Nizamar Aparecida de Oliveira (CV) y Luiz Octávio de Lima Camargo (CV)
INTRODUÇÃO
                Um viajante brasileiro  encontra-se nos Estados Unidos e liga para a central de atendimento do seguro  viagem contratado informando que sentia fortes dores no peito. Em poucos  minutos de atendimento, ele se calou, não respondia mais. A atendente solicitou  a ajuda de sua coordenadora e ambas chamavam pelo nome dele, sem resposta. De  imediato, ligaram para a recepção do hotel, solicitando ao funcionário que  fosse até o quarto do hóspede. O rapaz foi enfático ao afirmar que não poderia,  fazendo-o apenas depois muita insistência, encontrando o hóspede já morto. 
                Este caso, real,  que, aliás, ilustrou recente artigo (OLIVEIRA e CAMARGO, 2011) sobre riscos em  meios de hospedagem, pouco importa aqui nos seus detalhes e sim na sua análise  à luz das ciências da hospitalidade. Em primeiro lugar, ilustra exemplarmente a  noção de hospitalidade encenada, protocolar, dita profissional. É natural que o  hotel faça o maior esforço possível para oferecer o melhor atendimento ao seu  hóspede, porém dentro de certo protocolo em que a intimidade passa distante. 
                Em segundo  lugar, é um problema de hospitalidade urbana, e mostra como a insegurança e o  sentimento da insegurança aumentam à medida e na medida em que o indivíduo  afasta-se de sua casa e do seu círculo mais íntimo, sabendo que os riscos estão  por toda parte.
                Viajar é um  risco. Isso é um truísmo, mas o tema ainda é superficialmente abordado. Daí a  importância do estudo pioneiro de Silva (2011), no qual, embora a ênfase maior  aconteça nos riscos de saúde, o problema do risco é colocado em toda a sua  amplitude, englobando os de natureza ambiental e sociopsicológica.
                Efetivamente, é  um paradoxo o fato de a cidade moderna, diferentemente da medieval, não apenas ter-se  aberto aos visitantes como convidá-los explicitamente pela propaganda de seus  atrativos culturais e, cada vez mais, de eventos, sendo ao mesmo tempo tão  carentes de atendimento aos seus visitantes! 
                De fato, há que  se deixar bem claro desde o início que a inospitalidade é mais freqüente do que  hospitalidade, em toda parte, e isto diz respeito não apenas ao anfitrião, como  ao hóspede-turista. Quando anfitrião e hóspedes são coletivos, a situação é  mais complicada. A quem atribuir a culpa pela inospitalidade da cidade e do  turista? 
                Temos assim, de  um lado o viajante sedento de experiências e quase sempre noviço sobre a  cultura do local visitado; e, de outro, os moradores locais, ainda mais  constrangidos por ter de entender a cultura dos inúmeros grupos de visitantes. A  massificação do turismo após os anos 1950 contribuiu para que pouco a pouco se  instalasse um sentimento de indiferença de parte a parte. 
                Para resolver os  problemas eventuais dos viajantes e acomodá-los nas poucas relações com os  moradores, hoje predomina a chamada hospitalidade comercial, constituída pelas  várias instâncias do receptivo turístico local: empresas de traslados, hotéis, operadoras  de passeios, guias, quiosques de informações, hotéis, restaurantes, etc. Não há  como negar que esse receptivo turístico tem como objetivo instituir-se como  intermediário e apaziguador das tensões entre visitantes e visitados. Diga-se  que, do lado do país de origem do turista, também, há instâncias ocupadas em  auxiliar os turistas a minimizar os riscos de viagem, como as ligadas à  medicina da viagem (SILVA, 2006, p.45), sem mencionar a farta produção  audiovisual de canais de tevê e da Internet.  
                Mesmo assim,  ainda restam algumas arestas, algumas das quais são objeto da intervenção de um  novo intermediário, o seguro-saúde, obrigatório em alguns países visitados ou  assumido simplesmente como precaução, desconhecido ou visto pela maioria como  mais um dos muitos empecilhos do início da viagem. 
                Quais os riscos  por ele cobertos? Mais: quando o viajante necessita de auxílio, em momento de fragilidade  emocional, a “boa educação” encenada do agente que lhe vendeu o seguro-viagem chega  a transformar-se em hospitalidade plena de calor humano?                 
                O estudo está  assentado em duas hipóteses. Em primeiro lugar, o seguro-viagem minimiza a  inospitalidade do local visitado que não aceita a lei fundamental que obriga o  anfitrião a cuidar integralmente de seu hóspede. Em segundo lugar, embora a  hospitalidade encenada predomine no trade turístico em geral, é de se esperar que, tal como no caso daqueles que  lidam com indivíduos em situação de risco (médicos, terapeutas, serviços de  saúde em geral) os agentes de seguros também sejam levados a romper com a  encenação. E, em consequência, aceitar a presença do indivíduo não como cliente  de serviço, mas como alguém que demanda a hospitalidade genuína na qual o  eu-isso é substituído pelo eu-tu (ou eu-você) na expressão de Martin Buber (1993).
  É uma pesquisa  exploratória, já que sobre um tema novo e visando apenas melhor conhecê-lo. Sob  a inspiração do diálogo com importantes autores da área, lançou-se mão da análise  de conteúdo de entrevistas semi-estruturadas com cinco profissionais que atuam  de formas diversas no setor de seguro-viagem. Saliente-se que a abordagem aqui se  restringe aos agentes de viagem. É uma limitação, porém abre uma nova  perspectiva de pesquisa futura sobre como os turistas percebem o atendimento  recebido dos agentes.
                As entrevistas  somente foram possíveis mediante a imposição de anonimato por parte dos  entrevistados, tanto de seus nomes como de suas empresas. Muitas vezes também  se recusaram a comentar algum assunto declarando-o confidencial. Aliás, o  anonimato tende a ser nestas circunstâncias, mais profícuo à pesquisa na medida  em que o entrevistado tende a se abrir mais às questões colocadas.
