REESTRUTURAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO DO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO (1999)

REESTRUTURA??O E PRIVATIZA??O DO SETOR EL?TRICO BRASILEIRO (1999)

Yolanda Vieira de Abreu

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4.2.1a - Parâmetros Utilizados para Calcular as Tarifas de Energia

Elétrica

As tarifas de energia elétrica, a partir de 1982, começaram a ser calculadas utilizando-se da Teoria dos Custos Marginais. (ELETROBRÁS, 1985). Os custos marginais têm sido utilizados para definir critérios de suprimento e operação ótima na geração, transmissão e distribuição de energia elétri-ca.(BAJAY; BEZERRA DE CARVALHO, 1998, p.21). O setor elétrico, uti-liza-se de três tipos de custos marginais:

1. Custo marginal de operação, ou de curto prazo: É aquele referente ao a-tendimento de uma unidade adicional de demanda, considerando o siste-ma elétrico existente.(BITU;BORN,1993,p.42). A tarifa ao custo margi-nal de curto prazo é geralmente fixada para períodos anuais e reajustada quando ocorrem variações significativas desse custo.

2. Custo marginal de expansão, ou de longo prazo: É aquele referente ao atendimento de uma unidade adicional de demanda, considerando a expansão do sistema e permitindo também a alteração da qualidade do serviço. As tarifas de longo prazo, ao custo marginal de longo prazo, são geralmente calculadas a partir de custos incrementais, associados a pla-nos de expansão específicos. São identificadas três categorias nos cálcu-los dos custos marginais de longo prazo:

• Custo marginais de capacidade:

São custos de investimento em geração, transmissão e distribuição, por intermédio dos quais atendem-se incrementos de consumo.

• Custos marginais de energia:

Em sistemas hidrelétricos, os custos marginais de energia estão associa-dos aos custos de investimentos para construção de reservatórios, neces-sários ao armazenamento de água e, no caso termelétrico, aos custos de operação e de combustível.

• Custos marginais de atendimento dos consumidores:

Representam custos adicionais em medição, ligação e cobrança.

3. Custo marginal de dimensionamento, ou de muito longo prazo: É aquele referente ao valor presente dos custos marginais futuros, de expansão do sistema, em um horizonte de aproximadamente 30 anos, para o setor elé-trico brasileiro. Eles constituem representações uniformes, equivalentes aos custos marginais de longo prazo do sistema. Estes últimos são variá-veis e, em geral, crescentes ao longo do horizonte de planejamento. Os custos marginais de dimensionamento são definidos para refletir a va-lorização econômica dos benefícios energéticos, durante a vida econômi-ca útil das usinas, conforme detalhamento a seguir:

* De energia expresso em US$/MWh, valoriza os benefícios da energia garantida.

* De ponta, expresso em US$/kW/ano, valoriza os benefícios da potên-cia garantida.

* De energia secundária, expresso em US$/MWh, valoriza os benefícios da energia secundária.

O planejamento é uma ferramenta essencial para se obter os custos margi-nais na geração, transmissão e distribuição. Na geração, planejar significa, sobretudo, prever a entrada de novas turbinas e novas usinas na época apro-priada, tendo em vista o crescimento esperado da demanda.

A definição do custo marginal de longo prazo, para o subsistema de geração, parte da previsão da demanda, que leva em conta a evolução dos preços, sendo que o plano de expansão do sistema de potência deverá garantir um nível de confiabilidade para o suprimento de seus consumidores, bem como o critério de minimização dos custos.

Em sistemas com predominância termelétrica, o requisito que prevalece na determinação das necessidades de expansão do sistema é o crescimento da demanda na ponta, e se o sistema for tipicamente hidrelétrico, como o brasi-leiro, o requisito que prevalece é o crescimento da demanda de energia.

Isso acontece porque se o custo marginal de operação (envolve os custos de interrupções intempestivas) ultrapassa o custo marginal de expansão, o su-primento a uma unidade adicional de consumo deve ser feito pela expansão do sistema. A utilização mais intensiva do sistema existente custaria mais caro para a sociedade do que a construção de uma nova usina. (BITU;BORN,1993,p.130)

O planejamento do sistema de transmissão visa selecionar, a um custo míni-mo, o tipo, a distribuição e a localização das linhas adicionais, dados o au-mento previsto e o nível de confiabilidade a ser garantido no fornecimento.

