SANTUARIOS, FIESTAS PATRONALES, PEREGRINACIONES Y TURISMO RELIGIOSO

SANTUARIOS, FIESTAS PATRONALES, PEREGRINACIONES Y TURISMO RELIGIOSO

Rogelio Martínez Cárdenas. Coordinador (CV)

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A festa do Senhor Bom Jesus da Cana Verde em Siqueira Campos/PR: turismo religioso, sociabilidade e lazer (1934-2011).

Tanno, Janete Leiko

A pesquisa tem por objeto uma festa religiosa que ocorre na cidade de Siqueira Campos, estado do Paraná – Brasil, em torno da imagem do Senhor Bom Jesus da Cana Verde. A festa que acontece anualmente desde 1934, inicia-se no final de julho e dura cerca de 10 dias, sendo seu ápice o dia 6 de agosto, dia do santo.
 
Apesar de ser uma festa dedicada ao Senhor Bom Jesus da Cana Verde e os milhares de fiéis que acorrem à cidade ao longo do ano virem movidos pela fé e crença nos milagres do santo, a proposta deste estudo não privilegia os aspectos religiosos do evento, mas aqueles ligados à sociabilidade, ao lazer e às formas de ocupação dos espaços da festa pelos diversos protagonistas e, especialmente as formas como estes apropriam-se dela, segundo seus interesses pessoais, econômicos e religiosos.
 
Anualmente, ao longo dos dias dedicados em homenagem ao santo, milhares de romeiros vindo de diferentes cidades e regiões do país juntam-se aos moradores da cidade para as festividades que giram, oficialmente, em torno de novenas, missas, pagamentos de promessas e procissões comandadas pelos padres da Igreja matriz da cidade. Entretanto, a festa comporta outras formas de socialização relacionadas ao lazer e ao turismo religioso que também são elementos importantes dela.

Palavras-chave: Senhor Bom Jesus da Cana Verde, fiesta, Siqueira Campos, Estado do Paraná, Santuário

Este artigo é parte de uma pesquisa mais ampla desenvolvida na Universidade Estadual do Norte do Paraná – Brasil1 , sobre as festas populares existentes em cidades do chamado Norte Pioneiro do estado do Paraná. A principal delas é a que ocorre  em Siqueira Campos, em comemoração ao Senhor Bom Jesus da Cana Verde que teve início por volta de 1934 e ocorre até hoje, mobilizando ao longo de 10 dias milhares de pessoas com sua religiosidade, esperanças, expectativas, diversão, enfim, sentimentos múltiplos em torno do santo e da festa a ele dedicada.
Apesar de ser uma festa em homenagem ao Senhor Bom Jesus da Cana Verde, a proposta deste estudo não privilegia os seus aspectos religiosos, mas aqueles ligados à sociabilidade, ao lazer e às formas de ocupação dos espaços da festa pelos diversos protagonistas e, especialmente as formas como estes se apropriam dela, segundo seus interesses pessoais, econômicos,  religiosos e culturais.
Anualmente, ao longo dos dias dedicados a celebrar o santo, milhares de romeiros e visitantes vindos de diferentes cidades e regiões do país juntam-se aos moradores locais para as festividades que giram, oficialmente, em torno de novenas, missas, pagamentos de promessas e procissões comandadas pelos padres da Igreja matriz local. Entretanto, a festa comporta outras formas de socialização e práticas relacionadas ao lazer, ao consumo e ao trabalho e que também são elementos importantes dela.
O formato da festa atual, o caráter oficial dado à comemoração ao dia do Santo com missas, procissões e novenas tendo a Igreja local e a ordem dos capuchinos no comando do evento não somente nos seus aspectos religiosos, mas também comercial,  foi sendo construída pela Igreja ao longo de décadas a partir da expropriação da imagem da família Pinto pela instituição por volta do início dos anos 1930.
