BIBLIOTECA VIRTUAL de Derecho, Economía y Ciencias Sociales

OLHARES SOBRE O ESTADO DO TOCANTINS: ECONOMIA, SOCIEDADE E MEIO AMBIENTE

Yolanda Vieira De Abreu (editora)


 


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Os Krahô: sua história, sua cultura e seu povo.

1. Formação e história resumida dos Krahô.

Nos seus dois séculos de contato com os brancos, os Krahô têm vivido reviravoltas e inversões de situação: ora aliados dos fazendeiros, ora por estes massacrados, em 1940. Nos anos 50, seguiram um profeta que prometia transformá-los em civilizados e, em 1986, empenharam-se em uma reivindicação que implicava justamente no oposto, na sua afirmação étnica: foram ao Museu Paulista em busca da recuperação do machado semilunar, caro a suas tradições. Assíduos viajantes às grandes cidades, cujas ruas e autoridades conhecem melhor que os sertanejos que os cercam, com freqüência telefonam a seus esquivos amigos urbanos a pedir miçangas, tecidos e reses para abate, indispensáveis à execução de seus ritos. (MELATTI, 1999) Em 1930, os Krahô indagados pelo etnólogo Curt Nimuendajú10 traduziram seu nome como "pêlo (hô) de paca (cra)". Três décadas depois, indivíduos dessa mesma etnia discordavam dessa tradução, afirmando que Krahô era nome de origem civilizada. A forma usual de grafar o nome deste povo, "Krahô", se deve a uma interpretação inadequada dos sinais diacríticos utilizados por Nimuendajú. Essa forma se difundiu nos textos etnológicos, está presente nos nomes pessoais dos indígenas para uso na sociedade envolvente e até nos títulos dos livros publicados pelos índios; por isso é adotada no presente texto. Os Krahô chamam a si próprios de Mehim, um termo que no passado era provavelmente também aplicado aos membros dos demais povos falantes de sua língua e que viviam conforme a mesma cultura. A esse conjunto de povos se dá o nome de Timbira. Hoje, Mehim é aplicado a membros de qualquer grupo indígena. A esta ampliação correspondeu uma redução do sentido do termo oposto, Cupe(n), que, de não-Timbira, passou a significar civilizado. Os Krahô que vivem mais ao sul também se chamam de Mãkrare (mã = ema, kra = filho, re = diminutivo, "filhos da ema"), termo que pode variar para Mãcamekrá e que aparecia em textos do século XIX como "Macamecrans". O termo que Curt Nimuendajú ouviu aplicado aos do norte, Quenpokrare (quen = pedra, po = chata, "filhos da pedra chata"), não é tão antigo a ponto de aparecer nos textos do século XIX e também não parece ter perdurado até o presente. (FREITAS, 2001) A língua dos Krahô é a mesma falada pelos demais Timbira que vivem a leste do rio Tocantins. Desta língua, o dialeto mais divergente (quiçá uma outra língua) é o dos Apinayé, os únicos Timbira que vivem a oeste do citado rio. A língua timbira faz parte da família Jê, por sua vez incluída no tronco Macro-jê. Dentro dessa família, a língua mais próxima à Timbira é a Kayapó.(BATISTA, 1992) A língua timbira é a primeira que aprendem a falar, mas os rapazes logo dominam o português, pois são os indivíduos do sexo masculino que mais se entrosam com os sertanejos e os que mais viajam. Poucas eram as mulheres adultas que falavam este idioma há quarenta anos atrás; mas um número crescente delas o vem fazendo.(BATISTA, 1992) Os Krahô vivem no nordeste do Estado do Tocantins, na Terra Indígena Kraolândia (homologada pelo Decreto nº 99.062, de 7-3-90), com 302.533 ha, situada nos municípios de Goiatins e Itacajá. Fica entre os rios Manoel Alves Grande e Manoel Alves Pequeno, afluentes da margem direita do Tocantins. O cerrado predomina, cortado por estreitas florestas que acompanham os cursos d'água. É a mais larga floresta que acompanha o rio Vermelho, que faz o limite nordeste do território indígena. No início do século XIX, os Krahô foram estimados em três ou quatro mil índios. Conforme o censo do missionário Rafael de Taggia, em 1852, tinham caído para 620, após as mortes causadas pelas epidemias de 1849-1850. Talvez sua população tenha chegado a seu ponto mais baixo por volta de 1930, quando Nimuendajú os estimou em 400. Mas, em 1948, Harald Schultz calculava que chegavam a 500. Julio Cezar Melatti contou 564 em 1962-3 e pelo menos 632 em 1971, números que incluem mestiços e índios de outras etnias que com eles viviam. Em 1989, os Krahô alcançavam o total de 1.198 pessoas. Em 1999, os próprios Krahô asseguraram ao pesquisador Hélder Ferreira de Sousa estarem chegando ao número de 2.000 indivíduos. É no final da segunda metade do século XX que sua população volta a crescer e, em 2002, ultrapassam a marca dos 2.500 