O sistema de transmissão é constituído pelas redes de interconexão respon-sáveis pelo escoamento da potência gerada para os centros consumidores. A variável que determina o desenvolvimento dessa rede, dentro do horizonte de planejamento de longo prazo, é a potência instalada nas usinas.

Para o cálculo dos custos marginais do sistema de interconexão, adota-se a abordagem do custo marginal de longo prazo. No caso brasileiro, são forne-cidos valores de custos marginais regionalizados para os três subsistemas do país: interligado N/NE, interligado S/SE/CO e sistemas isolados. (Fig.4.10)

O planejamento difere dos demais subsistemas – geração e transmissão – pe-lo fato de a distribuição de eletricidade atender a áreas geograficamente de-limitadas. As redes de distribuição têm de ser reforçadas, à proporção que a demanda cresce. A construção de novas subestações e alimentadores primá-rios é essencial ao atendimento da demanda, tanto na ponta, quanto fora da ponta do sistema.

Atualmente, os custos marginais das redes de distribuição são calculados com base na “Lei de quantidade de obras” (DNAEE,1985), que correlaciona custos incrementais com quilômetros incrementados de linhas de transmissão e kVAs de transformadores nestas redes.

Os principais tipos de tarifas, inspiradas no princípio do custo marginal, são:

* monômias: tarifas definidas apenas com base na energia consumida — tarifa de consumo;

* binômias: tarifas que incorporam dois componentes de faturamento, a saber: um referente ao consumo de energia (tarifa de consumo) e outro equivalente à demanda máxima de potência, requerida no período de utilização de ponta do sistema (tarifa de demanda);

* horosazonais: tarifas diferenciadas para os consumidores, de acordo as horas do dia e/ou estações do ano;

* em blocos: o preço mínimo unitário varia de acordo com o total de kWh consumido, e a tarifa é progressiva, no caso de a estrutura conter preço mais reduzidos para os primeiros blocos de consumo, método utilizado para beneficiar consumidores de baixa renda (no caso em que o preço diminui com o aumento do consumo, a tarifa é decrescente e visa incenti-var o aproveitamento das economias de escala do sistema);

* interruptíveis: modalidade tarifária em que o consumidor concorda em ser desconectado, sempre que existir dificuldade de fornecimento de e-nergia por parte da concessionária;

* instantâneas: tarifas, cujos valores apresentam grandes variações em cur-tos períodos de tempo, normalmente usadas para estimular a utilização de eventuais sobras de energia do sistema e que compõem o mercados spot de energia elétrica.

Esse método de estipular a tarifa pelos custos marginais (ELETRO-BRÁS,1985) exigia pleno reconhecimento dos custos incorridos e declara-dos pelas empresas, além de um acordo a respeito da taxa de rentabilidade a ser considerada, bem como dos períodos de revisão tarifária, gerando pro-blemas de natureza macro e microeconômica. Do ponto de vista macroeco-nômico, a persistente inflação, que caracterizou o comportamento da eco-nomia brasileira nas duas últimas décadas, acabou inviabilizando a aplicação do custo marginal, pelo total desconhecimento dos verdadeiros custos in-corridos pelas empresas. Já do ponto de vista microeconômico, esse mé-todo levou as empresas a superestimarem seus programas de investi-mento e não incentivou a adoção de uma política de redução de cus-tos e programas de conservação de energia (DIAS;RODRIGUES,1996,p.125). Esse conceito, mesmo com suas deficiên-cias, é importante que seja incorporado, juntamente com outro, para que haja um melhor gerenciamento da demanda e uma sinalização para os preços da energia, nos segmentos desregulamentados da indústria.

Desde a privatização das empresas elétricas estatais, o setor está atravessan-do um período de transição para o modelo competitivo na geração e para o de regulamentação na transmissão. Com a possibilidade de alguma compe-titividade no setor de distribuição, as tarifas na geração serão mais flexíveis e na distribuição serão auferidas tarifas máximas, que deverão ser publica-das. O distribuidor poderá cobrar até o valor máximo da tarifa publicada; neste caso, será utilizado o mecanismo de tarifação conhecido como price-cap. O price-cap foi originalmente adotado na Inglaterra. Constitui-se na definição de um preço-teto para os preços médios da firma, corrigido de a-cordo com a evolução de um índice de preços ao consumidor, o Retail Pri-ce Index (RPI), menos um percentual equivalente a um fator X de produti-vidade, para um período prefixado de anos. (DIAS;RODRIGUES,1997,p.71).

