FRONTEIRAS E FRONTEIRIÇOS

FRONTEIRAS E FRONTEIRIÇOS

Karoline Batista Gonçalves(CV)
Roberto Mauro Da Silva Fernandes
(CV)
Organizadores
Universidade Federal da Grande Dourados

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A MIGRAÇÃO DE BRASILEIROS PARA O PARAGUAI E SEUS DESDOBRAMENTOS: O CASO DA COLÔNIA NUEVA ESPERANZA EM YBY YAÚ/ CONCEPCIÓN

Karoline Batista Gonçalves
Mestre em Geografia pela Universidade Federal da Grande Dourados- UFGD
Participante do Grupo de Discussões Outrosnós
estiloartesc@hotmail.com

Resumo
Este artigo trata-se de analisar a migração de brasileiros para o Paraguai que registrou as primeiras trajetórias a partir de 1960, onde muitos cruzaram a fronteira Brasil-Paraguai como desdobramento dos processos de mecanização agrícola, projetos de infraestrutura no Brasil e a expansão da fronteira agrícola em ambos os países. Como resultado dessas inúmeras trajetórias pode-se identificar a Colônia Nueva Esperanza localizada em Yby Yaú, no Departamento de Concepción, formada em sua maioria por brasileiros. Assim, no presente trabalho nossas preocupações e atenções se redobraram em relação à migração de brasileiros para o Paraguai, a afirmação ou negação identitária, bem como esses construíram uma “nova” identidade que não é nem totalmente brasileira nem totalmente paraguaia, e sim de migrante brasileiro no Paraguai e por fim, analisar as relações estabelecidas pelos migrantes tanto de forma interna como externa, que só é possível identificar no contato com os próprios brasileiros evidenciando quais os desdobramentos que esse fenômeno acarreta e/ou acarretou ao Paraguai.

Palavras – Chave: Migração, Território, Identidade.

Abstract
This article comes to analyzing the migration of Brazilians to Paraguay which recorded the first trajectories from 1960, where many have crossed the border between Brazil and Paraguay as unfolding processes of agricultural mechanization, infrastructure projects in Brazil and the expansion of the agricultural frontier in both countries. As a result of these numerous paths can identify the Colonia Nueva Esperanza located in Yby Yaú, the Department of Concepción, formed mostly by Brazilians. Thus, in the present work and our attention was redoubled concerns regarding the migration of Brazilians to Paraguay, the affirmation or denial of identity, as well as those built a "new" identity that is neither totally Brazilian or Paraguayan totally, but migrant Brazil Paraguay and finally analyze the relationships established by migrants from both internal and external form, which is only possible to identify in contact with Brazilians themselves showing what the ramifications that this phenomenon entails and / or led to Paraguay.

Keywords: Migration, Territory, Identity.

1 – Introdução

As primeiras trajetórias migratórias de brasileiros para o Paraguai iniciaram-se em meados de 1954, fato que coincidiu com o começo de um novo governo ocupado pelo general Alfredo Stroessner1 , que ao assumir o poder teve como prioridade conseguir o apoio do Partido Colorado e das Forças Armadas visando sua sustentação política.
Após ajeitar a casa o General Stroessner como era conhecido começou a colocar em prática um plano de modernização econômico denominado "Plano de Crescimento para Fora", que visava aumentar a presença paraguaia no mercado externo, exportando o que até ali o Paraguai produzia como a pecuária, a erva-mate, algodão e a madeira.
Entretanto, para colocar em prática seus planos destinados à economia o governo Stroessner escolheu a Região Oriental, mais precisamente o Alto do Paraná para receber os primeiros investimentos, com o intuito de desenvolver a agricultura, devido fato, de ser uma divisão administrativa composta por distritos, no qual Cidade do Leste é a capital, bem como pela região ser próxima ao porto marítimo do Paraná, o que permitiu que a madeira extraída ali pudesse ser comercializada nos estados brasileiros do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Assim, o General Stroessner assume o poder apostando na permanência de um modelo de sociedade rural, e para alcançar esse objetivo, a partir de 1960 o mesmo decide confiar às colonizadoras brasileiras, norte-americanas e japonesas a tarefa de organizar o processo de colonização, dando origem a “Marcha al Leste” cujo objetivo consistia em fazer um reordenamento territorial que materializasse os ideais de progresso e modernização capitalista de ambos os agentes. Há que se destacar que, tal empreendimento ocorreu à custa da desarticulação da territorialização preexistente nesses espaços, não necessariamente vazios. Nos dois lados da fronteira, um grande contingente de brasileiros e paraguaios foi desmobilizado e outro utilizado como mão de obra nesse projeto de ocupação.2 Os colonizadores distribuíram as terras em sua maioria entre os líderes do Partido Colorado e as Forças Armadas, que por sua vez renunciaram a sua missão institucional, ou seja, o controle das fronteiras do país para participar da venda e colonização das terras, resultando na expulsão dos campesinos paraguaios que eram “indolentes para o pesado serviço de derrubar mato3 “, ou seja, estes não possuíam o mesmo sentimento em relação à terra que o colono brasileiro devido a sua cultura, eles apenas chegavam e ocupavam a terra sem se preocupar com registros e escrituras, fato que contribuiu para expulsão desses campesinos.
Dessa maneira fica evidente que a Marcha al Leste visava ocupar a fronteira leste do país, tanto que nesse período o governo Stroessner criou o Instituto Bienestar Rural (IBR) 4 , que tinha o intuito de retirar tanto os agricultores pobres, como os ocupantes de terras alheias da Zona Central, e assentá-los em novas colônias agrícolas ao norte e ao leste do país. Percebe-se que grande parte dos campesinos paraguaios que foram levados pelas colonizadoras à região norte do país não tiveram muito êxito na produção, e não conseguiram contribuir para o desenvolvimento esperado pelo General Stroessner, assim nesse mesmo período foi modificado o Estatuto Agrário de 19405 permitindo a partir de então a venda de terras a estrangeiros, fato esse que abriu o caminho para a venda de terras férteis do país aos brasileiros e corporações transnacionais. Com a retirada dos campesinos paraguaios e pela proximidade geográfica e vínculos econômicos existentes entre Paraguai e o Brasil, foi deste que saiu a maior parte dos colonos para habitar e desenvolver a agricultura paraguaia, até pelo fato de que o Paraguai nunca desenvolveu uma política voltada a beneficiar seus camponeses, como também políticas públicas destinadas aos seus habitantes, o que abria as portas para grupos estrangeiros. Os primeiros brasileiros a chegarem ao Paraguai foram atraídos pelas amplas extensões de terras virgens, assim em concordância com Wagner (1990) podemos salientar que foram os moradores das regiões Norte e Nordeste do Brasil por serem desprovidos de posse, e naquele momento os paraguaios necessitavam de mão de obra para derrubarem as matas e prepararem a terra:

