Fábio Lopes Alves  (CV)
            fabiobidu@hotmail.com
   Universidade Estadual do Oeste do Paraná 
           
                                 
		      
		
			
            
RESUMO: O presente texto tem o objetivo de compreender de que maneira o conceito de sociabilidade é estruturado no pensamento de Georg Simmel. Para tal, inicialmente, após uma breve introdução sobre a importância desse sociólogo para a constituição das Ciências Sociais, o artigo faz a distinção simmeliana entre forma e conteúdo no âmbito da interação. Em seguida, metaforicamente descrito como os dez mandamentos da sociabilidade, trata-se de esclarecer as diferenças entres os conceitos de interação e sociabilidade.
PALAVRAS CHAVE: Georg Simmel, Interação, Sociabilidade, Ciências Sociais, Forma, Conteúdo.
Introdução
A epígrafe acima, por  si só, dispensa quaisquer comentários que tenham o escopo de justificar a  importância do autor escolhido para a presente discussão. Não obstante, se  fizermos uma reflexão no sentido de identificar os pais fundadores da  sociologia, tendo como critério prioridade e/ou importância, imediatamente vem a  tríade Karl Marx, Max Weber e Émile Durkheim.    Estes são considerados os clássicos das Ciências Sociais. Com um pouco  mais de critério na tentativa de encontrar os instituidores dessa nova  disciplina podemos incluir Georg Simmel.   Esse sociólogo não criou nenhuma escola de pensamento nem mesmo deixou  grandes herdeiros. Mas, nem por isso deixou de exerceu grandes influências no  campo das Ciências Sociais.
Diante do exposto, é  com o objetivo de compreender de que maneira esse autor elabora o conceito de  sociabilidade que se apresenta esta discussão. Para tal, inicialmente o texto faz a  distinção simmeliana entre forma e conteúdo no âmbito da interação. Em seguida,  a partir da metáfora dos dez mandamentos da sociabilidade, trata-se de  esclarecer as diferenças entres os conceitos de interação e sociabilidade. 
A interação social entre forma e conteúdo
Em sua análise  sociológica Georg Simmel compreende a sociedade como o significado da soma dos  indivíduos em interação, onde ela é distinguida em duas diferenciações básicas: forma e conteúdo. Dessa postura intelectual decorre outra caracterização  que é o fato de a interação se constituir a partir de dois objetivos centrais,  a saber: determinados impulsos ou em busca de certas finalidades. 
          Instintos eróticos, interesses  objetivos, impulsos religiosos, objetivos de defesa, ataque, jogo, conquista,  ajuda, doutrinação e inúmeros outros fazem com que o ser humano entre, com os  outros, em uma relação de convívio, de atuação com referência ao outro, com o  outro e contra o outro, em um estado de correlação com os outros (SIMMEL, 2006,  p.59-60). 
Dessa maneira, os  indivíduos que possuem os impulsos acima elencados, acabam por formar uma  unidade. E é esta unidade que é entendida como sociedade para esse filósofo. 
          Ora, se a sociedade  deve ser refletida a partir do binômio forma e conteúdo, pensemos na distinção  entre ambos. Na definição do entendimento do conteúdo da sociação, Simmel alude que, o conteúdo da sociação, é  tudo o que existe no indivíduo, tais como: impulsos, interesses finalidades,  tendências entre outros. Isto é, conteúdo seria tudo aquilo que se encontra  presente no indivíduo cujo objetivo consiste em causar ou mediatizar os efeitos  sobre o outro, ou então, receber esses efeitos dos outros (SIMMEL, 2006, p. 60). 
          Ocorre que o conteúdo  por si só, não faz nenhum sentido para sociação, isto é, a interação. Estes por  sua vez, só passarão a fazer parte da dinâmica interacional quando deixarem de  serem meros conteúdos individuais, isolado do indivíduo, e se transformarem em formas de estar com o outro, ou ser com  o outro em determinada sociação, cujo entendimento é:
          A sociação é, portanto, a forma (que  se realiza de inúmeras maneiras distintas) na qual os indivíduos, em razão de  seus interesses – sensoriais, ideais, momentâneos, duradouros ou  teleologicamente determinados – se desenvolvem conjuntamente em direção a uma  unidade no seio da qual esses interesses se realizam (SIMMEL, 2006, p. 60). 