Esse modelo busca estimular a eficiência produtiva, visto que, devido ao preço previamente especificado, as firmas tendem a minimizar os custos para se apropriarem de lucros excedentes. O grande desafio deste método é garan-tir a qualidade do serviço e fazer com que tais reduções de custos benefici-em os consumidores.

A ANEEL estima que aproximadamente 40% da tarifa de energia elétrica, paga pelo consumidor final, são compostos por:

* Valores dos tributos;

* Energia comprada,;

* Custos financeiros.

Estes itens são considerados como custos não-gerenciáveis e passíveis de transferência direta para a tarifa de energia elétrica. Os outros 60% são con-siderados como custos gerenciáveis, e sobre estes pode ser aplicado o IGPM, ou utilizar qualquer outro indexador, conforme contrato, e nas da-tas estipuladas, até o momento da revisão da tarifa pela ANEEL.

Dependendo dos valores dos custos evitados ou da sua diminuição dos cus-tos em geral, é que a concessionária terá condições de oferecer uma tarifa mais baixa aos consumidores livres, em relação aos seus concorrentes, até a revisão das tarifas previstas por lei, quando deverá repassar uma parte dos seus ganhos de eficiência também aos consumidores cativos. Esses 60% da tarifa, pode ser dividida em três grandes parcelas: a) custos de operação e manutenção; b) custos de comercialização; c) lucros.

a) Operação e Manutenção incluem gastos com:

* Manutenção,

* Operação,

* Administração.

b) Custos de Comercialização

Esse item estará aberto à concorrência.

c) Lucros

O investimentos, ou não, desta parcela, será decidido pela política da empresa.

Nessa parcela da tarifa considerada gerenciável (60%), o concessionário po-derá trabalhar de forma a diminuir seus custos, a fim de obter uma receita adicional; uma vez que a tarifa estabelecida somente será revisada na data estipulada no contrato, que oscila entre 5 e 8 anos. A maioria das empresas privatizadas adotarou os seguintes métodos para aumentar a receita e dimi-nuír os custos:

* dispensar grande parte dos funcionários das antigas estatais e optar por admitir outros, com salários menores, ou pela terceirização dos servi-ços;

* fiscalizar a operação e manutenção das redes, tendo como finalidade a obtenção de ganho com as reduções das perdas no sistema de transmis-são e distribuição; além de detectarem e eliminarem os pontos, nos quais existiam ligações clandestinas.

Assim, diminuíram seus gastos com a folha de pagamento e com as perdas de energia no sistema de transmissão e distribuição, apossando-se desta dife-rença para aumentar suas receitas. Algumas empresas podem optar em utili-zar uma parte desse ganho para dar descontos nas tarifas dos consumidores livres, a fim de se tornarem mais competitivas.

O resultado desta política de price-cap foi a queda da qualidade dos servi-ços de atendimento ao cliente, de manutenção das redes e da qualidade do produto.

Pode-se observar, no quadro a seguir, a evolução real das tarifas de eletrici-dade em diversos países e no Brasil (TABELA 4.3)

No artigo “Tarifas no Brasil e no Mundo”, TOLMASQUIM E PIRES (1998) mostram que as tarifas de fornecimento de energia, no Brasil, são conside-radas uma das mais caras do mundo e as margens de lucro das distribuidoras também são as mais elevadas do mundo.

Para entender se existe possibilidade de mudar esse quadro nos próximos anos, é necessário analisar como será composta a conta de eletricidade apre-sentada ao consumidor residencial.

O novo modelo do setor estabelece que sejam separadas a gera-ção/distribuição/transmissão/comercialização; de modo que cada um desses itens tenha seu valor destacado na conta de eletricidade. O diretor de rela-ções institucionais da CERJ, José Luiz Echenique, em entrevista a Revista Brasil Energia, afirma que:

“A tarifa vai cair sim”.

