PLANEAMENTO TURÍSTICO EM MIRANDA DO CORVO CONTRIBUTO DE UMA ANÁLISE GEOGRÁFICA

Luísa Daniela Moreira Adelino

3.2.1.1 Património cultural

Como refere a Lei n.º 107/2001 (Lei do Património Cultural Português), o património cultural é o conjunto de todos os bens, materiais e imateriais que, pelo seu valor próprio, devam ser considerados de interesse relevante para a permanência e a identidade da cultura de um povo.
Se durante muitos anos as práticas típicas de algumas regiões foram consideradas como um atraso no desenvolvimento e na mentalidade das pessoas, actualmente as mesmas têm vindo a ser valorizadas. Neste contexto, Portugal aposta forte no que é genuíno dos seus concelhos e Miranda do Corvo não é excepção. Actualmente procura-se recuperar, valorizar e mostrar aquilo que se produz neste concelho. Desta forma podemos entrar em contacto com vários tipos de produção artesanal.

 

3.3.1.1.1 Património material

O artesanato é sem dúvida uma das melhores marcas da identidade de Miranda do Corvo. A produção em pequenas empresas familiares, de objectos fundamentais para o dia-a-dia da população, vigorou até um período tardio, embora com expressão cada vez mais modesta. Ultimamente tem-se investido em ateliers de produção artesanal que irão dar a conhecer um pouco mais dos costumes dos mirandenses.
No que toca à olaria, Lucília Caetano foi a primeira pessoa a atribuir o título de “Museu Vivo” da Cerâmica e do Barro Vermelho a Miranda do Corvo, na década de 1980. Em alguns lugares da freguesia de Miranda do Corvo era possível percorrer a evolução da cerâmica do barro vermelho, incluindo a presença do domestic system (pré-industrial) em simultâneo com outras técnicas de produção mais avançadas, nomeadamente a produção de telha e tijolo (CAETANO, 1987). Realiza-se ainda nas localidades de Bujos, Espinho e principalmente no Carapinhal.
As rendas têm origem no Mosteiro de Semide, elaboradas pelas monjas que aí residiam.
 De origem contraditória, a tecelagem artesanal desenvolveu-se devido ao isolamento a que estiveram sujeitas algumas povoações do concelho, utilizando a lã das ovelhas ou fibras vegetais, como o linho para se agasalhar (RODRIGUES, 2005). Uma outra forma de tecelagem, denominada «tecelagem de Almalaguês», era bordada e executada em fio de algodão e utilizada para tapeçaria e colchas. Este tipo de arte actualmente pratica-se por todo o concelho.
A latoaria pratica-se em vários pontos do concelho. No passado tinha muita importância, contudo a utilização de outros materiais levou a que a latoaria entrasse em declínio, sendo já praticada essencialmente para venda como recordação.
            Relativamente às esculturas de pedra, foi na década de 1980 que se descobriu o talento de um escultor, pessoa simples e modesta, residente na aldeia do Gondramaz. O senhor Carlos Rodrigues (1928 – 2010), executou durante três décadas trabalhos em xisto, com ferramentas rudimentares, reconhecidos em Portugal e no estrangeiro.
A cestaria era usada principalmente para o transporte de produtos agrícolas, contudo, com o declínio da agricultura e a crescente utilização de outros materiais, a produção destes utensílios entrou também em declínio. Actualmente esta pratica-se ainda em Torno, Cardeal e Casal das Cortes.
Segundo OSÓRIO e DUARTE (1995) cit. em RODRIGUES (2007), o modo de confecção dos alimentos vincula diferentes áreas: o histórico, económico, social e religioso que responde ao porquê da existência da confecção desses pratos.
            A gastronomia típica de Miranda do Corvo não foge a esta regra. De facto, um dos pratos com mais relevância no concelho é a Chanfana, feita a partir da carne de cabra, produção típica no concelho. Com o molho que sobra e adicionando pão e couves, confecciona-se outro prato denominado Sopa de Casamento. Outro prato que é confeccionado em simultâneo com a chanfana, usando as tripas da cabra, é os Negalhos. Por fim o Chispe é outro prato, também feito a partir da carne de cabra, nomeadamente a perna, que se confecciona no concelho.
            No que toca a sobremesas e doces, tem especial destaque o Arroz Doce, que apesar de não ser especialidade exclusiva da região, é muito consumido nas festividades. No Mosteiro de Semide as monjas criaram alguns doces, nomeadamente a Nabada (feita com nabos) e as Súplicas (a partir de ovos).
Dentro do património construído merece destaque o património religioso. Em todo o concelho existem inúmeras construções de cariz religioso. As mais importantes são as igrejas, existentes essencialmente nas sedes de freguesia, contudo mais numerosas são as capelas e as alminhas, existentes em quase todas as localidades.
No que toca às igrejas, a análise espacial mostra que a maior concentração destes espaços religiosos existe na sede de concelho, Miranda do Corvo, onde se situam, na parte histórica da vila, o Monte do Calvário de origem remota e que sofreu muitas alterações, a Igreja Matriz, situada no Monte Calvário, dos finais do século XIV, a Capela do Calvário, também no Monte do Calvário, no morro do castelo, provavelmente de finais do século XIX e a Capela da Senhora da Boa Morte, de pequenas dimensões, localizada nas imediações do Monte do Calvário.
            De seguida destaca-se a freguesia de Semide, que além da Igreja Matriz, fundada no século XII pela ordem Beneditina, conta com o Santuário do Senhor da Serra, localizado no cimo da Serra de Semide, onde tem lugar a maior romaria do centro do país. Em Vila Nova também se encontra outro local de peregrinação, a Capela da Senhora da Piedade de Tábuas, que remonta à segunda metade do século XVI. Nas restantes freguesias do concelho destacam-se as respectivas igrejas matrizes.
Tal como no caso do património religioso, por todo o concelho existem inúmeras festas religiosas (Quadro 6) que animam todas as localidades, em honra de variados santos, fruto da religiosidade do povo. Nas gerações passadas estas festas tinham importância fundamental, visto que constituíam uma das poucas oportunidades que existiam para o descanso, sociabilização e animação, ao longo do ano todo.