Estos “negros”, tal como los llama, son actores tradicionales de los frentes pioneros del sudeste brasilero esencialmente. En su gran mayoría mestizos (caboclos) y originarios del nordeste del Brasil, desmontadores que han recorrido de Norte a Sur los estados de San Pablo y de Paraná siendo expulsados poco a poco por la especulación de un contingente pionero para el cual preparaban el terreno. Los que encontramos son originarios de los estados de Pernambuco, de Paraíba y sobre todo del sudeste de Bahía y del noreste de Minas Gerais (este último no está administrativamente incluido en el nordeste a pesar de que se asimila con éste en diferentes aspectos). Su papel estaba entonces claramente definido, se encargaban de preparar las tierras forestales para el cultivo. (SOUCHAUD, 2007, p. 121).

Sendo assim, percebe-se que os migrantes nordestinos foram os pioneiros a chegarem ao Paraguai, cujo intuito era trabalhar no papel de agregado dos colonizadores, entretanto, é importante salientar que eles também levavam consigo a esperança de ganhar dinheiro o suficiente para comprar terras. De acordo com Wagner (1990) levantamentos feitos por religiosos, na época, demonstraram que de cada cem brasileiros que entravam no território paraguaio, cerca de setenta e cinco eram provenientes do norte ou nordeste brasileiro.
No Paraguai os nordestinos começaram seus trabalhos derrubando matas, e vendendo a madeira para garantir seu sustento, por um preço muito baixo aos proprietários das terras, que negociavam com comerciantes da fronteira cujo objetivo muitas vezes era contrabandear a mesma para o Brasil6. Algumas estimativas 7 apontam que esses migrantes por mais de oito anos viveram com certa tranquilidade, pois conseguiam o necessário para garantir o seu sustento e o de sua família. Entretanto, com o passar dos anos a calmaria começou a ficar comprometida:

A pesar de estar con contrato de arrendamiento o de aparcería, eran expulsos por diversos procedimientos (fin del contrato, especulación o a veces expulsión violenta) una vez que habían quemado el bosque y realizado algunas plantaciones en suelos vírgenes. El contrato podía prever de ante mano que las tierras se repartirían poco a poco entre la agricultura de autoconsumo en los rosados y la agricultura comercial (menta y café, en los primeros años) o ganadería. Año tras años progresaba, por la lenta intervención de estos desmontadores, una agricultura casi exclusivamente manual que mientras los desmontadores prendían fuego al bosque que avanzada del frente también limpiaban las tierras recientemente integradas a la superficie agrícola. (SOUCHAUD, 2007, p. 121).

Os “desmontadores” como eram conhecidos os nordestinos tinham a função de preparar a terra, e por muitos anos eram os únicos que contribuíam para o desenvolvimento da agricultura, até que por volta de 1960 o governo Stroessner alterou sua política, ou seja, optou por implantar a produção mecanizada na agricultura, pois como a terra já estava desmatada, organizada e pronta para o cultivo, e com isso a mesma adquirira grande valor, e como os migrantes nordestinos não estavam aptos a trabalhar no desenvolvimento de uma agricultura mecanizada e nem possuíam capital para adquirir terras, o interesse pelos mesmos foi posto de lado. Todavia, de acordo com Wagner (1990) por mais de oito anos esses migrantes pioneiros, ou seja, os nordestinos viveram em relativa paz, entretanto no final da década de 1960 o governo Stroessner mudou sua política, isso devido fato de que grandes partes das terras estavam desmatadas apresentando apenas pequenos tocos das árvores que haviam sido derrubadas, o que agregou um grande valor as terras, pois bastava arrancar os tocos, e ela já estaria pronta para o cultivo mecanizado que era o principal objetivo do General Stroessner. Entretanto, quando a terra já estava preparada o General Stroessner percebeu que os migrantes nordestinos não sabiam trabalhar com a agricultura mecanizada, o que atrapalharia seus projetos de desenvolvimento, assim o mesmo decidiu mudar sua estratégia, pois:

En la inmigración, hay que preferir siempre la calidad a la cantidad, y proteger eficazmente la corriente sana y útil de poblaciones laboriosas… necesitamos extranjeros inteligentes y laboriosos que enseñen a nuestros campesinos el hábito del trabajo y del ahorro…A fin de prevenir resultados negativos que podrían aparecer en el futuro, es menester buscar en la inmigración seleccionada, los hombres capacitados que por su moral y energía puedan convertirse en elementos estables y útiles. (SOUCHAUD, 2007, p.76).

Portanto, como os migrantes nordestinos apenas contribuíram para a preparação da terra e não estavam aptos a trabalharem com a mecanização agrícola, outro esquema fora traçado com o intuito de atrair para o Paraguai os camponeses sulistas. Para atraí-los foi montada uma propaganda utilizando o seguinte slogan “Com a venda de um hectare no Brasil é possível comprar mais de cinco lá no Paraguai” 8 .
Com todos os benefícios proposto pelo General Stroessner visando atrair os migrantes sulistas, para trabalharem na agricultura mecanizada, o Paraguai se tornou um berço de oportunidade para esses migrantes, que se comparado aos nordestinos levam vantagem por sua superioridade numérica. De acordo com Wagner (1990) diariamente dezenas de famílias do sul do Brasil atravessavam a aduana paraguaia na divisa de Foz do Iguaçu no Paraná, em um trânsito contínuo e desordenado, e levavam consigo máquinas, animais e ferramentas, e algumas rádios do interior do Brasil principalmente as gaúchas, divulgavam notícias de colonos que alardeavam terem ficado ricos no país vizinho:

Os pequenos médios agricultores e empresários agrícolas oriundos do Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina são indiscutivelmente de origem europeia. Estes grupos, que trouxeram capital e implementos agrícolas foram muito privilegiados pelo regime Stroessner e conseguiram ascender socialmente muito rapidamente dentro da estrutura de classe. (RIQUELME, 2005, p.62).

