma de que o deficiente visual é um pobrezinho que não é capaz de desenvolver atividades pedagógicas com os demais alunos”. A mesma se referindo à sua turma, disse: “Minha turma é muito legal. Os meus colegas são de uma maturidade espetacular, pois não medem esforços para me ajudar e até mesmo no relacionamento como amigos”. De forma semelhante Soneval Alfaia expressou sua opinião a respeito: “Com relação à turma, eles sempre estão presentes no trajeto do ônibus, não só a turma de filosofia, mas as outras também, saímos para nos divertir, beber um vinho, comer um churrasquinho, então existe uma boa interação”.
Os deficientes auditivos manifestaram opinião oposta a dos deficientes visuais. As barreiras comunicacionais foram apresentadas como as principais barreiras de atitudes, pois alguns professores ainda não sabem lidar com a presença dos intérpretes de LIBRAS em sala de aula. Segundo a declaração de Cleonice Rodrigues, alguns professores pensam que os intérpretes, no ato das traduções, fornecem respostas das avaliações e já Aricharles pontuou a falta de domínio da LIBRAS, por parte dos professores, tornando difícil a comunicação entre professor e aluno. Os demais surdos e o deficiente físico declararam não ter dificuldades neste sentido.
No entanto, houve uma aluna DA, estudante de pedagogia que, embora considere a instituição inclusiva, não considera o corpo docente preparado para receber alunos com deficiência, se sente prejudicada por falta de adaptações metodológicas, instrumentais e/ou curriculares, afirmou se sentir discriminada na instituição, pelo fato de ser surda, e que o método aplicado nas avaliações é o mesmo dos demais alunos. Já, uma acadêmica do curso de Filosofia, DV, que considerou a instituição inclusiva, afirmou que somente alguns professores estão habilitados para trabalhar com alunos com deficiência, sendo, portanto, necessário que a instituição disponibilize mais cursos específicos nesta área. Afirmou ter sido discriminada na instituição, ao utilizar os serviços bibliotecários, pois, segundo a mesma, o profissional que estava responsável pelo atendimento não estava preparado para atendê-la, visto que este desconhecia seu direito à prioridade no atendimento, garantido por lei; afirmou também ser prejudicada em relação às metodologias empregadas pelos professores, em sala de aula, pois segundo ela, nas aulas expositivas, alguns professores se esquecem de descrever o que está escrito no quadro ou nos slides. Declarou que percebe um tratamento especial por parte dos professores e que seu processo de avaliação é semelhante ao dos demais colegas, com a diferença que sua prova é transcrita para Braille.
Em relação aos métodos de avaliação, todos declararam que o processo é o mesmo em relação aos demais alunos, sendo que para os deficientes visuais, os textos são transcritos de tinta para Braille e vice-versa ou com ledor; já os surdos contam com o auxílio dos intérpretes que fazem a tradução do português para LIBRAS e vice-versa. Todos têm direito a uma hora a mais em relação aos alunos não deficientes.
Os 03 (três) professores entrevistados consideraram a UEAP uma instituição inclusiva e ser a primeira vez que trabalham com alunos com deficiência. Relataram ter uma interação de razoável a boa com estes alunos. Houve um professor que declarou ser um desafio, pois as graduações do ano 1990 não prepararam os professores para esta situação. O professor Gerson Schulz criticou a política inclusiva do MEC, pois para ele, este ‘jogou’ alunos com necessidades especiais para turmas ‘regulares’, seguindo tendências mundiais. Para ele, as políticas públicas não são claras para direcionar a questão. Ressaltou que o professor aparece como o culpado pelo fracasso de tais alunos, uma postura cômoda, mas antiética. Declarou que tanto professores quanto alunos ainda estão ‘perdidos’ pedagógico-didaticamente nas questões mencionadas. Afirmou conclusivamente: “verticalmente foi pensada essa inclusão e idealmente sem considerar a realidade educacional deficiente, em geral, no Brasil”.

2.1 Pesquisa etnográfica de caso individual realizada na UEAP

Elielson Miranda tem 30 anos, é macapaense, trabalha na FCRIA como Educador Social, dando aula para menores infratores. Identifica-se como negro e classifica sua necessidade como deficiência física. Mora com os avós e sua renda é auxiliar. Cursou as séries iniciais na Educação Especial durante cinco anos. Adentrou a Universidade Estadual via cotas. É acadêmico de Filosofia do 4º semestre. Mora em Santana, de onde vem de ônibus. Chega à parada de ônibus, onde pega uma carona de moto à universidade. Faz uso de um par de muletas apenas para auxiliá-lo na subida e descida dos ônibus e da moto etc. Quando chega à universidade, o mesmo entrega suas muletas a um vigilante que as guarda no balcão. Depois faz o percurso pelo corredor de joelhos. Pelo que parece não faz questão de usar cadeira de rodas. Apesar de a universidade possuir uma rampa de acesso, o aluno Elielson faz questão de subir pela escada, exercício que faz de joelhos.
Algumas vezes ele prefere ficar ao chão da sala de aula do que usar cadeira. Há alguns professores que pedem para que ele use cadeira, pois quando fica ao chão, espalha seu material neste, outros professores, ao contrário, não se importam com isso. Elielson Miranda é participativo nas aulas e interage sem obstáculos com os colegas e com os professores.
