TERRITÓRIOS DO CINEMA. REPRESENTAÇÕES E PAISAGENS DA PÓS-MODERNIDADE

TERRITÓRIOS DO CINEMA. REPRESENTAÇÕES E PAISAGENS DA PÓS-MODERNIDADE

Fátima Velez de Castro
João Luís J. Fernandes
(Coordinadores)

Universidade de Coimbra

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Geografias de Sutura e Políticas de Estranhamento. A Heteroglossia da paisagem no cinema de Pedro Costa

Ana Francisca de Azevedo
Lab2PT Universidade do Minho afaras1968@gmail.com

Pacto entre câmara e território

Denunciando cabalmente o trabalho do cronotope dos contra-espaços1, o filme Casa da Lava (1994), do realizador Pedro Costa, proporciona um meio de pensar a paisagem tendo em conta as políticas e poéticas de estranhamen- to que operam na construção do sentido de lugar. Veiculando as pulsões do Outro excluídas do sistema convencional de representações espaciais, o filme enfatiza os momentos oposicionais que configuram a estruturação do sistema objecto/signo subjacente à produção de imagens na cultura ocidental. Disposta como instrumento de vozes transgressivas e de contestação que perpassam silenciosamente os sistemas formais de representação do espaço, a paisagem cinematográfica desmonta os alinhamentos entre espaço e identidade que caracterizam toda uma tradição de geografia total, fracturando o mapeamento cultural do espaço de que somos herdeiros.
A configuração da paisagem com o recurso ao bloco espácio-temporal dos contra-espaços enuncia-se no filme através de uma abordagem crua e comprometida ao próprio corpo do território, uma abordagem em que a câmara parece unicamente preocupada com a revelação da matéria que constitui esse corpo. As sucessivas escavações pela câmara da matéria de um corpo-terra-fronteira configuram um modo muito próprio de interceptar a paisagem, uma paisagem que é paralelamente motivo iconográfico e sujeito de representação.
É desse motivo, tornado paulatinamente sujeito central de representação, que se desprende um sentido de mineralização dos territórios onde se desen- volve a acção humana, um sentido que remete para o questionar da produção hegemónica de identidades no espaço e através do espaço. Aquilo de que parece tratar-se de antemão é de uma espécie de pacto ou comprometimento entre a câmara e o território, um e o outro definindo uma parálise cosmológica em torno da qual se organiza a acção.

Este conceito é tratado de forma aprofundada no estudo: Azevedo, A. F. (2007).Geografia e Cinema. Representações culturais de espaço, lugar e paisagem na cinematografia portuguesa.UM.

Planos-retrato e o grito inviolável da paisagem-corpo

Como forma de objectivar um ambiente radicalmente heterogéneo cuja integridade identitária se presta a escavação, a voz da paisagem no filme desprende-se do enlevo visual que as filmagens in loco proporcionam. Desde logo, o carácter emblemático das sequências de abertura situam a dimensão especulativa da experiência de paisagem como elemento crucial da obra. Constituindo uma espécie de establishing shot do filme, os excertos de um documentário científico de Orlando Ribeiro, realizado aquando a erupção do vulcão da Ilha do Fogo em Cabo Verde funcionam como meio de definição simbólica do lugar legítimo de acção. Como resposta convencional ao efeito deslocalizador e desestabilizador proporcionado por cada filme, o establishing shot insere o espectador no lugar legítimo da acção, proporcionando uma re- acção psicogeográfica de estabilização e localização e combatendo os efeitos de resistência à possibilidade de um fragmento fílmico representar a realidade total. Neste caso, o recurso às imagens do geógrafo reveste-se de sentido ambíguo, pois, por um lado, agudiza o efeito realidade numa acção puramente ficcional e, por outro lado, enfatiza o clima quase místico do lugar legítimo da acção2 em grande medida turvando os efeitos estabilizadores do establishing shot. O significado crucial destes planos emblemáticos associa-se pois a um efeito desestabilizador que se busca nas imagens de território, contrariando-se assim o efeito estabilizador convencionalmente associado ao trabalho da paisagem nos filmes. De facto, a fertilização do conteúdo pictórico do filme com as ima-

O recurso às imagens do vulcão remetem para uma tradição humanista de exorcização do corpo e do pecado pela evocação da montanha como Sacro Monte. Diferente da construção do paraíso alpino, com os seus ribeiros e arvoredo, a montanha sagrada é evocada na iconografia ocidental como lugar de peregrinação e cenário para exorcização do drama espiritual. Perspec- tivada no imaginário medieval como fronteira entre os universos físico e espiritual, a montanha representava o drama da ascensão dos reinos do mundo aos reinos do sagrado (o monte como ponto alto da virtude). Trata-se pois de exorcizar a tensão entre corpo e alma o físico e o metafí- sico, através da ideia de ascensão ao monte sagrado. Não obstante, a metáfora neste caso é rica de significados dado remeter para um ponto alto de visão donde se pode perspectivar o “todo” (longe dos detalhes) e, desse modo, catapultar-nos para toda uma iconografia oitocentista dentro da qual as montanhas são vislumbradas como representação da verticalidade dos impérios, suas hierarquias e pontos de comando.

gens geofísicas de Ribeiro anuncia o conteúdo latente de uma iconografia da paisagem que aqui se vê redimensionada. Pictoricamente, a exploração da cor define desde logo o universo simbólico da obra, partindo-se de uma superfície visual negra onde se pode discernir um veio de materiais incandescentes em fluxo cruzando transversalmente o ecrã. Este plano inaugura um conjunto de imagens marcadas pelo jogo cromático; diversas tonalidades de vermelho sobre um fundo preto anunciam o centro da erupção. Vivificando progressivamente a superfície negra, o facho de luz vai sendo reenquadrando e centrado nos planos seguintes apresentando-se ao espectador as entranhas da terra em fusão. Depois é outro plano que nos fornece o perfil do território, desvelando-se uma encosta rochosa que o olhar da câmara cruza para encontrar de um outro lado a luz, sobre a mesma terra, uma luz tão intensamente branca que quase não permite reconhecer esse outro lado da encosta e os seus contornos. Retratado sob o efeito dos vapores sulfurosos da explosão, o perfil descarnado da terra descobre-
-se lentamente e os cinzentos vão progressivamente substituindo o negro da superfície de representação. Dois planos fixos sintetizam enfim uma particular semiótica material que se desprende destas sequências; o enquadramento silen- cioso de uma ferida incandescente entre duas vertentes de um corpo terra e o enquadramento de um cone vulcânico enquanto protuberância magistral desse mesmo corpo, imagem musicada em que se enxerta o primeiro som do filme.
O contacto com a explosão brutal do organismo-terra pela exposição de uma bolsa com os seus fluidos incandescentes antecipa a simultaneidade da figura e fundo, do feminino e do masculino, como elementos constitutivos do carácter dialógico do bloco espácio-temporal dos contra-espaços. Tal cronotope particular define-se no filme por este modo específico em que a sequencialização dos eventos é deformada pelas imagens científicas do território, sequencialização em que a segmentação e espacialização dos eventos nunca é independente da interpretação do espectador, o sujeito autoral de ecrã. Destes planos de território passa-se inadvertidamente para uma outra sequência de imagens, planos fixos de figuras humanas inaugurados pelo enquadramento de uma cabeça, ou pelo seu verso, centrado num plano em escala desmesu- rada. E aqui somos confrontados com o efeito de facialização do close up.