                Se o instrumento  mostrou-se efetivo para a obtenção de depoimentos sobre a dinâmica do  seguro-viagem, o mesmo não aconteceu quando se perguntou sobre as formas de  hospitalidade genuína que transbordam da encenada - ou seja, se e quando os  agentes deixam de comportar-se dentro do protocolo de atendimento por se  sentirem chamados a acolher não só o problema como o sofrimento do hóspede. Tal  questão coloca o agente em situação delicada. O protocolo é obrigatório e  qualquer desvio, se resultar em prejuízo de qualquer tipo, será atribuído ao  agente. Este, então, fica dividido: de um lado, uma cena complexa, tendo um ser  humano que lhe pede calor humano, cuja retribuição é meritória, mas cheia de  riscos; de outro, um protocolo que lhe permite retribuir ou não, mesmo sentindo  o sentimento de hostilidade do cliente. Ademais, a comunicação é virtual, o que  cria um distanciamento adicional para o estabelecimento de vínculo humano. Os  resultados, de qualquer forma, mostram pistas valiosas que, talvez, contribuam  para a abertura da discussão sobre este tema.
                A linha de  argumentação utilizada parte da noção de hospitalidade genuína e encenada,  tentando estabelecer algumas pontes com a cidade e o seguro-viagem. Tentar-se-á  mostrar que esta hospitalidade urbana que nasce da modernidade “inventou”  inúmeras formas de hospitalidade ao morador e ao viajante, mas que, diante da  massiva migração turística, os imprevistos aumentam e são a mostra de uma  inospitalidade que assusta os viajantes. 
                Em seguida, será  analisado o papel de intermediação do seguro viagem entre o viajante e a  cidade. Quais riscos são mais freqüentes e quais coberturas são previstas ou  não. Finalmente, através dos depoimentos obtidos, mostram-se diferentes formas  de hospitalidade na relação entre o agente do seguro e o cliente-turista. 
                Hospitalidade
                A pessoa em viagem, portanto fora de seu ambiente natural, tende a buscar  acolhimento e envolvimento. Conhecer alguém no local visitado, para muitos, é  um privilégio1 .  Nesse contexto, pode-se ter uma dimensão do que é hospitalidade. A economia  moderna não cansa de exaltar o turismo como instância de desenvolvimento e, com  isso, já existe a consciência do dever de acolher e envolver o viajante. Por  várias razões, as pessoas estão se deslocando mais de suas cidades habituais,  seja por lazer ou a negócios. Os meios de transporte, o financiamento, no  Brasil, que favorece realizar sonhos, antes impossíveis, proporcionam uma  circulação muito maior de viajantes entre as cidades, avançando fronteiras  internacionais e até mesmo, intercontinentais.  
                Retomando a  reflexão sobre o sentimento de indiferença com o qual os moradores tratam (e  são tratados pelos) turistas, como o hóspede pode tomar a iniciativa de tornar  essa cena mais hospitaleira e aprazível ou ainda menos inospitaleira? Em outras  palavras, com menos riscos? Estes são inúmeros e sobre os mesmos muito se  falará aqui. Um dos grandes e incontroláveis problemas é o extravio de bagagem.  O viajante chega ao seu destino e sua bagagem não. São muitos os motivos.  Roubo, excesso de peso nos porões em um dia chuvoso, traslado de corpo nos  porões, dentre outros. De acordo com a Agência Nacional de Aviação Civil  (Anac), 2010 teve 7.170 ocorrências envolvendo bagagens nos aeroportos  brasileiros, um aumento de 74% em relação a 2009. Houve, no mesmo período, um  aumento de número de passageiros de 21%, sem que os aeroportos apresentassem  mudanças importantes na infra-estruturar2 .
                Trigo (1995), a  par de suas análises do fenômeno turístico, desdobra-se em alertar para alguns  cuidados como fechar a bagagem com chave, não despachar documentos importantes,  valores, artigos frágeis, garrafas na bagagem. Levar na bagagem de mão é mais  seguro. As malas são arrastadas, jogadas, amontoadas na maioria dos aeroportos.  Vidros de perfume, garrafas de bebidas, não devem, portanto, serem  acondicionadas em malas, pois há um grande risco em quebrar e, além de perder o  conteúdo, manchar as roupas. Levar uma muda de roupa na bagagem de mão é  também, muito conveniente.
                O viajante  necessita atentar para alguns imprevistos que podem de fato estragar todo um  planejamento: doenças, acidentes, roubos de documentos ou valores e problemas  com a polícia. Uma consulta médica em países desenvolvidos é muito cara. O  tratamento de uma fratura ocorrida nos Estados Unidos terá um custo aproximado  de US$ 20,000.00, entre consulta, radiografias e gesso. E se houver a  necessidade de internação? Perder malas, documentos, dinheiro, passaporte com  visto consular será um grande transtorno. 
                Há outros riscos  que são conseqüência do desconhecimento das leis do país a ser visitado:  consumo de bebida alcoólica, de tabaco...  Muitas vezes, uma pequena discussão no  trânsito ou briga na rua pode ocasionar multas pesadas.
                É importante  compreender que a hospitalidade não se limita a uma ou mais definições, pois  permeia vários campos, atuando em muitas funções, como apontam vários autores.  Selwyn (2004) retrata o acolhimento como um ato transformativo. Após essa situação,  as relações se alteram. Para o autor, a hospitalidade tem a capacidade de  transformar estranhos em conhecidos, inimigos em amigos, amigos em melhores  amigos, forasteiros em pessoas íntimas e não parentes em parentes. Assim, após  o acolhimento, os atores envolvidos nesse ato, nunca mais serão os mesmos. Desse  modo, é possível verificar que a hospitalidade não se limita ao acolhimento,  ela tem muitas funções: fazer amigos, se familiarizar com estrangeiros ou um  meio de expressar o relacionamento com o outro. 
                Mas, de que  relacionamento se fala? Da expressão por excelência do ritual de  estabelecimento de vínculos, plena de calor humano, aquilo que traduzimos  singelamente no termo amizade, ou da sua encenação, do fazer-de-conta, que, em  certo sentido é o que correntemente se chama de “boa educação”?  No primeiro caso, fala-se de uma  hospitalidade genuína que tem como territórios preferenciais a casa, a  vizinhança, a família ampliada, o círculo de amigos. 