Sua locomoção se dá sempre de joelhos, mesmo quando vai ao banheiro. Quanto ao uso deste, também é relevante, pois como ele utiliza os joelhos para caminhar, sua calça permanece constantemente ao chão, e, como se sabe, os banheiros públicos, em sua maioria, não são tão higiênicos para que uma pessoa arraste sua calça pelo chão sem que a suje. Nos intervalos, fica sempre reunido com amigos e/ou colegas, na lanchonete ou nos corredores; quando vai à lanchonete, prefere assentar-se em cadeira, mas quando está pelos corredores, sempre fica de joelhos ou completamente assentado.
Observado ao utilizar o bebedouro, percebeu-se certa dificuldade e certo esforço por parte dele, pelo fato de os bebedouros terem uma altura um pouco mais elevada em relação à sua, na posição de joelhos. Os bebedouros seguem um padrão de altura em que este aluno deve fazer certo esforço para usá-los. Portanto, Elielson Miranda não bebe água à vontade e sim aos poucos por causa do esforço imposto pela padronização dos bebedouros. Em sua opinião, a rampa disponível é longa, e o corrimão da mesma foi feito em uma altura que atende aos não deficientes apenas e como anda de joelhos a altura do corrimão fica paralela à sua cabeça e sua proteção lateral é feita com finos cabos de aço, restando a Elielson Miranda descer sem apoio adequado.
O aluno Elielson Miranda participou de um debate a respeito das vagas destinadas a deficientes, que não foram ofertadas no edital do concurso da Polícia Militar do Estado do Amapá, em um programa de televisão local chamado “60 Minutos”, da emissora Bandeirantes. No momento da apresentação do debate, O aluno Elielson apresentou-se como membro da Associação dos Deficientes do Amapá, e se pronunciou em nome desta, dividindo o debate com o promotor público, Dr. Marcelo. Ao ser perguntado sobre quais atividades Elielson Miranda exerce na sociedade, ele respondeu ser servidor público concursado, atuando como Educador Social na Fundação da Criança e do Adolescente (FCRIA) e exerceu, no período de 2004 a 2007, a função de Conselheiro Tutelar do Município de Santana.
Nesta ocasião, levantou-se a seguinte hipótese: Se o estudante Elielson passasse em um concurso público, através do qual desempenhasse a função de escrivão em uma delegacia, e esta fosse invadida por criminosos, não se estaria expondo a vida de Elielson Miranda em risco? O Aluno Elielson contra-argumentou esta inferência afirmando que todos, em nossa sociedade, estão sujeitos a ser vítimas de violência, e não apenas a pessoa com deficiência. Com isso pode-se inferir que Elielson Miranda somente tem uma forma diferenciada de caminhar. Mas o faz, mesmo que pareça fazê-lo com dificuldade, para quem o observa. E circula pela sala de aula e dos demais espaços do campus sem tantas dificuldades, tendo um cotidiano cheio de atividades e uma vida acadêmica bastante ativa. Sua forma de caminhar, embora diferente da usual, não o impede de se locomover e aproveitar dos serviços dos ambientes em que frequenta. A rejeição ao uso de cadeira de rodas permite que Elielson Miranda tenha autonomia em sua locomoção, pois se fizesse uso desta, dependeria de alguém que o empurrasse, caso usasse cadeira de rodas comum.
Em relação ao tratamento dispensado pelos colegas a Elielson Miranda, observou-se certa maturidade. Sua turma se comporta de tal forma que Elielson dificilmente fica sem companhia, e mesmo quando não está com alguém de sua turma, o aluno Elielson fica em companhia de colegas de outras turmas e cursos. Não foi observada, em momento algum, alguma atitude preconceituosa em relação às suas diferenças. Ao ser perguntado se considera a instituição inclusiva, respondeu: “Em termos, pois os desafios são grandes com relação a diversidade de deficiências dos acadêmicos da UEAP e por esta razão temos muito a construir”. Observou-se também que tem boa interação com os professores; a respeito destes, foi perguntado se considera o corpo docente da instituição preparado para receber pessoas com deficiência, a que respondeu que sim, “pois buscam trabalhar de forma a articular o ensino levando em conta este acadêmico e sua necessidade, sem no entanto, tratar como coitados”. Afirmou também que suas atividades educacionais se dão de modo muito natural, pois como estudante, tem os mesmos deveres dos demais colegas.
Também considera que o tratamento dispensado às pessoas deficientes deve avançar, mas não se sente tão prejudicado em relação a adaptações metodológicas, instrumentais e/ou curriculares. Reclamou de falta de acessibilidade no percurso que
faz de sua casa à universidade, disse que nas cidades não há preocupação com as pessoas com deficiência a não ser de forma pontual e paliativa, por isto, em sua opinião, estas pessoas não têm acesso às instituições educacionais. Ao ser perguntado sobre como percebe a atitude do professor em relação a si, a considerou normal como com os demais. O aluno entrevistado Elilson Miranda pretende avançar para os outros níveis de estudo como pós-graduação, mestrado, doutorado e pós-doutorado.