DESENVOLVIMENTO RURAL

DESENVOLVIMENTO RURAL

Paulo Carvalho (CV)

2. Dos lugares às redes: perspetivas inovadoras de valorização e desenvolvimento

“Rotas, circuitos, itinerários, convocando sítios e lugares, desenhados em diferentes contextos e escalas espaciais, ancorados ao património, assumem importância crescente na construção de novos caminhos de desenvolvimento” (Carvalho, 2005: 182).
Independentemente do contexto de análise (científico, empresarial, militar), a ideia de formular propostas compatíveis com uma estrutura em “rede” ganha expressão nos últimos anos.
No seio de uma dada organização funcional e territorial, a “rede” convoca temas ou ligações como o património (na amplitude das dimensões natural e cultural), os museus, acontecimentos históricos, entre outros. Por isso os “nós” são conotados com unidades museológicas, sítios, territórios, lugares – para referir apenas alguns exemplos (Carvalho, 2003)
Portanto o que está em causa é a integração de bens, sítios e estruturas em projetos e iniciativas com fio condutor e vínculos entre eles, no sentido de dar (ou melhorar a) visibilidade aos elementos de diferenciação, identidade e memória dos territórios.
É neste quadro de ideias que emerge o propósito de estruturar uma rede de lugares nas serras de xisto do Centro de Portugal.
Através do Programa Operacional (PO) da Região Centro (Quadro Comunitário de Apoio III, 2000-2006), definiu-se um novo caminho e uma nova estratégia para o desenvolvimento regional e local. No essencial o PO Centro (integrado no Eixo 4 – Promover o Desenvolvimento Sustentável das Regiões e a Coesão Nacional – do Plano de Desenvolvimento Regional para 2000-2006) estabelece uma estratégia e disponibiliza meios para estruturar o território segundo três eixos prioritários: apoio aos investimentos de interesse municipal e intermunicipal; ações integradas de base territorial; intervenções da administração central regionalmente desconcentradas, por sua vez estruturados em medidas de apoio ao investimento e nas quais são enquadráveis diversas linhas de ação.
            No caso em análise, a medida II.6 “Ação Integrada de Base Territorial do Pinhal Interior (FEDER)” é a referência de enquadramento da linha de ação “Infraestruturas e Equipamentos de Promoção das Potencialidades” a qual dá suporte ao projeto de “requalificação de um conjunto de aldeias serranas (recuperação de coberturas e fachadas, requalificação de espaços sociais, instalação de mobiliário urbano, recuperação de pavimentos de ruas e calçadas, infraestruturação com redes básicas) que sustente uma rede de sítios de interesse turístico” (CCRC, 2001: 38).
           Isto significa que os lugares são agora integrados em redes segundo um plano de desenvolvimento (turístico) integrado de toda a região, do qual também fazem parte as estradas panorâmicas que ligam as aldeias e preveem além de circuitos panorâmicos, parques de lazer e áreas de paragem com leitores de paisagem.
Desde logo foi necessário estabelecer critérios para a configuração da futura rede, através da definição de “exigências” em relação aos lugares com o objetivo de moldar um todo coerente e original: “enquadramento em espaços vincadamente rurais; enquadramento em ambiente de montanha ou média-montanha (dos 500 aos 900 metros de altitude); dominância da arquitetura rural tradicional local, com utilização de materiais construtivos, técnicas de construção, volumetrias, cores e ordenamento do aglomerado, característicos da região; aglomerados que utilizam recursos locais (pedra e madeira) como principal material construtivo; aglomerados não completamente abandonados pelos seus habitantes; aglomerados abandonados pelos seus habitantes, mas reocupados por outros que mantêm as atividades tradicionais; predomínio da primeira habitação; componente de alojamento turístico não representa mais de 25% das residências existentes; enquadramento na rede de percursos global” (CCRC, s/d: 21). De igual modo, ainda segundo a mesma fonte, foram definidas “preferências”: “aglomerados em que o material de construção seja, predominantemente, o xisto e/ou quartzito; desejável existência de imóveis para serviços (ponto de informação, valência museológica, alojamento turístico, venda de produtos locais”.
A “Rede de Aldeias do Xisto” (Figura 3), enquanto expressão e imagem de marca deste projeto, congrega iniciativas em mais de duas dezenas de aldeias serranas (sobretudo na Cordilheira Central), distribuídas por treze concelhos: Arganil, Castelo Branco, Fundão, Góis, Lousã, Miranda do Corvo, Oleiros, Pampilhosa da Serra, Penela, Proença-a-Nova, Sertã, Vila de Rei e Vila Velha de Ródão.
Mas, para justificar a escolha e identificar as necessidades específicas de cada intervenção foi necessário que os promotores apresentassem, para cada caso, um Plano de Aldeia, documento ou figura de gestão territorial (centrada em microterritórios, periféricos e com fragilidades económicas, sociais e demográficas) que obedeceu a um conjunto de “etapas metodológicas”: caracterização da área de intervenção; diagnóstico das necessidades; proposta de intervenção e, finalmente, o plano de execução onde as diferentes tipologias de intervenção são orçamentadas (segundo parâmetros definidos) e relacionadas com o tempo previsto para a intervenção (programa de execução) e com os recursos económicos disponíveis (plano de financiamento).