                A hospitalidade  pode ser entendida como uma cena na qual anfitrião e hóspede equilibram-se numa  corda bamba. O hóspede deve aceitar o poder do anfitrião sobre a cena. Ao  adentrá-la, deve mostrar uma espécie de hesitação no seu limiar. Cabe ao  anfitrião convidá-lo para entrar. Ele deve entender também o significado do  “faça de cota que esta casa é sua”. Esta expressão deve ser entendida pelo  hóspede apenas como o respeito e homenagem que o anfitrião deve lhe prestar, a  qual ele deve retribuir igualmente com outras homenagens. 
                Este tipo de  hospitalidade se assenta sobre leis estritas ainda que não verbais: a  hospitalidade é uma dádiva que deve ser aceita pelos que a pedem e aceita e  retribuída pelos que a receber. Dar-receber-retribuir, eis a fórmula desse  modelo de troca ancestral, que precedeu o comércio, assentado sobre uma espécie  de pré-direito, tal como a entendeu Marcel Mauss (1974).
                A queda dessa  corda, pela falta de respeito a estas e outras leis não-escritas da  hospitalidade, gera o seu verso, a hostilidade, desde tempos ancestrais.  
                la hostilidad primera entre pueblos fuera dando lugar  así, lenta pero inexorablemente, a la aparición de lo que hoy conocemos como  hospitalidad, primero entre pueblos previamente unidos con lazos de  consaguinidad y, mucho más tarde, entre pueblos aun no unidos por estos lazos  pero a los que se tenía como candidatos a estar aliados en el futuro de la  misma forma y de otras formas aun más evolucionadas. (ESCALONA, 2011, s/p)
                 Contudo, quanto mais o indivíduo se distancia  do círculo social mais próximo, mais esta hospitalidade genuína tende a se  transformar em encenada (GOTMAN, 2009). As expressões posturais, gestuais,  verbais que, na intimidade, são carregadas de afetividade são cada vez mais  substituídas por fórmulas orais polidas e neutras tais como “bom dia”, “boa  tarde”, perguntas como “como vai?”, “como vão as coisas?”. Tais fórmulas deixam  de serem expressões de reforço do vínculo social para se transformarem apenas em  instrumento de minimização dos riscos de agressividade, de hostilidade.
                Mas nem mesmo os  mais rígidos protocolos podem eliminar o desejo de criar vínculos com outras  pessoas e nunca será raro descobrir as inúmeras formas como a hospitalidade  genuína transborda dos limites da hospitalidade encenada. A empatia com o  outro, viajante, em dificuldade, torna-se mais forte que o limite do crachá.  
                Hospitalidade é um  assunto entre pessoas e deve estar presente também no momento em que se passa  do distanciamento da etiqueta para a intimidade do calor humano, no qual  residem as experiências mais gratificantes que resultam na amizade e (por que  não?) mesmo no encontro amoroso tomado em sua acepção a mais ampla possível. O  chamado transbordamento do negócio, quando a dádiva é solicitada, pode ocorrer  a qualquer momento, em qualquer situação não prevista pela encenação, sobretudo  quando o hóspede enfrenta qualquer dificuldade face a imprevistos variados  (CAMARGO, 2009, p. 39).
O seguro-viagem
A cidade,  representada pelos cidadãos autóctones, convida o viajante a visitá-la; no  entanto, parece não manifestar disposição em cuidar dele. A saúde e a segurança  ficam sob a responsabilidade do viajante. Uma forma de minimizar problemas e  dificuldades para o viajante é a contratação do seguro viagem. Este seguro é  obrigatório no chamado espaço Schengen3 . 
                Igualmente, desde 2010, todo viajante deve  contratar, obrigatoriamente, um seguro viagem para ingressar em Cuba. Se este  não contratar em seu país de origem, deverá contratar através da seguradora  estatal ao desembarcar. O Overseas Students Health Cover-OSHC é obrigatório  para quem for estudar por um período maior do que três meses em cursos full-time na Austrália. O OSHC deve ter  a mesma validade do visto de estudante obtido, e servirá para ajudar a cobrir  despesas com eventuais atendimentos médicos ou hospitalares durante sua  permanência no país. 
                Trabalhando na perspectiva da teoria da  hospitalidade, pode-se construir a cena da seguinte forma: anfitriões que  convidam, mas, que não se responsabilizam pelos hóspedes, como o recomenda mais  uma das leis da hospitalidade.  Estes têm  consciência disso e sabem que não podem contar com a solidariedade dos  anfitriões em caso de imprevistos. A solução para eles é carregar dinheiro  suficiente para pagar todas as despesas ou utilizar um intermediário cada vez  mais importante, o agente de seguros de viagem. Mesmo assim, também este  intermediário pode não dar conta de todos os imprevistos. Daí que,  diferentemente do que se passa dentro da hospitalidade genuína, na qual pouco  importa quanto dinheiro o hóspede carrega no bolso (ele pode ser até dispensado  de usá-lo), o turista, o hóspede moderno, deve estar prevenido para emergências  (donde vem o mote segundo o qual nunca alguém é tão rico como quando ele está em  viagem). Em resumo: dentro da cena hospitaleira, o seguro exerce a função de  minimizar a incógnita do que o anfitrião prepara para o hóspede e a do que o  hóspede prepara para o anfitrião.   
                O viajante, ao  embarcar ou no decorrer de sua viagem, estará à mercê de seus anfitriões. Poderá  utilizar-se das mais variadas formas da hospitalidade, a pública, quando chega  ao local escolhido, ou se precisar de um auxílio, por exemplo, registrar uma  ocorrência em um órgão público após sofrer uma agressão ou um assalto. Deverá  também recorrer à hospitalidade comercial, ao hospedar-se em um hotel ou  pousada, ao utilizar-se dos serviços gastronômicos ofertados pelo anfitrião, as  lojas de souvenir, entre outros  serviços comerciais a ele oferecidos. Se esse viajante for ainda hospedar-se na  residência de um amigo, estará se utilizando, também, da hospitalidade  doméstica. Ainda assim, poderá fazer uso da pública e da comercial e até da  doméstica. 