Com tantas promessas e propagandas feitas, muitos migrantes sulistas decidiram migrar para o país vizinho com o objetivo de conseguirem terras para produzirem e deixar aos seus filhos já que muitos desses habitavam no Brasil poucos hectares de terras, e muitas vezes improdutivas, e não viam nas mesmas perspectivas de crescimento, dessa forma migrar para o Paraguai tornou-se uma chance única. De acordo com Souchaud (2007) a maioria dos migrantes sulistas era de origem alemã, italiana ou eslava e se distinguiam de forma notável dos migrantes nordestinos tanto culturalmente quanto nas condições sócio-econômica. Além disso, esses migrantes sulistas chegando ao Paraguai não deixaram de seguir suas estruturas de produção, bem como também mantiveram sua forma de comercialização e o estilo de vida modificando radicalmente a paisagem. Parte dos migrantes sulistas que chegaram ao Paraguai se organizavam em comunidades que na maioria das vezes estava ligada a um representante religioso ou a um líder de uma associação, que se encarregavam de cuidar e prestar assistência aos mesmos, pois, esses migrantes foram para o país vizinho sem nenhum plano de colonização bem definido e sem uma garantia de que conseguiriam reconstruir suas vidas no Paraguai:
A partir del fin de los años sesenta y el comienzo de los setenta, los colonos se lanzan a la conquista. La parte de la colonización espontánea es difícil de determinar, aunque parece que la asistencia técnica, pública o privada, a los colonos ha sido limitada. Las comunidades se organizan a veces alrededor de un representante religioso, asociación que contribuirá a la ruptura del aislamiento y a limitar la vulnerabilidad de los colonos. (SOUCHAUD, 2005, p. 24).

Dessa forma, observa-se que esses migrantes tiveram o apoio de religiosos e associações de pequenos agricultores o que contribuiu para que os mesmos pudessem se organizar em território paraguaio, pois ao chegarem ao país as dificuldades e desafios eram muito grandes e com o auxílio dessas pessoas os mesmos conseguiriam aos poucos se adaptarem e construírem uma nova vida no país vizinho.
É importante frisar o fato de que esses migrantes ao chegarem a terras paraguaias de forma ágil conseguiram modificar as práticas agrícolas importadas da Europa e adaptá-las ao clima tropical, mostrando assim uma grande capacidade de adaptação e inovação. Mas há que se apontar que os mesmos tiveram uma vantagem se comparado aos nordestinos, pois eles migraram para o Paraguai, mas não foram totalmente desprovidos:

A diferencia de los Nordestinos, atravesaron la frontera con un capital, a veces pequeño, pero suficiente para la adquisición de tierra en Paraguay, entonces aproximadamente diez veces más barata. Las magras economías provenientes de un paciente ahorro, fruto de la venta de una parcela o de algunos bienes mobiliarios, no habrían bastado para acceder a la propiedad inmobiliaria en el Brasil meridional, mientras Paraguay les ofrecía amplias perspectivas. Este acceso rápido a la propiedad de la tierra les permite instalar, en la región Oriental, un tipo de organización espacial en pleno desarrollo en el sur del Brasil, basado en un monocultivo intensivo fuertemente integrado al mercado agro-industrial internacional. (SOUCHAUD, 2007, p. 122).

Contudo, nota-se que os migrantes brasileiros sulistas tiveram uma trajetória migratória que lhe proporcionaram perspectivas diferentes se comparadas aos migrantes nordestinos. E foram justamente as condições de migração que permitiram que os mesmos se instalassem no Paraguai, e em muitas vezes formassem pequenas comunidades ou colônias que “se converteram em um ponto de atração para a aceleração da migração brasileira para o Paraguai9 ”, pois a venda de suas terras no Brasil permitiu aos mesmos chegarem ao Paraguai com um capital líquido considerável, ou seja, o suficiente para comprar certa quantidade de terras, assim como os equipamentos necessários para a produção mecanizada. No entanto, ao analisarmos a migração de brasileiros para o Paraguai evidenciamos que o mesmo se converteu em um país de oportunidades, isso pelo fato, de grande parte dos migrantes optarem em ir para o país vizinho em busca do sonho de ascensão financeira, pois o dinheiro que eles conseguiram com a venda de suas terras aqui no Brasil, o que lhes garantiria a reconstrução de suas vidas em terras paraguaias. Dessa forma, as margens fronteiriças ricas e férteis do Paraguai acabaram ficando a disposição do dinamismo dos colonos brasileiros:

En una decena de años (en las postrimerías de los años 60) el ritmo de las transacciones de tierras se dispara y se establecen nuevas reglas del juego. Los brasileños se constituyen poco a poco en la mayoría de los propietarios de la región y sus ambiciones difieren de las de sus predecesores. Éstos quieren desmontar, abrir caminos, plantar cafetales. En suma, como pioneros van a ocupar, rentabilizar y poblar la región fronteriza. Allí tampoco el espacio estaba reservado solamente a colonos brasileños sino que fueron precedidos por especuladores extranjeros y también por el Estado paraguayo que favorecería el movimiento Oeste-Leste. (SOUCHAUD, 2007, p.96).

É importante salientar que parte dos migrantes sulistas que foram para o Paraguai se instalaram na Região Oriental do país se constituindo pouco a pouco na maioria dos proprietários da região, isso pelo fato de os mesmos ao se instalarem em território paraguaio passaram a se dedicar a plantação de café, ou seja, formar os cafezais além de ocuparem e rentabilizarem as regiões fronteiriças, pois à medida que passaram a necessitar de instrumentos de trabalho, objetos e alimentos para sua sobrevivência recorriam a região de fronteira. Em suma, percebe-se que a trajetória migratória dos sulistas foi bem sucedida se comparada a dos migrantes nordestinos, além disso, os mesmos se organizaram em pequenas comunidades ou colônias, aqui podemos destacar a região Norte da parte Oriental, mais precisamente a cidade de Yby Yaú em Concepción, onde se localiza a Colônia Nueva Esperanza formada em sua maioria por migrantes sulistas, que em grande parte deixaram o Oeste do Paraná, e decidiram ir em busca de melhores oportunidades no país vizinho, o que será objeto de nossa investigação.