Em síntese, percebe-se  que a interação se constitui na forma como os determinados impulsos, sentimentos e desejos, aqui entendido por conteúdo,  que estão no indivíduo, são realizados à  medida que este, por sua vez, sai da individualidade em busca de certas  finalidades cujo objetivo consiste em se sociar com o outro num universo de  diversas possibilidades.  
          Até aqui discutimos  algumas noções centrais do processo de sociação. O ponto de chegada será o  conceito de sociabilidade. No entanto, não se pode avançar para esse conceito  sem antes ter esclarecido a função da autonomização dos conteúdos  interacionais. 
  É levando em  consideração nossas carências, condições, vontades e inteligência, que  organizamos o material abstraído desse mundo. A forma que iremos dar a esse material está intrinsecamente relacionada  ao nosso propósito, isto é, conteúdo.  E é somente a partir da forma elaborada pelo indivíduo que esse material passará a ser utilizado. Em sendo  assim, haverá uma relação de autonomia, onde os interesses que até então  estavam aprisionados no interior do indivíduo, são liberados. À guisa de  exemplificação dessa autonomização, Simmel ilustra com a seguinte passagem:
          Por exemplo, todo o conhecimento  parece ter um sentido na luta pela existência. Saber o verdadeiro comportamento  das coisas tem uma utilidade inestimável para a preservação e o aprimoramento  da vida. Mas o conhecimento não é mais usado a serviço dos propósitos práticos:  a ciência tornou-se um valor em si mesma. Ela escolhe seus objetos por si  mesma, modela-os com base em suas necessidades internas, e nada questiona para  além de sua própria realização (SIMMEL, 2006, p. 61). 
Nessa esteira, Simmel esclarece, ainda, que esse exemplo também se opera no jogo, à medida que os impulsos da vida, isto é, conteúdo, produz a forma de nosso comportamento desejável ao jogo. Tal situação acaba por conferir ao jogo tanto sua alegria quanto seu significado simbólico, tornando-o diferente da pura diversão (SIMMEL, 2006, p. 63). Percebe-se então que a formas possuem também um domínio autônomo em relação a sua criação. E é dessa autonomização entre a origem da forma e seu significado final, no qual mais adiante voltarei a discussão, que decorre a conceituação de sociabilidade. Por isso sua definição também deve ser analisada a partir do binômio forma e conteúdo.
Os dez mandamentos da sociabilidade
Seria possível, considerando os objetivos propostos por este texto,  apenas conceituar, de forma direta, o entendimento de interação e sociabilidade  para Georg Simmel, sem nenhum prejuízo ao leitor. No entanto, aproveitando a “empreitada”,  há um objetivo, lateral às questões centrais dessa discussão, que consiste em  desfazer uma ampla confusão que constantemente tem sido realizada, tanto no  universo acadêmico, quanto fora dele, que é o de tomar os termos interação e  sociabilidade como se um fosse sinônimo do outro. Ou senão, no máximo, como se  fosse algo parecido, sem ter uma distinção nítida. Inicialmente, é essa  tendência que o texto combate.   
          Por isso, cuida-se, em seguida, de elaborar aquilo que denominamos como  os dez mandamentos da interação. Assim, a cada mandamento, será distinguido o  que se entende por interação e o que se entende por sociabilidade, de forma a  tornar clara as diferenças entre um e outro, na tentativa de mostrar a  distância que os separam. 
          Como vimos, a  sociedade, nas lentes simmelianas, consiste na interação entre os indivíduos.  As formas nas quais o estar com o outro, para o outro ou contra o outro, aqui  entendida como interação, ganham vida própria podendo se enquadrar, ou não, na  definição de sociabilidade. No entanto, é preciso esclarecer que o mero fato de  estar com o outro, para o outro ou contra o outro, por si só, não consiste em  sociabilidade. Para alcançar essa forma, mais elevada de interação, é preciso  cumprir outros requisitos que, abaixo, serão vistos com mais afinco que,  metaforicamente foi adjetivado como mandamentos. 