                Em todas essas circunstâncias ele está  vulnerável a riscos, muitos deles já aqui mencionados. Poderá, ainda, ser  vítima de um assalto, sofrer um acidente, uma queda ao praticar um esporte,  fazer uso imprevisto de remédios, sofrer uma intoxicação por consumir alimentos  inadequados ao seu hábito alimentar, ser surpreendido com a necessidade de uma  internação hospitalar, dentre tantas outras intempéries que possam ocorrer. Por  outro lado, o anfitrião não está disposto a arcar com tanta responsabilidade,  ele apenas convidou o hóspede a visitá-lo.   
                Assim, fica  explícito que todos os riscos que o hóspede enfrenta em sua viagem são de sua  mais completa responsabilidade. A soleira da porta que, para Montadon é a  melhor imagem da hospitalidade, também existe na cidade visitada: aeroportos,  gares, etc. Ao ingressar nela, o convidado, na figura do viajante, deve aceitar  as regras do anfitrião. Portanto, é fundamental que, ao se programar para uma  viagem, as pessoas pesquisem, consultem ou busquem informações sobre todos os  seus direitos e obrigações. Mais do que se ater a um roteiro de visitas, deve  ter conhecimento de todos os riscos e de todas as obrigações que o esperam no  destino escolhido. 
                De hábito, o brasileiro não contrata seguro  viagem. As pessoas fazem todo o planejamento, roteiro da viagem, bagagem,  transporte, mas tendem a negligenciar os cuidados com relação a si próprios,  vale dizer, o seguro-viagem.  
  É muito  importante lembrar que os países europeus possuem saúde pública apenas para  seus habitantes. Se o turista, ou o estrangeiro de forma geral, necessitar de  cuidados médicos, deverá pagar por esses serviços, seja em clínicas,  consultórios ou hospitais. Ainda que haja um acidente em via pública, o socorro  será prestado pelo sistema de resgate público, mas todo o atendimento será pago  pelo viajante.
                Se a cidade, na condição de anfitriã,  acolhe de forma inospitaleira seus hóspedes quando se deparam com  circunstâncias indesejadas como um acidente, uma intoxicação por ingestão de  alimento ou até mesmo uma epidemia, cabe também, ao hóspede conhecer as  condições gerais do seguro-viagem, para não ser surpreendido com uma segunda  cena inóspita. De acordo com os entrevistados, a maioria das recusas em  atendimento ao viajante acontece com jovens que vão estudar no exterior.  Normalmente, o seguro viagem é contratado pelos pais, simplesmente para  cumprirem com as exigências do país que estará recebendo o estudante. A  operadora que promove a viagem, por sua vez, se limita a oferecer o plano  básico e não alerta o responsável que as condições gerais do seguro devem ser  lidas e esclarecidas, além de que, o não cumprimento das cláusulas implica em  negativa de assistência.  
                Alguns cuidados  também devem ser tomados em relação às epidemias que por vezes, assolam uma  determinada região. No mês de junho de 2011, os aeroportos do Brasil adotaram a  medida de emitir alarme sonoro sobre a vacinação para prevenção do sarampo. Tal  decisão deveu-se ao fato de haver um surto da doença nos países europeus. Por  se tratar de um surto e não uma epidemia ou pandemia, o seguro viagem prevê  atendimento normal, de acordo com uma entrevistada. Mas, caso a doença se torne  uma epidemia, a responsabilidade de tratamento passa a ser do país em que a  epidemia está instalada. 
                Para toda ocorrência  de acidentes naturais, como tsunami, terremoto, maremoto, vulcão, mesmo para  atraso de vôos, não há cobertura do seguro-viagem. A responsabilidade é  governamental. 
                Para uma melhor  compreensão, é conveniente definir a diferença entre assistência e seguro-viagem.  O seguro-viagem está relacionado a todas as coberturas que prevêem reembolso.  Ou seja, o viajante paga o serviço prestado a ele, como um atendimento médico,  por exemplo, ou um remédio, e solicita o reembolso quando retorna ao seu país.  O seguro viagem também estará presente para pagamentos de indenizações de  seguro de vida. A assistência ocorre quando de uma fatalidade, com o apoio prestado  no país em que se encontra o viajante, como documentos com o consulado,  embalsamento do corpo, pagamento de despesas de acompanhante, traslado, custos  que serão pagos diretamente pela assistência viagem. 
                O diálogo entre  o cliente que busca auxílio em qualquer emergência e o agente do seguro é,  pois, complexo. Regulamentos, protocolos, leis devem prevalecer nesse diálogo  quase sempre estabelecido virtualmente. Para compreender as diferentes formas  de hospitalidade presentes nesse diálogo, foram realizadas entrevistas com  profissionais de seguro e assistência à viagem que se encontram em cargos  diferentes, porém, todos relacionados ao atendimento ao viajante.. 
O seguro-viagem, do ponto de vista do agente
Ao perguntar  sobre quando o viajante entra em contato com a assistência, todos os entrevistados  afirmaram que a maioria o faz apenas na ocasião de um evento com cobertura  prevista pela assistência, podendo, ainda, em algumas circunstâncias, o  viajante entrar em contato ao receber o voucher para esclarecer dúvidas. A maior dificuldade, apontada pelos entrevistados,  encontra-se na operadora de turismo que não tem conhecimento e interesse em  conhecer os procedimentos da assistência, por mais que a seguradora se empenhe  em treiná-los e capacitá-los para tanto. Para todas as empresas, o atendimento  ao viajante será em português, independentemente do país em que este se  encontrar. Caso o viajante tenha dificuldade de se comunicar com o médico, ele  informa a central de atendimento, que fará um contato com o hospital, fará a  intermediação com o médico para explicar os sintomas, mas solicitará sempre  para que ele leve consigo ao hospital, uma pessoa que fale o idioma local.  