2 – A Formação da Colônia Nueva Esperanza

A chegada dos primeiros migrantes brasileiros a região que posteriormente veio a ser Yby Yaú no Departamento de Concepción/ Paraguai, onde se localiza a Colônia Nueva Esperanza, iniciou-se em meados de 1966 no qual, atraídos pelo baixo preço das terras paraguaias, e com o sonho de mudarem suas vidas, construindo um futuro para suas famílias, muitos migraram. Nesse período quando os primeiros brasileiros chegaram a região em busca de novas oportunidades vieram para a cidade de Horqueta, mais precisamente para zona rural da cidade, e muitos vieram para adquirirem terras e trabalharem nos projetos de infraestrutura como a abertura da Ruta 5, ou seja uma estrada estratégica, como também para trabalharem com outros brasileiros que haviam adquirido terras na região. Dessa forma para adquirem suas terras muitos migrantes recorriam aos funcionários da empresa Unión Paraguaya para conseguirem comprá-las. Há que se destacar que à medida que os brasileiros começaram a comprar terras na parte norte da cidade de Horqueta a população foi aumentando e a região se desenvolvendo, e a colônia Nueva Esperanza também foi aumentando consideravelmente, chegando em 1984 a uma totalidade de 320 famílias. Apresentando um considerável crescimento a parte norte de Horqueta foi emancipada em 1984 através do Decreto Lei Nº 1100 de 20 de Dezembro de 1984, o que deu origem a cidade de Yby Yaú que possui uma superfície de 2.174 quilômetros quadrados10 , e um total de 19.764 habitantes dos quais 3.331 vivem na zona urbana e os demais na zona rural 11, sendo que grande parte desses habitantes formam a Colônia Nueva Esperanza localizada a sete quilômetros do centro urbano da cidade, e possui uma área de 20.000 hectares. É importante salientar que um dos fatores que contribuiu para muitos brasileiros optarem ir para a cidade de Yby Yaú é o fato de a mesma estar situada a uma distância de 120 quilômetros da fronteira Brasil- Paraguai, mais precisamente das cidades de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, pois muitos migrantes afirmavam que ao atravessar a fronteira não poderiam ficar em Pedro Juan Caballero por ser uma capital departamental e pelo fato da maioria ainda não possuírem o visto de permanência, então a cidade se apresenta como uma nova possibilidade além de possuir um solo fértil para desenvolver diversas atividades agrícolas.

Localizada em um ponto estratégico da entrada do Departamento de Concepción a cidade de Yby Yaú está situada a uma distância de 359 km da capital federal Assunção e abrange o cruzamento de duas rodovias importantes como a Ruta 3 Gral. Elizardo Aquino e a Ruta 5 Gral. Bernardino Caballero.

Entretanto, para que possamos compreender como ocorreu o processo de formação da Colônia Nueva Esperanza faz-se necessário analisarmos como esses migrantes se organizaram ao chegarem no Paraguai, levando em consideração, as dificuldades e desafios que os mesmo enfrentaram e as relações que passaram a estabelecer com os paraguaios.

La llegada de los brasileños acá data del año de 1966 cuando esta Ruta de Asunción llegaba acá. Entonces en el año de 1966 comenzó, y yo era encargado de la Firma de la tierra la Unión Paraguaya y tenía 117 mil hectáreas en el total. Una tierra que era muy grande en el Departamento de Concepción con la abertura de la Ruta 5. Entonces con eso se fue posible el loteamiento, colocar personas que tiene que trabajar en agropecuaria, tanto en la agricultura como en haciendas. Entonces llamamos a una publicación para la gente interesada y aparecerán dos personas ambos brasileños y yo estuve en la representación de la firma Unión Paraguaya Anónima y fundamos esa colonia brasileña. Primeramente trece mil hectáreas tenían la Nueva Esperanza luego se hizo la adquisición de otras siete mil hectáreas más y completamos veinte mil hectáreas. Entonces podemos decir que la población son los migrantes brasileños que vienen del Brasil. Nosotros loteamos a los brasileños y generalmente lo que más vinieran son del estado de Paraná y también del Rio Grande do Sul y también de otras localidad así como São Paulo. (Sr. Nímio Claudio Almirón Llanes – Pioneiro, Primeiro Prefeito da cidade de Yby Yaú e fundador da colônia).
Eu vim para o Paraguai com uma tropa de gente de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Nós viemos para cá por causa de um padre europeu chamado Vendelino Glauber (falecido) que veio da Alemanha e morava no Paraguai, e esse padre ia lá ao Sul nos visitar e aí ele informava aos brasileiros sobre o Paraguai. Até que um dia o padre organizou um ônibus que ia sair de Santa Catarina para a gente visitar o Paraguai, porque ele disse que lá tinha muito fazendeiro que gostava dos peões brasileiros. Então o padre nos levou e nos apresentou a um fazendeiro que tinha 100 hectares, e então nós começamos a trabalhar para ele, abrindo o mato e logo depois começamos a plantar café. Três anos depois de trabalhar nós ajeitamos a terra e começamos a plantar para sobrevivência nossa, fizemos uma roça com arroz, mandioca e feijão. Depois dessa experiência cada um dos brasileiros que tinha terra no Brasil vendeu e compraram outras aqui no Paraguai. (Sr. Afonso, 51 anos, morador da Colônia Nueva Esperanza há 28 anos).
Nós viemos de caminhão três mudanças tudo junto num caminhão, e veio amigos e vizinhos junto, não veio só da família não... veio outra turma também, um monte de gente... veio uns pares de família tudo de uma vez, mas foi bom, mas quando nós chegamos aqui em Ponta Porã, que foi difícil atravessar pra cá porque a gente não sabia falar nada né... e ninguém entendia nada eles perguntavam as coisas para a gente e a gente não sabia aí eles mandava a gente voltar para trás aí voltamos pra traz lá e arrumamos um conhecido que sabia entender a língua deles né aí deu certo atravessamos e viemos parar aqui e estamos até hoje. O que nos levou a vir para o Paraguai foi ganância para ter um pedaço de terra porque na verdade para a gente não sobrava, porque a gente não tinha terra né, a gente tocava as terras do meu sogro, então a gente juntou um dinheiro, e como tinha amigos da gente que vieram de lá para cá, nós falamos vamos lá ver também né... aí meu marido veio ver e gostou e aí falou: “O dinheiro que a gente tem dá para comprar cinco alqueires de terra, e no Brasil nós não compramos nada, porque lá no Paraná não dava para comprar nada daquilo né”. Aí a gente falou vamos, e veio gente junto, veio minha irmã e o filho dela, veio mais uns irmãos meus tudo com a família. Viemos então em oito famílias, viemos tudo junto e assim foi por causa da ganância de um pedaço de terra, por querer ter um pedaço de terra da gente, foi por isso. Quando a gente chegou aqui tivemos que derrubar árvores sabe do comecinho nem casa para morar a gente tinha e a água era de poço. A gente chegou e foi ficar numa casa pequenininha de um amigo que tinha um ranchinho e aí a gente ficou nesse ranchinho até derrubar o mato para poder fazer a nossa casa. A gente ainda levou um ano para fazer a casa porque era longe de tudo. Mas a gente não pode reclamar daqui não porque compramos cinco alqueires, e aqui a gente nunca teve miséria. (Aparecida Silva, 62 anos, moradora da colônia há 35 anos).