          1. De início, para  haver sociabilidade, é preciso que haja a autonomização na interação entre quem  está em sociação. Por autonomização entendemos o ato de se liberar de  determinados laços das realidades da vida. Tal como um jogo se esvazia da vida  à medida que passa a ser um mero entretenimento. 
          O que é autenticamente “social” nessa  existência é aquele ser com, para e contra com os quais os conteúdos e  interesses materiais experimentam uma forma ou um fomento por meio de impulsos  ou finalidades. Essas formas adquirem então, puramente por si mesmas e por esse  estímulo que delas irradia a partir dessa liberação, uma vida própria, um  exercício livre de todos os conteúdos materiais, esse é justamente o fenômeno da sociabilidade (SIMMEL, 2006, p. 64.  Grifos meus). 
2. Sabe-se que  interesses e necessidades individuais, conteúdos, fazem com que indivíduos se juntem. Isso por si só, se configura  numa interação, ou seja, sociação. No entanto, para que tal vinculação se  converta em sociabilidade é preciso que esses indivíduos além de estarem  sociados por interesses específicos, se relacionem em função de um  “sentimento  e por uma satisfação mútua  de estarem socializados”. Numa relação em que a sociabilidade consista numa  derivação da interação. Dito de outro modo, para que a relação seja de  sociabilidade é preciso que ambas as pessoas que estejam envolvidas, sintam o  prazer nessa sociação. Caso, somente alguns tenham esse sentimento em  detrimento de outros, essa união não será nada mais que uma interação. 
          3. Outro ingrediente da  sociabilidade consiste no ato dos indivíduos apreciarem o puro processo de  sociação em si, sem nenhum outro objetivo que não seja o de estar sociado. “O  “impulso de sociabilidade” extrai das realidades da vida social o puro processo  de sociação como um valor apreciado, e através disso constitui a sociabilidade  no sentido estrito da palavra” (SIMMEL, 1983, p. 169).
          4. A sociabilidade, em  oposição ao racionalismo que pode estar presente na interação, se desvencilha  da realidade da vida social à medida que se poupa de determinados atritos e  ocupa um papel simbólico na vida de alguns indivíduos. 
          A sociabilidade se poupa dos atritos  por meio de uma relação meramente formal com ela. Todavia, quanto mais perfeita  for como sociabilidade, mais ela adquire da realidade, também para os homens de  nível inferior, um papel simbólico que preenche suas vidas e lhes fornece um  significado que o racionalismo superficial busca somente nos conteúdos concretos (SIMMEL, 2006, p. 65).  
Decorre desse  desvincilhamento da realidade, o entendimento da sociabilidade como a forma  lúdica de sociação. No entanto, prefiro utilizar o termo “autônomo” como  sinônimo de lúdico pela razão que passo a explicar. Na tradução para a língua  portuguesa encontramos a seguinte passagem: “como categoria sociológica,  designo assim a sociabilidade como a forma lúdica de sociação. Sua relação com  a sociação concreta, determinada pelo conteúdo, é semelhante à relação do  trabalho de arte com a realidade” (SIMMEL, 1983, p. 169).
   Já que o autor relaciona o conceito de  sociabilidade à relação da arte com a realidade, é necessário, de igual modo,  precisar o entendimento dessa associação. Ao fazer a analogia entre arte e jogo  Simmel afirma que “tanto na arte como no jogo, as formas que se desenvolveram a  partir da realidade da vida criaram seu domínio autônomo com relação a  realidade” (SIMMEL, 2006, p. 63). Isto é, a cada vez que arte e jogo se  autonomizam da vida, estes por sua vez se tornam entretenimento. Acresce-se  ainda, ao fato de em várias traduções brasileiras, haver um subtítulo  denominado como “A sociabilidade como a forma autônoma ou lúdica de sociação”. Ou seja, há na própria tradução a  utilização de um sinônimo.  Em face ao  exposto, e por entender que autônomo é mais abrangente que lúdico, ao remeter  ao ato de desvencilhar é que compreendo “a sociabilidade como a forma autônoma  de sociação”. 
