DESENVOLVIMENTO RURAL

DESENVOLVIMENTO RURAL

Paulo Carvalho (CV)

5. O Ecomuseu da Serra da Lousã

            O projeto “Ecomuseu da Serra da Lousã”, idealizado pela Câmara Municipal da Lousã, foi lançado no final de 2000.
Na essência pretende constituir uma rede articulada de espaços com particularidades próprias, contribuindo todos para a construção de uma mesma identidade cultural – a Serra da Lousã.
“Caberá ao ecomuseu assegurar de forma permanente e continuada, no território em que se define o concelho da Lousã e na perspetiva do seu desenvolvimento, com a participação da população, as funções de investigação, conservação, valorização do património e desenvolvimento local” (CML, 2000).
Os objetivos gerais orientadores do projeto são:
– Promover a valorização do património concelhio, nas suas diversas vertentes.
– Promover a valorização das práticas do Mundo Rural, contribuindo para a sua revitalização.
– Contribuir para o desenvolvimento da investigação no âmbito do património da Serra da Lousã.
– Promover o desenvolvimento local sustentado (CML, op. cit.).
As linhas de ação para o desenvolvimento do projeto alicerçam-se no estabelecimento de uma rede sustentada de parcerias, com entidades públicas e associações locais.
Pensa o município da Lousã, desta forma, contribuir para o reforço da imagem da Serra, enquanto sistema rural vivo, pluriactivo e diversificado, e promover uma melhoria das condições de vida das populações, mobilizadas em torno da valorização dos seus próprios recursos naturais e culturais, considerados de elevado potencial.
            As linhas estratégicas de inspiração e orientação apontam as características de um espaço aberto e vivo, com uma estrutura polinucleada e com funcionamento descentralizado e articulado, a saber:
– Núcleo Sede, que funcionará em edifício a recuperar na Rua Miguel Bombarda, no coração do Centro Histórico da Lousã.
– Núcleo de Gastronomia e Doçaria Regional – Lagar “Mirita Sales”, na Sarnadinha.
            – Aldeias de Xisto, conjunto definido pelas aldeias serranas da Lousã.
– Núcleo de Pintura Serrana, a instalar na antiga casa-atelier do pintor Carlos Reis, recentemente adquirida pela autarquia com vista à total reabilitação, onde será integrado o espólio do insigne mestre da escola naturalista, entusiasta e divulgador da paisagem (terra e gentes) lousanenses, assim como o grande e variado espólio de pintura “Naif” e de outros géneros pertencentes à autarquia. Neste espaço funcionarão também “ateliers”, onde as pessoas poderão praticar esta arte, tornando-se assim um local de acontecimentos e de experimentação.
– Núcleo de Investigação que funcionará num edifício, adquirido pela Autarquia, na Rua Dr. Pires de Carvalho; aí poderão funcionar espaços de investigação sobre a Serra, por protocolo com universidades e institutos ligados a estas temáticas, espaços de experimentação/Ciência Viva na área do papel e do livro – área com forte tradição cultural no concelho, bem como espaços de formação.
– Fornos de Telha e Cal, património construído de valor arqueológico industrial, com iniciativas repartidas entre a recuperação de uma unidade em Foz de Arouce e o aproveitamento para divulgação e promoção de um outro (propriedade particular) localizado no setor Arneiro-Buçaqueiro, área com tradição secular nesta atividade.
– Moinhos de Água; na senda dos anteriores, prevê-se a recuperação de alguns moinhos existentes na Ribeira de S. João e que são propriedade da autarquia, e pretende-se efetuar um levantamento de outros existentes nas várias freguesias, com o objetivo de programar intervenções.
            – Núcleo do Candal, composto por um edifício já recuperado (com o apoio do LEADER-ELOZ), e por um lagar de azeite recuperado, propriedade do médico e etnólogo Manuel Louzã Henriques, localizados à beira da estrada da Serra (Lousã-Castanheira de Pera).
            As atividades a desenvolver e as intervenções estendem-se a outras áreas, nomeadamente:
– Criação de circuitos pedestres temáticos.
– Estabelecimento de protocolos de parceria ao nível nacional e da comunidade europeia com ecomuseus similares, para intercâmbio de experiências e “know how”.
– Estudo da antiga “Estrada Real” existente no concelho e análise das formas de intervenção.
– Edição de publicações que resultem de investigação sobre o património da Serra da Lousã.
– Promoção de produtos típicos da Serra da Lousã (Idem, ibidem).
            O desenvolvimento deste Projeto, com custo total estimado de 325 mil contos (cerca de 1.625.000 Euros), será faseado e as iniciativas decorrerão segundo a calendarização esquematizada no Quadro 2.
            Para sua a implementação é essencial uma equipa técnica multidisciplinar (a tempo inteiro), a quem caberá a definição das grandes questões de funcionamento da iniciativa, bem como a implementação e acompanhamento do mesmo. É condição básica para o sucesso da iniciativa. Mas não só!
Reconhecemos o interesse, o significado (na ótica da qualificação do território), o valor (que não deixa de constituir igualmente um avultado investimento financeiro, de base municipal mas certamente com cofinanciamento público através do Programa Operacional da Região Centro-2000/2006) e a inovação deste projeto (o campo da investigação é disso excelente exemplo), e por isso entendemos pertinente questionar também a abrangência territorial deste tipo de iniciativa – no caso em análise confinada aos limites administrativos do município.
A indústria tradicional do barro vermelho de Miranda do Corvo, ainda uma espécie de museu vivo de uma arte secular, o potencial museológico da indústria têxtil de lanifícios de Castanheira de Pera, da indústria papeleira em Lousã e Góis, e até talvez a extração mineira que animou Góis e o Vale do Ceira, a riqueza patrimonial (ao nível dos moinhos e lagares hidráulicos) e paisagística/ambiental das ribeiras de Alge e Pera, o valor patrimonial, simbólico e cultural dos poços de neve, capela e terreiro do Santo António da Neve (que ultrapassa largamente as fronteiras do enquadramento administrativo), as piscinas fluviais e as barragens da Loucaínha (Espinhal-Penela), a sinfonia aquática das ribeiras da Pena e das Quelhas (Carvalho e Amaro, 1996), a imponência das poderosas bancadas quartzíticas elevadas a mais de mil metros de altitude nos Penedos de Góis ou a forma espetacular (canhão epigénico) que assumem na Senhora da Candosa, o contraste arquitetónico entre os granitos trabalhados no casario do Coentral e os xistos acastelados nas pequenas casas do Gondramaz, enfim são outros, entre tantos outros, “centros” patrimoniais repartidos pela Serra da Lousã, quais linhas representativas de valores próprios que merecem ser valorizados e conectados através de indispensáveis itinerários de reconhecimento e divulgação.