De acordo com o historiador Anderson Lino (2009) que pesquisou a história da imagem do senhor Bom Jesus da Cana Verde sob a perspectiva do processo de romanização da Igreja, os primeiros sinais de culto à imagem aconteceram no final do século XIX, na fazenda dos Murzilhos, de propriedade da família de Chico Pinto, cujos antepassados vieram de Minas Gerais para a região do rio Itararé, divisa entre os estados de São Paulo e Paraná e que, posteriormente, formaria a cidade de Salto de Itararé. Com a instalação da família Pinto na região e a construção de uma capela que abrigava a imagem, iniciou-se o culto ao santo na região pelos moradores das redondezas e que ao longo das décadas e da difusão dos milagres realizados passaram a atrair cada vez mais fiéis e romeiros, cujos donativos aos santos ficavam com a família ao qual pertencia a imagem. Tais fatos que ocorriam à margem do poder da Igreja passaram a atrair a atenção desta que, finalmente, expropriou a imagem da família Pinto para a diocese de Jacarezinho - Paraná e que em 1934 foi doada pelo bispo à cidade de Siqueira Campos. Desde então, o culto, as homenagens, as romarias, os donativos, passaram a ser administrados pela Igreja local em conjunto com a ordem dos Capuchinos, que também  oficializaram a história do santo segundo os seus interesses, a partir de várias ações como a realização de um filme dirigido pelo pároco local Gabrielângelo Caramore, contando a história da origem da imagem do Bom Jesus da Cana Verde  em 1967; por meio do santuário construído em 1974; pela instalação de uma rádio na cidade cuja função principal é a difusão do culto ao Bom Jesus, entre outras ações, forjando a memória oficial sobre a origem da imagem e seu culto.
Nesse sentido pode ser entendido ainda um documentário (1967), com pouco mais de oito minutos, realizado também por Gabrielângelo Caramore e que está inserido na primeira parte do filme, o qual deve ser analisado como qualquer documento, visto que opções e recortes foram feitos para se atingir determinados objetivos.
A pesquisa mostrou que o formato da festa sofreu diversas alterações ao longo do seu acontecer atendendo às necessidades impostas pelos diversos romeiros, turistas, e os diferentes frequentadores dela, além dos interesses da própria Igreja na propagação do culto ao santo e no aumento da arrecadação.
Por meio do documentário citado é possível conhecer um pouco como era a festa nos anos 1960. Neste é mostrado parte dos preparativos dela com homens fazendo espetos com pedaços de galhos de árvores para o churrasco e também limpando leitões. É interessante observar que mesmo nestes momentos de trabalho, há um clima de festejo revelado pelas imagens de alegria, pelas conversas descontraídas e mesmo de um grupo no qual um homem toca um instrumento e outros dois dançam em meio aos que estão limpando os leitões, sendo assistidos por vários homens que estão ao redor.
O documentário segue com imagens fechadas em que o foco são as placas de diversos caminhões, ônibus e carros mostrando as diferentes cidades de origem dos romeiros  que vieram a Siqueira Campos para prestar as homenagens ao Bom Jesus. São cidades situadas nos estados do Paraná e de São Paulo, indicando a expansão do culto ao santo e a grandiosidade do evento. Depois é mostrada a missa campal realizada no dia seis de agosto, dia em que é comemorado o Bom Jesus, com uma multidão de pessoas assistindo e depois participando da parte secular da festa. O padre fez questão de mostrar imagens panorâmicas do evento nas quais é evidente o grande número de pessoas espalhadas pelo pátio externo da Igreja matriz.
Além das imagens, as palavras narradas pelo padre Gabrielângelo também são significativas, pois não devemos esquecer que mesmo sendo um documentário, as escolhas são explícitas apontando para a demarcação de uma determinada memória sobre a festa e o culto ao Bom Jesus. Nesse sentido, em parte de sua narração, o pároco faz questão de exaltar a participação e o envolvimento de diferentes setores da sociedade local nas comemorações dedicadas ao santo, como se todos tivessem espontaneamente dispostos a realizar a festa. Segundo ele, no período de comemoração,
A cidade engalana-se de faixas, bandeirinhas e flores. O pessoal prepara tudo alegremente. As novenas tomam parte em todas as repartições da cidade, comerciantes, industriais motoristas, delegacias, escolares, instituições, irrmandades, vendedores e prefeitos num entusiasmo   contagiante (Documentário, 1967).
Até a construção do santuário na parte mais alta da cidade em meados dos anos 1970, a festa ao Bom Jesus era realizada no interior da Igreja Matriz de Siqueira Campos e também no pátio em frente a ela, sendo que nesta parte externa acontecia o lado profano com dezenas de barracas de comidas, bebidas, música e muita gente com seus diferentes interesses e anseios em relação ao evento.
Depois que o santuário ficou pronto, a festa passou a ser realizada nesse novo local onde permanece até hoje. Com o passar do tempo e com o aumento do número de frequentadores, houve necessidade de melhorar a infraestrutura do lugar e assim foram construídos dois banheiros coletivos, cozinhas, e os barracões, onde são preparadas, vendidas e servidas as comidas aos visitantes. Todos esses espaços foram equipados de acordo com as demandas da festa no atendimento aos diversos participantes.