habitantes. (SOUSA, 2000) O número de aldeias também aumentou. No início do século XX elas eram três. Quando Nimuendajú visitou os Krahô, em 1930, uma delas já se havia dividido em duas: uma dirigida por Secundo e a outra por Bernardino. Em 1962, Julio Cezar Melatti contou seis aldeias e somente uma delas não tinha as casas dispostas em círculo: a do Morro do Boi, então conduzida pelos filhos do já falecido Bernardino, juntamente com os cônjuges e vizinhos regionais. Atualmente, elas são 18, conforme informação do já citado Hélder Ferreira de Sousa, que não visitou todas elas. Há uma divergência e ela se deve ao fato de alguns líderes ligados à Associação Kapey (ver adiante) terem estabelecido que um núcleo deve ter um mínimo de 70 habitantes para ser considerado aldeia, embora pelo menos um dos núcleos que eles tomam por aldeia não alcance esse número.(SOUSA, 2000) Nos dois últimos séculos, os Krahô absorveram membros de várias outras etnias. Dentre os Timbira, incorporaram parte dos Põrekamekrá, que eles haviam combatido, em 1814; sobreviventes Kenkateyê da aldeia Chinela, do sul do Maranhão, destruída por fazendeiros em 1913; alguns migrantes Apinayé, depois de 1923; e alguns Apanyekrá, com cuja aldeia mantêm comunicação de longa data. Dentre os não-Timbira, alguns Xerente que procuraram abrigo junto aos Krahô devido a desavenças internas na primeira metade do século XX. Além disso, há indivíduos Krahô com ascendentes brancos ou negros. Os Krahô começaram o contato com os civilizados no início do século XIX, entrando em conflito com as fazendas de gado que avançavam do Piauí para o Sul do Maranhão. Eles então viviam perto do rio Balsas, afluente do Parnaíba. Após atacarem uma grande fazenda em 1809, foram assaltados, em represália, por uma expedição dirigida por Manuel José de Assunção, que fez mais de 70 prisioneiros Krahô e os remeteu a São Luís. A partir de então, seu contato com os civilizados passa a ser pacífico, mas não com todas as etnias indígenas vizinhas. Aproximando-se da margem do Tocantins, passam a ajudar o fundador de São Pedro de Alcântara (hoje Carolina, no Maranhão), apoiado pelos fazendeiros, a combater e escravizar grupos indígenas vizinhos, que eram vendidos para regiões mais ao norte. Livres dos outros grupos indígenas e agora incomodados pelo roubo de gado que os Krahô lhes faziam, antes atribuído só aos outros, os fazendeiros conseguiram que o missionário capuchinho Frei Rafael de Taggia os transferisse para Pedro Afonso, na confluência do rio do Sono com o Tocantins, em 1848. Neste local permaneceram, vizinhos aos Xerente, até começarem a deslocar-se, talvez pelo final do século XIX, na direção nordeste, para o lugar atual. Neste lugar tiveram a princípio relações amistosas com um fazendeiro, o qual protegia contra rivais e também das onças que atacavam o gado. Crescendo a população sertaneja e fazendo-se sentir o furto de gado dos Krahô sobre os rebanhos, as relações foram se deteriorando, culminando num ataque de três fazendeiros a duas de suas aldeias, em 1940, no qual morreram cerca de 26 indígenas. Comunicado da ocorrência, o governo do Estado Novo pressionou as autoridades estaduais no sentido de se realizar o julgamento dos fazendeiros responsáveis. Apesar de terem cumprido sua pena em liberdade condicional, foi um dos raros casos em que perpetradores de massacres de índios foram condenados. Além disso, o interventor do Estado de Goiás delimitou através de decreto a terra dos Krahô (homologada em 1990 pelo governo federal). E o Serviço de Proteção aos Índios (SPI) passou a atuar entre eles, com a criação de um posto. A atuação do SPI junto aos Krahô foi praticamente inoperante: uma sucessão de encarregados de posto sem apoio moral e material, ausência de medicamentos e escola sem professor a maior parte do tempo. Duas fazendas do SPI dentro da reserva não se prestavam ao suprimento regular de carne aos índios, dado o número irrisório de cabeças de gado que mantinham. Nem mesmo arrendamento o posto cobrava aos fazendeiros que punham gado a pastar nas terras indígenas com permissão ou não: entregava esse encargo aos chefes de aldeia, que recebiam uma rês, uma pequena parte da roça plantada com mandioca ou uma ferramenta como tal. Esse estado de total abandono estimulou o aparecimento de um movimento messiânico entre os Krahô por volta de 1952. Um xamã, guiado pelas suas visões, afirmava que os Krahô tornar-se-iam civilizados e os civilizados tornar-se-iam índios. Para tanto os Krahô tinham de comportar-se de maneira a propiciar a transformação: abandonar as corridas