Os relatos apresentados12 são de pessoas que acompanharam o processo de formação da Colônia Nueva Esperanza, e são de grande importância para que se possa compreender como os mesmos construíram uma “nova” identidade, ou seja, a identidade territorial de migrante brasileiro no Paraguai. A vida na colônia sempre foi enfrentada com grandes dificuldades, pois esses migrantes, ao se instalarem no país vizinho, tiveram que aprenderem a conviver com língua, cultura e pessoas diferentes, ou seja, os mesmos tiveram que adaptar-se com um novo lugar, conciliando o sentimento nacionalista13 de migrante com os desafios de uma cultura estrangeira. Desse modo, a Colônia Nueva Esperanza representa um lugar de possibilidades para esses migrantes brasileiros que ao migrarem levaram consigo a identidade de brasileiro, mas também tiveram que passar por um momento de adaptação, pois agora estavam vivendo em território paraguaio. Os migrantes brasileiros construíram uma “nova” identidade (sobretudo territorial [cf. Haesbaert, 1999]) que não é nem totalmente brasileira nem totalmente paraguaia, e sim de migrante brasileiro no Paraguai, podendo se constituir, como hipótese inicial, em identidade de “entre-lugares” (em aproximação a Bhabha, 1998). Na formação da Colônia Nueva Esperanza, podemos já inferir, em concordância com Bárbara (2005), que ocorreu um cruzamento da fronteira jurídico-política e as relações cotidianas vividas no Paraguai, influenciando os migrantes brasileiros a ativarem a identidade nacional, de modo a realçar e legitimar uma pretensa superioridade frente à população paraguaia. Desse modo, pesquisar os migrantes brasileiros que vivem na Colônia Nueva Esperanza pode se constituir em um avanço para se compreender as trajetórias migratórias de brasileiros para o Paraguai, dando destaque para os traços identitários que se formaram como resultado da migração, e como essa nova identidade de migrante brasileiro no Paraguai se refletesobre o Brasil.

3 – A Construção da Identidade Territorial na Colônia Nueva Esperanza

A identidade pode ser abordada de diversas formas, entretanto, optamos por analisar como as relações que ocorrem na colônia podem contribuir para criar “novas” identidades, tomando como ponto inicial as relações que são estabelecidas dentro da mesma, partindo dessa ideia é de fundamental importância observar como o intercâmbio entre línguas, costumes e ideais diferentes contribuem para a construção identitárias dos sujeitos que habitam esse território.
A construção e a reconstrução de identidade é um processo cheio de contradições, ambiguidades e complexidades que podem ser influenciadas pelas condições sociais em que são estabelecidas. De tal modo, Machado (2005) afirma que a presença de “marcos” ou referenciais históricos geográficos pode ser um fator decisivo no que se refere à formação identitária.
É importante ressaltar logo de início que a ideia de identidade tanto pode ser utilizada como uma valoração simbólica, como um processo de identificação num espaço geográfico. Dessa maneira, a noção de identidade, o qual se utilizará é a identidade territorial, ou seja, aquela definida a partir das relações que são construídas em um determinado território. A identidade territorial é um tipo de identidade que se expressa na relação de pertencimento de um grupo a partir da delimitação de uma escala territorial de referência identitária, dessa forma a mesma é carregada de subjetividade e objetividade tendo um espaço como estruturador da identidade. Destarte, pode-se afirmar que:

Identificar, no âmbito humano social é sempre identificar-se, um processo reflexivo, portanto, e identificar-se com, ou seja, é sempre um processo relacional, dialógico, inserido numa relação social. Além disso, como não encaramos a identidade como algo definido de forma clara, mas como um movimento, trata-se sempre de uma identificação em curso e por estar sempre em processo/relação ela nunca é uma, mas múltipla. Toda identidade só se define em relação a outras identidades, numa relação complexa de escalas territoriais e valorações negativas e positivas. (HAESBAERT, 1999, p.175).

O que se pode destacar é que a identidade territorial encara a identidade como movimento, ou seja, ela se “reinventa” e passa por uma “adaptação” na medida em que as relações são construídas por novos discursos e diferentes sujeitos. A identidade está ligada as relações que ocorrem numa determinada escala territorial. Entretanto, não se pode afirmar de acordo com Haesbaert (1999 e 2007) que é o território que “vai fundar” uma nova identidade, mas é a força política e cultural dos grupos sociais que neles se reproduzem e sua capacidade de produzir que estimularão uma determinada escala de identidade, até porque a identidade é uma construção social-histórica, e em nossa abordagem pode ser vista pelo viés geográfico que de acordo com Hobsbawn e Ranger (2002) “a identidade é possível de ser sempre reinventada”.
Na Colônia Nueva Esperanza o sujeito encontra-se no meio de duas identidades, uma é a sua identidade nacional, e a outra é aquela que pode ser assumida. Constrói-se assim, uma relação “entremeios” ou de “entre-lugares”. O “entre-lugar” é concebido como um terceiro espaço, híbrido14 , que permite aemersão de outras posições, no caso, a constituição de novos sujeitos. Esse terceiroespaço desloca as histórias que o constituem e geram novas estruturas de autoridade,novas iniciativas políticas. Assim, os “entre-lugares”, passam a se configurar não como meros espaços de dominação, mas o terreno de trocas, intersubjetivas individuais e coletivas, onde anseios comuns e outros signos de valores culturais são negociados.
O processo de hibridação cultural origina algo diferente,algo novo e irreconhecível, uma nova área de negociação de sentido e representação, e é justamente esse processo que é perceptível na Colônia Nueva Esperanza as diversas trocas culturais e identitárias contribuem para a formação de um processo de diferenciação, pois de alguma maneira as novas relações definem situações e condições de alteridade.
Assim, se torna perceptível que na Colônia Nueva Esperanza quando o migrante utiliza a identidade de brasileiro é uma forma de o mesmo afirmar e reconhecer sua identidade territorial frente ao paraguaio. Entretanto, é importante destacar que o migrante da colônia além de afirmar e reconhecer sua identidade frente à outra, o mesmo pode entrecruzar sua identidade no confronto com outras culturas:

Determinados grupos culturais migrantes podem não apenas entrecruzar sua identidade no confronto com outras culturas, mas também levar sua territorialidade consigo, tentando reproduzi - lá nas áreas para onde se dirigem. (HAESBAERT,1999, p. 184).

Destarte, muitos dos sulistas que formaram a Colônia Nueva Esperanza levaram consigo suas territorialidades, que em nosso contexto essa territorialidade é pensada como uma tentativa de análise geográfica sobre as identidades culturais, pois a mesma tem uma mistura de elementos culturais, econômico e político, além disso, busca construir uma hegemonia geral sobre uma base territorial. Isso pode ser perceptível na colônia quando um dos migrantes faz a seguinte afirmação:

A comunidade daqui se parece com as do Sul do Brasil, e a propriedade é diferente das propriedades paraguaias, você olha pra cá e se lembra do Sul até o modo de plantar é igual a do Sul. (Sr. José dos Santos – 45 anos produtor e morador da Colônia Nueva Esperanza).

É importante salientar que na colônia os laços que esses colonos ainda mantêm com o Brasil são muito fortes, pois na comida, na forma de organizar a casa, na forma de se vestir predomina os costumes brasileiros. Além disso, a maioria das famílias recebe familiares do Brasil, ou quando necessitam de algum tratamento de saúde ou até quando estão chegando próximo a idade de se aposentar, os mesmo recorrem ao seu país de origem.
O migrante parte e leva consigo as relações passadas “imobilizadas”, pois o migrante é no fundo um ser de outro lugar, sendo que de todos e de nenhum ao mesmo tempo. É um ser presente e ausente:
Os movimentos de migração ultrapassam fronteiras, intercambiam saberes, chocam culturas, dividem trabalhos, trocam línguas, provocam casamentos e traições..., mas sempre quem chega é condicionado às leis, as normas, regras, códigos, etiquetas, sotaques, dialetos, visões, divisões e julgamento em terra estrangeira. É ser sempre, o Outro. (GOETTERT, 2010 p. 24).

Assim, percebe-se mesmo que o migrante brasileiro tenha trago consigo quando chegou ao Paraguai parte de seus costumes e práticas culturais, é evidente que houve a criação de uma nova identidade, ou seja, a identidade territorial onde houve uma adaptação pelo fato de que as novas relações que são estabelecidas nesse novo território, ou seja, as relações estabelecidas com os paraguaios influenciou no seu modo de vida.
Contudo, na colônia Nueva Esperanza, a perspectiva identitária é construída a partir das relações que os migrantes brasileiros estabelecem com outros sujeitos que podem ser paraguaios, brasileiros que vivem na colônia ou ainda com os brasileiros que vivem no Brasil. À medida que esses migrantes mantêm contato com o “outro” o mesmo percebe a diferença a partir da afirmação de sua identidade nacional que lhe proporciona tanto a condição de membro de um Estado-Nação político, quanto uma identificação com uma cultura nacional, pois as culturas nacionais a partir do momento em que produzem sentidos sobre a nação, sentidos esses com os quais podemos nos identificar, constroem identidades.

4 – Os Desdobramentos resultantes da migração de brasileiros para o Paraguai

Ao chegarem no Paraguai muitos migrantes brasileiros trouxeram consigo seus instrumentos de trabalho, juntamente com seus costumes e cultura o que acabou contribuindo para que houvesse transformações em algumas regiões do pais, ocorrendo aquilo que podemos denominar de “brasilerización”15 do território paraguaio. Há que se destacar que ao chegarem em território paraguaio grande parte dos migrantes se organizaram em comunidades ou colônias, isso devido fato de que muitos migraram em grupos de amigos ou familiares, formando assim inúmeras colônias como a exemplo a Nueva Esperanza o que de certa forma contribuiu para o desenvolvimento da agricultura, pois no Paraguai os brasileiros são responsáveis por cerca de 80% da produção de soja do país cerca de 520 milhões de dólares em exportações16 :
Cuando los primeros brasileños vinieran para vivir en las tierras de la colonia aprendimos la forma de trabajar en la tierra. Nosotros como paraguayos, anteriormente cuando teníamos un pequeño desarrollo todavía solamente una vez al año hacíamos producir la tierra. Sin embargo, vinieran los brasileños y han enseñado a producir cuatro veces al año la tierra y eso también aprenderán los paraguayos de manera que de muchas cosas nos enseñó la presencia de los brasileños acá. (Sr. Nimio Claudio Almirón Yanes, 74 anos fundador da colônia Nueva Esperanza).
Nota-se que a migração de brasileiros alterou a visão do mapa político do Paraguai, modificou a rigidez dos seus limites políticos e redefiniu a sua representação nacional. Regiões que há trinta anos apresentavam baixa densidade demográfica, hoje possuem fortes núcleos de povoamento. Novas formas culturais, políticas e sociais foram postas em movimento, tanto no sentido histórico, como espacial. (FIORENTIN, 2010, p. 73).
Yo veo la migración de brasileños al Paraguay como una construcción de espacio, entonces construcción de espacios dinámicos en el caso de la zonas fronterizas, estos inmigrantes independientes pero los brasileños de un campo movimiento anecdótico construyeron ciudades, construyeran un modelo económico expansivo que me parece relevante como forma que crearan ciudades eso fue inédito en el Paraguay, la colonización internacional creó ciudades en el caso la colonización brasileña, creo ciudades muy rápida, muy revolucionaria y eso rompe com padrón tradicional urbano del Paraguay. (Entrevista Fabrício Vázquez realizada en 14 de septiembre de 2010).