          5. Aspectos da  irrealidade. Uma das diferenças entre a interação e a sociabilidade é que  somente nesta, qualquer problema por maior que seja “chega a uma solução” em  que não é possível em nenhum outro lugar em função de sua autonomização ou  desvencilhamento da realidade (SIMMEL, 2006, p. 65). 
          6. A sociabilidade não possui  em si mesma, nenhuma finalidade objetiva, além do interesse em estar sociado.  Ou seja, ela depende exclusivamente das personalidades entre os quais ela  ocorre, em que não se deve buscar nada além da satisfação daquele instante.  Onde o que interessa é apenas o sucesso do momento sociável. Como consequência,  as condições e os resultados do processo de sociabilidade são exclusivamente  das pessoas que se encontram em sociação, numa situação em que a sociabilidade  permanece limitada aos seus participantes (SIMMEL, 2006, p. 66).   
   7. Na sociabilidade é preciso que o indivíduo  exerça uma auto-regulação. Em sua relação com os outros se torna necessário que  nenhum interesse egoísta assuma a função reguladora. 
          8. Decorre do  mandamento acima, o fato de que na sociabilidade as significações individuais  que tem seu foco fora do círculo sociado não entram no processo de  sociabilidade. “Assim, esse caráter objetivo, que gira em torno da  personalidade, precisa se separar de sua função como elemento da sociabilidade”  (SIMMEL, 2006, p. 67). Por isso, aquilo que representa as características  individuais da pessoa, tais como: caráter e humor, por exemplo, não pode  possuir nenhuma função na dinâmica da sociabilidade, pois nesta ocorre uma  verdadeira exclusão dos elementos pessoais do indivíduo. Simmel ilustra essa  situação ao relatar que:
          Assim, por exemplo, num encontro  intimamente pessoal e afável com um ou vários homens, uma senhora não pode  aparecer com uma roupa sumária que usa sem qualquer embaraço numa festa mais concorrida.  A razão é que na festa ela não se sente envolvida como um indivíduo na mesma  extensão em que se sente numa reunião mais íntima, e pode, por isso dar-se ao  luxo de se abandonar à liberdade impessoal de uma máscara: embora sendo apenas ela mesma, não é, entretanto, totalmente ela mesma, mas somente um elemento de  um grupo que se conserva formalmente (SIMMEL, 1983, p. 171). 
9. O homem é em si  mesmo um animal dinâmico. Ele se constrói alternadamente de acordo com sua  motivação e relações cotidianas.  Essa é  a situação que Simmel entende por elaboração construída Ad Hoc, em que o material da vida é determinado por uma ideia  individual e moldado numa de forma particular. É dessas amarras que ele precisa  se liberar para entrar em sociabilidade. Ele se livra de qualquer significado  material da personalidade para entrar de maneira sociável apenas com as  capacidades, os estímulos e interesses de sua humanidade pura (SIMMEL, 2006, p.  68). 
          10. No tocante ao  comportamento da pessoa, a discrição, é outra condição necessária para  existência da sociabilidade no tocante ao comportamento de uma pessoa em  relação à outra. Sua violação provoca a adulteração da sociabilidade. “A  discrição é imprescindível com relação a si mesmo, porque sua infração faria  com que, em ambos os casos, a forma sociológica artificial da sociabilidade  degenerasse em um naturalismo sociológico (SIMMEL, 2006, p. 68). É nesse ponto  que reside o limite da sociabilidade 1. A  transposição desse limite ocorre quando os indivíduos entram em interação  originada por propósitos e interesses objetivos, em que o fator pessoal e  subjetivo aparece sem qualquer restrição. Nas situações dessa natureza, o que  ocorre é uma forma de interação, mas não de sociabilidade, em função do não  cumprimento dos requisitos acima elencados para a existência da sociabilidade.  À medida que os indivíduos se integram em função de determinados interesses e  propósitos “em ambos os casos a sociabilidade deixa de ser o princípio  formativo e central de suas sociações e se torna, no melhor dos casos, uma  conexão formalista e superficialmente mediadora” (SIMMEL, 1983,p. 171). 
BIBLIOGRAFIA
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1 Dependendo da tradução utilizada será mencionado como “onda de sociabilidade” ou “limiares de sociabilidade”.