DESSACRALIZAÇÃO DO SAGRADO CRISTÃO EM FRIEDRICH NIETZSCHE E RUDOLF OTTO

DESSACRALIZAÇÃO DO SAGRADO CRISTÃO EM FRIEDRICH NIETZSCHE E RUDOLF OTTO

Graça Auxiliadora Nobre Lopes (CV)
Ione Vilhena Cabral (CV)
Tatiani da Silva Cardoso (CV)
Roberto Carlos Amanajás Pena (CV)

2.2  O Anticristo e a superação do cristianismo

Nietzsche apresenta Jesus de Nazaré como um judeu atípico pois, segundo o mesmo, Jesus transmutou os valores da  moral judaica de sua época. As concepões do Nazareno representou para a Judéia um movimento inovador de grande competência. Aquele combateu preceitos tais como: dirigir a fala a prostitutas e a guarda dos sábados. Identificou-se como o Messias e manifestou ato do perdão. Em relação a esta atitude de perdoar os pecados do povo, Nietzsche interpretou-a como um erro expressado por Jesus, é um erro o homem se sentir sem pecados. (Nietzsche, 2008)
Nietzsche também expressa em sua filosofia o comportamento  de Jesus perante a moral judaica,  combatendo seus costumes, e suas leis religiosas. Neste sentido, Nietzsche critica os cristãos, considerando-os covardes, pois estes não combatem com o mesmo fervor como fez o Nazareno diante dos costumes de sua época; estes se conformam com as regras estabelecidas. É desta feita que Nietzsche afirma que Jesus foi o único cristão. 

“Esse santo anarquista que incitava o povo mais baixo, os réprobos e “pecadores”, os párias do judaísmo, à resistência contra a ordem estabelecida - com uma linguagem que ainda hoje o conduziria à Sibéria, por acreditar nos Evangelhos -, esse santo anarquista era um criminoso político, pelo menos tanto quanto era possível um criminoso político numa comunidade absurdamente apolítica. Isto levou-o à cruz, prova-o a inscrição que sobre ela existia. Morreu pelos seus pecados - não há razão para se pretender, apesar de o ter sido feito tantas vezes, que morreu pelos pecados dos outros”. (NIETZSCHE, 2008, p. 62)

 

Para Nietzsche, a ordem moral cristã está entrelaçada de falácias, baseada em imposição de valores fundamentados pelos sacerdotes cristãos. Estes determinam seu estilo de vida e dos outros justificando que este modelo é designado pela vontade de Deus. Assim, seguindo esta análise, a vontade de Deus estaria conectada com a interpretação dada ou apresentada pelos representantes cristãos. O que o homem deve ou não fazer, a providência e o destino de um povo ou de um indivíduo não estaria somente sobre o controle de Deus, mas é direcionada a partir da justificativa apresentada pelos sacerdotes cristãos. Para tanto, Nietzsche cita como exemplo a relação do povo de Israel com deus Javé, que punia ou recompensava seu povo de acordo com o grau de desobediência ou obediência manifestada pelo mesmo.
 A ilusão de mundo, construída a partir das concepções do cristianismo, não pode ser interpretada como verdade definitiva, segundo Nietzsche.  É necessário desmistificar os fundamentos da cristandade desenvolvidos pelos sacerdotes cristãos, pois estes definiram e interpretaram o conceito de felicidade como um sinal de recompensa divina; a infelicidade seria a conseqüência da contaminação do homem pelo pecado, e a desgraça como punição divina. O conceito de causa natural é aniquilado pela doutrina cristã.

“No cristianismo, nem a moral nem a religião estão em contato com a realidade. Somente encontramos nele causas imaginárias (“Deus”, “alma”, “eu”, “espírito”, o “livre-arbítrio” ou também o “não-livre”); efeitos imaginários (“pecados’, “salvação”, “graça”, “castigo”, “remissão dos pecados”); um comércio entre seres imaginários (“Deus”, “espírito”, “alma”); uma ciência natural imaginária (antropocentrismo, ausência do conceito de causa natural); uma psicologia imaginaria (só erros sobre si próprios, interpretações de sentimentos gerais agradáveis, por exemplo, dos estados do nervus sympathicus, com o auxílio da linguagem figurada da idiossincrasia religioso-moral – “arrependimento”, “remorso”, “tentação do demônio”, “presença de Deus”); uma teologia imaginária (“o reino de Deus”, “o juízo final”, a vida eterna”) (Idem, 2008, p. 48)

