DESENVOLVIMENTO EM ÁREAS DE MONTANHA

DESENVOLVIMENTO EM ÁREAS DE MONTANHA

Paulo Carvalho (CV)

2.1 Gondramaz (Miranda do Corvo)

A aldeia do Gondramaz (figura 1), localizada no setor noroeste da Serra da Lousã, a menos de quarenta quilómetros da cidade de Coimbra, reflete trajetórias de despovoamento, envelhecimento e desvitalização económica, social e demográfica, afinal características que marcam de forma vigorosa a grande maioria dos lugares de montanha em Portugal.
A inclusão deste lugar no mapa dos novos destinos do turismo e do lazer e a construção do seu imaginário turístico, desde o final dos anos 80, aparece relacionada com as potencialidades da paisagem cultural serrana, designadamente os traços da arquitetura rural vernacular, os campos de cultivo apoiados em muros de pedra solta e os resquícios da vegetação primitiva (em especial os carvalhos e os castanheiros). As estátuas de pedra, criadas pelo escultor autodidata Carlos Rodrigues, espalhadas pelo país e pelo mundo, são o símbolo/imagem de marca do Gondramaz (e, até ao momento, o único produto original da aldeia).
Como em outros lugares da Serra da Lousã é sobretudo a partir do século XVI que encontramos referências objetivas ao povoamento do Gondramaz, a partir de fontes como o “Numeramento de 1527/32” (que dá conta de dois “moradores” em Cadaval e Gondramaz) e os registos paroquiais (casamentos, óbitos e batismos), entre outras. A difusão de espécies alimentares provenientes do Novo Mundo, como o milho grosso, o feijão, a abóbora e mais tarde a batata, explicam a ocupação do interior serrano (mediante o arroteamento da floresta e a conquista de espaços destinados ao cultivo) e o crescimento da população.
A componente agro-silvo-pastoril que durante séculos alicerçou a economia dos povoados de montanha não conseguiu acompanhar o ritmo do crescimento demográfico e as necessidades alimentares da população. O desequilíbrio reflete-se nos fluxos migratórios, com início provável na segunda metade do século XIX. Nas décadas seguintes assumem novos destinos, quer internacionais (primeiro, o ciclo transoceânico, com o Brasil e Estados Unidos da América, e depois, em meados do século XX a Europa Ocidental), quer nacionais (sobretudo a área metropolitana de Lisboa). A saída crescente de população, sentida desde os lustros iniciais do século XX (em 1911, o Gondramaz regista o valor máximo de população, com 92 habitantes) atinge um ritmo vertiginoso e comprometedor (da possibilidade de crescimento ou regeneração da população) sobretudo a partir dos anos 60 (em 1960 foram contabilizados 56 residentes). Em 1991 a aldeia apresentava apenas 10 residentes, registo que se manteve quase inalterado em 2001 (exatamente 9 habitantes).
A “sangria” demográfica deixou marcas evidentes na estrutura da população, na estrutura edificada da aldeia e nas antigas componentes ativas da sua paisagem cultural. Atenuar e, eventualmente, contrariar o abandono e a (consequente) degradação da paisagem cultural serrana são desafios assumidos, pela primeira vez, no quadro de uma política específica para estes territórios.

