DESENVOLVIMENTO RURAL

DESENVOLVIMENTO RURAL

Paulo Carvalho (CV)

1. A dimensão territorial na conceptualização e operacionalização do desenvolvimento

A perspetiva territorial configura um elemento central do equilíbrio espacial (Reigado, 2000; Alvergne e Tulelle, 2002) e o território emerge como desafio central da política de desenvolvimento sustentável (Lobo, 1999; Partidário, 1999), sendo este interpretado como preocupação em conciliar sociedade, ambiente e economia (Buttimer, 1998; Troughton, 1999; Bryant, 1999), mediante uma utilização equilibrada de recursos, e numa perspetiva de valorização da diversidade, descentralização (Becker, 2001) e responsabilidade coletiva (Lazarev, 1993), e de solidariedade com as gerações futuras, às quais pretendemos legar um ambiente natural e construído mais rico, diversificado e qualificado do que o atual, fundamental para a melhoria da qualidade de vida – “que envolve os níveis de bem-estar individual, familiar e social, incluindo aspetos psicológicos, culturais e históricos que se prendem com a identidade e o sentimento de pertença” (Roseta, 1999: 13).
Importa referir que o conceito de sustentabilidade, emergente com a apresentação do relatório “O nosso futuro comum” (também designado de relatório Brundtland), foi adotado pelas Nações Unidas e consagrado pela Conferência sobre Ambiente e Desenvolvimento, na Declaração do Rio de Janeiro (1992). Os países participantes acordaram a Agenda 21, estabelecendo um programa de ação internacional para implementar o desenvolvimento sustentável. Cada Governo adotou as recomendações mais relevantes a nível nacional. A tarefa de concretizar este processo foi deixada aos governos locais, uma vez que grande parte dos problemas que impedem a sustentabilidade têm as suas raízes a este nível. Assim nasceu a Agenda Local 21 (Vasconcelos, 2003). Trata-se, pois, de um desafio que visa criar planos de ação local para a sustentabilidade, fortalecendo ao mesmo tempo a cooperação entre as partes envolvidas, pois implica envolvimento alargado da comunidade através de uma atitude participativa.
Assim, o desenvolvimento local (DL) pode ser entendido como “um processo continuado de melhoramento das condições dos territórios e das populações, sempre que tal seja reconhecido pelos atores sociais” (Moreno, 2002: 170), compreendendo a ação de atores individuais e institucionais, partilha de responsabilidades e negociações e confronto de ideologias. Trata-se, então, de um conceito operativo que serve para conduzir a ação (pública), “según pautas racionales no espontáneas, para conseguir los objetivos en los que atua la palabra desarrollo” (Rodríguez Gutiérrez, 1996: 58).
O desenvolvimento local aparece também como estratégia para melhorar a eficiência dos recursos públicos, fomentar a equidade na distribuição da riqueza e do emprego e satisfazer as necessidades presentes e futuras da população com o uso adequado dos recursos (Caetano, 2003). Assim, a administração local tem uma responsabilidade acrescida e deve desempenhar o papel de animadora e de catalizadora estratégica de iniciativas concertadas com o setor privado, isto depois de uma primeira geração de políticas de desenvolvimento em que o ator estratégico de desenvolvimento era a administração central.
Na perspetiva da promoção de políticas de desenvolvimento local afirma-se cada vez mais frequente uma intervenção articulada entre a administração pública e outras entidades de direito público e de direito privado, em diferentes escalas, visando alcançar um conjunto de objetivos múltiplos. Esta (nova) situação reflete o papel central de outros tipos de organização na prossecução dos objetivos das políticas públicas. “Estas mudanças significam o aparecimento de novas formas de intervenção das autarquias locais e de novos mecanismos de regulação dos territórios, envolvendo de forma articulada diferentes níveis da administração e dos diversos setores, público, privado e voluntário” (Silva, 1999: 70). No caso das autarquias portuguesas, é crescente a importância atribuída à oferta de ações municipais de desenvolvimento local, em campos como a criação ou participação em agências de desenvolvimento, iniciativas de marketing territorial, ou as medidas de apoio ao estabelecimento de empresas, isto com o estímulo da União Europeia, e depois de uma fase (lançada em 1974 e consolidada nos anos seguintes) em que a atividade das autarquias seguiu o modelo de prestação de serviços públicos.
Por outro lado, a dimensão local é uma escala apropriada para concretizar ações integradas, interdisciplinares, flexíveis, democráticas e participadas. Com efeito, a reflexão recente sobre as políticas de desenvolvimento aponta a necessidade de ultrapassar as tradicionais perspetivas sectoriais, segundo as quais cada setor é analisado de modo individual, e adotar uma visão estratégica e global de um determinado território, de maneira a definir políticas e intervenções territorializadas. Esta nova atitude permite equacionar o desenvolvimento do território de “forma global e integrada e “perspetivando a criação de sinergias entre setores, a articulação entre as dimensões social, cultural, económica e ambiental, e processos de descentralização, democratização e participação ativa dos cidadãos” (Cristóvão et al., 2003).
O modelo de gestão territorializada influenciou, também, a estruturação dos quadros comunitários de apoio e o modo com a política regional tem sido aplicada, em particular no período 2000-2006. Os programas operacionais regionais, integrados no Eixo 4 – Promover o Desenvolvimento Sustentável das Regiões a Coesão Nacional – do Plano de Desenvolvimento Regional para 2000-2006, respondem ao objetivo de qualificar as regiões através de eixos e medidas capazes de apoiar as estratégias de investimento dos diversos atores territoriais.
No caso da Região Centro, o programa operacional (com quase 600 milhões de euros de apoio previsto) reflete eixos prioritários, como o apoio aos investimentos de interesse municipal total e intermunicipal (28% do montante de investimento previsto), as ações integradas de base territorial (11% do investimento previsto) e as intervenções da administração central regionalmente desconcentradas (61% do referido investimento). No primeiro caso, o eixo I, aplicável a toda a região, destina-se a financiar projetos de investimento e ações de desenvolvimento à escala municipal e intermunicipal que concorram para a qualidade de vida e o desenvolvimento local (CCRC, 2001). O eixo III integra as intervenções que, obedecendo a uma lógica nacional e sectorial, serão implementadas numa base regional, segundo as especificidades territoriais e enquadradas na estratégia de desenvolvimento da região. Por sua vez, o eixo II integra as intervenções em espaços específicos onde se identificam oportunidades estratégicas de desenvolvimento, seja pelos recursos e dinâmicas que importa valorizar ou pelas insuficiências a corrigir e ultrapassar (CCRC, op. cit.). No exemplo em análise, as ações integradas de base territorial configuram a seguinte tipologia: ação integrada para a qualificação e competitividade das cidades; ações inovadoras de dinamização das aldeias; ação integrada “turismo e património no vale do Coa”; ação integrada de base territorial da Serra da Estrela, e ação integrada de base territorial do Pinhal Interior.