DESENVOLVIMENTO EM ÁREAS DE MONTANHA

DESENVOLVIMENTO EM ÁREAS DE MONTANHA

Paulo Carvalho (CV)

1. Montanhas, ordenamento e desenvolvimento sustentável: preocupações, orientações e quadros normativos

1.1 Significado e importância das áreas de montanha
No contexto planetário calcula-se que cerca de 1/10 da população mundial vive em áreas de montanha e que mais de dois mil milhões de pessoas dependem das montanhas para a obtenção de diversos recursos (GRAÇA, 2003). A montanha cobre aproximadamente 40% da superfície da União Europeia, por onde se repartem mais de 30 milhões de habitantes, parte esta que se acentua desde os últimos alargamentos (2004 e 2007). No caso de Portugal, os espaços geográficos de montanha ocupam cerca de 18% do território nacional, embora marcados por acentuado contraste em latitude (CUNHA, 2003). De facto as grandes massas montanhosas estão situadas nas regiões norte e centro do país, em particular no interior. Por outro lado, o mosaico serrano português apresenta uma acentuada diversidade paisagística, sobretudo em resultado de fatores estruturais (particularmente fatores tectónicos) e litológicos.
Os territórios de montanha, com especificidades que acentuam as características mais marcadas dos espaços rurais, desempenham diferentes funções de interesse coletivo relacionadas com a utilização dos seus diversos recursos (CARVALHO, 2009). Para além de constituírem uma importante fonte de água, energia e biodiversidade, são também uma fonte de recursos minerais, florestais, eólicos e agrícolas, assim como são excelentes espaços para o lazer. O abandono, o despovoamento, a erosão dos solos, a urbanização desordenada, a gestão deficiente dos recursos florestais, a crescente ação destruidora dos fogos e a atividade turística desregulada, constituem problemas muito preocupantes que só é possível prevenir através de um ordenamento e gestão participados dos territórios e uma visão prospetiva que tenha como principal preocupação a sustentabilidade económica, social e ecológica.
Com efeito, a diversidade de recursos e bens estratégicos fundamentais, assim como a importância das atividades desenvolvidas pelo homem, tornam ainda mais recorrente a questão do planeamento e da promoção do desenvolvimento sustentável das montanhas e das comunidades que aí vivem. O risco e a vulnerabilidade que está associado às áreas de montanha, ou a modificação dos tipos e padrões de uso da montanha e a sua paisagem, exigem a definição e articulação de políticas e instrumentos orientados para o uso diversificado e para a participação comprometida dos habitantes e atores locais.
A necessidade de instrumentos adaptados às especificidades da montanha exige um maior comprometimento e articulação entre as diferentes políticas que interferem no desenvolvimento das regiões de montanha. A prossecução destes objetivos significa também um processo de mudança de atitudes e comportamentos quer ao nível do planeamento territorial quer no âmbito da educação para o desenvolvimento sustentável. Na primeira situação, está em causa a adoção de uma nova política de planeamento territorial integrado e uma nova política de infraestruturas adaptadas às características de cada região; no segundo caso, importa considerar o conhecimento e a ação como um binómio indissociável que acompanha a adoção de novas atitudes alicerçadas em pensamento crítico, eticamente referenciado e comprometido (CARVALHO, 2008).