2.1.1 O Plano de Aldeia: análise, diagnóstico e propostas de intervenção
O Plano de Aldeia do Gondramaz, elaborado por um Gabinete Técnico Local constituído (por iniciativa da Câmara Municipal de Miranda do Corvo) para essa finalidade, incluiu a realização de inquéritos que permitiram, entre outros objetivos, traçar os perfis socioeconómicos dos residentes, identificar as prioridades fundamentais para a requalificação da aldeia e delinear um plano de ação orientado segundo três vertentes fundamentais: recuperação de fachadas e coberturas, melhoria/execução de infraestruturas básicas e requalificação de espaços sociais.
A aldeia do Gondramaz, segundo os referidos inquéritos, apresenta-se como uma comunidade tipicamente rural e a totalidade da população gosta de morar na aldeia. No entanto, a maioria referiu que gostaria de ter na aldeia uma mercearia e apontou como principais carências o melhoramento da rede pública de abastecimento de água, os transportes públicos, o arranjo do pavimento e as instalações sanitárias públicas, junto ao lavadouro. Os principais espaços sociais da aldeia, como a capela, o lavadouro e o salão de baile, emergem como preocupações centrais nas respostas dos inquiridos.
O levantamento das características arquitetónicas e morfotipológicas da estrutura edificada comprovam que a maioria dos edifícios da aldeia é de valor arquitetónico popular/tradicional. Embora existam muitos edifícios em mau estado e em ruína, a sua maioria encontrava-se ainda em bom ou razoável estado de conservação, sendo que os principais perigos eram os de adulteração, alteração da envolvente e abandono. Ainda com base no Plano de Aldeia (2001), sabemos que 40% dos inquiridos considerava que o estado interior de conservação das suas casas era mau, tantos como os que achavam que era bom. Cerca de 80% da população manifestou intenção de conservar e melhorar a estrutura edificada. A grande maioria dos edifícios estava dotada de água canalizada, eletricidade e fossa séptica, sendo relativamente poucos os alojamentos com telefone.
Com base neste levantamento, foram elaboradas as intenções programáticas que compreendem uma proposta de requalificação que prevê uma nova rede de esgotos, água e luz, a criação de um parque de estacionamento à entrada da aldeia, a criação e limpeza de vários percursos pedonais, locais de lazer (parque de merendas), locais de apoio (incluindo a requalificação do salão de baile e instalações sanitárias públicas), a organização de eventos desportivos e de lazer (desportos radicais, passeios equestres, de jipe, de btt) e a criação de uma loja de artesanato, entre outras iniciativas.
As intervenções a realizar foram orçamentadas em 640.120,00 Euros. A gestão da AIBT do Pinhal Interior aprovou, no âmbito do PAX, cerca de 500.000,00 Euros (dos quais 452.000.00 estavam comprometidos no início de 2006), repartidos por dezassete intervenções em imóveis particulares, duas intervenções em imóveis públicos, três intervenções em espaços públicos e duas ações relacionadas com infraestruturas.

2.1.2 Os resultados das intervenções… segundo os proprietários
Como já se referiu, a metodologia adotada para avaliar os resultados das intervenções do PAX envolveu a realização de inquéritos por questionário aos proprietários de imóveis na aldeia. Uma vez que o número de residentes é pouco significativo e a utilização dos alojamentos no âmbito da residência secundária é irregular ao longo do ano, foi necessário enviar o inquérito diretamente para o endereço destes últimos proprietários, acompanhado de uma carta explicativa do âmbito e propósitos da investigação e de um envelope pré-franquiado (para o envio dos inquéritos).
O número total de inquéritos realizados, recebidos e validados (figura 2), perfazendo uma dezena e meia (repartidos do seguinte modo: quatro relativos à população residente; onze preenchidos pela população sazonal proprietária de imóveis na aldeia) corresponde a cerca de 40% do número de proprietários de imóveis1 na aldeia cujo domicílio foi possível identificar.
A totalidade da população que respondeu ao inquérito é de nacionalidade portuguesa e a maioria dos proprietários (53%) reside atualmente no concelho de Miranda do Corvo. Amadora, Porto de Mós, Coimbra, Matosinhos e Póvoa de Varzim são outros municípios representados na amostra, o que demonstra a importância da residência secundária nesta aldeia da Serra da Lousã.

Apenas um indivíduo que respondeu ao inquérito tem idade inferior a 30 anos, sendo que metade da população apresenta idade superior a 60 anos (figura 3). Deste modo, estamos em presença de uma população com características de envelhecimento, mais evidentes no caso dos residentes na aldeia.
No que diz respeito às habilitações académicas, as respostas dos inquiridos são reveladoras da heterogeneidade social e económica da amostra. A maior percentagem dos inquiridos (37%) possui apenas o ensino básico. O número de licenciados corresponde a 20% da amostra. Destaca-se, ainda, a ausência de mestres e doutorados.