As acusações de Nietzsche ao cristianismo também foram apresentadas como a lei contra o cristianismo em que no primeiro artigo versará que é vício qualquer espécie de antinatureza, isto quer dizer que o sacerdote cristão que ensina antinatureza é vicioso. Analogamente o sacerdote representa o apascentador do rebanho, responsável pela inculcação dos preceitos da cristandade. O sexto artigo diz que a história santa será chamada pelo nome merecido de história maldita e que as palavras Deus, salvador, redentor e santo serão usadas como insultos, como alcunhas para criminosos. A forte crítica de Nietzsche contra a cristandade é patente, pois atacou os símbolos da realidade absoluta, inferidos como divinos. Seus artigos na defesa da manifestação da vida livre, embora confronte com o livro sagrado, faz uma analogia a ele. A realidade dos sentidos do homem para o paraíso terrestre com promessas do porvir ou a esperança de regeneração não existe, simplesmente é a imanência do devir.

“O cristianismo é conhecido como a religião da piedade, porém, é deprimente, pois enfraquece as paixões revigorantes que aumentam a sensação de viver. O homem perde o poder quando é contagiado pelo sentimento de piedade, e esta dissemina todo sofrimento. Às vezes, ela pode conduzir a um total sacrifício da vida e da energia vital — uma perda totalmente desproporcional diante da magnitude da causa (o exemplo da morte do Nazareno). A piedade opõe-se completamente à lei da evolução, lei da seleção natural. Ela luta ao lado dos condenados pela vida. A humanidade aprendeu a chamar a piedade de virtude, quando em todo o sistema moral superior ela é considerada como uma fraqueza”. (Ibdem, 2008, p. 41)

É possível verificar nas obras citadas de Nietzsche que, ele busca incansavelmente romper com a fé e a moral cristã.  A característica marcante de sua filosofia ainda se volta para a idéia de super-homem, ou seja, a consciência humana e não de Deus. Nietzsche tenta elucidar que, a imaginação e as fantasias criadas neste mundo não passam de criações humanas, ou seja, fazem parte da psique humana e não de entidade sobrenatural.

“Nietzsche dez de Zaratustra o destruidor da velha moral. O profeta Zaratustra (ou Zoroastro) outrora fundou uma religião na qual a moralidade era fenômeno metafísico e fim em si mesmo. Ressuscitou este profeta com o fim de faze-lo corrigir o erro de outrora em nome da terra, do corpo e do super-homem...Do ponto vista religioso, sua atitude fundamental é niilista a tudo que se refere ao espiritual, em sua negação de Deus e todos os valores morais. Apresenta-se como ateu convicto e a partir desta posição que tenta resolver todos os problemas da vida”.  (ZILLES, 2009 )

Essa entidade criada nada mais é que uma das manifestações da fuga humana de seus desejos e instintos selvagens, próprios da natureza humana e que o homem tenta de todas as formas reprimir. Daí sua crítica feroz à figura de Jesus e ao cristianismo, pois o próprio Nazareno foi capaz de romper com os valores morais e leis de sua época, impondo novos costumes à humanidade; Nietzsche também denuncia que estes valores, na sua realidade vigente, estão desatualizados e obsoletos e que a consciência a respeito do sagrado cristão deve ser substituída pela racionalização humana, ou seja, pela consciência que o super-homem traz em si.   

“O cristianismo se posiciona também contra êxito intelectual – somente uma razão doentia pode lhe servir de razão cristã; toma partido de tudo que é idiota, lança seu anátema contra o “espírito”, contra a soberba do espírito sadio. Uma vez que a doença faz parte da essência do cristianismo, segue-se igualmente que o estado tipicamente cristão, a “fé”, seja uma forma de doença, é necessário que todos os caminhos retos, legítimos e científicos para o conhecimento sejam banidos pela igreja como caminhos proibidos”. (NIETZSCHE pg. 52) 

Nietzsche assim fundamenta que é necessário primeiramente destruir os valores tradicionais para que se construam novos valores. Isto seria possível através da transmutação dos valores, assim, desapareceria a agonia e todo sentimento de inferioridade do homem. Mas aqueles que não conseguissem romper com os princípios cristãos continuariam, segundo Nietzsche, como fracos, inventando sentido para a dor, sustentando a ideia de Deus para manter uma existência humana sofrida. A superação emerge da completa destruição psicológica dos valores cristãos. Com isto, o homem, por sua vez, superaria as aflições de sua existência.