1.2 Documentos orientadores e quadros normativos: escala global, europeia e nacional
A problemática do ordenamento e do desenvolvimento sustentável das montanhas faz parte das preocupações de diversas organizações políticas e não governamentais, na amplitude do global ao local. A atenção múltipla e cruzada suscita orientações e quadros normativos de geometria territorial variável no sentido de estruturar intervenções ajustadas às suas especificidades.
A consciencialização da importância estratégica das montanhas começou a surgir, à escala global, a partir de Convenção sobre a Desertificação (CNUD) que decorreu em 1977, e na sequência da qual surgiu o Plano de Ação para o Combate à Desertificação (PACD) das Nações Unidas (PRICE, 2007). Dois anos antes a Comunidade Económica Europeia (CEE) aprovou a Diretiva 75/268/CEE (1975) a qual abordou, entre outros assuntos, a agricultura de montanha, tendo definido medidas para mitigar as diferenças de rendimento dos agricultores das áreas de montanha relativamente aos agricultores das demais áreas, reconhecendo-se desta forma a especificidade da agricultura de montanha (CAEIRO, 2009).
As Nações Unidas, preocupadas com a grave situação ambiental e social da maior parte das áreas de montanha, declararam o ano de 2002 como Ano Internacional das Montanhas. Com esta Resolução exortava-se os governos, organizações nacionais e internacionais, as organizações não governamentais e o setor privado a prestar apoio ao Ano Internacional das Montanhas e a difundir a importância do desenvolvimento sustentável da montanha. A referida Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas dava, assim, em parte, impulso ao Capítulo 13 da Agenda 21 aprovada, em 1992, na Cimeira do Rio de Janeiro, onde se fixaram os princípios de atuação em matéria de desenvolvimento sustentável das montanhas, e cuja implementação deu lugar, sob a liderança da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação), ao estabelecimento do denominado Programa para as Zonas de Montanha (1994) e do Fórum das Zonas de Montanha (1995), rede de organizações e instituições com interesse comum no desenvolvimento sustentável dessas áreas (NORDREGIO, 2004). Como parte das atividades que, a nível mundial, marcou o ano de 2002, destaca-se a criação da Aliança Internacional para o Desenvolvimento Sustentável em Regiões de Montanha, como resultado da Reunião Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável (que decorreu em Joanesburgo).
No contexto europeu, merece referência a atividade desenvolvida pelo Conselho da Europa, nomeadamente a aprovação, em abril de 2003, da Carta Europeia de Montanha, que visa definir uma política europeia para as regiões de montanha, a partir do reconhecimento dessas regiões e da sua especificidade (CARVALHO, 2009).
A União Europeia, em diversas ocasiões, através dos seus órgãos próprios, nomeadamente o Comité Económico e Social, o Parlamento Europeu e o Comité das Regiões, manifestou interesse pelas regiões de montanha e reconheceu as suas especificidades e problemas, bem como a necessidade de formular uma política transversal ajustada às referidas dimensões. A título de exemplo podemos mencionar uma proposta de iniciativa sobre “O futuro das zonas de montanha da União Europeia”, lançada pelo Conselho Económico e Social da União Europeia, em julho de 2002. A proposta, decorrente da avaliação da ação comunitária a favor das áreas de montanha, é uma espécie de programa indicativo da direção a seguir pela União, segundo dois pilares: a integração dos territórios de montanha na futura política dos Fundos Estruturais, e a elaboração de uma política de montanha capaz de servir de modelo de desenvolvimento sustentável e equitativo (PRATT, 2004).
Contudo, as recomendações não foram ainda consideradas na devida dimensão, uma vez que se tem persistido em englobar e conectar as políticas para as áreas montanhosas às políticas direcionadas em abstrato para o desenvolvimento agrícola, numa primeira fase, e ao desenvolvimento rural, numa fase posterior. Em particular as primeiras, em virtude de assentarem em modelos desadequados, que genericamente visavam e valorizavam sobretudo a produtividade, não geraram os inputs de que muitas montanhas carecem (CAEIRO, 2009).
Por outro lado, a sociedade civil promoveu sessões de debate e apresentou propostas concretas para o desenvolvimento sustentável das áreas de montanha europeias. O trabalho das organizações não governamentais europeias tem como referência o Conselho Internacional Associativo para a Proteção dos Pirinéus e a Associação Euromontana (que inclui organizações de agricultores e criadores de gado, comunidades locais, institutos de investigação, agências de desenvolvimento, associações de montanha, entre outras, com interesses comuns no desenvolvimento sustentável das áreas rurais de montanha).
Em Portugal, a questão relativa ao desenvolvimento sustentável das áreas de montanha tem tido poucos avanços, o que torna Portugal um país distanciado no plano da adoção de medidas específicas em relação aos territórios montanhosos, apesar dos problemas estruturais que são bloqueadores do seu desenvolvimento (CARVALHO, 2009). Contudo, para além da Secção de Municípios de Montanha da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), criada em 1995, e que atualmente congrega 66 municípios, pode ainda considerar-se que algumas das Comunidades Intermunicipais 1, por agregarem municípios exclusivamente de montanha, trabalham muito de perto com questões diretamente relacionadas com estas áreas geográficas, tornando-as, por via desse facto, nas únicas estruturas especializadas nas questões da montanha nacional (CAEIRO, 2009).
Em meados do Ano Internacional da Montanha (2002), a ANMP – Secção de Municípios de Montanha, levou a efeito uma sessão de debate sobre a problemática da montanha da qual resultou a “Declaração da Covilhã”, através da qual reclamava a inclusão desta temática na agenda política da União Europeia, assumindo-se esta Secção como parceiro estratégico para a definição de políticas atinentes aos territórios de montanha. Recentemente, em 2006, ocorreu em Chaves, a 5ª Convenção Europeia da Montanha, coorganizada pela Euromontana e a ADRAT (Associação de Desenvolvimento Regional do Alto Tâmega) sob o tema “Crescimento e Coesão”. Nesta conferência foi debatida a contribuição das regiões de montanha para a Estratégia de Lisboa, nomeadamente os objetivos que devem ser atingidos, a nível europeu, no que diz respeito ao crescimento sustentado, à inovação e à criação de emprego. A declaração que foi aprovada no final desta conferência recomenda o uso das energias alternativas renováveis, o uso das novas tecnologias de informação e comunicação e a elaboração de planos de desenvolvimentos específicos para as regiões de montanha, que deverão incluir as áreas protegidas.
A 15 de janeiro de 2007 foi aprovada a Lei nº. 2/2007, que estabeleceu o novo regime Jurídico das Finanças Locais em Portugal. Com esta Lei, pretendia-se que a distribuição dos dinheiros públicos pelo território nacional refletisse as restrições ao uso do solo, como por exemplo se o território em causa está ou não integrado numa qualquer classificação (Área Protegida, Rede Natura 2000) ou ainda consoante a amplitude altimétrica. De facto o artigo 26.º da citada Lei estabelece os critérios para a distribuição do FGM2 pelos municípios, tendo em consideração, entre outros, a área total do município integrada numa área protegida ou em Rede Natura 2000, bem como tendo em conta a altitude a que o município se localiza.


1 Podemos citar como exemplo a Comunidade Intermunicipal da Serra da Estrela (Gouveia, Seia, Fornos de Algodres), a Comunidade Intermunicipal Comurbeiras (Covilhã, Belmonte, Fundão, Almeida, Celorico da Beira, Figueira de Castelo Rodrigo, Guarda, Manteigas, Meda, Pinhel, Sabugal e Trancoso) e a Comunidade Intermunicipal Minho-Lima (Arcos de Valdevez, Caminha, Melgaço, Monção, Paredes de Coura, Ponte da Barca, Ponte de Lima, Valença, Vila Nova de Cerveira).

2 O “FGM corresponde a uma transferência financeira do Estado que visa dotar os municípios de condições financeiras adequadas ao desempenho das suas atribuições, em função dos respetivos níveis de funcionamento e investimento” (Diário da República, 1ª série – nº. 10, 2007: 325).