“É simples: teremos condições de repassar os ganhos de eficiên-cia e produtividade, explica”. (TAUTZ,1998,p.45)

O diretor comercial da COELBA, Javier Cornejo, expressa sua opinião no mesmo artigo, dizendo que não pode afirmar qual será o comportamento da tarifa, uma vez que no Brasil as distâncias são grandes e a tarifa de transporte é muito elevada, as taxas de juros são muito mais elevadas que nos Estados Unidos e na Europa. Em relação à possibilidade de o consumidor ter sua conta de eletricidade com valores mais acessíveis, ficou mais distante, de-pois da crise financeira do país (JAN./FEV/1999), e das novas desvaloriza-ções do Real frente ao Dólar. Os principais itens a serem estudados que po-derão levar as concessionárias a pedirem aumento do valor da tarifa, são:

 Itaipu - empresa binacional, emite suas faturas em dólares.

 Custos financeiros de operações externas, Risco Brasil.

 Endividamento em moeda estrangeira por parte das empresas.

A hidrelétrica de Itaipu é responsável pela venda de energia para o Sul e Su-deste, sendo responsável por 25% da eletricidade distribuída pela Eletro-paulo Metropolitana, em São Paulo, e pela Light, no Rio de Janeiro,

As concessionárias de energia elétrica também terão dificuldades para hon-rar seus compromissos em dólares e, se a ANEEL permitir, irão repassar a desvalorização do câmbio aos consumidores, uma vez que elas deveriam as-sumir os riscos cambiais, fazendo hedge e não transferindo essa desvalori-zação para o consumidor. Se isto for permitido pelo órgão regulador, a po-pulação estará pagando, como já pagava na época em que era estatal, os er-ros dos administradores, sendo que agora existe uma diferença básica, antes a população pagava e tinha a idéia que este dinheiro poderia voltar em forma de benefícios sociais e agora paga por erros de administradores privados e, no final do exercício, esses administradores enviarão os seus lucros ao exte-rior.

O Risco Brasil também é um item a ser assumido pelas empresas e não re-passados aos consumidores. Quando os investidores tomaram a decisão, de adquirirem ações de empresas brasileiras através de leilões, certamente, ofereceram um lance, que já contemplava a cobertura de oscilações da polí-tica econômica e social do País. Sendo assim, a população não tem que as-sumir um risco já incluído no preço de compra, e a decisão de buscar em-préstimos no exterior foi da empresa e não da população.

Entre as empresas que figuram na lista das trinta mais endividadas em dó-lar ou entre as 30 mais alavancadas, segundo a Lloyds Asset Management (LAM), pertencem ao setor de energia elétrica, as seguintes: Eletrobrás, Cerj, Eletropaulo Metropolitana, Gerasul, Cesp, Light (Safatle, 1999).

Todas os itens já mencionados, podem ser repassados para as tarifas de e-nergia elétrica, porque, na lei de concessões e nos contratos firmados, exis-te uma cláusula na qual a agência reguladora deve zelar pelo equilí-brio econômico-financeiro do contrato. Nesses termos, as concessionárias que se sentirem prejudicadas com a política econômica do governo, poderão recorrer ao aumento de tarifa, e a ANEEL terá de julgar se deve ou não con-ceder o aumento solicitado.

A comercialização será objeto de concorrência, mas ainda não se tem uma legislação clara dos parâmetros que poderão ser observados para este item.

Com base nos dos argumentos já apresentados, pode-se concluir que dificil-mente haverá queda no valor das tarifas de energia elétrica. Esta afirmação tem como base o fato de que as distribuidoras estão protegidas pelos contra-tos de concessão. As geradoras ainda não estão totalmente privatizadas, mas os potenciais hidrelétricos, mais favoráveis e de fácil acesso, já foram utili-zados. Para continuar construindo hidrelétricas, deverão que ser explorados os potenciais hidrelétricos menos favoráveis, ou menos acessíveis. A solu-ção técnico-econômica , passa pela construção de termoelétricas, que utili-zam como combustível o gás natural. O suprimento de gás natural, para as termoelétricas, mesmo com a chegada do gás boliviano, ainda tem uma sé-rie de dificuldades a serem vencidas. Qualquer uma das escolha leva a um aumento do custo do kWh gerado, além dos transação, advindo da desverti-calização do setor e a liberdade que o concessionário de distribuição, tem para transferir os aumentos advindo da energia comprada, dos custos finan-ceiros e dos tributos, para a conta do consumidor final.