As apropriações de todos esses espaços, além de outros, para a realização da festa do Senhor Bom Jesus indicam claramente como a Igreja foi se organizando e expandindo o festejo tendo em vista questões religiosas, econômicas, culturais e simbólicas que cercam o evento, em especial, a demarcação do poder da Igreja na cidade e a força da crença cristã no Filho de Deus e nos seus milagres, funcionando ainda como vetores de divulgação e de expansão da fé no santo, que por sua vez reforçam o poder dessa mesma instituição e a coloca como indispensável para a sociedade local.
Fora do calendário oficial da festa, o santuário também é visitado por romeiros e devotos do Bom Jesus todo dia seis de cada mês e são recebidos com café da manhã oferecido por uma equipe de voluntários que trabalha nesse tipo de acolhimento.
Atualmente, se a festa dedicado ao Sr. Bom Jesus começa oficialmente no dia 28 de julho e termina no dia 06 de agosto,  observamos pelos   cartazes de divulgação e em conversas com seus organizadores2 , que ela tem início cerca de 2 meses antes com inúmeras atividades relacionadas aos seus aspectos religiosos e também econômicos. O ponto de partida ocorre quando se reúnem os festeiros, responsáveis pela arrecadação dos donativos, para o lançamento da festa com um almoço de confraternização que neste ano (2012), ocorreu no dia 02 de junho. Nesse mês, aconteceu também a peregrinação da imagem do Bom Jesus da Cana Verde nas comunidades rurais e urbanas de Siqueira Campos.  Além disso, há cerca de cinco anos os organizadores passaram a realizar o que eles denominam de “jantar fraterno do Senhor Bom Jesus da Cana Verde”, que nesse ano foi realizado no dia 14 de julho e depois no dia 21  houve o leilão do gado feito com os donativos arrecadados pelos festeiros e no dia 29 do mesmo mês a 4° cavalgada do Sr. Bom Jesus. Portanto, além da festa em si que ocorre ao longo dos 10 dias, vimos que ela abarca muitas outras atividades relacionadas, em especial, às demandas econômicas, religiosas e culturais da cidade e região.
Com tal programação antecedendo o período da festa, a população vai sendo envolvida e vai se preparando para ela, visto que reúne um público interessado em confraternizar com seus pares, isto é, os devotos do santo no jantar oferecido em homenagem a ele, mas também aqueles que gostam de uma boa comida, de reunir-se e conversar com outras pessoas, de encontrar e rever amigos e parentes, de fazer um bom negócio, enfim, mesclam-se interesses sociais, religiosos, familiares e econômicos nessas diversas atividades que antecedem e fazem parte da Festa do Sr. Bom Jesus da Cana Verde.
Desde o dia 28 de julho, a cidade passa a receber romeiros, turistas e fiéis ao longo das comemorações, que podem aproveitar as diversas atividades oferecidas pela festa, cuja programação é bem eclética, atendendo tanto o lado religioso quanto profano dos seus freqüentadores. No geral, a programação religiosa segue a seguinte ordem: procissão luminosa com a imagem do Senhor Bom Jesus, saindo da Igreja Matriz para o Santuário, novenas, missas na Igreja matriz e no santuário, em diversos horários.
A parte secular e profana contempla shows musicais diários com cantores sertanejos e bandas da região que acontecem à noite, além da comida, da bebida, das compras, do parque de diversão, etc. Portanto, os organizadores exploram também os aspectos social, cultural e econômico da festa, para chamar a atenção de outros tipos de frequentadores, além daqueles que acorrem pela fé e pela devoção ao santo.
 Em conversas com diversas pessoas participantes da festa como romeiros, moradores e organizadores, todos enfatizaram que muitos estão lá pelo lado lúdico, festivo, do lazer, da sociabilidade que a festa proporciona aos seus diversos e diferentes participantes.  Mais ainda, um dos atrativos da festa é a venda de bebidas alcoólicas, especialmente, entre os jovens. Muitos disseram que se não tivessem a cerveja, eles não compareceriam.
Conversando com uma das voluntárias nos serviços religiosos, ela comentou que a venda de bebidas alcoólicas durante a festa é um dos pontos de discordância entre parte dos organizadores e o pároco local, visto que alguns acham errado que em uma festa religiosa haja a venda de cerveja, enquanto outros, em afinidade com o padre, concordam com a manutenção pelos lucros advindos dela e pelo fato de que eles sabem que muitos dos frequentadores percebem e participam da festa religiosa como se fosse outra qualquer, onde há comida, bebida e pessoas bonitas para conversar, paquerar, namorar, se divertir. Como qualquer festa, a do Bom Jesus da Cana Verde comporta extravagâncias, excessos de comida e bebida, de risos, de diversão.