                Sobre a compra  de remédios, foi perguntado se o paciente deve adquirir os remédios e solicitar  o reembolso, ou se a assistência fará o pagamento diretamente à farmácia. Em  sua maioria, os medicamentos são pagos pelo viajante e reembolsados no retorno  ao país. 
                Quanto ao uso de  remédios contínuos, não há reembolso. Isto ocorre apenas para atendimentos  emergenciais. É o viajante que deve levar em sua bagagem uma provisão de  remédios, de uso contínuo, suficiente para o seu período de viagem. Estudantes  que ficarão por um período superior a 90 dias devem levar consigo receituário  de seu médico e, se necessário, declarações da necessidade de uso daquele  medicamento, pois as consultas para doenças preexistentes não possuem cobertura  pelo seguro viagem.
                Ao adquirir um  seguro viagem, o viajante informará a cidade que visitará e o período de  permanência. Poderá optar ainda, como já explanado, por um plano corporativo ou  de estudante. Por tratar-se de um serviço contratual, surge a dúvida em relação  ao deslocamento desse viajante para outras cidades ou países e sua assistência.  Por exemplo, se um viajante em viagem de negócios a Milão contratou um seguro por  15 dias e um amigo o convida para visitá-lo em Paris e para uma viagem pelo  interior da França, o que acontecerá se sofrer um mal súbito por questão  alimentar ou qualquer outro tipo de evento coberto pelo seguro? Ainda assim, poderá  desfrutar da assistência? 
                Para todas as  empresas, não haverá nenhum problema se o voucher estiver dentro de sua validade. Contudo, se a cidade em que se encontrar não  houver atendimento médico por credenciados, o viajante deverá arcar com as  despesas e solicitar reembolso. É fundamental lembrar que todos esses  procedimentos devem ser orientados pela assistência viagem. Em algumas  circunstâncias, há a possibilidade de a assistência fazer negociação direta com  o hospital sem que o viajante necessite desembolsar nada. No entanto, por  tratar-se de um serviço contratual, alguns cuidados devem ser tomados. Se o  viajante contratou uma assistência apenas para os países do Mercosul, não terá  cobertura se decidir visitar a Europa, por exemplo. Também não terá cobertura  assistencial dentro de seu país, apenas no exterior. Algumas seguradoras  celebram contratos no território nacional, mas, seu local de residência nunca  estará contemplado na assistência ou seguro-viagem. Normalmente, há um mínimo  de distância de 100 km em relação ao local de residência.  
                Outro fator a se  considerar nas modalidades de contratos do seguro-viagem se refere ao seguro-viagem  marítimo. O turista deve ter ciência de que, embora possua um seguro que o  ampara no interior deste meio de hospedagem, qualquer atendimento médico dentro  do navio deverá ser pago pelo viajante e posteriormente reembolsado pela  assistência. Não há, nesse momento, a obrigatoriedade do contato anterior ao  atendimento, levando-se em consideração que, em alto mar, nem sempre há como  manter contato telefônico com a assistência. No próximo porto de parada, o  viajante poderá se necessário, buscar um atendimento médico, em terra. Nessa  circunstância, o viajante deve entrar em contato com a assistência para  procurar um hospital da rede credenciada. 
                A maior  resistência para a venda do seguro viagem está na operadora ou agente de  turismo. Cabe a ela conscientizar o viajante de que esse serviço é de  fundamental importância para minimizar custos e imprevistos prováveis em uma  viagem. Muitos agentes não oferecem o seguro por acreditar que onera muito o  custo final do pacote (na verdade, esse serviço não ultrapassa 5%). Há que se  considerar que hoje, com todas as facilidades de financiamento, as classes  sociais D e E estão fazendo viagens nacionais e internacionais e são neófitos  em matéria de turismo, desconhecendo, portanto as regras de conduta e  atendimento médico, principalmente no exterior. Cabe então, ao agente, amenizar  uma provável despesa oferecendo um seguro-viagem adequado ao pacote que está  oferecendo, além dos países em que a contratação é condição sine qua non, para ingressar e  permanecer no país, ainda que em viagem de turismo, como visto anteriormente. 
  É fundamental  compreender que o seguro ou assistência não é um visto de entrada nos países  europeus. No entanto, ele pode ou não ser exigido na imigração. Uma vez  exigido, o turista que não apresentá-lo não poderá ingressar no país. 
                Além dos  imprevistos emergenciais com a saúde, desde alimentares que causam um  desconforto no organismo, é importante pensar nos acidentes que podem ocorrer  como a queda na prática amadora de esqui, um atropelamento, entre tantas  ocorrências indesejadas em uma viagem, as quais, ainda assim, podem acontecer. 
                Para tanto, é  importante conhecer todas as coberturas oferecidas para a assistência e o  seguro viagem. Algumas empresas divergem em suas ofertas; além disso, vários  planos são disponibilizados para que o viajante possa adquirir o mais cabível  para a sua necessidade. 
                As empresas  oferecem, também, planos corporativos para executivos que constantemente viajam  a negócios. É possível fazer um seguro anual fornecendo o nome de todos os  executivos que realizam as viagens. Portanto, não se faz necessário contratar  um seguro a cada viagem, proporcionando conforto e segurança. Há ainda o seguro  para estudante que permanece um prazo superior a 90 dias, que é o prazo máximo  para um turista. Para o estudante, a contratação será anual.  
                Além das  coberturas convencionais como assistência médica, extravio de bagagem, traslado  de corpo, algumas seguradoras oferecem coberturas diferenciadas como  assistência financeira, fisioterapia, esportes de risco. Entretanto, todas  essas coberturas referem-se apenas a eventos que ocorram no decorrer da  estadia. Eventos preexistentes não serão atendidos pela assistência. 
   Muitos custos não constam no contrato, mas as empresas, visando a um  bom atendimento, arcam com eles. Em alguns casos, o viajante precisa retornar  ao hospital e locomover-se de táxi. Contratualmente, não teria esse direito,  mas o serviço é fornecido. No entanto, é necessário analisar cada caso  individualmente. Por isso, o atendente não pode autorizar serviços  extracontratuais de imediato. Todo serviço excludente deve ser anotado pelo  atendente, com todos os detalhes e encaminhados à supervisão ou coordenação.  Após minuciosa análise, será concedida ou não uma autorização. Seu empenho  neste cuidado certamente fará toda a diferença entre ser ou não atendido. 