Esta superfície de representação posiciona-nos perante um maciço emaranhado de cabelos crespos de criança inscrito na imagem como um sol estremunhado e inviolável em que do centro negro encabado num pescoço-tronco irradiam para todas as direcções, fios dourados de luz. E se a labareda inicial cede lugar a este verso de um rosto afagado pelas mãos irrequietas da criança é também o verso de outras mãos, cruzadas sobre si mesmas, que o plano seguinte nos desvela. Terminação imperturbável de uns braços nus resignadamente recolhi- dos no verso desse outro corpo (humano) disposto verticalmente no plano da imagem, é sob as mãos que o movimento do vento agita o plano, animando o tecido fino das vestes brancas riscadas de negro daquela figura estatuária disposta em fundo inerte e pedregoso. Descoberta a sua frente/reverso no plano seguinte, a figura dá lugar a um conjunto de outras imagens femininas que se vão desvelando plano após plano, fixamente no ecrã. A relação fotográfica que se estabelece entre figura e fundo é discernida lapidarmente pela abordagem obsessiva aos planos-retrato de pessoas e território como elemento decisivo da dimensão dialogante da obra. Configurando um aspecto crucial da poética do autor, as imagens das figuras humanas com o olhar preso ao fenómeno de sublevação da terra revertem para uma cristalização ocular do medo e para o sentido íntimo das pulsões humanas de resignação.
Objectivando uma progressiva intrusão no campo das representações cul- turais, estes planos-retrato remetem para um semnúmero de imagens culturais subjacentes ao aparato figurativo do filme que se estabelece incisivamente em torno das personagens retratadas. A carga estética destas imagens revela os elos identificatórios com o espaço da acção, elos quase hipnóticos, cuja combinação contribui para a afirmação da paisagem como criatura enigmática do filme. Marcando a entrada em acção de um campo de representação e respectivo referencial, estes retratos de figura humana acordam um naturalismo pagão que com o tempo foi indexado pelos referenciais pictóricos religiosos e pela arte ocidental. Trata-se, portanto, do acordar de toda uma história da repre- sentação da figura humana através destes planos-retrato. Derivado dos antigos costumes pagãos que foram reapropriados pela Igreja, o retrato individual foi-
-se produzindo na cultura ocidental, de acordo com Michaud (2004), tendo subjacente um impulso de aproximação ao divino bem como a associação às imagens sagradas. Favorecendo o ressurgimento de rituais arcaicos ligados a uma angústia sobre a sobrevivência do corpo e ao desejo de permanecer fisica- mente através da imagem, a arte do retrato inscreveu-se na cultura ocidental pela sua inclusão em espaços sagrados onde o simulacro pintado foi sendo aperfeiçoado e trabalhado em frescos com o objectivo de narrar cenas sagradas. Exprimindo-se de forma palpável pela figuração de uma imagem humana, tal aproximação foi sendo aprofundada com o desenvolvimento dos retratos na pintura renascentista que funcionavam como ofertas votivas em agradecimento ou para pedido de protecção aos santos. Transportando inúmeros mitos de se- gurança e protecção que subjazem a própria história da representação do corpo humano em imagens, o significado dos retratos individuais foi posteriormente apropriado pela burguesia que operacionalizou uma inflexão ao seu conteúdo animista. A transformação do ambiente histórico e espacial destes objectos de arte associou-se a uma transformação do significado do seu uso, pelo que a representação da figura individual passaria a integrar aspectos da vida quotidiana assim como a realidade singular do indivíduo retratado (o mercador-mecenas). Neste percurso, verificou-se a libertação dos retratos do espaço sagrado e a sua inscrição nos espaços domésticos das classes dominantes. Definiu-se então e no período moderno, uma translação estética do apelo do poder imperialista que ao longo do tempo se foi configurando pelas imagens da figura humana. No entanto, o cultivo do retrato pela burguesia não abandonou nunca e in- teiramente os sentimentos mórbidos e animistas que historicamente nutrem a apresentação da figura humana em imagens (Michaud, 2004). Mais do que a sua habilidade mimética, aquilo que se procurava com o retrato era a exaltação dos valores dramáticos da aparência humana em efígie, a perpetuação contra o tempo da imagem cristalizada de um indivíduo, o que perdurou até ao século XX e que deu origem à reprodução fotográfica dos corpos.
Denotando o movimento generativo das imagens, os planos-retrato de Pedro Costa configuram paralelamente traços de uma prática muito antiga e de um humanismo renascentista de que somos herdeiros. Tendo subjacente toda uma tradição cultural debruçada sobre a transformação do corpo pela imagem, aquilo que esses retratos hiper-realistas exprimem é um movimento contínuo das figuras humanas que parecem deixar o mundo para serem incar- nados em imagens. Parece, assim, que o realizador se vê imbuído da tarefa de acordar o animismo que historicamente subjaz a cristalização dos corpos pela imagem e através do retrato, expondo as condições íntimas de negociação das instâncias do profano e do sagrado através das figuras mobilizadas em imagem. É através delas que se opera o acordar do referencial histórico e religioso que liga o ser humano ao ambiente físico funcionando estas como meio de evocar uma tradição de modelos artísticos e culturais que operam no filme, embora subvertendo-se a formação social que subjaz tais representações. Denotando a transformação desses modelos através do tempo, a impressão causada por estes seres enigmáticos reenvia-nos para o seu papel no espaço compósito do filme. Como fantasmas ou meras ilusões visuais que povoam esse espaço, os corpos são tratados rigorosamente como figuras estáticas ainda que a terra permita intuir os sinais de movimento que os perpassam os quais se concentram na periferia das figuras (nas vestes, no cabelo) sem afectar a sua estrutura. Associada a um factor externo que temporariamente modifica o corpo, a origem do movimento em cada plano não afecta profundamente a pose de cada corpo, a sua carga expressiva, permitindo deduzir um sentido de continuidade entre as figuras retratadas e a manifestação de uma energia precisa que irradia da sua presença paradoxal e da sua forma espectral no território. Enunciando a passagem do mundo dos fenómenos naturais ao mundo das imagens, a origem do movimento em cada plano parece enunciar a presença de uma Natureza sempre em transformação responsável pela própria anima das figuras. Trata- se, portanto, de activar as forças contraditórias que se articulam em torno de um conjunto de figuras tornadas fonte de uma tensão estranha, figuras que são simultaneamente produto do legado cultural do seu autor como da acção do movimento imprimido por múltiplas condições naturais sobre os modelos retratados. Resultado da activação destas forças, as forças da representação cultural e da realidade factual que afecta directamente os corpos retratados, é o sentido que se extrai da energia dos planos-retrato convocados no início da obra e aos quais se volta de uma maneira ou de outra no decurso da narrativa como forma de indagar “o caminho em direcção ao espírito das coisas”(Costa, 2001). É das relações conflitivas destes retratos com a terra e com a localidade figurada, da relação entre as figuras e os motivos que representam a realidade do mundo físico em que se fabricam os seus percursos ficcionais, que se obtém a chave de interpretação iconográfica da obra. Um dos seus maiores desafios prende-se com a descodificação do trabalho destas imagens no filme sem o qual seria vã a tentativa de compreensão da paisagem cinematográfica.
Habitada por figuras-modelo cuja expressão parece inspirar-se nos vivos como nos mortos, a paisagem organiza uma composição de frescos no espaço perisagrado em que o filme se desenvolve. Aí, é como se essas figuras constitu- íssem a intuição imediata do mundo, um mundo em que a diferenciação entre interioridade e exterioridade não teria ainda acontecido, constituindo-se elas próprias como uma força de conhecimento da natureza. Mais do que exprimir um estado original da natureza, trata-se com esta obra de endereçar um estado “primitivo” de representação pela acção de um médium tão sofisticado como o cinema e pela combinação das lógicas do realismo e da narrativa. Testemunhando a impossibilidade de emancipação dos corpos do universo físico, estas imagens erguem-se expressivamente contra um conjunto de sedimentos de uma história cultural que assenta sobre uma iconografia dos espaços exóticos como palco onírico de uma vitória simbólica sobre o Outro. O trabalho destas figuras desenvolve-se ao longo do filme no sentido de restaurar a sua presença no mundo das representações, um mundo em que cada figura não é mais do que um veio de ilusão lançado sobre a realidade, e cada movimento não designa a deslocação de um corpo no espaço mas a sua transferência no universo das representações em que adquire visibilidade. É pelo jogo dramático das figuras no espaço que se chega ao significado íntimo da paisagem em Casa da Lava e são estes retratos que activam o poder expressivo da localidade figurada. Expondo as contingências dos sistemas de representação convencionais estes planos-retrato funcionam no filme como extracto puro de significação e é atra- vés deles que a terra se deixa ouvir. A voz do território tornado protagonista revela-se em cada sequência do filme e é pelo trabalho da paisagem que retroac- tivamente escorrem as múltiplas vozes interpeladas a que os retratos dão rosto.