Ao longo do dia, a festa é normalmente ocupada pelos romeiros e visitantes e à noite, são os moradores da cidade e da zona rural que ocupam preferencialmente o lugar fazendo da festa um local de encontro, de diversão, de passeio, de lazer.
A pequena cidade de Siqueira Campos que possui atualmente cerca de 18.000 mil habitantes3 , tem sua população aumentada significativamente ao longo do evento, chegando a duplicar no dia 06/08, dia do santo, movimentando a cidade, atraindo comerciantes e vendedores da região e modificando a rotina dela, cuja população e infraestrutura ficam voltadas para a festa e suas atividades.
De acordo com duas moradoras de Siqueira, em conversa informal, a cidade nos dez dias de festa, praticamente tem sua rotina alterada, pois diversas práticas cotidianas param e outras são exercidas em torno da festa. Segundo essas senhoras que são professoras do ensino básico na escola, qualquer atividade nesta são feitas antes ou depois da festa, porque durante os 10 dias, praticamente, não há aulas, porque os alunos não vão à escola. Por outro lado, conversando com uma das organizadoras do evento, responsável pela cozinha, e que é professora do ensino básico  fica-se sabendo também que ela é dispensada no período em que trabalha na festa. Falando ainda das escolas, para se ter uma ideia do envolvimento da cidade e da população em torno da festa e do lado comercial e lucrativo da mesma,  as escolas abrem seus portões durante os dez dias para fazer do pátio e dos seus espaços vazios, um estacionamento com direito a banheiro cobrando uma diária por carro estacionado.
Na realidade, durante a festa um verdadeiro comércio é realizado. Alguns dados indicam a dimensão dela em termos de frequentadores, consumo de alimentos e número de barracas com os mais diversos tipos de mercadorias, os quais revelam a grandeza da festa para a comunidade local e os lucros do Santuário.
De acordo com o jornal local, O Correio do Norte de 29 de julho de 2011, a festa desse ano tinha a expectativa de receber cerca de 130 mil pessoas ao longo do evento porque o dia do Bom Jesus seria em um sábado, levando em consideração também que em 2010 o número de visitantes girou em torno dos 100 mil.Nesse ano esperava-se que a festa consumiria cerca de 20 mil kilos de carne, 50 mil latas de refrigerantes, 80 mil latas de cerveja, 30 mil salgados e 8 mil refeições. Além desse comércio de alimentos, a festa abriga cerca de 330 barracas espalhadas pelo pátio do santuário vendendo artigos de armarinhos, roupas, bijouterias, CDs e DVDs piratas, relógios, etc. Curiosamente, não há venda de souvenirs referentes ao santo, como imagens, terços, camisetas com estampas do Bom Jesus, comumente explorados no comércio de cidades em que há santuários dedicados as santos e a Nossa Senhora.
               Como dito, há um número significativo que comparecem pelo lado festivo e comercial do evento e nesse sentido, aproveitam para fazer compras, visto que muitas das barracas vendem roupas e acessórios dos mais diversos tipos e a preços populares. Tal comércio, a princípio, parece vantajoso para os comerciantes locais, mas, o que foi relatado, é que a maioria dos espaços onde são montadas as barracas é alugada para pessoas que veem de outras cidades e também que o aluguel é muito caro para o poder aquisitivo dos siqueirenses. Na realidade, as vendas das inúmeras barracas na festa rivalizam com o comércio local que participa muito pouco do evento. Tais fatos, aliados a outros, mostram um dos pontos de tensão e descontentamento de parte da sociedade local com a festa, visto que como os habitantes da cidade consomem seu dinheiro nela, por um tempo o comércio local, praticamente, fica estagnado.
Outros dados indicam ainda que a festa quase não beneficia o comércio local visto que, apesar dos gastos com a compra de mantimentos pelos organizadores, para fazer os milhares de almoços, churrascos, salgados, doces e bebidas, tudo é comprado em grandes quantidades em cidades maiores e que oferecem melhores preços. Portanto, o comércio local não lucra com a festa, o que dizem, na verdade, é que ela para certos setores do comércio, somente acarreta prejuízo.