                Não obstante, tal  cuidado deve-se ao fato de muitas pessoas acreditarem que podem fazer um  tratamento de saúde através do seguro viagem, que se refere apenas a  atendimentos emergenciais. 
                Nos casos de  óbito, quando dos procedimentos para traslado de corpo, deve-se considerar que  o período médio para a chegada do corpo em seu país de origem, é de dez dias. Há  a necessidade de embalsamar o corpo e todas as vísceras serão embaladas e  recolocadas no corpo. O médico legista determina a quantidade de química a ser  injetada no corpo para que não entre em decomposição antes da chegada ao  destino. Após o embalsamento, para que não haja secreção de líquido, o caixão é  envolvido em um papelão impermeável e a urna é fechada. Depois de fechada a  urna, ela é embalada com zinco, norma da ANVISA, e, em seguida ao zinco, é  embalada em uma caixa de madeira, que irá ao compartimento de bagagem.
              Analisando todas  as despesas de uma assistência, é fácil avaliar que o custo final de um seguro  viagem é insignificante frente aos benefícios que ele proporciona. Não há como  excluir a dor dos familiares, a emoção dos acompanhantes, mas a certeza do  atendimento de qualidade minimiza a obrigação de cuidar de procedimentos  práticos. No entanto, independente da consequência de um ato excludente das  cláusulas do contrato do seguro viagem, todo o processo também estará sem  cobertura. Por exemplo, uma tentativa de suicídio que tenha sido comprovada ou  o suicídio de fato, não dá direito à assistência, devendo ser custeado pelo  viajante ou seus familiares. Por isso, a necessidade de ter conhecimento das  cláusulas do contrato. 
                Agentes e modelos de hospitalidade
                Uma entrevistada  conta que é muito comum encontrar pessoas, que vão ao exterior sozinhas para  estudar, sentirem solidão, o que acaba por gerar uma sensação depressiva de  anonimato. Dessa forma, pedem ajuda à assistência: ligam, querem conversar,  desabafar, o que coloca o agente numa situação delicada. A assistência  psicológica contínua, necessária neste caso, não é prevista contratualmente, portanto  ela está obrigada a dizer não. Embora as seguradoras inovem sempre com as  coberturas, todas prevêem atendimento emergencial, e não um tratamento  contínuo. O atendente precisa desvencilhar-se com muito cuidado para que a  pessoa entenda que não pode ser atendida nessa situação. Isto é tão mais  delicado, segundo ela, pois já se constatou que pessoas que já têm tendência à  depressão e fazem uso contínuo de antidepressivos, quando estão fora de seu  país, fazem uso exagerado do medicamento, o que pode ter conseqüências  negativas variadas e mesmo ocasionar a morte.
                Quando se trata  de uma excursão, pode haver a ocorrência de um viajante passar mal ou sofrer um  acidente em uma cidade e os demais turistas seguirem viagem. Caso o turista se  recupere a tempo e não haja necessidade de regressar para o Brasil, o turista  vai ao encontro do grupo, e suas despesas de transporte serão reembolsadas pela  assistência. Nesse caso, o protocolo funciona a contento.
                E o extravio de bagagem, tão freqüente?  Mais uma vez, o protocolo não dá conta. O seguro-viagem não indeniza casos de  violação e bagagem danificada, por ser de responsabilidade da companhia aérea.  O seguro viagem contempla cobertura para extravio definitivo de bagagem e o  viajante deverá tomar as medidas impostas pela assistência, dentre elas,  preencher junto à companhia aérea, o formulário correspondente ao registro do  extravio: PIR (Property Irregularity Report) no original, a fim de a companhia  aérea proceder à busca e localização da bagagem. Bagagens de mão e pacotes não  estão previstos nesta cobertura. Em alguns casos, as seguradoras oferecem nos  planos mais completos a cobertura de compensação por demora de bagagem a partir  da 6ª hora. Caso a bagagem não seja despachada até a 6ª hora após o desembarque  do viajante em seu local de destino, será liberado para este um valor  preestabelecido para que ele possa adquirir alguns produtos que compunham sua  bagagem. Na ocorrência da mala ser entregue após a 6ª hora, o viajante não  necessita devolver a verba adquirida. Todos esses procedimentos são cercados de  tensão, quando acontecem gestos de hostilidade do turista ou de seus familiares  para com o agente: o turista querendo ser entendido como pessoa humana que está  sem roupas e outros objetos pessoais, e o agente que ele imagina comodamente  sentado e vomitando regulamentos. 
                Embora dentro da  cena hospitaleira o seguro exerça a função de minimizar a incógnita do que o  anfitrião prepara para o hóspede e do que o hóspede prepara para o anfitrião,  devem-se levar em conta, assim, as limitações contratuais. Uma das entrevistadas  informou que um considerável número de jovens que fazem intercâmbio cultural  tem um comportamento inadequado. Além dos problemas já citados em relação ao  uso excessivo de antidepressivos, longe da vigilância dos pais fazem usos de  drogas, bebidas alcoólicas causando acidentes e até mesmo óbito. Gravidez  indesejada e DST também são comuns por não fazerem uso de preservativo nas  relações sexuais. Para todas essas ocorrências, não há cobertura na assistência  em viagem. Caso o viajante agrave o risco, provocando um acidente também não  haverá cobertura. 
                Portanto, cabe  ao operador ou agente de viagem esclarecer ao viajante que a aquisição do  seguro viagem não exclui sua responsabilidade, caso não cumpra com o contrato de  seguro. Ler condições gerais não é um hábito comum. Por esse motivo, o operador  ou agente deve alertar seu cliente.  
                A pergunta de maior relevância para a pesquisa foi se em algum  momento o atendente abandona o seu lado profissional, passando para o pessoal.  Nessa pergunta, estava implícita a questão da hospitalidade genuína  transbordando da hospitalidade comercial ou encenada. 