O dialogismo entre personagens e território que assim se estabelece oferece uma base para o reconhecimento das imagens de território como verdadeiros pontos nodais sobre os quais se estabelece a mitificação das categorias sociais de identificação da diferença que operam neste sistema de representações.
Numa “obra que nasce sobretudo dos encontros com os personagens e com os lugares” (Costa, 2001), o efeito destas duas séries de imagens inaugurais do filme configura pois dois dos elementos cruciais da poética do realizador; o retrato do território e o retrato da figura humana. Não obstante, elas provocam um efeito desestabilizador da percepção do espectador, turvando a distinção entre espaço “real” e espaço convencional da narrativa. Através deste ciclo de imagens, o dialogismo proposto entre estas duas instâncias a do espaço “real” e a do espaço representacional, pressupõe a destruição da separação absoluta entre a experiência liberta de convenções e o mundo das convenções em si mesmo. A inseparabilidade entre estas duas instâncias puras sobre a qual o dialogismo ocorre é em grande medida fruto da acção do cronotope dos contra-espaços desde logo accionado pelo jogo da paisagem nestas imagens, e potenciando o constante movimento entre o objecto percebido (território, personagens) e o sujeito (espectador). É esse movimento que liga o objecto percebido e o sujeito que percebe emprestando-lhes reversibilidade, e é através dele que acontece o evento fílmico como resultado da coexistência destas entidades em diálogo. A simultaneidade dos diálogos entre as entidades humana e não-humana gera por seu turno, o questionamento do papel específico do Outro individualizado na sua relação com o Outro generalizado que o filme intercepta, donde o mundo criado pelo filme através deste bloco espácio-temporál potenciar a voz de cro- notopes “marginais” aos cronotopes “dominantes” em que nos movimentamos e sobre os quais assenta parte significativa das nossas representações do mundo.
Como contra-espaço, este cronotope vai testemunhando posicionalidades divergentes e centrífugas relativamente àquelas que no quotidiano governam os cronotopes dominantes do sistema global, cronotopes que configuram a produção do espaço no sistema global e as relações capitalistas de troca e propriedade. Embora não possam ser confundidos com os cronotopes que operam no universo factual dos indivíduos e das práticas interceptadas por este cronotope, aquilo que ele reflecte é uma tentativa de aproximação à alteridade dos mundos para os quais remete e às suas especificidades espácio-temporais. De facto, a especificidade do tempo no trabalho de Pedro Costa consolida o efeito da especificidade do espaço nas suas obras, pelo que o cronotope dos contra-espaços nutre-se irrefutavelmente desse sentido de tempo longo que o autor explora. Em Casa da Lava, o recurso ao cronotope artístico cinemato- gráfico dos contra-espaços evidencia precisamente a preocupação associada à exploração da implacável “aventura do tempo, (que) perspectivado com energia desde um centro forte” (Costa, 2002), na sua forma dilatada, funciona como modo de alcançar a concisão e a precisão da matéria (Costa, 2002). E é assim o testar dos limites espácio-temporais que o autor parece propor com esta obra, forçando o espectador a reconsiderar a experiência convencional destes limites. A paisagem surge aqui como veículo mesmo dessa experiência pelo que a metáfora da destruição mobilizada desde o início do filme redime a própria construção do lugar legítimo de acção. Paralelamente, o sentido permanente da erupção da terra como atributo simbólico da destruição de qualquer paisagem assim como da sua recriação contínua, associa-se à ideia de fluxos heterogéneos de tempo cuja captura emerge como contradição na época actual.
De facto, se o bloco espácio-temporal mobilizado decorre da compactação de séries de imagens em que o tempo “real” da acção define as relações entre planos e em que o espaço “real” da acção define o âmbito dessas mesmas relações, simultaneamente essas imagens traduzem um sentimento apurado das contradições de uma época. É como se o realizador tentasse, com recurso ao trabalho da paisagem cinematográfica, fazer justiça à ideia do fim de uma época, lutando por uma exposição rigorosa das suas múltiplas contradições. E se o impacto geopsíquico do filme é inerentemente dantesco, já a exploração do mundo retratado – um mundo social e histórico em essência – se produz tendo subjacente a ideia de uma simultaneidade pura dos eventos. Como um impulso gerador da forma em que se organiza o próprio filme, o sentido de simultaneidade e até de correspondência espácio-temporal entre o mundo da obra e o mundo “contra” o qual esta se projecta incisivamente, um “primeiro mundo” ou a sua ideia, funcionam como modos de indagar as forças pro-gressivas e reaccionárias do desenvolvimento histórico. É deste modo, e em sentido lato, da participação num cronotope histórico-geográfico total aquilo de que se trata neste filme, ainda que a aproximação se realize pela exploração de uma batalha subterrânea entre um espaço geográfico e um tempo históri- co saturados pelas categorias modernas e ocidentais da experiência, frente a um espaço-tempo que lhes é “exterior” e marginal imanado pelos percursos biográficos que rendem a narrativa. A resolução artística desta batalha é res- ponsável pela emergência de uma tensão que contamina o evento fílmico no seu conjunto, proporcionando à obra o seu extraordinário poder de exprimir a época em que se concretiza ou, mais precisamente, a linha divisória entre duas épocas. Ora, se o rigor e consistência internos da obra assentam sobre o seu poder de exprimir as contradições de um momento marcado pelas tensões entre duas épocas, em que o poder de delineamento das formas essenciais de perspectivação do mundo se vêem reconfigurados por novas formas, divisões e elos de ligação das categorias da experiência num período pós-colonial, o desafio que se propõe parece estribar na tentativa de captar a simultaneidade pura e a coexistência das experiências que se encontram na dependência das interpretações histórico-geográficas reinantes.
Objectivando o direito a ser Outro, o direito da experiência desenvolvida fora das categorias formais, a paisagem em Casa da Lava introduz a incerteza relativamente à inevitabilidade dos parâmetros que regulam e determinam a fixação das categorias para espaço, tempo e identidade, tornando a sua equa- ção instável. É o próprio princípio do “exterior constitutivo” (Mouffe, 1993), em torno do qual se organizam os processos de exclusão de alteridades, que se indaga pelo trabalho narratológico destas superfícies, procurando-se for- mas não-essencialistas de exploração das relações entre aquelas categorias. Como “processo relacional através do qual o exterior – ou o “outro” – de qualquer categoria opera activamente dos dois lados da fronteira construída” (Natter e Jones, 1997:146), o exterior constitutivo do universo interpelado pela nar- rativa associa-se ao universo dos projectos hegemónicos que na modernidade definiram as complexas estruturas de construção da diferença entre indivíduos e grupos. Concebida como superfície aberta e plural onde operam múltiplas instâncias de (des)identificação, a paisagem figurada elucida uma praxis de lugar perspectivada como um projecto em processo profundamente marcado pela força do exterior constitutivo que complexifica a estabilização de uma comunidade política inclusiva cuja unidade é permanentemente ameaçada pela reconfiguração das forças antagónicas de conflito e divisão dos territórios que lhe são “exteriores”. Como arena inacabada de contestação social, a paisagem cinematográfica ecoa os movimentos dos personagens que habitam o corpo-