Para entender melhor essa questão, é necessário saber que a organização da festa está nas mãos do pároco local e da ordem dos Capuchinos e é realizada essencialmente por voluntários e não somente a parte religiosa, isto é dos rituais oficiais como a procissão, as missas, as novenas, etc., mas também o comércio de comida e bebida, em geral. São os voluntários que giram em torno de 800 a 1000 pessoas por ano, que trabalham na cozinha e na churrascaria  para preparar os diversos tipos de alimentos que são comercializados nos restaurantes do santuário. Portanto, o santuário monopoliza, praticamente, todo o comércio dos principais pratos servidos nos dias da festa, assim como a venda de bebidas, inclusive, alcoólicos. Tudo é feito e vendido no recinto do santuário pelos voluntários e, portanto, a renda revertida para esta e a Diocese de Jacarezinho/Pr. a qual pertence à paróquia de Siqueira. Tais dados indicam as razões do  investimento e da intervenção da Igreja na organização da festa, e os altos dividendos financeiros arrecadados.
Há indicativos que as restrições de parte da população em relação à festa devem-se mais à forma como ela é organizada, ao grupo de organizadores ou a alguns integrantes dele, à falta de oportunidades dada aos siqueirenses de ganhar dinheiro com a festa que todos reconhecem, dá prestígio à cidade. Na fala dos habitantes é expressivo o orgulho que têm da festa dedicada ao Bom Jesus que é considerada uma das maiores do estado do Paraná.  
Assim como em vários lugares do país onde se cultuam as imagens        de santos, de Jesus Cristo e de Nossa Senhora, a festa do Senhor Bom Jesus da Cana Verde em Siqueira Campos, também faz parte do turismo religioso local e regional, atraindo milhares de fiéis e de pessoas interessadas em conhecer e vivenciar a festa e por isso comparecem de carros, de ônibus e mesmo a pé numa demonstração de fé, devoção, sacrifício e esperanças exercitadas ao longo da caminhada. Lembro também que de forma diferente, muitos veem para conhecer e aproveitar seus aspectos festivos, de diversão, de um espaço de sociabilidade que pode render dividendos diversos.
Afora, os eventos religiosos e profanos que constam da programação oficial, a reunião de diferentes pessoas que ocorre no lado externo do santuário para comer, beber, conversar, proporciona por si só,  uma verdadeira festa, no sentido mesmo de diversão, lazer, libertação. Nessa perspectiva, religião, fé, festa, sociabilidade e lazer caminham juntos e são partes constituintes do evento como práticas de seus diversos participantes e, portanto, inseridos numa cultura local, mas que também faz parte da cultura brasileira desde a sua formação. Nessa perspectiva, Mauro Passos (2002:187) ao discutir a religiosidade popular no Brasil, pontua que, (...) “Fé e cultura caminham juntas, numa íntima relação entre  religião e sociedade. As festas religiosas eram as principais formas de manifestação e lazer popular”.
Como argumenta Mary Del Priori, (2000) em relação ao período colonial, a festa era sempre institucional, isto é, ligada às comemorações relativas a eventos do Estado ou da Igreja, entretanto, por ocupar os espaços públicos, das ruas e praças, a festa transformava-se e acabava, por fim em ser também uma festa de expressões de valores, símbolos e cultura das classes subalternas. Nesse sentido, a apropriação desses espaços públicos era múltipla e diversa, dependendo das expectativas de cada setor da sociedade.
Pensando na mesma direção em relação à festa do Sr. Bom Jesus em Siqueira Campos, pode-se falar que a partir da ocupação dos espaços públicos de ruas e praças para a realização da festa, ao longo dos anos a Igreja perdeu o monopólio em relação ao direcionamento das práticas e regras fora dos recintos da Igreja. No espaço externo, a festa acabou por gerar funções diversas ligadas aos interesses e expectativas de cada setor social, grupos e pessoas participantes dela. Além disso, nota-se que por interesses financeiros, a própria Igreja foi tecendo tal formado para a festa que a fez popular e um lugar e tempo de reunião, encontros, diversão, música e bebida para grande parte dos frequentadores, em especial os jovens da cidade e região,   que também fazem parte da festa e aumenta sua grandiosidade e popularidade.
Ao chegar à Siqueira Campos no dia dedicado ao santo, é fácil perceber o clima de festa no local. Do lado de fora do Santuário, música alta, gente comendo, conversando, bebendo e fazendo compras diversas. O clima é de alegria, diversão, comilança, prazer. Comida e bebida, inclusive, muita cerveja e churrasco fazem parte do cardápio do dia. É curioso vermos as pessoas passarem por nós com enormes espetos de churrasco e sentarem-se ao chão à sombra para matar a fome e descansar, com os espetos fincados na terra, reunindo familiares e amigos.