                Por tratar-se de  um contrato, os atendentes não podem abrir precedentes para os viajantes,  seguindo, portanto, as normas contratuais. Daí a importância de um seguro  adequado às necessidades do viajante. Dois entrevistados sinalizaram, de  imediato, a possibilidade de um atendimento mais humanizado e personalizado, de  acordo com a situação. 
                Um dos  entrevistados afirmou que estudos (não disse quais, por mais que lhe fossem  solicitados) comprovam que as doenças surgem quando a pessoa relaxa e viaja  para descanso. Enquanto a rotina é intensa, o corpo tem um tipo de reação, no  entanto, quando há uma parada, o corpo reage de forma a cobrar um cuidado  especial. Como explicou o entrevistado, é como se o corpo dissesse “estou aqui,  pense um pouco em mim”. Por esse motivo, algumas vezes, as pessoas planejam uma  viagem, deslocam-se para outros lugares em busca de descanso e se deparam com  uma doença, que já estava alojada, mas não havia ainda se manifestado. 
                Um exemplo de um  atendimento humanizado foi relatado por um dos entrevistados. Um casal,  acompanhado de uma filha pequena, foi em viagem de férias para a Itália. Ao  atravessar uma rua, o viajante-pai foi atropelado fatalmente e morreu. A  esposa, desesperada, entrou em contato com a central de atendimento. O  emocional da esposa estava completamente abalado, o que era completamente  compreensível, já que em um país estranho, longe de familiares, com uma criança  pequena que, juntamente com ela, assistiu à morte do pai. Certamente, ela  necessitava muito mais que uma assistência à viagem. Ela precisava de apoio,  amparo. O atendente escutou essa pessoa com mais calma, fazendo todo o possível  para ampará-la nesse momento tão difícil. Nesse momento, disse ela, não há como  ficar no protocolo. O envolvimento é inevitável e às vezes se transforma em  vínculo mais duradouro.  Enquanto todos  os documentos para o traslado do corpo, embalsamento e toda a burocracia  necessária não estiver concluída, o atendente se dedicou a esse processo. 
                Uma das  coberturas previstas na assistência é o funeral. Embora possa parecer  improvável, isto ocorre com muita freqüência. Tem-se a impressão de que o  imaginário de viagem como momentos apenas de alegria, descontração, mas isso  não é uma verdade absoluta. Casos de morte ou internação hospitalar não se  limitam a um único atendimento, e o atendente, por ter conhecimento do  processo, dá continuidade aos procedimentos, acompanhando todo o  desenvolvimento do serviço. 
                Relembrando o  episódio, a agente entrevistada conta que aquele foi um dos casos em que mais  se envolveu emocionalmente. Quando soube do óbito do viajante, chorou muito,  entrou em desespero, sentiu-se impotente. De imediato, foi afastada do  atendimento para acalmar-se um pouco, tomar um copo de água. Em seguida, ao  recompor-se, fez questão de tomar todas as providências necessárias, avisar a  família, providenciar toda a documentação para liberação do corpo, embalsamento,  traslado até o Brasil, tudo enfim. O trâmite de um traslado de corpo leva por  volta de dez dias, devido à documentação. Ela fez tudo durante esses dez dias:  contatou o consulado, falou com a esposa, com o filho do viajante. Houve um  envolvimento emocional muito grande. Foi além do crachá.
                Em outra  situação em que houve o seu envolvimento pessoal, duas irmãs que foram a  passeio para a Itália tomaram vinho e foram dormir. Quando uma delas acordou,  viu que sua irmã estava morta na outra cama. Eram duas jovens. A que morreu  estava com 24 anos e aparentemente saudável. A moça entrou em pânico, ligou  para a assistência e pediu ajuda. Ela não sabia como dar a notícia à família,  que estava no Brasil e pediu seu auxílio. Após autorização, foi feita uma videoconferência  para que a notícia fosse dada aos familiares. São custos que não estavam previstos  no contrato, mas que foram realizados da mesma forma, por insistência da agente. 
                CONSIDERAÇÕES FINAIS 
                O presente trabalho teve a finalidade de  apresentar o seguro viagem como um apaziguador das tensões vividas pelo  viajante quando se encontra em um lugar que lhe é estranho. Para tanto e por  motivos já indicados anteriormente, selecionaram-se alguns agentes de seguros  que se dispuseram a dar entrevistas, desde que com anonimato.
                Até onde alguém, como esse agente, que lida  com indivíduos em situações de abandono, às vezes extremo, num local estranho,  não raro num país estranho, limita-se a ficar no papel da hospitalidade  encenada, do fornecedor-cliente? Em que circunstâncias ele já se viu compelido  a sair de seu papel funcional e buscar uma melhor alternativa ao cliente? Até  onde o pedido de hospitalidade, mesmo que expresso apenas por uma voz ao  telefone, sensibiliza o agente? Esta pergunta, pano de fundo da atual pesquisa,  delimita um novo objeto, um tanto insólito, o de investigar não apenas o  atendimento como o calor humano nele embutido. Como é de se supor, esta  pesquisa paga o preço da tentativa de um eleger um objetivo de pesquisa ainda  inexplorado e, mais, ambicioso, tratando-o não do ponto de vista de seus  resultados mercadológicos, o que seria mais usual, e sim de um ângulo novo, o  da hospitalidade e, ainda mais, contando com depoimentos reticentes.
                À primeira vista, pode parecer insólito  colocar em discussão um tema que, de um lado, utiliza termos insólitos para uma  discussão científica como calor humano, amizade, caridade, termos aparentemente  mais apropriados ao tema da religião, e, de outro, discute o sistema comercial  e termos como eficiência, gerenciamento de riscos, etc. Não se tratou de  compará-los, já que os paradigmas diferentes impedem toda aproximação, mas,  simplesmente de mostrar que a dádiva e os termos associados trazem à presença  de uma sociedade, ou ao menos de segmentos da sociedade, que buscam, na  preservação de um valor como o calor humano as bases da hominização e da  sobrevivência do humano.