 

 

Quadro 6: Festas religiosas de Miranda do Corvo

Festas

Data

Local

São Sebastião

Janeiro

Miranda do Corvo

Senhor dos Passos

Bienal - Semana Santa

Miranda do Corvo

Romaria do Senhor da Serra

15 a 22 de Agosto

Senhor da Serra

N. Sra. da Piedade de Tábuas

2º fim de semana de Setembro

Tábuas

Via Sacra

Sexta-feira Santa

Rio de Vide/Semide

Fonte: Elaboração própria

 

Em Miranda do Corvo existem actualmente poucas marcas de arquitectura civil. Esta situação está fortemente relacionada com a história do concelho. Algumas das infra-estruturas foram descaracterizadas ou abandonadas, perdendo-se irremediavelmente com o passar dos anos. Hoje apenas restam algumas partes ou marcas da sua existência.
O edifício dos Paços do Concelho (do início do século XX), revela bastante interesse do ponto de vista arquitectónico e histórico. Esta construção revela ainda maior interesse patrimonial quando considerado a par com a envolvência (CMMC, 1993).
A Torre Sineira é o que resta do antigo castelo que existia no cimo do Monte Calvário e o Pelourinho que data do Século XVI e que se encontrava no local onde existia a antiga Casa da Câmara (actual feira da Sardinha), ambos localizados na sede de concelho.
Fora da sede destaca-se a aldeia do Gondramaz (Figura 11), na freguesia de Vila Nova, a única aldeia pertencente à Rede das Aldeias de Xisto no concelho. Outra localidade em destaque é o Cadaval (Figura 12), aldeia abandonada, nas proximidades do Gondramaz, aldeia de xisto não contemplada pelo PAX por ausência de população residente.