Como é possível perceber, as pessoas vivem e experimentam a festa de diversas formas, usufruem dela comendo, bebendo, conversando, fazendo compras, rezando, pagando promessas, fazendo outras, etc, portanto, nota-se como é prazeiroso e fácil participar dela, entretanto, para os estudiosos que se debruçam sobre o assunto a tarefa é mais árdua.
As discussões sobre a temática da festa envolvem especialistas de várias áreas como sociologia, antropologia, folclore e história, portanto, a interdisciplinaridade faz parte dos estudos acerca das festas. Apesar disso, o conceito do termo, festa, ainda é problemático como apontam a antropóloga Rita Amaral em sua pesquisa sobre festas no Brasil (2001) e o historiador Roberto Guarinelo no texto: Festa, trabalho e cotidiano (2001). De acordo com este autor, os conceitos de festa foram elaborados a partir de uma festa em particular ou de alguns aspectos dela, portanto, não são amplos o suficiente para dar conta da diversidade de manifestações culturais que envolvem esse termo. Nesse sentido, numa tentativa de definição, explicita alguns elementos que, necessariamente, compõem as festas e os resume depois como segue no trecho abaixo:
Festa é, portanto, sempre uma produção do cotidiano, uma ação coletiva, que se dá num tempo e lugar definidos e especiais, implicando a concentração de afetos e emoções em torno de um objeto que é celebrado e comemorado e cujo produto principal é a simbolização da unidade dos participantes na esfera de uma determinada identidade. Festa é um ponto de confluência das ações sociais cujo fim é a própria reunião ativa de seus participantes (Guarinelo, 2001: 972).
               A participação das pessoas nas festas, portanto, implica em vários elementos que se aglutinam nos momentos e espaços do acontecer festivo. Nestes, podem-se observar diversos interesses envolvidos que demarcam os diferentes participantes que atuam nos eventos. Nesse sentido, em relação a estes, é possível dividi-los entre aqueles que organizam e trabalham e as pessoas que apenas vão usufruir das imensas possibilidades que as festas ofertam. É necessário ainda lembrar como esclarece Guarinelo, que uma festa implica a concentração de afetos e emoções em torno daquilo que é celebrado, comemorado. Portanto, elementos ligados à subjetividade, à sensibilidade, aos sentimentos, devem ser levados em conta nas análises dos mais diversos tipos de festas.
Nas diversas entrevistas realizadas, ao ser perguntado sobre o que fazem ao longo do período em que permanecem na festa, a resposta da maioria está relacionada ao prazer da comida ou às compras nas diversas barracas, além de visitar o santuário, assistir missa e cultuar o santo, ficando claro como explica Guarinelo, que as diferentes formas de participação na festa manifestam expressões de afetos e emoções as mais variadas, mexendo, portanto, com os sentimentos e sensibilidades das pessoas como pode ser observado nas declarações abaixo:
  (...)  Eu amo assistir missa! Participar da missa sabe! Acho muito linda! Eu cada ano que eu venho, eu penso assim, “ano que vem eu não venho não”, pois cansa muito né! Mas dai eu entro ali, assisto a missa com aquele coral lindo ali, sabe! Ah! Dai meu coração se desmancha! Ai eu quero voltar de novo! (entrevista com Celina de Paula Silva em 05/08/2012).
 Óia! Primeiramente na hora que eu cheguei até agora eu passei na sala dos milagres, viemos pra fazer e trazer promessa pra ele, e no mais viemos comer uma carninha e tomar uma cervejinha! (risos)
(...) Depois da nossa degustação viemos aqui! Encontrei alguns colegas aqui de Abatiá e tamo trocando umas ideias aqui! Posso dizer que eu amo aqui, e já vim 5 vezes e peço a Deus pra ele me deixar vir diversas veiz mais, né!(entrevista com João Chaves em 05/06/2012).
Parece-me plausível afirmar também que pelas emoções proporcionadas e pelo clima de envolvimento e acolhimento do lugar e dos seus moradores, milhares de visitantes voltam por vários anos ao evento, como  aponta a fala abaixo:
 Olha, se eu falar pra você! Eu gostei da cidade, gostei do povo né! Muito amigo! Todas as pessoas “ Gente boa” né! A cidade, que eu achei muito linda! Achei muito bonita! E eu fiz como o rapaz ali, que primeiramente fui aos pés do Santo! Agradecer a ele , a Deus e a todos né! E dai depois a gente saiu dar uma passeadinha por aqui em Siqueira Campos.(Entrevista com José Aparecido Cunha em 05/08/2012).