-terra-fronteira retratado pelo filme, revelando um espaço aberto às políticas de reconfiguração do lugar e da diferença. Transgredindo a materialidade de um espaço social herdado, a paisagem do filme afirma-se pelos níveis de indeterminação, deslocalização e a-temporalidade que saturam o evento fílmico, objectivando um grito de identidade e território como elementos cruciais do próprio acto de transgressão e das possibilidades de contestação das categorias formais da experiência.

Resíduos materiais como dispositivos cénicos

A um primeiro nível de análise, o conteúdo do filme levita em torno de uma viagem efectuada por dois personagens, uma viagem despoletada pelo acidente brutal de um operário da construção civil, cujo anonimato acciona o estranhamento, como tema fundamental da narrativa. De um conjunto de imagens, retratos de figuras humanas femininas imobilizadas num ambiente furiosamente natural, somos abruptamente transportados para uma outra loca- lidade em que o ambiente construído é o palco da acção e em que um conjunto de personagens masculinas sugere o movimento quotidiano de transformação da terra pelo ser humano através das obras de construção civil. Aqui, a figura de uma fachada em reconstrução enche vertical e horizontalmente um plano. Suportada por um complexo de estruturas que como linhas de fuga do plano desvelam o seu centro dramático, o escavar de uma terra passiva pelas máquinas e pelos homens, esta imagem acompanhada pelo som metálico das máquinas antecipa a tragédia em torno da qual a narrativa se organiza; “Entrou sem identificação, não tem cá família, amigos, ninguém. Dois meses de coma profundo. [...] Por incrível que pareça a alta foi pedida, a direcção autorizou [...] o transporte está pago [...] Um cheque e uma carta cheia de erros... assinada pela aldeia dele...tudo anónimo... letra feminina”. (Médico 1)

Trata-se, desde o início do filme, de articular num eixo comum as pro- blemáticas da vida, da morte e da identidade na sua relação com o espaço, perspectivado como evento regulado que funciona como base de estruturação das assunções e das práticas de integração e exclusão social. E se a viagem efectuada por estes dois personagens, a enfermeira portuguesa e o operário cabo-verdiano, estabelece os sentimentos de alienação, de deslocalização e do coma, como efeitos emocionais determinantes a operar no evento fílmico, isto não acontece por acaso. Este último é, aliás, um dos efeitos que mais contribui para o carácter provocatório do filme, recodificando a carga expressiva que se desprende dos retratos celularmente fotográficos das figuras humanas e do território apresentados. Pontuando incisivamente a narrativa, as imagens aéreas de um cone vulcânico anunciam o destino dos dois personagens e já em terra, procede-se à entrega do corpo convalescente e de identidade anónima que ninguém reclama presencialmente. Descarregados num território árido e asfixiante, em campo-aberto, a enfermeira europeia e o doente africano que “volta para casa” (Médico 1) são dragados pelo vento e pela poeira daquela paisagem mineral, o estadolimite de Leão, organizando-se pelo encadea- mento dos planos a confrontação entre Norte e Sul que o filme objectiva. Daqui em diante, trata-se sempre de indagar o estado limite entre a vida e a morte na sua relação com o lugar retratado corporizando-se diversos níveis de deslocalização em Mariana, a enfermeira que viajou da metrópole imbuída da missão de animar Leão. Lapidarmente absorvida por um ambiente físico que lhe é hostil, Mariana ocupa-se de um corpo (humano) depositado num corpo (terra) de que ninguém parece ocupar-se e cuja paisagem emblemá- tica é redimida pela figuração do perfil de um gigantesco cone vulcânico. Confirma-se, a partir daqui, a espacialidade imanente da localidade retratada, cuja figuração remete ao longo do filme para os arquivos culturais da ima- gística moderna. Confirma-se ainda uma das preocupações centrais de Pedro Costa, o tratamento temático dos lugares onde a morte se torna manifesta, do lugar da “morte protegida pelo amor” (Costa, 1995).
O recurso à localidade cabo-verdiana parece ter subjacente a vontade de mobilização de um território simbólico onde se entrecruzam percursos que convergem em direcção à ideia de mundo natural selvagem, de tráfego e de sofrimento. A paisagem emblematizada pelo filme através dos planossequência que objectivam a confrontação de Mariana (e do espectador) com o território figurado, é apresentada agora com referência a um conjunto de clichés paisagís- ticos relativos ao espaço cultural africano. Transportando-nos para um ambiente hermético, a viagem inicial, e já em terra, da enfermeira, para o interior da localidade retratada, configura a entrada numa espécie de território fechado sobre si mesmo que dá a ideia de guardar uma antiga ordem da natureza a que a civilização ocidental “perdeu” acesso. O trabalho da paisagem desenvolve-se à margem das aproximações “turísticas” a ambientes exóticos a que o cinema co- mercial nos habituou ou daquelas aproximações centradas na aventura ocidental da exploração dos territórios ditos selvagens. Efectivamente, não se trata, com este filme, do retratar pelo cinema de um jardim exótico, um parque natural ou um paraíso perdido em África. Trata-se antes de endereçar um território simbólico como leito de domínio e de morte, bem para além das convenções cenográficas da paisagem desenvolvidas desde o século XIX por fotógrafos exploradores como Carleton Watkins ou William Henry Jackson, que reuniam a tradição da pintura ocidental da paisagem e respectivo clima ideológico. Como filme que trata de um território, Cabo Verde, e de um povo, os cabo-verdianos, Casa da Lava ergue-se como segmento de uma história ambiental. Não é um imaginário da aventura colonial que se pretende acordar com este filme ou, quando muito, é o outro lado desse imaginário que emerge em oposição simbólica à utopia ocidental do mundo selvagem e intocado. Indagando o outro lado do espaço, o contra-espaço das memórias históricas, dos monumentos e dos traços culturais capturados em imagens fragmentares de território, a contracção e fragmentação do espaço fíl- mico através de cada plano funciona como meio de espectralização da paisagem assente na ressonância de outras artes que operam no tecido intratextual do filme. Ao longo deste percurso, a ênfase nos enquadramentos de um perfil rochoso e esquelético de território, assim como o fossar pela câmara de porções de uma natureza semiestéril, remetem para uma presença inalienável do espaço físico na experiência de lugar. Acordando a história de um território colonizado de raiz por acção dos portugueses, a paisagem cinematográfica potencia um movimento de indagação em torno de um território de entreposto do movimento moderno intercontinental e transoceânico de colonização da terra e dos seus habitantes, cuja história se fez com base nas sucessivas descargas de população maioritariamente oriunda de território continental africano. Ao longo desta sequência, produz-se um efeito de espectralização da paisagem que remete para o labirinto de projecções que constituem o horizonte cultural de uma população estranhamente indígena no território figurado. E é precisamente essa separação simbólica entre território de “origem” e território habitado que a paisagem emblematiza. Propondo a re- flexão em torno do horizonte cultural da paisagem retratada, esta sequência de planos do território acorda o espectro de civilizações que no decorrer do tempo histórico foram definindo a sua história ambiental. Como se verifica no decurso da narrativa, aquilo que encerra esta iconografia da paisagem é muito mais do que o activar de uma concepção da paisagem como reserva simbólica que remete para a idealização de um espaço enquanto refúgio ambiental ancestral através do qual se procura um sentido “original” da natureza humana. O significado daquelas imagens vê-se imediatamente recodificado pela chegada do corpo inanimado e incógnito de Leão ao hospital local;