de toras, as pinturas de corpo, fazer bailes como os dos sertanejos, consumir seus animais domésticos. Podiam abandonar o cultivo de suas roças porque seriam criadores e comerciantes, o gado lhes desceria do céu, as mercadorias lhes chegariam numa embarcação. Entretanto, nada do previsto aconteceu e o vidente caiu no descrédito (Melatti, 1972). De outro meio se valiam os Krahô para superar o estado de abandono, mas era um recurso muito mais antigo, já aplicado no século XIX: a viagem às cidades grandes e longínquas, cujos moradores, seduzidos por sua aparência exótica e movidos por sentimentos de simpatia por uma minoria que não fazia parte de seu cotidiano, os cobriam de presentes. Viajando em grupos, com poucas ou nenhuma mulher a acompanhá-los, pediam auxílio a prefeitos das cidades pequenas para continuar o percurso, dormiam em quartéis de polícia ou corpo de bombeiros, procuravam igrejas, instituições de caridade, governadores estaduais, gastando meses no trajeto. Assim iam a Belém, São Luís, Teresina, Natal, Recife, Salvador, Goiânia, Rio de Janeiro, São Paulo. Tecidos, ferramentas, miçangas e outros artigos com que voltavam lhes eram em grande parte tomados pelos parentes das esposas. Mas não usufruíam por muito tempo do que haviam conseguido. Como os viajantes haviam perdido alguma etapa importante do ciclo agrícola, tinham de se apoiar na produção de parentes. Desse modo os gêneros alimentícios não duravam até a safra seguinte, obrigando os habitantes da aldeia a trocarem os artigos provenientes das viagens pela mandioca plantada pelos sertanejos.(MELATTI, 1972) Coincidindo com a substituição do SPI pela FUNAI em 1967, mas não exatamente por isso, a situação começa a mudar a partir de então. A pesquisadora Vilma Chiara obteve de uma instituição cerca de 250 cabeças de gado para dar início a uma atividade pecuária administrada pelos próprios Krahô. Alguns anos depois, a mesma pesquisadora conseguiu um técnico francês para introduzir técnicas que, sem muito dispêndio, poderiam aumentar a produção de subsistência dos Krahô. E mais tarde também um enfermeiro. Com exceção da atividade deste último, as outras iniciativas não foram bem sucedidas, dados os desencontros iniciais que essas inovações costumam desencadear. Entretanto, elas serviram como uma provocação ao novo órgão indigenista, que se viu na obrigação de mostrar mais efetivamente sua presença, criando um projeto de apoio às roças indígenas, acompanhado de perto por uma equipe. Novos postos foram criados na Terra Indígena. Posteriormente esta atividade foi ampliada pela atuação de uma organização não-governamental, o Centro de Trabalho Indigenista (CTI). A Guarda Rural Indígena, criada nos primeiros anos de atuação da FUNAI, recrutou 28 jovens Krahô. Tendo de prestar serviço no posto, os guardas não podiam cuidar das atividades agrícolas. Em compensação, o salário mínimo que recebiam lhes permitia comprar víveres na cantina do posto, à qual compareciam também seus parentes, que debitavam os gastos nas suas contas. Os ritos de curta duração e as aberturas e encerramentos dos longos começaram a ser transferidos para os domingos, dia de folga dos guardas, que assim podiam ajudar nas corridas de toras. Por outro lado, os guardas, tendo pouco a fazer no posto, foram os primeiros a freqüentar com assiduidade a escola e, como dominavam o português, puderam compreender os professores não-indígenas, dando início ao processo de alfabetização dos Krahô. Quando a Guarda foi extinta, enfrentou-se o problema do reaproveitamento de parte de seus membros, que se viram repentinamente privados de seus soldos, como funcionários e professores. Enfim, a situação mudou, pois, se em 1952 os Krahô faziam um movimento messiânico para deixarem de ser índios, em 1986 empenharam-se em uma reivindicação que implicava justamente no oposto, na sua afirmação étnica, que foi a exigência de terem de volta o machado de pedra de lâmina semilunar que haviam cedido ao Museu Paulista havia muitos anos. Depois de muita discussão com a direção da Universidade de São Paulo (sob cuja jurisdição está o Museu), debates pelos jornais e resolução de impasses jurídicos, o machado foi devolvido. Para aqueles Krahô aquele não era não era mais um dos muitos machados arqueológicos, que os índios encontravam no chão e colocavam-lhes novos cabos, ornamentos e pinturas, ele era o machado por excelência, aquele que no longínquo passado cantava, conforme um de seus mitos. Este era o machado com que haviam matado o chefe dos Cokãmkiere, um povo mítico, conforme outra de suas narrativas.

