DESSACRALIZAÇÃO DO SAGRADO CRISTÃO EM FRIEDRICH NIETZSCHE E RUDOLF OTTO

DESSACRALIZAÇÃO DO SAGRADO CRISTÃO EM FRIEDRICH NIETZSCHE E RUDOLF OTTO

Graça Auxiliadora Nobre Lopes (CV)
Ione Vilhena Cabral (CV)
Tatiani da Silva Cardoso (CV)
Roberto Carlos Amanajás Pena (CV)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise central feita neste trabalho de conclusão de curso foi abordar a respeito da consciência que o ser humano tem sobre o sagrado cristão. Assim, por se tratar de uma abordagem filosófica os autores que mereceram destaque foram Friedrich Nietzsche e Rudolf Otto, pois ambos se esforçaram em buscar uma explicação racional para a idéia da consciência sagrada.
Desse modo, constatou-se que durante toda a história da humanidade o homem revelou um deus para explicar eventos inexplicáveis, implementando assim, característica superior ao elemento natural, determinando a este o status de divino. A medida que o homem começa a desenvolver habilidades como desenhar, falar, empilhar pedras, esculpir, passa a desenvolver a percepção do sagrado através de formas, surge as representações da força superior que outrora o homem apenas sentia.
Com isto, inferimos que necessidade humana de atribuir valor às coisas, por mais que se apresente como uma lógica absurda ao senso comum, condiz com a tensão existencial da vida assumida pela humanidade até nossos dias, pois para esta não havia um projeto original humano, mas um ciclo de atos idealizados pelos deuses ou força criadora, como atribuição divina, ou seja, um modelo pré-concebido do mundo extraterreno trazido para o plano terreno.
Este processo cíclico pelo qual se dá a criação, representa o ritual para transformação do caos em cosmo, e se dá como revelação divina para estabelecer a ordem cósmica do mundo. Assim, quando concebida como fundamento divino da sua existência, tem-se uma concepção de mundo, onde esta realidade são manifestações de uma força, creditada em eficiência e duração.
Assim, o homem acredita fazer parte de um cosmos, onde vive em um mundo que constitui um modelo estrutural (arquétipo), dado pelos deuses. Ele participa do elemento divino, que é o espírito, por isso esquematizou sua cidade, templo e casa para assegurar comunicação entre o céu e os deuses. A sacralidade  não explicita pretensão de tornar as coisas compreensíveis ou imcomprensíveis. Esta sacralidade perpassa, por assim dizer, pelas concepções de mundo, uma correlação das diferentes mundividências deste arquétipo. A revelação dada ao homem na organização da sua cidade, no estilo de vida ou na ordem dos assuntos do governo, o modelo da construção de locais escolhidos pelos deuses, personificam uma forma para mostrar-se ao homem como sobrenatural e transcendental.
É importante frisar as demais expressões espirituais que o homem associa, como veio de existência, à necessidade do simbólico, do transcender, da continuidade da vida. O indivíduo é impelido pelo desconhecido a atribuir significação a este, como forma de proporcionar a si contentamento e repouso; desta forma o homem reconhece o que seja o sagrado para que este seja validado no meio social. Na concepção de sacro, o homem concebe um valor cosmogônico que será cultivado por cada povo, em seu contexto cultural, com isto evidenciando a pluralidade da consciência humana.
Desta feita, Nietzsche tece sua crítica aos valores cristãos em O anticristo, afirmando que o homem é o fim. Nesta preposição, Nietzsche faz alusão à destituição ou substituição do “Deus cristão” como ser supremo, acima do homem, que seria a razão da existência humana. Discordando da concepção de Tomás de Aquino, que havia instituído que o homem dirigisse suas intenções e ações para um fim: Deus; afirmando que o fim para qual se dirigem as ações humanas poderia ser analisado através da razão, o que Nietzsche vai contrapor colocando o homem no lugar de Deus, ou seja, o homem é o próprio fim.
Detectamos que, tanto Nietzsche como Rudolf Otto, expõem que quando a consciência reconhece a pessoa da divindade como superior, automaticamente aniquila a sua própria existência, ou seja, ela deixa de existir para dar lugar a entidade transcendental. Esse aniquilamento (nulidade do ser) é interpretado como o homem decadente que não é capaz de ceder aos seus instintos internos.
Constatamos que Otto é claro no que tange a “ira de Deus”, esse aspecto é típico do psiquismo humano, uma característica humana. Logo, Deus não passaria de abstração da mente do homem. Detectamos que Nietzsche também aborda, em Assim Falava Zaratustra, acerca da ira de Deus, quando argumenta que se alguém te ofende, por que não deves tu revidar no mesmo nível a ofensa, pois, se o próprio Deus é digno de ira, como pode o homem não ser? Neste viés, Nietzsche expõe críticas à exigência que se faz ao indivíduo para manter a santidade, uma vez que o próprio Deus não poderia manter esta de maneira eterna, quando este se ira com os indivíduos.   
A consciência humana vive em uma incessante busca para superar sua própria existência enquanto Ser, não se conformando com a não continuidade da vida, criou a vida eterna como prolongamento de sua existência. Neste sentido, Nietzsche, afirma que, se deve perder qualquer ilusão sobre a necessidade de se estabelecer verdades definitivas sobre as coisas, não há um mundo de verdades eternas. E com isto, entende-se que a tarefa de Nietzsche era desmistificar as interpretações impostas pela religião, esclarecendo que o pensamento cristão não é a fundamentação do mundo, nem o sentido que explica a existência humana, mas apenas uma perspectiva entre outras, que deve ou não ser aceita pelo homem. E que por mais que esta seja aceitável pela maioria dos homens, ainda assim, esta deve ser analisada.
Otto trabalhou com a interconexão entre racional e irracional para justificar a manifestação do sagrado. Explicando sua teoria a partir da interpretação que o sagrado ou o divino só se revela para as pessoas com predisposição para receber a revelação do mesmo. Assim, Otto expressa o sagrado com um elemento irracional que vive apenas nas relações religiosas, afirmando com isto que, um dos grandes equívocos que as religiões cometeram ao longo do tempo foi tentar explicar a essência do sagrado através das concepções racionais, sustentando sua base nas relações morais e éticas.
Constata-se assim, que os elementos citados como componentes essenciais do sagrado são identificados e esclarecidos como forma de explicar a importância de se compreender a finalidade do sagrado como elemento primeiro do campo religioso, o que desfaz a ideia cristã de que o sagrado é um elemento secundário à luz da religião, quando, o que se observa é o oposto: a religião sim, que é um elemento secundário à luz da experiência sagrada ou da experiência com o sagrado.     
Porém, por quais motivos houve esta inversão na ordem dos fatos? Esta inversão reflete a atuação do racional humano, que privilegiará a consciência, diante da dificuldade de lhe dar com o indizível, o inexprimível, ou seja, o homem vai ter como origem de sua experiência religiosa a intervenção de sua racionalidade, quando, na verdade, esta é uma nova fase, que sucede da experiência com o sagrado. O racional, como já se observou, constitui a domesticação do numinoso, o sagrado (divino/numinoso) substituído pela compreensão do sagrado (moral/ética). E o irracional, experiência religiosa do indivíduo, através da experimentação do numinoso como algo fascinante, é algo integrado à vida humana.