“Não é costume. Ninguém volta. Todos os dias os vejo partir, mas voltar, ainda por cima assim [...] Isto aqui era uma colónia de leprosos. Quem entrava nunca mais saía. Toda a gente teve um pai, uma mãe, alguém, mas ninguém se quer lembrar. Morte lenta” (Médico 2).

Edifício visivelmente degradado e antigo refúgio de leprosos com papel activo na modelação do imaginário popular da localidade retratada, o hospi- tal constitui um elemento crucial de figuração no tecido pictórico do filme.

Como resíduo de um exterior constitutivo, o hospital define uma marca no espaço que activa fantasmas ancestrais que povoam a memória histórica da colectividade que o filme intercepta e que inflamam um sentido de lugar; “Maldade. Estar aqui doente só por castigo.” (Médico 2). É através desta marca, elemento iconográfico através do qual se procede à confrontação com a ideia de um genius loci interpelado pela obra, que se adensa a aproximação à paisagem e à sua formação social. Constituindo um modo de aproximação simbólica à memória de um entreposto de descarga e distribuição de seres humanos, o hospital define o ponto de partida de um percurso de revisitação pelo filme às memórias histórico-culturais de um grupo. Através dele, procede-se ao en- quadramento visual da paisagem, e é através de um detalhe iconográfico obtido do seu interior que se fixa o olhar furtivo de Mariana em relação ao território. É do interior do edifício que a câmara surpreende o diálogo entre a enfermeira portuguesa e o médico africano, oferecendo ao espectador o movimento de deslocação do médico na varanda, vislumbrado através das aberturas do edi- fício para o exterior. Neste momento de negociação da diferença interpelado pela câmara que permite vislumbrar a complexa constituição das paisagens “exóticas”, opera-se uma citação explícita das convenções da representação em paisagem como dispositivo pictórico clássico, explora-se a profundidade de campo. Enquadrado entre portas e janelas, o espaço árido exterior é submetido a um sistema de significação que encontra na paisagem o cenário diegético por excelência. Esta abertura sobre o espaço profundo da representação realista objectivada pelas portas e janelas do hospital, proporciona uma hierarquização do espaço narrativo a qual é objectivada em torno de dois centros simbólicos; o médico e a enfermeira. Condensando o universo da história da representação da paisagem, esta sequência convoca a força expressiva de motivos como as janelas e as portas como elementos figurativos usados convencionalmente para reforçar a dissociação das personagens com o mundo exterior.
Oferecendo ao espectador um olhar sobre a pele desse mundo e paralela- mente confrontando-o discretamente com os mecanismos convencionais de hierarquização que operam na construção social do espaço, o efeito pictórico destas aberturas remete para uma utilização clássica da paisagem concebida como trompe-l’oeil, dispositivo cenográfico amplamente explorado no teatro, na ópera, ou ainda nas grandes cartas geográficas a partir das quais se desenharam as fronteiras e os destinos dos territórios modernos. É através destas aberturas que se define o jogo conflitual de Mariana, um jogo que decorre da relação entre o mundo exterior e essa zona plástica que é o seu mundo interior, em torno do qual se vai cerzindo a sua tentativa de aproximação à “hostilidade” do espaço colonizado. Organizada em três níveis, esta superfície iconográfica funciona como índice visual que condensa a evolução psicológica desta personagem. Um primeiro nível que é a superfície da penumbra interior do hospital onde se encontra a enfermeira. Um segundo nível, superfície de interface entre esse mundo interior e o exterior, que é a varanda do hospital onde se movimenta o médico durante a conversa. Um terceiro nível que é o do espaço exterior en- quadrado pelas aberturas do edifício. Sublinhando o encontro conflitivo que se organiza em torno destas superfícies, o mundo interior da enfermeira europeia, as suas paixões e a evolução do seu desejo e o mundo dos personagens africanos em relação com uma ideia de paisagem cultural, esta superfície condensa o choque entre dois conflitos silenciosos que agitam a narrativa; o de Mariana e o de Leão. Por isso, longe de apelar a uma abertura idílica sobre o território, este detalhe iconográfico do filme concentra a tensão crucial da acção.
Estruturado em torno de três eixos iconográficos fundamentais, o retrato das pessoas, o retrato do território e a figuração de cicatrizes de geografias passadas, o trabalho da paisagem organiza o sentido íntimo de significação da obra. Aliás, é pela abordagem a estas marcas territoriais como motivos iconográficos de primeira ordem que se acede às visões ideológicas subjacentes ao retratar das pessoas e da localidade pelo filme, e é do seu conteúdo que se desprendem os traços enigmáticos de uns e de outros. Como traves mestras de um genius loci com que o filme nos confronta, essas marcas de uma anterior administração e ocupação do território pelos portugueses funcionam como testemunhos na paisagem de um espaço conquistado e abruptamente abandonado, evocando continuamente a aventura da colonização por uma civilização rápida e violenta cujas práticas se encontram gravadas na ficção cabo-verdiana da sua história nacional. Testemunho de outras geografias usadas como forma de alegorização da história nacional cabo-verdiana, estas marcas no espaço surgem como parte integrante da consciência de um destino nacional. Como feridas abertas no espaço que continuamente accionam os espectros de uma anterior ocupação, estas marcas definem a relação dos personagens com o passado e com o devir, erguendo-se no território como pontos de vigilância e de controlo. A evocação destas marcas simbólicas remete por isso para um sentido de lugar ao qual se associam práticas de isolamento forçado decorrentes dos modernos mecanismos de policiamento da ordem, da saúde pública e do enriquecimento capitalista.
O hospital ou antiga colónia de leprosos surge, assim, como resíduo material de um sistema de saúde moderno suportado por estruturas de poder implicadas na manutenção de uma política de saúde pública que irradiava da metrópole portuguesa. A alusão aos espectros dessa antiga colónia de leprosos cruza-se durante a narrativa com a alusão a outras instituições de controlo dos modernos programas higienistas que aí tomaram assento e que funcionavam como fontes de perigo e de medo colectivo. A alusão a estas instituições, cujo significado se vai densificando com o decorrer da narrativa, define uma complexa relação entre os personagens e o ambiente físico. O carácter enigmático da paisagem vê-se recodificado com a introdução de referências como a colónia de leprosos ou a colónia penal do Tarrafal, interceptando-se os seus espectros na memória colectiva e na própria construção das representações dos mundos dos persona- gens. São na verdade, os espectros da morbilidade e do isolamento que saturam os poros de uma geografia a que o filme dá voz. A integração gradual desses espectros na narrativa descobre uma formação social do espaço que tem subja- cente uma forma específica de exercício do poder que irradiou historicamente desde o exterior constitutivo da localidade retratada e que definiu alguns dos contornos mais significativos da sua forma residual de existência.
Denotando profundas transformações na capilaridade de poder que foi acompanhando a transformação das políticas decorrentes da independência administrativa do país, a paisagem reenvia continuamente para o estatuto de um lugar cuja função se associou historicamente a uma certa vocação para o acolhimento de práticas associadas a um esforço de tornar secretos determina- dos segmentos do social que não tinham lugar nos centros activos de difusão da modernidade e da ideia de progresso. Depois de ter servido de entreposto para a “aculturação” de espécies animais e vegetais na aventura de conquista e domínio multicontinental pela Europa, Cabo Verde afirmaria a sua vocação de espaço-contentor assim como de lugar de trânsito no movimento de tráfego de escravos que constitui essa mesma aventura, verificando-se no início do século XVII uma “exportação regular de ‘escravos experimentados’ de Cabo Verde para as américas” (Davidson, 1999: 197). Assumindo no século XVIII e XIX posição de destaque como suporte para a navegação marítima de longo curso, o arquipélago de Cabo Verde desenvolveu uma cultura específica marcada por uma austera insularidade. Os mitos e a memória desta história antiga são desde logo reanimados pelo jogo simbólico e cromático que se desenvolve no ecrã, assim como pela preponderância de superfícies pictóricas carregadas de efeitos semânticos que objectivam um mergulho profundo no domínio das representações culturais que o filme convoca. Mas é em torno das referências a uma história mais recente de ocupação do território que se vai aglutinando o tecido significante do filme.
Como que tratando-se de reunir uma espuma dessa memória recente do território pela confrontação com as suas cicatrizes geográficas, a alusão furtiva ao Tarrafal e a fixação de uma activa significação para o hospital condicionam vivamente o trabalho da paisagem cinematográfica permitindo ver para além do que é visto. Obtida da figuração de duas localidades, a Ilha do Fogo e a Ilha de Santiago, a dissonância do lugar legítimo de acção nutre-se destas duas referências locativas como indícios da própria origem histórica da colonização do arquipélago, pela força expressiva da sua constituição geomorfológica e dinâmica, assim como pela absorção de mitologias locais decorrentes de uma memória traumática de lugar. A referência ao Tarrafal reforça o sentido de um isolamento compulsivo e trágico que contamina a experiência fílmica enfatizan- do o papel dinâmico do espectador na construção do lugar legítimo da acção. Através dela, cada vista do território volta-se sobre si mesma, remetendo-se para um doloroso e tardio processo de independência que pelo desenvolvimento do nacionalismo cabo-verdiano contestou fortemente o regime fascista português. Elemento simbólico do sistema autoritário que o Estado Novo pôs em marcha, a Colónia Penal de Cabo Verde destinada a presos políticos e sociais situava-se nas proximidades da vila do Tarrafal, na Ilha de S. Tiago e funcionou durante o regime salazarista como depósito arbitrário de adversários do regime, sendo a detenção preventiva destes deportados decidida pela polícia política, explica António Barreto. E prossegue, como sinal da consolidação do poder arbitrário em Portugal, a Colónia Penal do Tarrafal foi, desde 1936 a 1954, campo de deportados sem instalação de água nem esgotos, lugar em que se verificaram práticas de castigo e tortura, reaberto na década de 1960 como campo de trabalho destinado desta vez a presos políticos africanos. Considerada pelo autor como a quintaessência do terrorismo de estado sob Salazar, a Colónia do Tarrafal terá sido incorporada nas representações do espaço cabo-verdiano e o espectro de dor e sofrimento que irradiam de um sentido de lugar marcado por violências e arbitrariedades cometidas rotineiramente assim como por criminosas negligências (Barreto, 2000) e pela morte de deportados nomeadamente vítimas de doenças infecto-contagiosas, paira sobre o lugar legítimo da acção de Casa da Lava.
A ideia de um lugar de morte lenta associada a um aparato punitivo particu- lar instalado no território de Cabo Verde parece ter sido apropriada por Pedro Costa como forma de enfatizar os mecanismos de poder investidos nos corpos humanos assim como no corpo do território. Ecoando forças ancestrais de trans- formação dos corpos, o corpo mórbido de Leão, trasladado de terra em terra, condensa uma miríade de micro-poderes accionados no decorrer da narrativa. É em torno deste corpo-memória, paralelamente sob o efeito do poder/desejo e investido de poder/desejo, que se tece uma rede de formas de controlo de uns personagens pelos outros. Transferida para o espaço, esta rede articulada em torno das políticas corporais, dos edifícios e da paisagem vai tornando visível a relação entre a fantasia e os diferentes tipos de instituições a que se alude. Percebidos como arenas de escuridão e de medo, o hospital e a colónia penal funcionam como modo de enfatizar uma carga semântica que se desprende das práticas biopolíticas associadas às tecnologias do poder e de transformação dos corpos que ecoam do período moderno e colonial. Evidenciando uma tensão entre racionalização e liberdade tornada quase palpável pelo corpo de Leão, a experiência de espaço no filme nutre-se deste sentido de lugar voltado contra si mesmo; “Esta terra enganou-me!” (Leão). A estruturação do mundo visual do filme tendo subjacente a identificação de forças subliminares que operam sob a máscara de uma superfície espacial homogénea, põe em relevo o dentro e o fora da localidade retratada e define um centro e uma periferia activos na modelação cultural da paisagem. É portanto a ideia de país e de cultura, de corpo e de paisagem como todo completo e coerente que se questiona, lançando-se pistas para a identificação dos diversos projectos que permanentemente põem em causa a sua definição como totalidades estáveis e ordenadas.
Aquilo que se obtém pelo trabalho da paisagem cinematográfica, não é uma harmonia natural das entidades físicas, reforçada pela inserção do colectivo de habitantes ou “nativos” na região ao modo convencional de um quadro vidaliano, mas antes uma inspecção cuidadosa do terreno mais vasto das geopolíticas que interceptam a localidade retratada. Neste quadro, em que as micro-políticas do corpo e do desejo funcionam como motor de indagação de uma trajectória histórico-geográfica mais abrangente, a paisagem não funciona como meio de sintetizar a “essência” de um território mas como forma de indagar as múlti- plas posicionalidades do sujeito e os espaços de contestação que dentro dela competem. De facto, manifestando uma compreensão ramificada e penetrativa do presente, Pedro Costa descobre a história de um Outro colonial e as suas identidades distintivas em articulação com as diversas constelações de poder e conhecimento a operar na actualidade. Embora imbricando a cultura retra- tada numa ecologia local, o realizador explora a paisagem como um espaço profundo em que o que lhe é “interno” e “externo” é produto de um processo de constituição recíproca.