                O que se pretendeu foi analisar se, em  alguma circunstância, a hospitalidade genuína transborda da hospitalidade  comercial na assistência prestada pelo seguro viagem. Para tanto, iniciou-se  com uma abordagem do conceito de hospitalidade em suas diferentes dimensões. Em  seguida, falou-se dos riscos em viagens e a participação dos seguros. Finalmente,  foram apresentados os resultados das entrevistas.
                Ainda que se tenham colocado hipóteses  explícitas no início do trabalho, já se sabia que o resultado seria o de uma  pesquisa exploratória. Tinha-se consciência de todos os obstáculos: o papel  acentuado dos protocolos de atendimento que inibem a iniciativa hospitaleira  pessoal do agente, uma certa ambiguidade nos depoimentos, nos quais não havia  como se distinguir se o entrevistado falava do que devia ser e não do que era  de fato, se havia o intuito de escamotear alguma informação útil à  concorrência.
                De qualquer forma, esta pesquisa  trouxe, em primeiro lugar, um elenco dos riscos de viagem em geral, que pode  ser útil a outros pesquisadores. Viu-se que tais riscos como doenças  inesperadas, acidentes, roubo de bens, extravio de bagagem, surtos de doenças  que não sejam caracterizadas como epidêmicas podem ser amenizadas com a  contratação de um seguro-viagem. Por outro lado, o anfitrião também está  sujeito a muitos riscos, pois em sua maioria, não conhece o hóspede. Incêndios  em quartos provocados por ferro elétrico que o hóspede deixou ligado, incêndios  provocados por cigarros que podem cair no carpete do apartamento, quedas  provocadas por piso escorregadio e não sinalizado, roubo de bens no interior do  estabelecimento, doenças decorrentes de alimentos contaminados, acidentes aos  funcionários, roubo de veículos no interior do estabelecimento são de  responsabilidade do hotel. A transferência destes riscos às seguradoras proporciona  uma garantia ao anfitrião de um bom plano de gerenciamento de riscos, dando  sustentabilidade à marca.  
                Viu-se finalmente que, ainda que não seja a  regra a hospitalidade encenada genuína que transborda da encenada faz parte do  cotidiano dos agentes de seguros de viagem, ainda que não seja a regra. Essa  hospitalidade genuína pode ser tanto a criadora de vínculo humano como de  hostilidade do cliente para o agente.
                Assim, além de contribuir com o tema, pode-se mostrar que a presença  do eu-tu hospitaleiros ainda é uma  força motriz do vínculo humano mesmo em situações nas quais há as barreiras dos  protocolos.Com  isso, firma-se a convicção de que a cena hospitaleira da qual participam  turistas e residentes é, no caso do turismo, uma cena irreal. Turistas e  residentes se escondem atrás de instituições que os preservam de contatos uns  com os outros. Com isso, a situação de abandono se acentua. Nessa maltratada cena hospitaleira, o seguro-viagem representa  uma intermediação e uma contribuição ainda que limitada para interação entre o  turista e a cidade visitada.
                Já adentrando no campo das  ilações, a que pesquisadores se permitem ao final de uma pesquisa, podem-se apontar  duas importantes pistas abertas e com as quais há de se lidar no futuro. Em  primeiro lugar, o futuro do turismo depende em grande parte de relações  pessoais cada vez mais facilitadas pelos agentes turísticos. Nenhum seguro pode  substituir o calor humano, sobretudo de um estranho que a isso se dispõe. Em  segundo lugar, há que se mencionar que a noção de hospitalidade genuína, a que  promove trocas também genuínas, parece às vezes incomodar. Não é de todo, pois,  inferir que a hospitalidade não parece ser atributo de todas as pessoas. De  outra forma, o cenário dominante não seria como o é, inospitaleiro ou mesmo  hostil.  
                São questões que  devem suscitar reflexão coletiva, mormente no Brasil, no momento em que o país  se prepara para receber uma leva de turistas, por conta de eventos como a Copa  de 2014 e as Olimpíadas em 2016.  
                REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
BUBER, M. Eu e Tu. São Paulo, Cortez & Moraes, 1993.
                BEZZON, Lara Crivelaro (Org.). Guia prático de monografias, dissertações e  teses: elaboração e apresentação. Campinas: Alínea, 2005. 
                CAMARGO, L.O.C. A  pesquisa em hospitalidade. Revista Hospitalidade.  Ano V, número 2 – Dezembro 2008
                ESCALONA, Francisco M. Hospitalidad: de tabu a mercancia. Revista  Turydes. Vol 4, Nº 9  (febrero/fevereiro 2011)
                GOTMAN, Anne. O comércio da hospitalidade é possível? Revista Hospitalidade.  Vol.VI, no 2, dez/2009. São Paulo
                MAUSS, M.   Ensaio sobre a dádiva. Forma e razão da troca nas sociedades arcaicas.  In : Sociologia e Antropologia. v.  II. São Paulo, Edusp, 1974.
   OLIVEIRA  e CAMARGO. Riscos em meios de hospedagem. Revista Turydes,  Vol 4, nº 10  (julio/julho 2011)
                SELWYN,  Tom. Uma antropologia da hospitalidade. In LASHLEY & MORRISON. Em busca da hospitalidade: perspectivas para um mundo globalizado. São Paulo: Manole, 2005  (p.25-52)
                SILVA, Vanina H. M. A saúde do viajante na visão de três atores: gestores da saúde pública,  gestores do turismo e o turista. Tese de doutorado em Saúde Pública e Meio  Ambiente apresentada à FIOCRUZ, 2011
                ___________A saúde do viajante no contexto do turismo: análise e reflexões. Dissertação  apresentada ao Programa de Mestrado em Hospitalidade da Universidade Anhembi  Morumbi, 2006
              TRIGO, Luiz Gonzaga Godoi. Turismo básico. São Paulo: Senac, 1995.
2 Revista Viagem e Turismo acesso em 18 de jun. de 2011
3 O espaço Schengen é integrado pelos países: Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Grécia, Itália, Islândia, Luxemburgo, Noruega, Países Baixos, Portugal e Suécia. Quando um brasileiro se desloca entre estes países, desde que em turismo e por no máximo 90 dias, não há necessidade de visto para entrar em qualquer um desses países.
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