MARGINALIDADE CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA: UMA ANÁLISE DO DESLOCAMENTO DISCURSIVO E SUAS TENSÕES

MARGINALIDADE CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA: UMA ANÁLISE DO DESLOCAMENTO DISCURSIVO E SUAS TENSÕES

Cleber José De Oliveira (CV)
Rogério Silva Pereira
(CV)
Universidade Federal da Grande Dourados

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DISCURSOS SOCIAIS PERIFÉRICOS: DA MARGEM PARA O CENTRO

Propomos de início uma breve reflexão sobre a origem e o desenvolvimento do rap no Brasil.

1.1 O rap e suas origens

O que é o rap? A palavra rap normalmente é usado como acrônimo para Rythm and poetry ou Ryme and Poetry. No Michaelis, que é um dicionário de língua inglesa, ela tem várias significações, algumas muito apropriadas quando o caso é a referência ao gênero musical rap: “pancada rápida”, “censura”, “conversa informal”, “discussão”, dentre outros (Cf. MICHAELIS, 2010). A palavra já se encontra nos dicionários de língua portuguesa do Brasil. O Houaiss (2004) diz que rap é “gênero de música popular, urbana, que consiste numa declamação rápida e ritmada de um texto, com alturas aproximadas”. Diz o Aulete (2009): “Gênero de música popular, com ritmo bem marcado e letra recitada pelo vocalista, no ritmo da música”. No Novo Dicionário da Língua Portuguesa (2001, p.730) aparece à seguinte definição “gênero musical originário dos EUA, caracterizado por uma melodia pouco desenvolvida e repetitiva e por letras muito extensas com conteúdo social”.
Salles (2004), embasado no Dicionário de relações étnicas e raciais, amplia o conceito do termo rap afirmando que esse “deriva da gíria para fala e refere-se ao gênero meio falado, meio cantado que se tornou a tradução musical da experiência afro-americana das décadas de 1980 e 1990”. O fundamental Dicionário Grove de Música é lacônico em relação ao verbete rap: “estilo de música popular dos negros norte-americanos, consistindo de rimas improvisadas, interpretadas sobre um acompanhamento rítmico; teve origem em Nova York, em meados dos anos 70” (Dicionário Grove de Música, apud, SALLES, 2004, p.89,90).
Para traçar uma história crítica do rap requer, primeiramente, que este seja reconhecido não apenas como um gênero musical, mas como elemento constituinte de um movimento estético-político maior denominado hip hop. Isto significa demarcar que o rap teve seu desenvolvimento em constante diálogo com outras formas de expressão artística: o grafite (arte plástica) e o break (dança). Assim sendo, falar sobre rap remete, impreterivelmente, ao movimento hip hop (Cf. TELLA, 1999; SALLES, 2004). O rap como gênero musical origina-se na Jamaica, mais ou menos na década de 1960, quando surgiram os sistemas de som, que eram colocados nas ruas dos guetos jamaicanos para animar bailes. Nesses bailes os toasters, verdadeiros “avós” dos atuais MCs (os Master of Ceremonies, ou Mestres de Cerimônias), promoviam intervenções. Ali eles comentavam assuntos como sexo, drogas, a violência das favelas de Kingston (capital da Jamaica) e a situação política da Ilha, como se tornou tradicional, depois, os MCs fazerem.
No início da década de 1970, muitos jovens jamaicanos foram obrigados a emigrar para os EUA, devido a uma crise econômica e social que se abateu sobre o país. Um em especial, o DJ jamaicano Kool Herc, introduziu em Nova York a tradição dos sistemas de som e do canto falado que foi se espalhando e se popularizando entre as classes mais pobres. Desse modo, é inegável que o surgimento e a difusão do rap e do movimento hip hop se deram em decorrência das tensões provocadas pelos contrastes sociais nos EUA e nos demais centros urbanos do mundo (Cf. TELLA, 1999; SALLES, 2004).
Contudo, o rap não se limitou apenas as classes menos favorecidas sócio-economicamente, já que por algum motivo, a partir de 1990, começou a ser consumido principalmente pelos jovens de classe média-alta (classe essa que em geral é composta por famílias brancas e ricas) no Brasil. É fato que o rap tem consciência disso, como nos mostra o trecho a seguir de “Negro Drama”, do grupo paulistano Racionais MCs:

Ei,
Senhor de engenho,
Eu sei,
[...]
Inacreditável, mas seu filho me imita,
No meio de vocês,
Ele é o mais esperto,
Ginga e fala gíria,
Gíria não dialeto,
Esse não é mais seu,
Hó, subiu,
Entrei pelo seu rádio,
Tomei,cê nem viu,
Nóis é isso ou aquilo,

O quê?,cê não dizia,
Seu filho quer ser preto,
Rhá, Que irônia,

Cola o pôster do 2Pac,
Que tal, que cê diz,
Sente o negro drama,
Vai,tenta ser feliz,
(RACIONAIS MCs, 2002, grifos nossos)

             É visível a consciência do MC de que seu rap arrebanha os filhos de uma parte da sociedade que por muito tempo o discrimina e o exclui, esse é o fator predominante no trecho.