Panning entre mineralização da memória colectiva

Captando a primeira deslocação de Mariana através da povoação retratada, a câmara entrega ao espectador a superfície de observação do viajante e do flâneur e é pela interpenetração do factual e do ficcional, o plano documental inscrito no desenho narrativo do filme, que o realizador agudiza o sentido de desestabi-lização das imagens de território obtida da infiltração da câmara numa espécie de ponto cego do enquadramento durante esta sequência de imagens.Operando uma penetração osmótica entre a fenomenologia da paisagem e a fotogenia da localidade figurada, o desvelar pela câmara do passeio da enfermeira pelas ruas da povoação expõe a reciprocidade da visão imanente à construção de um terri- tório, tornando o espectador mais vulnerável à medida que se vai aproximando ao objecto observado. É portanto o princípio de porosidade do espaço descrito por Walter Benjamin que se enuncia através desta cena, violando-se o sentido hermético da representação do território e lançando-se as bases para a exploração dos seus valores experienciais no presente. Denunciando a ambígua relação de mútua absorção entre a enfermeira e o espaço pós-colonial africano, o seu passeio pelas ruas da localidade inicia um processo (inacabado) de dissolução das barreiras entre a personagem e o ambiente físico, processo que é timidamente sugerido pela sequência alusiva à substituição do calçado na feira. O sentido de deslocalização da enfermeira evidenciado por um estado psicológico de febril obstinação, de- nunciam o efeito de estranhamento da personagem em relação ao ambiente físico e humano retratados, denotando uma constante procura de redefinição do seu lugar em relação ao mundo envolvente. Irradiando de um centro topográfico de localização do filme que lhe “permitiria” adquirir um ponto de vista estabilizado sobre o mundo em que se encontra, o olhar de Mariana, não obstante, debate-se com uma hierarquia da visão à qual permanece iniludivelmente estranha. Longe de lhe assegurar uma arena de repouso ou uma posição estratégica de observação da paisagem, o hospital em que Mariana se encontra alojada funciona como espaço opressivo e como ponto de fuga de um mundo obscuro e fantasmagórico com o qual contrasta a luz e o movimento das ruas atravessadas. O envolvimento da personagem com um mundo que lhe é estranho passa assim por uma espécie de errância em torno dos centros de visibilidade que o animam, a despeito de um reconhecimento furtivo dos elementos da sua identidade (todos parecem conhecer Mariana e “Todos agradecem à menina Mariana” (Bassoé)).
A dissonância que se desprende desta ambígua imersão da enfermeira (por- tuguesa) na paisagem (africana), enfatizada pelos complexos movimentos da câmara envolvendo a figura feminina no espaço retratado, inviabilizam a possi-bilidade do espectador definir um ponto de vista estável e único sobre o qual se descobre o território. Aquilo que se propõem, parece ser, então, a abertura das visões subjectivas à lei da porosidade dinâmica que rege a interpenetração da exterioridade e interioridade dos diversos espaços que vão sendo interceptados. Abordado como objecto de conhecimento indirecto, o espaço retratado reflecte obliquamente a experiência de alteridade de Mariana, num universo em que as infinitas superfícies de representação apresentadas ao espectador funcionam como meios de endereçar a meditação em torno da experiência contemporânea de lugar. Resultante de uma negociação contínua com os fantasmas e com os resíduos de experiências prévias, a paisagem cinematográfica absorve o espectador confrontando-o com um mundo muito específico e com os traços que persistem e que modelam a experiência do presente radicada no sentido da transitividade e nos efeitos da pós-memória acordados pelo realizador.
É do lado de fora de um edifício-fortaleza que Mariana tenta a aproximação a esse mundo, permanecendo estrangeira a esse centro semiprivado de reunião das mulheres que é o local abandonado de um antigo forte, arena de apresentação das forças subliminares que regem a vida local. Como lugar escolhido para apre- sentação de Edite, a única “europeia” a viver entre os “nativos”, o espaço interior deste edifício configura-se como um verdadeiro gineceu, simbolicamente cerzido através de uma paisagem policromática de roupagens lavadas e estendidas sobre a terra, pelas personagens cúmplices do destino de Leão. Corporizando a ideia de que não há formas fixas que governam a produção do espaço, as imagens captadas dentro deste forte enunciam a força cultural que irradia das práticas femininas na sua modelação de uma tradição cultural associada à domesticidade e a um habitar sedentário do território. O modo não-linear de apresentação destas forças por recurso à carga simbólica do forte, enuncia um sentido secreto de entrin- cheiramento do espaço por parte deste subgrupo cultural, evidenciando ainda a profunda capacidade de subversão do sentido de lugar enquanto domínio fixo e imóvel de acção e significado. Resgatado ao meio como parte integrante de uma microtopologia do quotidiano, este espaço é igualmente resgatado do domínio das memórias de um passado e reapropriado enquanto espaço de visibilidade reconstruída. Interceptado como entidade que revela a recodificação simbólica da paisagem num ambiente em que a porosidade social entre famílias, vizinhos e estranhos enuncia um universo descontínuo de experiência e apropriação do território, o edifício do forte materializa a ideia de que no universo ficcional interpelado qualquer posição se encontra num processo constante de negociação das suas relações com outras posições, a despeito da densa cartografia do poder que se organiza ao longo da narrativa.
Do lado de fora desta fortificação do poder cultural feminino, e revelando a teia de inter-relações que une os diferentes personagens, o percurso de aproxi- mação de Mariana a Bassoé, o velho violinista, funciona como porta de entrada para o espaço profundo das complexas relações sociais que articulam a narrativa. A penetração nesse espaço através de uma paisagem que funciona como metáfora do sentido de mineralização da memória biográfica de um indivíduo e de uma comunidade, é anunciada por um movimento de panning da câmara ao horizonte próximo sobre o qual se desenrola o ocaso. Na escuridão da noite, Mariana con- tacta com a experiência de uma resistência intangível, oferecida pela escuridão imensa, tornada entidade substancial do movimento e da mudança pelo efeito da reunião e da festa. Indagando a porosidade da matéria, das pessoas e dos objectos que neste lugar se vêem animados, a experiência de Mariana revela-se de ambiguidade inquietante pois enuncia uma enfática intoxicação da persona- gem pela particular relação com o mundo e com o ambiente físico que aqui se estabelece. É pela participação nesta festa que se potencia a viagem de Mariana enquanto trajecto de digressão pelo Outro, podendo intuir-se destas sequências uma tentativa de alcançar uma espécie de voz “autêntica” do lugar retratado. E se a paisagem deixa de estar perceptivelmente viva para o espectador durante a festa em casa de Bassoé, o lugar parece falar através da música do violinista assim como da miríade de vozes que se entrecruzam nesta casa-noite.
Despertando o mundo mítico dos herméticos personagens retratados, o violino acciona o trabalho das poderosas imagens de destruição da cratera vulcânica e de dissolução dos traços visuais da paisagem postas em acção no início da narrativa. Imagens cuja manifestação literal marca o ponto simbólico de acesso a um mundo subterrâneo da paisagem cabo-verdiana. A entrada neste ritual de celebração familiar articulado em torno de uma mesa e do consumo de alimentos e bebidas reenvia para um sentido de festa popular enquanto banquete para todo o mundo, associado às aspirações de um espírito universal de abundância. Estas sequências apelam intimamente a uma específica relação dos corpos com o mundo, à sua relação aberta e inacabada com a ideia de natureza e com aquele corpo esquelético da terra. Concretamente revelada no acto festivo de comer e beber, esta relação enuncia a sua própria circularidade pela transgressão dos limites do corpo, servindo a festa como modo de provar o mundo, introduzi-lo no seu corpo, torná-lo parte de si mesmo. Mas a festa retratada reenvia ainda para um antigo sistema de imagens em que a alimentação era motivo simbólico do fim do trabalho e da luta, uma espécie de recompensa que tinha subjacente o encontro e a luta do ser humano com o mundo pelo trabalho colectivo; “trabalho e alimentos representavam os dois lados de um mesmo fenómeno, a luta do ser humano contra o mundo, terminando na vitória” (Bakhtin, 1984: 281). Como evento social, o trabalho e a comida são apresentados no filme como mais do que uma forma privada de vida, pelo que as relações do discurso em crioulo fortificam esse momento de reconciliação entre ser humano e ambiente físico através da festa, uma festa votada à celebração da partida pela confirmação do trabalho.

“Quando eu era mais novo que a menina, andei por todas as ilhas... tocar, tocar sempre, funerais, casamentos, ali na Brava, até ao fim de St. Antão. Mas a música não mata a fome, a música não mata a miséria, a música não mata as lágrimas. [...] Um homem quer a sua paga. Quando trabalha precisa de consolo. O primeiro já não me lembro, o segundo já cá não está.” (Bassoé)

A conexão que se estabelece com o contexto envolvente através destes textos reenvia para uma pesada memória de privação de alimentos de que foi sendo vitima a população cabo-verdiana ao longo da sua história. Como banquete de celebração da vitória do corpo, a festa retratada simboliza o triunfo da vida sobre a morte, pelo que o filme intercepta este ritual de regeneração enquanto potencial de um novo começo responsável pela perpetuação da vida criativa dos indivíduos. Contribuindo para a dispersão do medo e para uma espécie de libertação da paisagem, a festa em torno da mesa é percorrida de diálogos cujo rumor profundo é renovado pela acção do corpo material. Trata-se de tecer livremente em torno da mesa um teia de união entre o sagrado e o pro- fano, uma teia em que o coro polifónico da voz festiva estrutura um discurso paralelamente de morte e de nascimento; “Não me pintem cruz na porta. Tina, não deixa. Vamos para todo o lado... Longe das casas, longe das aldeias... até os mortos dançam.” (Bassoé).
Não obstante, a natureza do discurso festivo alicerçado sobre o banquete da abundância e do renascimento, e marcado por uma liberdade saturniana, ultrapassa Mariana. Submersa na tensão que a fez aportar à localidade, a condição limite da vida de Leão e o anonimato a que fora votado, a enfer- meira permanecerá tomada pelo estado de choque decorrente das profundas contradições que irradiam da experiência do lugar. A impossibilidade de transpor os muros do seu próprio corpo individual torna o encontro com esta forma de festividade popular uma experiência contraditória de contacto com a vida material e espiritual dos habitantes da localidade retratada. E se através desta alusão Pedro Costa objectiva o pulsar de um grande corpo colectivo, ele fá-lo como modo de auscultar a frágil e intermitente pulsação deste corpo e do triunfo celebrado nesta festa de partida. Efectivamente, este ritual de celebração faz parte de uma cadeia simbólica de ligação desta paisagem pós- -colonial ao mundo subterrâneo dos personagens, um mundo marcado pela partida e pelo trânsito de seres humanos perspectivados aqueles como estra- tégia endémica de um destino nacional. Trata-se portanto de endereçar todo um conjunto de políticas de clausura inscritas historicamente na paisagem retratada, contrapondo-se-lhes um outro conjunto de políticas de deslocação que ao longo do tempo se estruturaram e se foram reconfigurando em torno deste ambiente físico. E se, em termos de memória colectiva, a viagem con- figura o encontro com a “força aterrorizadora da supremacia branca” (Hooks, 1990), ela configura ainda um dos traços fundamentais da ideologia de uma “cultura viajante” (Clifford, 1986) que se organizou tendo como base as ilhas atlânticas de Cabo Verde.