 

Quadro 2. Calendarização e síntese do “Ecomuseu da Serra da Lousã”

Fases

Iniciativas/Intervenções

Execução temporal

Custos

 

 

 

 

 

* Estabelecimento de Protocolos

 

 

 

de Parceria

 

 

 

* Recuperação e adaptação do

4º Trimestre de 2000

 

1ª Fase

edifício do Núcleo Sede

 

 

 

* Implementação do Núcleo de

e

125 mil contos

 

Gastronomia e Doçaria Regional

 

 

 

* Núcleo do Candal - Aquisição

1º Trimestre de 2001

 

 

de equipamento

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

* Intervenção nas Aldeias de Xisto

 

 

 

* Recuperação e adaptação do

2º Semestre de 2001

 

2ª Fase

edifício do Núcleo de Pintura

a

125 mil contos

 

Serrana

2º Semestre de 2002

 

 

* Promoção de Produtos Típicos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

* Recuperação e implementação do

 

 

 

Edifício para Núcleo de Investigação

2º Semestre de 2002

 

 

* Fornos de Cal

 

 

3ª Fase

* Moinhos de Água

até final

75 mil contos

 

* Circuitos pedestres temáticos

 

 

 

* Estudo - "Estrada Real"

De 2003

 

 

* Edição de Publicações

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

     Fonte: Ecomuseu da Serra da Lousã, C.M. Lousã, 2000.

 

Não será esta uma outra perspetiva válida (e possível) para o “Ecomuseu da Serra da Lousã”?
O intercâmbio de ideias e a partilha de experiências e projetos, numa base de sólido apoio técnico inter e transdisciplinar, afigura-se como caminho a percorrer para quebrar antigas barreiras e negar um certo determinismo histórico de isolamento e, acima de tudo, escrever um novo capítulo na relação que se pretende estreita entre as populações e os territórios da Serra da Lousã, com páginas ilustradas de complementaridade, cooperação e solidariedade, longe dos localismos e de certas perspetivas reducionistas de interesse e alcance paroquial.

6. Notas finais
            Os novos valores e paradigmas do ordenamento do território e do desenvolvimento afirmam a participação dos atores e da população em geral, a contextualização das políticas, as novas formas da governação local (Silva, 1999), as redes de cooperação e solidariedade, aceitando-se que cada território deve seguir o seu próprio caminho, sem imposição e reprodução de um modelo único imposto do topo para a base.
A qualificação dos territórios, a imagem e qualidade ambiental, enfim os recursos patrimoniais e a sua organização e valorização, desempenharão um papel decisivo na afirmação dos territórios e na dimensão do exercício da cidadania.
O projeto “Ecomuseu da Serra da Lousã”, apresentado pela Câmara Municipal da Lousã, inscreve-se neste quadro teórico e resulta da necessidade de constituir uma rede coerente de estruturas e de acontecimentos notáveis, de recursos, tanto na perspetiva cultural como ambiental, onde os vários exemplos de equipamentos culturais, serviços públicos e espaços museológicos, locais e percursos de qualidade ambiental já existentes ou a constituir, possam ser articulados entre si.
Esta interessante proposta leva-nos a pensar o interesse e ambição regional de uma outra iniciativa desta natureza capaz de articular e integrar, numa rede coerente e dinâmica, ações e/ou propostas de intervenção de cada um dos agentes de desenvolvimento com incidência local mormente no âmbito da valorização dos recursos patrimoniais (no amplo espectro das dimensões natural e cultural), com o objetivo de racionalizar os recursos financeiros envolvidos, conciliar as vertentes económica, social, cultural e ambiental, reforçar a imagem e a identidade do território, afirmar a atividade turística sustentável e melhorar as condições de vida da população serrana.
Assim nasceria um outro “Ecomuseu da Serra da Lousã”, que seria mais do que a soma das partes (neste caso da parte: o “Ecomuseu da Lousã”, e outros que, entretanto, venham a ser lançados).
Estaremos perante um grande desafio ou, talvez, uma gigantesca utopia?

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