A leitura dos “Planos de Aldeia” sugere-nos um breve apontamento de sistematização que pretende evidenciar as assimetrias territoriais, os problemas e as potencialidades da Rede.
           Assim, a primeira nota prende-se com a diferenciação dos títulos administrativos dos lugares, que corresponde também a quadros demográficos, económicos e sociais distintos. A estrutura edificada também é muito variável: número de imóveis; estado de conservação; tipologia e características arquitetónicas; tipologia de ocupação. As redes de infraestruturas básicas (água, energia elétrica, saneamento, recolha de lixo) indicam igualmente assimetrias territoriais; contudo, a situação comum mais negativa é a ausência de sistemas de tratamento público de águas residuais domésticas. O investimento total aprovado pela CCRC, cerca de 10 milhões de euros, (53% do investimento total apresentado pelos municípios), segundo as componentes estruturais (imóveis particulares, imóveis públicos, espaços públicos, infraestruturas) reflete também as diferenças anteriormente assinaladas.
Mas a imagem mais singular das aldeias serranas resulta da permanência dos traços da arquitetura vernacular e da envolvência do casario muito apinhado, com os seus caminhos tortuosos e irregulares (talhados no fraguedo telúrico), ladeados de muros de pedra solta, que conduzem às minúsculas parcelas de cultivo, também elas pedindo o auxílio aos muros de pedra para evitar o desmoronamento e o arrastamento do solo para o fundo dos vales; o cenário completa-se com os resquícios da velha floresta caducifólia composta de castanheiros (Castanea sativa), carvalhos (Quercus pirenayca, Quercus roble e Quercus faginea) e outras folhosas nobres (como, por exemplo, Quercus suber e Prunus avium).
Os estatutos de proteção destas paisagens culturais são também diferenciados. Ao nível local, os planos municipais de ordenamento do território dos municípios envolvidos na Rede revelam preocupações distintas: da definição de perímetros urbanos mais alargados (o que significa a intenção técnica e política de permitir mais construção nos lugares, como acontece sobretudo nas antigas vilas e nas aldeias maiores e mais descaracterizadas) ao desenho decalcado do espaço urbano consolidado da aldeia (neste caso o objetivo é impedir novas construções e estimular a reconstrução dos imóveis em mau estado ou em ruína e assim obter unidades de ocupação com áreas (m2) mais ajustadas às necessidades dos novos utilizadores. No plano nacional inscrevem-se as propostas e os processos de classificação do património cultural (em apreciação por parte da instância com competência na matéria), e as decorrências dos sítios nacionais da Rede Natura 2000.
A elaboração dos planos decorreu no seio e sob a responsabilidade técnica de diferentes entidades: equipas multidisciplinares no âmbito da instalação de Gabinetes Técnicos Locais; empresas externas contratadas pelos municípios, com currículo (trabalho realizado) na área do ordenamento do território e urbanismo; Gabinetes de Apoio Técnico (de base intermunicipal).

3. Notas Finais

Os espaços rurais europeus são hoje preocupações centrais no quadro conceptual das novas perspetivas de desenvolvimento.
Reconhecendo as diferenças existentes entre os territórios rurais em razão das suas peculiaridades e recursos próprios e as suas capacidades para usá-los, admite-se que o seu desenvolvimento social e económico é benéfico para o equilíbrio territorial e por isso esse objetivo deve ser assumido no plano das políticas e materializado no domínio dos instrumentos de gestão e ordenamento, de forma a tornar mais coerentes e eficazes os investimentos em infraestruturas e serviços, destinadas a alcançar esse equilíbrio.
A participação comprometida dos poderes públicos, a territorialização das políticas e das ações de desenvolvimento, e a participação ativa das populações, sugere o reconhecimento desses territórios enquanto testemunhos vivos da história e da cultura rural e “depositários” de património (natural e cultural) imprescindível para as novas formas de vida nos territórios rurais. De igual modo, as sociedades pós-modernas consideram esses valores uma parte substancial do seu património (Riva, 2002).
O propósito de criar a “Rede de Aldeias do Xisto” enquadra-se nesta teia conceptual. Trata-se de uma abordagem integradora alicerçada num conjunto de ações que visam requalificar territórios rurais em declínio, melhorar as condições de vida das populações, elevar a sua autoestima e promover as suas potencialidades originais e excecionais, também como o intuito de estimular a sua integração nos lazeres turísticos designadamente os destinos vinculados às dimensões naturais e culturais.
 No caminho aberto pela nova conceção de desenvolvimento (participado, individualizado e contextualizado), revitaliza-se a dimensão territorial das políticas públicas e lançam-se os estímulos e apoios indispensáveis para a redescoberta e reinvenção do rural (e das novas formas de viver a ruralidade) com dignidade e qualidade de vida.

Bibliografia

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