Outro elemento já apontado pelo Sr. João Chaves e que também é salientado  pela jovem Vanderléia, que comparece para rezar ao Bom Jesus e para assistir aos shows musicais à noite, é o (re) encontro de pessoas conhecidas ou amigas na festa: “Ai chega aqui e tem pessoas que faz tempo que a gente não vê, e encontra aqui né! Isso é bem importante também! E também, com certeza ver o senhor Bom Jesus né.” (entrevista realizada em 06/08/2012).
É interessante observar ainda que estar nas festas, participar, ocupar os espaços onde elas ocorrem proporcionam ainda a criação de uma rede de relações que engendram o sentimento de pertencer à cidade, à comunidade ou grupo no qual se está inserido. Gerar o sentido de pertencimento a um espaço social ou mesmo de reconhecimento de um lugar como acolhedor, sem dúvida, cria dividendos de diversos tipos para a cidade que os proporcionou, visto que o turista que é bem recebido e se sente acolhido, tende sempre a voltar ou mesmo a fixar moradia nela.
               No artigo, As tias baianas tomam conta do pedaço: espaço e identidade cultural no Rio de Janeiro, Mônica P. Velloso (1990) discute a associação entre espaço e identidade cultural em relação aos negros baianos residentes no Rio de Janeiro nas primeiras décadas do século XX. Analisando seus lugares de moradia, diversão e trabalho e as várias atividades neles desenvolvidas, Velloso estabelece como eram criadas as redes de relações entre os negros baianos e de que forma essas redes davam o sentido de pertencimento aos espaços ocupados por eles.
               Participar das festas do grupo ou da cidade onde se vive, viabiliza realizar inúmeras atividades que possibilitam construir e consolidar redes de relações fundamentais por meio das quais as pessoas identificam-se culturalmente e dessa forma constroem sua identidade enquanto indivíduo, como esclarece Velloso, (1990: 208) quando afirma que o fato de pertencer a um espaço não traduz vínculos de propriedade (fundiária) mas sim uma rede de relações. Esta rede é de tal forma interiorizada que acaba fazendo parte da própria identidade do indivíduo.
Aprofundando tal questão, percebe-se que festa do Senhor Bom Jesus da Cana Verde, reveste-se de vários sentidos dependendo da forma de participação e de suas expectativas em relação a ela. Para os romeiros que vem pela devoção ao santo é sinônimo de fé, esperanças renovadas, de agradecimento e pedidos; para os voluntários que trabalham na organização e na cozinha, na churrascaria, nas vendas de bebidas, além de inúmeros outros serviços que envolvem a recepção de milhares de pessoas numa festa, significa muito trabalho, dedicação e solidariedade;  para  grande parte dos frequentadores é diversão,  encontros entre pessoas,  possibilidades de estabelecer  relacionamentos de amizade e amorosos. Entretanto, todos têm em comum a possibilidade de engendrar uma rede de sociabilidade, entendida a partir da definição do sociólogo  Jean Bachler  (1995:65) que afirma que,
 (...) sociabilidade é a capacidade humana de estabelecer redes, através das quais as unidades de atividades, [casais, famílias, empresas, igrejas, etc] individuais ou coletivas, fazem circular as informações que exprimem seus interesses, gostos, paixões, opiniões...: vizinhos, públicos, salões, círculos, cortes reais, mercados, classes sociais, civilizações (...)

Mas para melhor entender o que é sociabilidade, é necessário compreender o que se entende por redes. Segundo Baechler, (1955, 77-78) redes,
são laços, mais ou menos sólidos e exclusivos, que cada ator social estabelece com outros atores, os quais estão também em relação com outros atores, e assim por diante. A priori, podemos pressentir que a amplitude, a exclusividade e a densidade da trama das redes variarão inteiramente conforme se tenha em consideração as redes de parentesco, de vizinhança, de classe.
               Na reflexão do objeto proposto, privilegiei as formas de sociabilidade estabelecidas entre indivíduos que nos diversos espaços da festa se encontram, se conhecem, fazem amizades, trocam emails, inserem-se uns aos outros nas suas redes sociais, ampliando e adensando, assim, outros tipos de redes, além das virtuais.
Importa aqui reiterar que, independentemente, dos motivos pelos quais as pessoas participam da festa, a sociabilidade é algo presente e reitera laços diversos, seja de amizade, de classe, de crença, de parentesco, ampliando e adensando as redes tecidas pelas pessoas que serão utilizadas posteriormente quando necessários.