De modo semelhante, as profissões são diversificadas, não havendo predominância de grupos específicos. Porém, nota-se uma relação próxima entre a tipologia dos proprietários, a idade e o estatuto sócio-profissional, de tal forma que a maioria da população reformada corresponde à população residente que, por sua vez, é a mais idosa e com níveis de instrução mais baixa.
Quanto à origem da propriedade, destaca-se a aquisição (em 66% das respostas); a herança foi assinalada em 20% dos casos (figura 5). Isto significa uma abertura da aldeia a novos proprietários e, como sabemos, a inserção de novos usos do edificado.
Em relação ao período de aquisição dos imóveis, as respostas indicam que os imóveis (com uma exceção) foram adquiridos até 1999, portanto, antes da requalificação da aldeia no âmbito do PAX. Por outro lado, a maioria dos proprietários refere que, nessa altura, os imóveis se encontravam em mau estado (36%) ou em ruína (35%) e apenas quatro imóveis (29%) estavam recuperados (figura 6).
Ainda de acordo com os inquiridos, o domicílio dos anteriores proprietários das casas corresponde a diversos municípios. Contudo, destaca-se o concelho de Miranda do Corvo, nomeadamente a freguesia de Vila Nova (que inclui o lugar do Gondramaz).
Após esta breve caracterização da amostra, apresentamos os resultados das questões relacionadas de forma direta com o PAX, designadamente a participação da população no âmbito do Plano de Aldeia e as suas opiniões/sugestões sobre a implementação do mesmo
Quanto à elaboração e execução do PAX (figura 7), a maioria da amostra teve conhecimento e foi inquirida no âmbito da realização do Plano da Aldeia, embora não tenha sida foi solicitada a sua opinião ou apoio no contexto da execução do referido Plano. A totalidade dos inquiridos afirma que as intervenções tiveram acompanhamento técnico. Porém, pouco mais de metade da população declara a intenção de passar mais tempo na aldeia com as intervenções realizadas.
No que concerne à avaliação das intervenções na aldeia do Gondramaz, a maioria dos inquiridos considerada boas as intervenções nos espaços públicos (incluindo arruamentos), assim como reconhece as intervenções nas estruturas edificadas particulares e as mudanças introduzidas nas redes de infraestruturas básicas. Portanto, a maioria da população inquirida classifica de “bom” o conjunto de todas as intervenções realizadas ou em curso (figura 8).
Por outro lado, podemos dizer que a maioria dos inquiridos apresentou projetos ao PAX, e destes quase todos tiveram resposta positiva (receberam apoio), nomeadamente para a recuperação de fachadas e coberturas. Contudo, a maior parte não vai realizar obras interiores para melhorar ou permitir a utilização da sua casa.
Como aspetos mais positivos, relacionados com o PAX, os inquiridos realçam a uniformização das fachadas das casas, as redes de infraestruturas básicas, o crescimento do movimento na aldeia, a maior divulgação e atração de pessoas ao local, e melhores condições de vida na aldeia.
Como aspetos mais negativos, no âmbito do PAX, os inquiridos destacam o problema do lavadouro (mal dimensionado), o aumento do número de turistas e visitantes que pode constituir uma perturbação da vivência na aldeia (na perspetiva dos proprietários de residência secundária), o atraso, o custo e a burocracia das obras, e a falta de zeladores para a aldeia (uma vez que a população residente é muito idosa).
As sugestões feitas pela população inquirida prendem-se essencialmente com o enterramento dos cabos elétricos e dos elementos exteriores relacionados com a captação do sinal televisivo, o reforço do abastecimento de água no verão, o corte da vegetação exótica em torno da aldeia, a canalização das águas pluviais, a recuperação e limpeza de antigos caminhos pedonais e a criação de mais espaços públicos na aldeia (como um café ou um restaurante).
Podemos concluir então que, em geral, as obras efetuadas na aldeia foram bastante positivas e contribuíram para uma melhoria da qualidade de vida dos residentes e dos visitantes.


1 O Plano de Aldeia identifica cerca de 48 imóveis urbanos. No entanto, pelo menos três edifícios estão em ruína e outros quatro correspondem a imóveis públicos, como a capela, o salão de baile, o lavadouro e o bar. Além disso, acresce o facto de que não tivemos acesso ao endereço de todos os proprietários.