De facto, a identidade cultural cabo-verdiana parece nutrir-se irrevogavelmen- te deste ímpeto da viagem, potenciado pelas diversas vagas de fome e miséria que assolavam o arquipélago e inflamada por desejos de “europeização” bem como pelo “enxame de representações dos valores portugueses que invadiam e dominavam a mente e os sonhos dos cabo-verdianos” (Caldeira, 1993:624). Forjada numa rede de movimentos que decorrem das práticas e ideologias de uma cultura viajante bastante mais poderosa, constituída por força ou por privilégio das metrópoles dos impérios europeus, a cultura retratada parece nutrir-se de um sentimento de fuga associado às condições geomorfológicas, climáticas e pedológicas da- quele ambiente, tanto como do próprio sentido de opressão que irradia das inúmeras geografias do capitalismo. E daqui se confirma a tensão inerente à narrativa, objectivada pelo sentido de colisão entre os discursos optimistas de partida e de deslocação dos personagens em direcção a um receptáculo mítico, frente à incarnação do martírio e do abandono revelada pelos retratos humanos engendrados no ecrã como segmentos neo-realistas de uma terra-madrasta. É como se através deles se justificasse, mais do que a especificidade de um modelo de colonização, colonização de um povo (de múltiplas e heterogéneas comunidades étnicas reunidas sob a designação homogeneizante do crioulo), de um espaço e de um tempo, mas de toda uma história de independência e de afirmação de uma identidade nacional. Identidade que irradiou de um espírito nativista assente sobre a ideia de uma “homogeneidade cultural correspondente à homogeneidade social de uma perfeita mestiçagem” (Caldeira, 1993: 617). Donde o silêncio cortado da terra representada em paisagem ao olhar de Mariana, denotando o espasmo agonizante dos que a habitam suspensos num equilíbrio atemporal por toda uma árvore de representações pela qual irradia o apelo do centro. Trata-se de endereçar um mito de império assim como do efeito “hipnose-Lisboa” (Barros, cit. in Caldeira, 1993: 624) na sua condição residual.
Centro de império e Estado semiperiférico no quadro dos centros de acumulação capitalista, Portugal surge na narrativa como destino de evasão e paralelamente como figura de opressão para uma identidade colectiva constituída pelo princípio da duplicidade cultural. De uma maneira ou de outra, através dos corpos dos indivíduos e do corpo da terra, ou melhor, através do corpo da terra plasmado pelos corpos dos indivíduos, é deste sentido de opressão e de abandono que nos fala a paisagem de Casa da Lava. Opressão e abandono dos corpos do ser humano e dos territórios dispostos como órgãos periféricos de um centro único donde se desprendem as lógicas de um sistema de trabalho organizado pelo capital. É em seu torno que se estruturam esta e muitas outras culturas viajantes menos poderosas e alicerçadas sobre a exploração do trabalho humano, sobre o domínio e sobre a tiranização dos indivíduos submetidos ao nexo do trabalho-capital, sujeitos anónimos num sistema de pontos privilegiados que estrutura o espaço político global. Turvada a lógica desta geografia pelos desafios levantados com a ruptura de um espaço único constitutivo e pela pro- liferação de espaços e de sujeitos políticos, indaga-se a assunção deste território fracturado e os “novos” pontos de onde se procede ao remapeamento da ordem social. É para esse espaço que nos reenvia continuamente esta obra de Pedro Costa, alertando para a diversidade de comunidades que se entrecruzam no espaço capitalista global e pondo em evidência as relações em que participamos e as posições de sujeito por elas definidas. Constituída por uma variedade de sujeitos e de discursos precária e temporariamente suturados na intercepção dessas mesmas posições-sujeito, a comunidade retratada corporiza formas de dominação e subordinação que se articulam no período pós-colonial e que se desvelam sob o vertiginoso sentido de estranhamento que a paisagem convoca. É dos seus aspectos múltiplos e contraditórios que se extrai a própria respiração daquele território habitado, uma respiração subordinada aos pontos nodais em torno dos quais se reescrevem outras geografias das entidades retratadas.

Cartografia e convalescença sobre figuras de uma retórica cultural

Representando uma espécie de pontos de sutura num espaço social que o filme interpela, edifícios como o hospital e o forte constituem os marcadores donde se estabelece toda uma cartografia do poder local, uma cartografia em que se vai discernindo como elemento central a casa de Edite. Configurando um outro motivo iconográfico de primeira ordem, a figuração da casa de Edite reveste-se de profunda ambiguidade semântica, quando se tenta compreender a sua força expressiva no tecido pictórico do filme. Desvelando um padrão geral de relações de mútua dependência entre os antigos mundos metropolitanos e os territórios coloniais, o enquadramento deste edifício inacabado e semiabandonado, através de planos fixos que vão pontuando o decurso da narrativa, reveste-se também de significado crucial para a interpretação do trabalho da paisagem cinemato- gráfica. Através desta forma específica de representar a precariedade e a fractura das posições de sujeito dominantes, o realizador interpela as figuras retóricas que historicamente perpassam os discursos sobre o Outro colonizado. Anunciando o “encontro” entre Mariana e Edite, a morte de Escuro, o cão de Leão, funciona como uma espécie de abertura simbólica que enuncia paralelamente o termo e a continuidade da experiência. É deste acontecimento, tornado pretexto, que se apresenta o primeiro plano da casa de Edite e é através dele que se confirma o olhar sagaz do realizador na sua tentativa de captar para o ecrã as excrescências físicas dos territórios “abandonados” pelo exterior constitutivo. Daqui se con- firma o seu aparente comprometimento com a tentativa de retratar uma espécie de morbidez do território, acentuando-se visualmente o modo como indivíduo e paisagem se tornaram parte da própria fragmentação da qual se alimentam o capitalismo móvel e a acumulação flexível. Donde a relevância iconográfica deste plano para a recodificação simbólica da paisagem cinematográfica de Casa da Lava.
Reclamando a grelha de convenções ocidentais de observação do território, este plano retoma a ideia de representação da casa colonial, mas fá-lo de forma ambígua ao debruçar-se pictoricamente sobre um edifício que surge como resíduo físico de modestas proporções materiais que ecoa a presença recente de um Outro no território. Como testemunho inacabado de projectos exterio- res, esta imagem confronta o espectador com o universo mítico das quimeras associadas aos impérios de além-mar, a despeito da irreverência da casa e da sua precariedade enquanto retrato dos sonhos de apropriação do território. É da confrontação com a fachada inerte desta casa-fantasma, que se interpelam os mundos dos impérios e os destinos cruzados daqueles que permaneceram fora das modernas batalhas em torno da apropriação e exploração da terra. Desta superfície de representação assente sobre uma tradição humanista da paisagem idealizada (e sobre o lugar da casa imperial nessa mesma tradição de representação), desprende-se parte significativa do conteúdo ideológico e político do filme.
O choque entre o modo convencional de captar a imagem do edifício, a agressiva verticalidade com que se inscreve frontalmente no plano, e a materia- lidade residual da casa, nas suas janelas e escadarias desenhadas no cimento nu, objectivam o conflito iconográfico que se organiza ao longo do filme através da evocação do “exotismo” da paisagem. E é também em torno, ou sobre esta ideia de exotismo que se processa a apresentação da figura de Edite. O desenvolvi- mento desta figura feminina, também ela exótica no ambiente retratado, colide com as representações cinematográficas e convencionais de outras personagens femininas em África, subvertendo-se através dela um conjunto de representações culturais de pendor eurocêntrico assentes sobre as ideias de mulher, natureza e espaço selvagem. A teia de poder que se tece em torno desta figura central da obra, decorre, neste caso, mais de um sentido de participação do que de estranheza relativamente ao ambiente retratado, um sentido de participação que parece nutrir-se de uma secreta condição de abandono partilhada silencio- samente por personagens e mundo material. Reenviando paralelamente para os resíduos de uma anterior ocupação do território e para as forças de resistência a essa ocupação que culminaram na independência política desse território e na afirmação por uma cultura da sua identidade nacional, a casa de Edite é capturada pela câmara como forma de endereçar um olhar estrangeiro e colo- nial sobre uma renovada condição de marginalidade debilmente suspensa a um sistema de relações económicas e sócioculturais viabilizada por uma rede de actores que se nutre dentro e fora desse mesmo sistema dessa mesma condição. Casa e personagem enunciam-se, neste quadro, como veículos residuais das forças reminiscentes de um exterior constitutivo a operar subterraneamente nas narrativas de emancipação e de integração cultural de uma colectividade. Objectivado como ponto nodal de uma linha de sutura que activamente re- escreve as relações entre o passado e o presente dos grupos e dos territórios, o plano da casa de Edite interpela os movimentos recentes que se desprendem de uma hierarquia de interesses organizada em torno da localidade retratada.