É interessante observar ainda que a organização e os diversos serviços que giram em torno da festa, são todos realizados por voluntários, sendo que a maioria é recrutada na população local e nas cidades vizinhas, possibilitada, em grande parte pela abrangência e a densidade das redes de parentesco, vizinhança, amizade, devoção e fé ao mesmo santo, dos próprios voluntários. Pode-se dizer que se mesclam na decisão da pessoa que trabalha como voluntária, a devoção ao santo, a solidariedade para com o outro, a amizade e o parentesco entre eles, mas é a rede de sociabilidade formada fora e no interior da festa é que, em grande parte, faz ela possível.
Compreendem-se ainda os serviços voluntários dos habitantes da cidade pelo fato de que muitos deles teem uma ligação profunda com a festa, tanto em seu aspecto religioso, de fé no Bom Jesus, de fazer parte de um evento em homenagem ao santo, quanto de compromisso com a realização da festa, de solidariedade em relação aos que veem de longe e precisam descansar e se alimentar. Elas trabalham horas seguidas e dormem muito pouco ao longo dos 10 dias e falam da superação do cansaço e das poucas horas de sono como uma dádiva do Sr. Bom Jesus.
Seguindo a tradição cristã das festas populares no Brasil, faz parte do louvor aos santos, a fé e a devoção, mas também o aspecto festivo, lúdico, alegre, de transbordamentos, de excessos, seja de bebidas, de comidas, de alegria, de ousadias, características de qualquer festa.
Quais sentidos uma festa popular de cunho religioso tradicional pode ter no mundo atual que atrai e mobiliza tantas pessoas de diferentes setores da sociedade? Uma das respostas pode ser, a renovação das esperanças, a supressão das tristezas e do peso do cotidiano nos encontros com o sagrado e a utopia de uma sociedade mais solidária, como nos aponta Mauro Passos (2002:190) na citação abaixo:
O catolicismo popular e as tradições populares, com suas diversas formas de expressão festiva, são promessas de comunidade. Correntes que unem os membros de um grupo. Labirinto da saudade. O primado do visual continua orientando  suas manifestações e demonstrando seus gestos de espontaneidade e solidariedade (... ) Uma forma de compactuar com o mistério. Com o sagrado. Em tempos de globalização da economia e mundialização da cultura, faz valer a utopia. Compensam pelo imaginário, frustrações, carências e vacâncias do humano ser. Compensa o homem do seu caos (moderno e pós-moderno). A festa memorada fertiliza os corpos para um coletivo reunificador. Faz brotar o vigor da esperança. Partilha segredos e desejos. Endereça caminhos no horizonte da espera.

               Como qualquer festa, a do Senhor Bom Jesus da Cana Verde acontece em um tempo e lugar específico e reúne milhares de pessoas para comemorar o objeto envolvendo emoções e subjetividades. Ir ao santuário, rezar, assistir à missa, passear pela festa, encontrar amigos e conhecidos, comer, beber, celebrar a vida e voltar uma, duas, três, dez, vinte ou mais vezes ao mesmo lugar, à mesma festa e fazer tudo de novo, renova, fortalece as esperanças e ainda transforma ou mesmo reforça identidades. É claro as inúmeras dimensões que a festa do Senhor Bom Jesus da Cana Verde se reveste e também que seus milhares de frequentadores apropriam-se dela e a percebem a partir de interesses e expectativas particulares e coletivas, as mais diversas possíveis.
BIBLIOGRAFIA
Amaral, Rita. 2001. Festa à brasileira. Sentido do festejar no país que “não é sério”. ebooksbrasil.com.
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1 Agradeço a colaboração das orientandas de iniciação científica na recolha do material de pesquisa: Nayara Leme Lago, Francielle Alves e Mariani Maurosso.

2 Fui à festa no ano de 2011 e 2012, sendo que neste ano também compareci ao almoço que reúne os festeiros e que é considerado o ato de lançamento da festa, momento em que fui convidada a “doar um dia de trabalho ao Bom Jesus” por uma das mulheres que há anos trabalha na cozinha. Nesse ano então compareci à festa também como voluntária e trabalhei em diversos setores nos quais os alimentos são preparados. Em todas essas ocasiões  foi possível conversar com diversas pessoas que a frequentam, desde os organizadores, as voluntárias da cozinha e os visitantes, colhendo informações e observando a festa.

3 Dados do censo 2010-  Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)..