INTRODUÇÃO A EPISTEMOLOGIA DA CIENCIA

INTRODUÇÃO A EPISTEMOLOGIA DA CIENCIA

Christian José Quintana Pinedo(CV)
Karyn Siebert Pinedo (CV)

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3.4.5 Nominalismo.

Nominalismo é a corrente que sustenta:

“ ...não existirem entidades abstratas e , mais especificamente, é a corrente que afirmam não existirem entidades abstratas que possam ser identificadas aos números”.

Seria possível, então, a um nominalista, sustentar que existem meios de interpretar a teoria dos números de modo a torná-la verdadeira ? Pode ele dizer que a matemática dos números, ao supor que fala de entidades abstratas, não o está, de fato, fazendo? Pode ele dizer que a matemática dos números fala, efetivamente, de coisas cuja existência e aceitável para o nominalismo? Consideremos algumas possíveis linhas de raciocínio nominalista.

Muitas pessoas, perguntadas acerca do que sejam os números, responderão que números são idéias da nossa mente. Essa linha de pensamento e sempre atraente para as pessoas que enfrentam questões filosóficas relativas à existência de alguma coisa problemática. Suponhamos que uma "idéia" queira dizer, aqui, imagem mental ou fenômeno mental análogo, no espírito de um pensador individual. Uma "idéia" dessa espécie teria de ser algo que surge em dado instante, dura algum tempo e depois cessa. Estaria perfeitamente localizada no tempo, ainda que não o estivesse no espaço, e não seria, pois, uma entidade abstrata, tal como a entendemos. A hipótese de que os números são idéias dessa espécie precisa, portanto, ser considerada como forma de nominalismo ( ainda que se aproxime do conceitualismo ao associar os números à mente ).

A proposta de que os números sejam encarados como idéias da mente é facilmente formulada, mas está longe de ser satisfatória. Como tentativa de oferecer uma interpretação que torne verdadeira a teoria dos números, a proposta e, sob muitos aspectos, deficiente. Em primeiro lugar, a teoria dos números afirma que só existe um número natural zero; contudo, se os números fossem idéias, no mencionado sentido, haveria tantos zeros diferentes quantas fossem as pessoas que tivessem idéias de zero.

A teoria dos números também sustenta que cada número natural admite um sucessor imediato; entretanto, como é provável, existem números naturais ( grandes números) para os quais nenhuma pessoa chegou a formar, algum dia, as idéias de seus sucessores imediatos. A hipótese de que os números são idéias acarreta, pois, ao contrario ao que a teoria dos números requer a inexistência de sucessores imediatos desses grandes números naturais. Além disso, a teoria dos números não pode ser verdadeira a menos que haja uma infinidade de números; e é duvidosa - fica sem sentido – a afirmação de que as pessoas possuem uma infinidade de idéias-de-número em suas mentes. Devemos concluir que essa via de pensamento, segundo a qual os números seriam idéias, não oferece qualquer interpretação da teoria dos números capaz de tornar verdadeiros seus axiomas e teoremas.

Outra versão do nominalismo recorre a entidades físicas, em vez de recorrer a entidades mentais. Distinguimos, costumeiramente, os numerais; um numeral e um sinal, de certo aspecto, que encaramos como nome de um número. Assim, o numeral arábico “5” e o numeral romano “V”' são encarados, de hábito, como nome do número cinco. Suponhamos, porém, que identificássemos os números aos numerais; suponhamos que se diga não serem os números nada mais que numerais. Isso parece transformar os números em algo definido e perceptível; não pode haver duvida acerca da existência dos numerais, pois podemos vê-los. Identificando números e numerais, parece que libertamos a matemática de sua dependência das entidades abstratas.

Esta versão do nominalismo não é, todavia, mais satisfatória do que a anterior. Essa maneira de interpretar os axiomas da teoria dos números também não os transforma em verdades, literalmente falando. Assim, por exemplo, a teoria dos números assevera que cada número natural possui exatamente um sucessor imediato; se os números fossem numerais, entretanto, isso não seria verdadeiro. Se um numeral significa um sinal particular, escrito num papel, na camisa de um atleta, ou coisa parecida, então existe uma quantidade enorme de numerais correspondentes aos grandes números, aqueles a que ninguém se terá referido, de modo específico, por escrito.

Se não é possível considerar os numerais, talvez o nominalista pudesse identificar cada número natural a algum particular objeto do mundo físico. Suponhamos que o nominalista elabore a sua interpretação dos termos primitivos da teoria dos números de Manei ra a fazer que o símbolo “0” se refira ao pico de Tenerife, “1” se refira ao Popocatapeti, “2” se refira ao Chacaltaya, e assim por diante.

Serviria isso de interpretação nominalista para a teoria dos números? Não, porque uma quantidade infinita de objetos seria necessária; não há tal quantidade de montanhas no mundo e não se pode ter certeza acerca da existência de um número infinito de objetos de qualquer espécie, mesmo elétrons, em todo o universo. Nunca se chega a observar mais do que um número finito de objetos, de qualquer gênero; o raciocínio indutivo, baseado na evidência retirada das observações, nunca poderia estabelecer como provável qualquer conclusão a propósito da existência de um número infinito de coisas observáveis de qualquer tipo.

Acresce que as propostas nominalistas, concernentes aos números, nada sugerem a propósito da interpretação a das aos termos ``conjunto “e”par ordenado''. Um nominalista não estaria agindo muito com coerência se recusasse a admitir que os números naturais poderiam ser entidades abstratas e não evitasse falar de conjuntos de números naturais (como seria necessário fazer ao definir os racionais como conjuntos de pares ordenados de números naturais). Um conjunto ( que deve ser distinguido de seus elementos), pelo menos à primeira vista, se chega a ser alguma coisa, parece ser uma entidade abstrata.

Pode-se ignorar esse fato ao falar acerca dos conjuntos como “coleções”, ou ``agregados'', transformando, assim, um conjunto de talheres em qualquer coisa como pilha de talheres. A pilha é, de fato, uma coisa concreta, localizada no espaço e no tempo; é tão concreta como as colheres, as facas e os garfos que a compõem.

Não obstante, o conjunto de talheres não pode ser identificado à pilha de talheres; de fato, uma pilha de quarenta e oito peças pode ser idêntica a uma pilha de arranjo para oito pessoas, mas o conjunto de peças não pode idêntico ao conjunto de arranjo para oito pessoas, já que esses dois conjuntos são de grandezas diversas - o primeiro tendo quarenta e oito elementos e o segundo tendo apenas oito elementos. Observações análogas poderiam ser feitas a propósito de pares ordenados.

Parece impossível afastar a conclusão de que a teoria dos números não pode receber uma interpretação nominalista capaz de transformá-la , literalmente, em uma verdade. O nominalista convicto terá de considerar o sistema da teoria dos números como não sendo capaz de receber uma interpretação verdadeira.

É claro que dizer que os axiomas e teoremas da matemática dos números não se tornam verdades não equivale, necessariamente, a negar-lhes utilidade; a prosa falsa e até mesmo a prosa sem sentido podem ser muito úteis durante a vida - ajudando-nos a construir pontes e a ganhar eleições. Mas o nominalista convicto não deve encarar a matemática dos números como corpo de conhecimentos, literalmente falando. Se o fizesse, estaria segundo alguns não-nominalistas, efetuando a reductio as absurdum do próprio nominalismo.