DESSACRALIZAÇÃO DO SAGRADO CRISTÃO EM FRIEDRICH NIETZSCHE E RUDOLF OTTO

DESSACRALIZAÇÃO DO SAGRADO CRISTÃO EM FRIEDRICH NIETZSCHE E RUDOLF OTTO

Graça Auxiliadora Nobre Lopes (CV)
Ione Vilhena Cabral (CV)
Tatiani da Silva Cardoso (CV)
Roberto Carlos Amanajás Pena (CV)

3.8. A faculdade de divinação

Rudolf Otto considerou a divinação como sendo a capacidade de conhecer genuinamente a manifestação do sagrado. Neste sentido, ele começa explicando esta definição a partir da teoria supranaturalista que identifica como divinação o processo que não pode ser explicado de forma “natural”, ou seja, de acordo com as leis da natureza.
Mais adiante ele enfatiza a idéia abordada por Schleiermacher, cuja, capacidade humana parte da contemplação meditativa diante da vida como um todo e da realidade. Para Schleiermacher, o homem consegue experimentar visões, sensações, de uma espécie de espírito “livre”, somente quando ele abre e entrega sua psique as impressões do “universo”. Assim, este excedente não pode ser apreendido pela cognição teórica do mundo, tal como ocorre com a ciência, mas pode se tornar acessível e vivenciado de forma real pela intuição.

“Uma camada mais ou menos superficial do inconsciente é indubitavelmente pessoal. Nós a denominamos inconsciente pessoal. Este, porém repousa sobre uma camada mais profunda, que já não tem sua origem em experiências ou aquisições pessoais, sendo inata. Esta camada mais profunda é o que chamamos inconsciente coletivo. Eu optei pelo termo "coletivo" pelo fato de o inconsciente não ser de natureza individual, mas universal; isto é, contrariamente à psique pessoal ele possui conteúdos e modos de comportamento, os quais são 'cum grano salis' os mesmos em toda parte e em todos os indivíduos. Em outras palavras, são idênticos em todos os seres humanos, constituindo, portanto, um substrato psíquico comum de natureza psíquica supra-pessoal que existe em cada indivíduo”. (JUNG, 2000, p. 15)

Para compreender esse fenômeno recorreu-se as concepções do autor Carl Gustav Jung, que também trabalhou a ideia das sensações e visões apreendidas pela psique. Será de extrema importância entender sua visão a respeito do inconsciente o qual aborda tal aspecto como sendo um arquétipo. Arquétipos são formas sutis primordiais que aparecem à medida que o mundo se manifesta a partir do Espírito informe e não - manifesto. Eles são os padrões sobre os quais todos os outros padrões de manifestação se baseiam.

“A alma ou espírito dos falecidos é o mesmo que a atividade psíquica dos vivos; é sua continuação. A idéia de que a psique é um espírito está implícita nisso. Quando algo de psíquico ocorre no indivíduo e este sente que o fenômeno lhe pertence, trata-se de seu próprio espírito. No entanto, se algo de psíquico lhe ocorre como algo estranho, trata-se de um outro espírito que talvez possa causar-lhe uma possessão. No primeiro caso, o espírito corresponde à atitude subjetiva, no último, à opinião pública, ao espírito da época ou à disposição originária ainda não humana, antropòide, que também chamamos inconsciente”. (Idem, 2000, p. 207)

Diante disso Otto vai observar o conceito que Goethe trás a respeito dessa divinação, segundo ele este conceito representava papel fundamental na vida de Goethe que por sua vez a entendia como sendo o demoníaco. Este ser se situa acima de qualquer “conceito” formulado pela mente humana, estando acima de qualquer entendimento ou razão, logo, ele é inexprimível e inconcebível. Assim, o “demoníaco é aquilo que não pode ser destrinçado por razão e entendimento”. (Otto, 2007, p: 186)
Deste modo, compreende-se assim, que o homem apresenta uma predisposição em sua psique para as manifestações do sagrado e que não existe de fato um conceito que a classifique ou a denomine, pois ela lida com aspectos que ultrapassam a racionalização humana. Neste sentido, Otto faz uma observação partindo de todos os outros conceitos analisados de outros autores e conclui que todos eles se encaixam dentro do aspecto numinoso abordado por ele.

“Assim, pois, se formos tocados por uma grande idéia de fora, devemos compreender que ela só nos toca porque há algo em nós que lhe corresponde e vai ao seu encontro. Possuir disponibilidade anímica significa riqueza: não o acúmulo de coisas conquistadas. Só nos apropriamos verdadeiramente de tudo o que vem de fora para dentro, como também tudo o que emerge de dentro, se formos capazes de uma amplitude interna correspondente à grandeza do conteúdo que vem de fora ou de dentro. A verdadeira ampliação da personalidade é a conscientização de um alargamento que emana de fontes internas. Sem amplitude anímica jamais será possível referir-se à magnitude do objeto. Por isso diz-se com razão que o homem cresce com a grandeza de sua tarefa. Mas ele deve ter dentro de si a capacidade de crescer, se não nem a mais árdua tarefa servir-lhe-á de alguma coisa. No máximo, ela o destruirá”. (JUNG, 2000, p. 126)

Mas, ele ainda enfatiza que esta divinação trabalhada por Goethe não passa de uma divinação pagã, pois esta se movimenta apenas no estagio preliminar (demoníaco) e não no patamar do divino e do sagrado. Para Otto, Goethe, não soube elevar suas vivencias desse aspecto ao nível mais alto que é o da divinação. Assim, ele se enquadra dentro da perspectiva trabalhada por Schleiermacher, ou seja, das “visões e sensações”, não alcançando o divino.
Otto entende que o demoníaco de Goethe e as impressões do universo (visões e sensações) de Schleiermacher, acabam convergindo para os quatro aspectos (o totalmente irracional, não-suscetível de ser abrangido pelo conceito, o misterioso e fascinans, o tremendum e o energicum) tão bem elaborados e trabalhados por ele em sua obra. Assim, em qualquer situação que o ser humano se encontre, este sempre vai se deparar com a possibilidade do Ser Tremendum, independente do conceito que seja atribuído a ele.         
Os conceitos racionais não podem ser desprezados no processo de conceituação do sagrado, porém este não é o único viés para se chegar ao entendimento do mesmo, pois o que se observou na análise da Obra de Otto é que a experiência que o homem tem com o numinoso, aspecto do sagrado, pode ou não ser descrita, e ainda que o homem consiga descrevê-la, jamais poderá levar ao esgotamento a compreensão dos aspectos que compõem o sagrado.