Na área histórica da vila ainda subsistem algumas casas centenárias pertencentes a famílias tradicionais, embora alteradas ou com algumas marcas de degradação (RODRIGUES, 2007). É nesta área que se encontra o Antigo Hospital da Nossa Senhora da Conceição que acolhia os viajantes e peregrinos doentes e que está actualmente descaracterizado, propriedade que serve para uso privado.
No lugar de Tróia localiza-se a Casa do Capitão-Mor1, imóvel no qual se destaca, desde logo, um brasão barroco bem conservado na sua fachada evidenciando a presença senhorial. A casa data do Século XVIII. (CMMC, 1993).
As marcas do modo de vida da população de Miranda do Corvo ainda são visíveis um pouco por todo o lado. Há apenas algumas gerações a paisagem nalguns locais era marcada pela presença de moinhos, principalmente de água, localizados junto aos cursos de água. Os de rodízio horizontal eram predominantes, quando comparados com os de rodízio vertical. Em menor número existiam os moinhos de vento, dos quais actualmente apenas existe dois exemplares, um localizado na Quinta da Paiva, adquirido a um concelho vizinho e outro na localidade de Espinho, recuperado por iniciativa da população local.

Na freguesia de Vila Nova existem dezenas de azenhas na proximidade dos cursos de água. Através do programa Agris, a Câmara Municipal pretendeu a sua requalificação e a criação de um caminho pedestre para mostrar estas infra-estruturas. Contudo, da totalidade das azenhas, apenas três foram recuperadas, uma vez que muitos proprietários não se mostraram interessados em aderir a este projecto.
Existem registos da existência de várias azenhas também na ribeira de Fervença, na freguesia de Lamas e dispersas pelas restantes freguesias do concelho.
            Além dos moinhos também era frequente a existência de lagares, nomeadamente de prensa hidráulica e prensa de vara de madeira. Este último tipo ainda visível na localidade de Espinho e na Quinta da Paiva.