Como motivo-chave iconográfico para o desvendar do conteúdo intrínse- co da obra, a condição fracturada e residual de uma experiência histórica de imperialismo como estratégia de interpretação do presente, a casa de Edite afirma-se enquanto nódulo activo daquela linha de sutura entre o ser humano e o ambiente físico que nutre a paisagem cinematográfica. A partir dela recon- sidera-se a própria condição da paisagem figurada, e a persistência heráldica desta casa no espaço ficcional activa um sentido de perturbação que percorre a experiência do lugar fílmico. Decorrente do choque entre a contemplação da natureza como parte de uma ética e de uma estética seculares e da fractura do sentido de contemplação decorrente da tradição humanista da paisagem idealizada que o realizador parcelarmente convoca, a perturbação causada pela experiência da paisagem cinematográfica vê-se potenciada através deste motivo pictórico. Casa e território fundem-se neste filme, simbolizando motivos de perturbação da ideia de uma natureza idealizada enquanto totalidade metafísica mobilizada para a representação da paisagem pela cultura ocidental. Trazendo à superfície o trabalho do sonho do imperialismo, o plano da casa de Edite reforça a densidade enigmática da paisagem, reenviando o espectador para a metáfora lançada por um plano sequência anterior quando o corpo de Leão é depositado em terra e alimentado por um recipiente de soro em suspensão no ramo de uma árvore. É deste sentido de suspensão da vida e da condição hu- mana que se nutre o cronotope dos contra-espaços neste filme, e é através dele que se estrutura uma poética implicada com a captura do sentido íntimo do abandono. Um sentido de abandono que é vertido para o lugar, perspectivado como corpo adjacente, periférico, marginal e inacabado de um vasto projecto de negociação de alteridades, alicerçado no período moderno sobre complexas estratégias de silenciamento e de ruptura inscritas nas próprias técnicas de representação. No seu trabalho intratextual, os intervalos de profundidade assegurados pela iconografia dos planos nodais individualizados objectivam uma relação discursiva articulada em seu redor que intercepta a própria história das representações dessas mesmas estratégias e do seu poder de visualização e vigilância do espaço. Especificamente no que respeita ao plano da casa de Edite, representação simbólica de um ponto activo de onde irradiam ainda que de forma residual controversas forças provenientes do exterior constitutivo, esta superfície de representação testemunha o modo como o passado e o presen- te coexistem e se informam mutuamente. Passado e presente capturados no território factual assim como nos modos de representação do território e dos indivíduos no território.
Se tivermos em conta uma outra relação, desta vez a relação discursiva deste plano com um plano subsequente de paisagem donde emerge um dos mais significativos intervalos de profundidade iconográfica da obra, percebemos o papel estruturante dos jogos simbólicos em torno de uma estética oitocentista da paisagem mobilizada circunstancialmente pelo filme e que funciona como meio de ressonância dos padrões de domínio e de possessão do território que no século dezanove marcaram o culminar da experiência moderna do imperia- lismo. Configurando iconograficamente um outro plano emblemático do filme, esse eloquente pano de paisagem, disposto como fundo de cena que reenvia para a história da pintura de paisagem enquanto ofício de resgatar à distância o objecto desejado pelo trabalho da perspectiva, é violentamente projectado no ecrã como pronuncio da vida de Leão. Inscrito neste plano, em que uma paisagem-cenário acorda a força nostálgica da natureza em representação, o movimento quase imperceptível de duas criaturas miniaturizadas confronta o espectador com as contradições de uma resistência dessa mesma natureza à sua captação histórica, deixando-o paralelamente suspenso sobre uma ideia de paisagem enquanto incarnação dos sonhos de domínio da terra e das relações entre geografia e poder. Substrato íntimo de significação da paisagem como objecto de nostalgia, o trabalho daquele sonho é reclamado através desta ima- gem, objectivando-se através dela o cruzamento dialogante entre a melancolia enigmática de Edite, a luta silenciosa de Leão para “não deixar morrer o seu escuro”, e o desespero inocente de Tina, personagem que evoca a condição do badio cabo-verdiano, silenciosamente perscrutada num lugar “onde vamos capturar a morte protegida pelo amor” (Costa, 1995). Ao resgate de Tina para esta espiral animada por Mariana e Edite e de onde se avaliam as forças e a medida da morte, contrapõe-se a pureza estética deste plano de paisagem cuja iluminação e transparência anunciam a presença da vida. Da relação entre estes dois planos, enquanto intervalos de significação a operar activamente no tecido ficcional da narrativa, densifica-se o carácter provocatório e desestabilizador da iconografia da obra, e desde este ponto, o trabalho da paisagem cinematográfica aprofunda o seu sentido perturbador.
É sobre este sentido de perturbação, objectivado pelo jogo das imagens que convocam paralelamente a contemplação melancólica e a impossibilidade mesma do desenvolvimento das ressonâncias emotivas associadas aos ícones naturais, que se densifica o trabalho da paisagem em Casa da Lava. Trata-se de uma espécie de sublevação do objecto natural relativamente aos princí- pios fundacionalistas da sua representação pela cultura ocidental. Donde o significado latente da fachada muda da casa de Edite, guardando no seu interior a profunda melancolia de um objecto perdido. E é uma vez mais por meio de um recurso retórico que se alude à duplicidade da identidade cabo-verdiana, a um fracturado sentido de pertença aos dois lados de um anterior império, à complexidade da sua estratificação social notoriamente resumida na expressão “crioulo mestiço”, e ainda à persistência do conflito entre a permanência e a impermanência como combustível inalienável de um movimento de resistência cultural. Evocando uma cultura estrangeira que se movimenta aquém e além da localidade figurada, através da casa de Edite a paisagem reenvia para um mundo inacessível e inquietante em direcção ao qual se orientam os destinos dos personagens retratados. Através dela, um espaço social autoriza o outro, espaço habitado por uma hierarquia de personagens ligadas a um mundo metropolitano distante e às cadeias de um passado implicado na construção de vastos sistemas assentes na lógica do desenvolvimento desigual, assim como às suas ilusões de segurança e expec- tativas de integração. Recodificando o sentido da casa de Edite, este plano de paisagem funciona como síntese pictórica das imagens e dos imaginários que subjazem a representação da casa colonial, um enviando para o outro e os dois por seu turno acordando o universo inquietante das fórmulas de representação artística oitocentistas e de um conjunto de tecnologias que no século dezanove se encontravam ao serviço de um sistema colonialista, de escala sem precedente.

Remetendo para um poder cultural que continua a exercer fascínio considerável e com recurso a um plano fixo de território, a câmara redime toda a história de uma forma de ver em paisagem, indagando a sua existência enquanto memória partilhada e enquanto parte integrante de uma textura cultural, ideológica e política profundamente conflitivas. Enquanto elemento activo de uma cultura implicada na expansão ultramarina, a representação da paisagem, sobretudo a pintura, participou numa “estrutura de sentimentos” que suportaram, desenvol- veram e consolidaram a prática do império. As narrativas que se estruturaram em torno destas imagens e os mundos ficcionais tecidos com base num imaginário geográfico que irradiava das representações que circulavam do mundo ocidental obscureceram frequentemente elos de ligação cruciais que se iam desenhando entre as culturas envolvidas nestes retratos. A unidireccionalidade do olhar subjacente a tais interpretações do mundo negligencia uma infinidade de experiências históricas e culturais híbridas que se movimentam de forma quase imperceptível em cada plano de paisagem. É desse movimento imperceptível de criaturas dispostas numa superfície de representação (como Mariana e Tina), e das relações que através dele se tecem em torno de outros textos e discursos, que se extrai o sentido íntimo de inclusão, incorporação e validação de cada espaço. Produzido e vivenciado por diferentes culturas e pelas suas estruturas de autoridade e participação, o espaço representado no filme emerge como arena de contestação das imagens construídas de acordo com um ponto de vista privilegiado ao serviço de uma genealogia da paisagem alicerçada sobre a celebração de um passado que assentou sobre o agressivo movimento de exclusão cultural de elementos, vestígios e narrativas indesejados. Interpelando-nos desde este ponto de vista monolítico e unitário de onde nos habituamos a perspectivar o território, Pedro Costa projecta-nos continuamente para pontos de observação basais, obtidos como que do resultado do cruzamento de olhares de terrenos personagens, funcionando este modo de escavar os seus ambientes como forma de endereçar uma espécie de autonomia individual das coisas, a despeito da sua total inexistência enquanto entidades isoladas.
Desde esse observatório basal, dentro do qual se procede à escavação da experiência de lugar por culturas díspares, evidenciam-se diferenças e divisões que separam indivíduos e grupos no período pós-colonial, mas evidencia-se igualmente a natureza mutuamente constitutiva de um passado imperial e do seu sistema de representações. A sentimentalidade ambígua que se desprende dos retratos em paisagem que pontuam a narrativa, se poderia convocar uma aparente desarticulação entre códigos de representação e o conteúdo da obra, enuncia-se antes como dispositivo crucial de uma retórica fílmica empenhada na confrontação do espectador com os efeitos dissonantes de diferentes acordos de visualização. Cartografia e convalescença sobre figuras de uma retórica cultural. Retórica que interpela ainda a própria história do cinema e da experiência de paisagem cinematográfica através de citações concretas a sequências fílmicas de obras canónicas como Stromboli (1950), de Roberto Rossellini.
Assim nos é dada a perceber a escrita do texto fílmico pelo realizador, bem como os seus múltiplos olhares sobre um território simbólico onde se entrecru- zam percursos que iluminam uma poderosa rede de interdependência artística e histórica e a sua força de modelação do presente pós-colonial. Através destas “deslocações” da paisagem e das relações que estabelecem no conjunto da narrativa, ideias e valores são construídos (e desconstruídos) sobre uma superfície instável de representação, uma superfície que desestabiliza o sentido de controlo dessa mesma representação mas também a estabilidade e a impermanência da própria realidade factual. O desafio para o espectador reside, por isso, na construção de um lugar legítimo de acção que decorre da gestão de pontos de observação discrepantes, o que inviabiliza a estruturação de um itinerário convencional de navegação para a experiência fílmica. O recurso a imagens de território assentes sobre um ponto de vista totalitário e eurocêntrico, acompanhadas de uma mirí- ade de outras imagens que cruzam o espaço desde as mais diversas orientações e ângulos, tornam o lugar fílmico que emerge da experiência de Casa da Lava num mundo estranhamente indefinido e denso de significação. Um mundo em que as vozes marginais de comunidades periféricas ao mundo metropolitano interpelam o domínio das representações imperialistas com recurso a uma microfísica do poder local que circunscreve e irradia de cada corpo retratado. A experiência deste “mundo periférico” através da paisagem cinematográfica, remete para uma espécie de persistência do encontro imperial na actualidade, ainda que sob condições diversas e assente nas complexas trocas entre os anteriores parceiros coloniais.

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