INTRODUÇÃO A EPISTEMOLOGIA DA CIENCIA

INTRODUÇÃO A EPISTEMOLOGIA DA CIENCIA

Christian José Quintana Pinedo(CV)
Karyn Siebert Pinedo (CV)

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3.4 NÚMEROS E FILOSOFIAS ESTRITAS ACERCA DOS NÚMEROS

Tem sido comum, desde os tempos de Euclides, apresentar a geometria na forma de um sistema axiomático. Alguns outros modos de apresentar a geometria foram adotados pelos matemáticos modernos; o critério axiomático, no entanto, continuou a ser utilizado, de modo amplo, servindo para apresentar esta matéria aos estudantes [32].

A nossa matemática dos números, porém, não tem sido tradicionalmente organizada em forma axiomática. A Aritmética a Álgebra do colégio, bem como certos tópicos da análise, digamos o cálculo diferencial e o cálculo integral, foram, de hábito, apresentados na forma de sistemas axiomatizados de leis. A diferença deve-se a uma espécie de acidente histórico.

Nasce do fato de a nossa moderna matemática dos números ter-se originado da matemática dos gregos. Os gregos trataram, em verdade, de problemas numéricos, dando-lhes, entretanto, interpretações geométricas; em outras palavras, ao cogitarem de uma questão acerca das áreas de duas figuras. Os babilônios, os hindus e árabes (a quem devemos a palavra “álgebra”), contudo, introduziram , gradualmente, símbolos e regras de cálculo que tornaram possível tratar das questões numéricas de um modo mais abstrato e eficiente do que era viável para os gregos.

Os babilônios, os hindus e os árabes, não obstante, como era típico na matemática oriental, não se preocupavam muito com demonstrações nem com a organização de seus conhecimentos acerca dos números, de modo a colocá-los em forma axiomática. Aconteceu, então que a geometria passou a ser ensinada, através da Idade Média e do início da era moderna, com a forma axiomatizado que lhe havia dado Euclides, enquanto a matemática dos números passou a ser ensinada como coleção, comparativamente desconexa, de leis e de regras de calcular. Essa situação está, por fim, sofrendo alterações; um dos traços marcantes da matemática do século XX é o crescente emprego do método axiomático, aplicado a outros setores da matéria e não apenas à geometria.

Desde os seus primórdios, o desenvolvimento da matemática dos números deve ter dado origem a uma perplexidade filosófica. Os números inteiros, 1, 2, 3, . . . , não são, por certo, muito embaraçosos, já que a sua legitimidade parece-nos clara quando contamos os animais de uma horda ou os reis de uma dinastia. As frações também não são muito perturbadoras, já que as podemos encarar como quocientes de números inteiros, muito úteis para comparar tamanhos de terras ou durações de tempo.

Podemos imaginar, porém, que deve ter havido um movimento de inquietação quando os babilônios, desejando referir-se ao resultado obtido ao subtrair um número dele mesmo, introduziram o símbolo para o zero, tratando-o, depois, como se o zero fosse um dos números inteiros. Zero parece o vazio, é como o nada; como é possível, pois, fazer referências ao zero, admitindo que seria alguma coisa, um número genuíno ? A inquietação decresceu gradualmente, sem dúvida, quando se percebeu que o zero é adequado para “contar” o número de animais de um campo vazio ou o número de reis de um período republicano.

A introdução de símbolos para os números negativos parecem ser, de algum modo, números que não estão aí, fantasmas imaginários de números. Seria legítimo chamá-los números? Nos tempos modernos, a introdução de símbolos para os números imaginários, despertou questões semelhantes. Mesmo que se admita a legitimidade de um discurso acerca de números negativos, não seria ir longe demais falar da raiz quadrada de menos um como se fora um número ? Não seria mais sensato dizer que menos um não admite raiz quadrada ?

A perplexidade filosófica criadas pelas várias espécies de números reduziram-se consideravelmente graças ao trabalho dos matemáticos do século XIX, de que resultou uma teoria unificada dos números. A importante conquista desses matemáticos foi mostrarem de que maneira as teorias matemáticas relativas a tipos mais sofisticados de números podiam ser “reduzidas”, ou “elaboradas” a partir de teorias relativas apenas aos números de espécie básica. Em outras palavras, aqueles matemáticos revelaram de que modo cada um dos tipos mais complicados de números, bem como as operações (como a adição e a multiplicação) que com tais números se efetuam, podiam ser definidos em termos dos números inteiros e das operações que com estes se efetuam.Mostraram que isso é viável e que pode ser feito de tal maneira a tornar as leis que governam as espécies mais sofisticadas de números dedutível das leis que governam os números inteiros.

Essa conquista foi denominada aritmetização da análise, pois trata de revelar de que modo as partes da matemática reunidas sob o título de análise podem ser ``reduzidas'' à parte elementar da aritmética (ou teoria elementar dos números, como também é chamada) suplementada por algumas noções a que faremos em seguida. A teoria unificada dos números como elementos de uma única família, todas elas resultantes de uma espécie comum e todas submetidas às leis que decorrem, dedutivamente, das leis que valem para a espécie comum. Se aceitamos essa teoria unificada dos números, não precisamos alimentar dúvidas especiais concernentes às espécies mais elaboradas de números; as dúvidas que restarem poderão ser concentradas apenas sobre os números naturais, isto é, aqueles números que utilizamos para fazer contagens. Examinemos, de modo rápido, a maneira como poderíamos “reduzir” os tipos superiores de números.