3.1.1.2. Património imaterial

            De entre as inúmeras marcas de património imaterial destacamos apenas algumas, pois este relatório ficaria exageradamente extenso. Remetemos para anexo alguns exemplos concretos e a explicação mais detalhada de alguns aspectos que iremos apresentar a seguir.
            Falamos essencialmente de tradições cujas origens se perdem no tempo, passadas de geração em geração, de forma oral e que estão lentamente a desaparecer. Histórias de vida passadas que desvanecem no tempo, confundindo-se com a própria História.
            Os modos de vida local prendem-se essencialmente com a ruralidade. Destacamos, em primeiro lugar, as práticas agrícolas tradicionais, as vindimas, a ida ao lagar com a azeitona acabada de apanhar para fazer o azeite, a produção tradicional de licores e bebidas de teor alcoólico para consumo próprio, a pastorícia, a ida ao rio para lavar a roupa, a moagem de sementes para fazer farinha com a finalidade de amassar a broa, a matança do porco, a recolecção de pinhas, lenha e fagulho para fazer as fogueiras para cozinhar e para aquecimento da casa, a recolecção do mato para “fazer a cama” aos animais, a recolecção de castanhas, a produção de mel, entre muitos outros. E claro, a ida ao mercado para vender os excedentes e comprar aquilo que não se tem, como por exemplo algum peixe, vestuário e utensílios de trabalho.
De entre os eventos destacamos as festas das aldeias. Para muitas pessoas eram as únicas alturas em que podiam esquecer os problemas do dia-a-dia e fazer coisas diferentes. Normalmente eram em honra deste ou daquele santo, para agradecer ou pedir graças, o que demonstra um carácter profundamente religioso das populações.
Pelo menos nos principais festejos da aldeia, muitas pessoas faziam uma limpeza geral à casa, enfeitavam a entrada e as ruas com flores ou verduras (principalmente se havia ladainha ou procissão), matavam uma cabra para fazer a chanfana e o chispe, preparavam o arroz doce e vestiam roupa nova.
Depois de celebrada a missa, por vezes aconteciam as já mencionadas ladainhas ou procissões. No final frequentemente aconteciam os leilões de fogaças, em que os populares ofereciam “à capela” alguns dos produtos alimentícios ou animais que possuíam para estes serem leiloados ao povo. O dinheiro obtido com os leilões era muitas vezes destinado à manutenção ou obras de requalificação das capelas.
Também acontecia com alguma frequência, depois de uma tarde religiosa, um momento profano: o baile. Este era o momento de encontro não só dos da terra, como também dos das terras vizinhas que apareciam. Os jovens dançavam, frequentemente com a supervisão dos seus pais (principalmente as jovens solteiras) e não raras vezes eram locais onde se conheciam outros jovens, resultando em namoro ou mesmo em casamento.
Para animar as festas existiam os grupos etnográficos (ranchos), os Zés Pereiras (gaiteiros) e mais tarde os agrupamentos musicais. Estes dois primeiros grupos de animação revestem-se de grande importância pois são os que preservam a indumentária tradicional, os cantares, as melodias e até a arte de tocar certos instrumentos que actualmente já não se ouvem com muita frequência.
O carnaval (Entrudo) também costumava ser assinalado. As pessoas disfarçavam-se, pregavam-se partidas, mudavam-se as coisas de sítio durante a noite, praticavam as chocalhadas, iam para o meio do mato entoar sons, entre outros.
Muitas vezes entoavam-se cantares, por grupos organizados, para assinalar certas datas específicas, tais como as Janeiras ou o cantar às almas. Também se cantavam as canções de roda, em que as pessoas dançando à roda, cantavam (Documento I).
Paralelamente, destacamos as histórias/lendas. Eram sobre a terra, sobre lobos, milagres, sobre pessoas, entre outros. Tinham um carácter lúdico mas acima de tudo educativo, pois frequentemente havia uma moral por detrás da história (Documento II).
Por fim, mencionamos os jogos tradicionais. Ao domingo, aos feriados ou em dias de festa as pessoas juntavam-se, mais ou menos jovens, para jogar. As crianças em idade escolar jogavam muito o jogo do pião, da macaca, do arranca-te nabo, entre outros. Os adultos, principalmente os homens, jogavam o pau de sebo ou o jogo do fito (Documento III).
Estes jogos eram muito importantes, não só como meio de distracção, mas também como meio de sociabilização.

3.3.1.2. Património natural

Destaca-se em Miranda do Corvo a percentagem do território que apresenta uma ocupação florestal. Este facto aliado a outras características concelho torna-o propício à realização do eco-turismo e de eventos de montanha em várias partes do concelho.
O concelho dispõe actualmente de duas áreas naturais que se encontram abrangidas por medidas de protecção: o Espaço Natural na Senhora da Piedade de Tábuas, que contempla a piscina fluvial aí localizada e toda a flora envolvente e o Sítio da Serra da Lousã, incluído na Rede Natura (arquivo da Câmara Municipal de Miranda do Corvo).

Além do Património Paisagístico, o concelho dispõe de um leque de elementos paisagísticos que o enriquecem e valorizam. Igualmente, as aldeias serranas de xisto de Gondramaz, Galhardo e Cadaval, dada a sua beleza única, são dos locais mais apreciados.
Neste contexto, ocorrem duas vezes por ano workshops, no âmbito da Rede das Aldeias do Xisto. Um deles ocorre em Novembro e diz respeito à fauna, enquanto que o outro ocorre em Maio e diz respeito à flora. Tanto um como o outro ocorrem na freguesia de Vila Nova e pretende-se, com estes workshops, mostrar a fauna e flora existente naquela área além da importância da sua preservação.


1 Este imóvel está a ser recuperado, a título particular, prevendo-se, numa segunda fase recuperar também uma outra parte da propriedade para Turismo em Espaço Rural (TER).

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