De acordo com Marta Fiorentin (2010) existem alguns problemas que acarretam a população de brasileiros no Paraguay que consequentemente acabam se tornando um problema para o governo paraguaio como exemplo podemos inferir: a falta de documentação completa, típico de todos os migrantes de baixo nível socioeconômico que querem manter a nacionalidade e a identidade brasileira, a falta de organização para exigir demandas legais e concretas, a deficiência de serviços públicos (educação, saneamento básico, eletricidade, telefonia) e de estradas.
Além disso, pode se afirmar que a colonização brasileira de certa forma favoreceu a integração política e econômica do Paraguai, mas ao mesmo tempo aprofundou a sua dependência externa, como por exemplo, é possível perceber que as cidades fronteiriças possuem seu comércio voltado a atender as necessidades do país vizinho, neste caso o Brasil:

El problema de las ciudad fronterizas es para Paraguay porque gran parte de la estrategia de desarrollo fronterizo del Paraguay es jugar a un supermercado, así vamos a vender a la medida que los que se quedan en la frente vean a comprarnos y eso hace que se cuestione muy las ciudades, en vez de mirar al Paraguay miran al Brasil, y funcionan con Brasil y se hay niveles altísimos de integración, pero, que focalizan la cuestión publica exclusivamente no solo apenas el espacio de intercambio. (Entrevista Fabrício Vázquez realizada en 14 de septiembre de 2010).

Diante do exposto, percebe-se que as cidades fronteiriças, que por coincidências são capitais departamentais acabam funcionando de forma a atender o mercado local nesse caso os consumidores do país ao lado, o que acaba contribuindo para que as cidades do interior não consigam atender todas as necessidades básicas da população.
Isso posto, podemos afirmar que ao mesmo tempo em a migração de brasileiros para o Paraguai contribui para desenvolver o país, o mesmo fenômeno contribui para que surjam outros problemas de ordem burocrática, políticas e sociais e ao mesmo tempo proporciona um intercâmbio cultural muito grande onde podemos encontrar uma construção identitária.
Ao longo dos trabalhos de campo realizados na Colônia Nueva Esperanza evidenciamos três termos, que são frutos de uma construção identitária resultantes do processo de migração de brasileiros para o Paraguai que merecem destaque: Brasileiros, Brasiguaios e Paraleños, que podem ter significados distintos tanto no Brasil, como no Paraguai. Nesse sentido, o que inicialmente podemos afirmar é que os primeiros migrantes brasileiros que vivem na colônia não aceitam serem chamados de outro termo que não seja o de “Brasileiro”, pois de acordo com os mesmos eles são brasileiros só que pelas dificuldades que estavam enfrentando no Brasil entre os anos de 1960 a 1970 a única opção que lhes restou foi migrar ao país vizinho em busca de novas oportunidades.
Já o termo Brasiguaio pode ser visto com certa dualidade, pois no Brasil é utilizado para denominar os brasileiros que migraram para o Paraguai em busca de terras e ascensão financeira, e não obtendo o êxito esperado, retornaram assim podermos observar que:

Tal vulgarização do uso de “Brasiguaios” para referir-se a todos os brasileiros residentes no Paraguai é um equívoco metodológico (e também político). Não podemos nos esquecer nunca que a expressão “Brasiguaios” surgiu como auto-atribuição, exatamente para diferenciar os camponeses que retornaram em 1985 dos demais setores do movimento social que lutaram também por terra no Brasil, e para se distinguir do restante da população de brasileiros no Paraguai. Os chamados “Brasiguaios” ao utilizarem uma identidade étnica como bandeira de luta, souberam reivindicar um tratamento especial dos órgãos fundiários brasileiros. (SPRANDEL, 1998, p. 122).

Percebe-se então, que os Brasiguaios são aqueles que migraram e por algum motivo retornaram do Paraguai. De acordo, com Sprandel (1998) os mesmos afirmam que os principais sofrimentos que originaram o retorno são: a necessidade e o preço da documentação de imigrantes, problemas na produção e na comercialização de produtos agrícolas, irregularidades no mercado de terras e, a atuação das autoridades paraguaias entre os migrantes brasileiros. Entretanto, no Paraguai o termo Brasiguaio é utilizado para denominar os migrantes brasileiros que ainda vivem no país bem como seus respectivos filhos, de forma que esse termo é aceito com mais frequência por parte dos filhos dos primeiros migrantes.
Com o passar do tempo, e à medida que esses migrantes se organizaram e reconstruíam suas vidas, o número de brasileiros no Paraguai foi crescendo e os primeiros migrantes já passaram a ter netos que em grande parte nasceram da união entre brasileiros e paraguaios, surgindo assim o Paraleño, uma mistura de paraguaio com brasileño, para referir-se aos netos dos primeiros migrantes:

Los primeros que llegaran eran brasileños, los hijos son brasiguayos y los nietos son Paraleños y los bisnietos se juagan llaman Brasiguayos luego es Paraleños. Y no son paraguayos totalmente es por un proceso de integración. Hay una integración creciente entre ya no hay brasileños no Paraguay hay descendientes de brasileños pero que tienen la cédula paraguaya, pero también tienen brasileña. (Fabrício Vázquez, geógrafo paraguaio, setembro 2010).

Dessa forma, podemos evidenciar que na colônia Nueva Esperanza brasileiros são os primeiros migrantes que chegaram ao Paraguai, e enfrentaram grandes dificuldades e desafios para reconstruírem suas vidas, entretanto é necessário enfatizar que esses de forma alguma aceitam serem chamados de Brasiguaios, pois esses seriam os seus respectivos filhos que chegaram ao país vizinhos, ainda muito novos, e o termo Paraleño seria utilizado para denominar os netos desses migrantes.
Todavia, é preciso salientar que todos esses termos criados para denominar os brasileiros e seus descendentes que vivem em território paraguaio são resultados de uma mistura de elementos culturais, econômico e político que contribuíram na construção de uma nova identidade em território paraguaio. Portanto, percebe-se que ao mesmo tempo em que a migração de brasileiros para o Paraguay contribuiu para o desenvolvimento de algumas regiões do país através de novas formas de produzir na agricultura, esse mesmo processo trouxe grandes desdobramentos para o país aqui podemos destacar o problema para legalizar esses migrantes como atender suas necessidades básicas como saúde e educação e saneamento básico. Entretanto, ao analisarmos todo esse fenômeno migratório percebe-se que foi um movimento migratório positivo que contribuiu para o desenvolvimento do país.