2. Relações entre as Tribos

No que tange às relações intertribais, após terem ajudado os civilizados no combate e escravização de outros grupos, talvez todos Timbira, do Sul do Maranhão, na segunda década do século XIX, os Krahô foram cogitados como guarda avançada contra um povo mal conhecido imediatamente ao Sul, por vezes chamado de Xavante, mas que certamente já se tinha constituído como um ramo à parte, os Xerente. E esse foi outro dos motivos que levaram à sua já citada transferência para Pedro Afonso em 1848. Entretanto, nessa época, os Xerente, também objeto de ação missionária, já não eram mais hostis, e mantiveram relações amistosas com os Krahô. Assim, no começo do século XX, havia alguns indivíduos Xerente casados em aldeias Krahô e vice-versa. Por volta de 1926, desavenças entre índios Xerente, que envolviam acusações de feitiçaria, fizeram com que alguns deles migrassem para os Krahô. Esse conflito teve desdobramentos que levaram à morte de dois desses Xerente alguns anos mais tarde, nos quais se envolveram também os Krahô, fazendo estremecer as relações entre suas aldeias setentrionais de Pedra Branca e Pedra Furada. Mas foi entre os Krahô meridionais que parecem ter se concentrados esses Xerente. Esse envolvimento com povos indígenas vizinhos acabou por permitir aos Krahô alguma forma de articulação política com eles. Mais recentemente, por exemplo, quando os Apinayé estavam com suas terras ameaçadas de invasão pelos civilizados, índios Krahô e Xerente compareceram à região ameaçada para reforçar as posições daqueles.


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