5 – Considerações Finais

Talvez fosse importante pontuar o fato de que este trabalho ainda não está finalizado para apresentar todas as características dessa nova identidade territorial formada por esses migrantes brasileiros em terras paraguaias, bem como todos os desdobramentos resultantes desse processo migratório, mas por meio de alguns relatos dos migrantes que vivem na colônia pode se apontar algumas características importantes no que se diz respeito à formação identitária desses migrantes bem como de que forma esse fenômeno migratório contribuiu no desenvolvimento de algumas regiões do país.
A discussão feita aqui mostrou que a migração de brasileiros ao Paraguai pode ser considerada um momento histórico e muito particular para o país, pois ao mesmo tempo em que contribuiu para o desenvolvimento da agricultura do país, trouxe alguns problemas ao governo paraguaio como: a falta de documentação completa por parte dos migrantes de baixo nível socioeconômico e a deficiência de serviços públicos (educação, saneamento básico, eletricidade, telefonia) e de estradas.
Há que se destacar, que esse processo migratório contribuiu para a formação de uma nova identidade que se encontra em movimento, pois, se formou a partir das relações que os migrantes brasileiros estabelecem com os paraguaios e com os brasileiros tanto da colônia como os do Brasil, assim a partir do momento em que esse migrante afirma sua nacionalidade colocando em prática características identitárias e culturais de brasileiro ele se diferencia dos paraguaios, devido ao fato das relações que são estabelecidas proporcionarem aos mesmos vivenciarem um conjunto diferenciado de possibilidades, que lhes permitem ativarem sua identidade de acordo com as relações que estão sendo realizadas no momento.
A nova identidade que os migrantes brasileiros que vivem na Colônia Nueva Esperanza formaram é uma identidade que buscou referenciais em uma base territorial num processo de intercâmbio de identidades, onde o mesmo não deixou suas práticas culturais e foi inserindo novas prática a partir do contato que teve com outros grupos sociais onde “novas e antigas formas de identificação convivem no mesmo território”17 . Por fim, o referencial de análise aqui adotado ainda pode gerar debates interessantes e profícuos e apontar para outras possibilidades de investigação no que se diz respeito às trajetórias migratórias de brasileiros para o Paraguai, bem como para a construção de “novas” identidades.

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1 De acordo com (NICKSON, 2010, p.265) “Alfredo Stroessner Matiuda nasció el 3 de noviembre de 1912 en Encarnación, hijo de un inmigrante alemán, Hugo Stroessner, y la paraguaya Heriberta Matiauda, gobernó el Paraguay desde el 15 de agosto de 1954 hasta el 3 de febrero de 1989. También conocido como “El Rubio” fue el jefe de Estado que más tiempo gobernó en la historia de Latinoamérica.

2 BÁRBARA, Marcelo Santa. Brasiguaio: territórios e jogos de identidade. IN: PÓVOA NETO, Helion &FERREIRA, Ademir Pacelli (Org.). Cruzando fronteiras disciplinares.1º Ed. Rio de Janeiro: Revan, 2005, p. 335.

3 WAGNER, Carlos. Brasiguaios: homens sem pátria. 1º Ed. Petrópolis: Vozes, 1990.

4 A partir do ano de 2004, 0 Instituto de Bienestar Rural- IBR foi substituído pelo INDERT (Instituto Nacional de Desarrollo Rural y de la Tierra), por meio do meio da LEY 2.419 de 2004.

5 Em comunhão com RIQUELME (2005) o Estatuto Agrário ou Lei de Reforma Agrária do Paraguai não existia até 1936. A Constituição Nacional do país não mencionava artigos diretamente ligados a questão do acesso a terra e ao seu uso racional e equitativo. Assim em 1940 foi criado a Lei de Reforma Agrária, que modificada em 1963 e por último em 2003, estabelece em seus artigos como se deve utilizar a terra das propriedades rurais conscientizando os proprietários que medidas serão impostas contra aqueles que não obedecerem ao presente estatuto.

6 Consultar Sprandel (1998).

7 Consultar Wagner (1990, p. 16).

8 Consultar Wagner 1990.

9 Consultar (NICKSON, 2005, p.232).

10 Consultar VAZQUEZ (2006).

11 Dados obtidos através do Censo 2002 do Paraguai. Disponível no Atlas Censal del Paraguay 2002 elaborado pela Dirección General de Estadísticas, Encostas y Censos- DGEEC.

12 Relatos colhidos em trabalho de campo do Programa de Pós-Graduação em Geografia (FCH-UFGD) em outubro de 2010.

13 De acordo com SAID (2003) o sentimento de nacionalismo seria uma declaração de pertencer a algum lugar, a um povo ou a uma herança cultural.

14 De acordo com Hall (2003) o hibridismo não se refere a indivíduos híbridos que podem ser contratados com os “tradicionais” e “modernos” como sujeitos plenamente formados. Trata-se de um processo de tradução cultural, agonístico uma vez que nunca se completa, mas que permanece em sua indecidibilidade. Já BHABHA (1998, p. 71-72) salienta que, o hibridismo significa um momento ambíguo e ancioso de... transição, que acompanha nervosamente qualquer modo de transformação social, sem a promessa de um fechamento celebrativo ou trancedência das condições complexas e até conflituosas que acompanham o processo...[Ele] insiste em existir...as dissonâncias a serem atravessadas apesar das relações de proximidade as disjunções de poder e posições a ser contestadas; os valores éticos e estéticos a serem “traduzidos”, mas que não transcenderão incólumes o processo de transferência.

15 De acordo com (SOUCHAUD, 2007, p.100) “la brasilerización del território paraguayo “ ocorre quando o Governo Stroessner lança uma política que satisfazia não apenas o interesse individual dos colonos brasileiros, mas também os objetivos geoestratégicos do governo brasileiro. Assim, Assunção acaba se integrando com a rede de rodovias do sul do Brasil, como também com os portos marítimos de Santos (São Paulo) e Paranaguá (Paraná).

16 Consultar (FIORENTIN, 2010, p.40).

17 Consultar( Haesbaert, 1999, p.187).