INTRODUÇÃO A EPISTEMOLOGIA DA CIENCIA

INTRODUÇÃO A EPISTEMOLOGIA DA CIENCIA

Christian José Quintana Pinedo(CV)
Karyn Siebert Pinedo (CV)

Volver al índice

Capítulo III. CIÊNCIA MATEMÁTICA

3.1 MATEMÁTICA E A FÉ

Nenhum conhecimento fornece tanta certeza quando aquele produzido pela matemática [8]. O rigor do raciocínio lógico usado para se chegar a esse conhecimento é o aval maior de sua confiabilidade. Mas isso acaso não apagaria nos grandes matemáticos qualquer resquício de fé religiosa, levando-os a crer apenas na razão e na ciência?

A matemática pura nasceu na escola pitagórica (fundada por volta do ano 520 a.C.) que era, no fundo, uma comunidade místico-religiosa. Entendiam Pitágoras e seus discípulos que o conhecimento matemático, apesar de aplicável ao mundo real, é adquirido simplesmente pelo raciocínio, daí que se trata de algo ideal, eterno, e portanto derivado de Deus. A idéia pitagórica de matemática pode até não ser totalmente certa, mas Deus estava presente.

Quando do colapso do Império Romano Ocidental provocado pelas invasões bárbaras, a {Igreja Católica já estava razoavelmente organizada no Ocidente. Gradualmente foi convertendo os bárbaros e fundando escolas, de início junto a mosteiros. Foi dessa forma que a cultura clássica não se apagou totalmente na fase mais obscura da Idade Média. Embora a Igreja enfatizasse mais a salvação da alma que o crescimento material, sempre alguma matemática era necessária, ainda que fosse apenas para determinar com exatidão o dia da Páscoa. Daí porque alguns matemáticos da época pertencessem às fileiras da Igreja. Um deles, Gerbert (940-1003), talvez o primeiro mestre a ensinar os numerais indo-arábicos na Europa, foi consagrado Papa no dia 2 de abril de 999 com o nome de Silvestre II..

Rico como poucos em progressos científicos, o século XVII assistiu a algumas manifestações sérias de irreverência para com a fé, o que era inevitável. Mas os maiores cientistas desse período, como Galileu, Kepler, Descartes, Newton e Leibniz,animados todos por profunda fé em Deus, viam na harmonia cósmica simplesmente as mãos matemáticas do Criador. Leibniz dizia que:

“a aplicabilidade da matemática mostra a unidade entre o mundo e Deus”.

Galileu não foi condenado pela inquisição por não crer em Deus, mas só por propugnar pelo heliocêntrismo e em sua defesa argumentava que:

“A Bíblia ensina como se vai para o céu, não como vai o céu”..

Laplace (1749-1827), autor do clássico “Mecânica Celeste”, em cinco volumes, onde a teoria da gravitação de Isaac Newton é explorada exaustivamente, certa feita ouviu de Napoleão a pergunta:

“Vós escrevestes um enorme livro sobre o sistema do mundo sem mencionar uma vez sequer o Criador do Universo”.

“Senhor - respondeu Laplace - não houve necessidade dessa hipótese”.

Mas Laplace, apesar de meio arrogante, tinha virtudes pessoais, entre elas a generosidade para com os principiantes. O mesmo talvez não se pudesse dizer do grande matemático A.L. Cauchy (1789-1857), apesar de ser tão carola ao ponto de tentar converter para o catolicismo todos os que o acercavam, mesmo que fosse para tratar de matemática.

O filósofo e matemático inglês Bertrand Russell (1872-1970) era um pacifista ferrenho: por ter apoiado um movimento anti-militar às vésperas da I Guerra Mundial foi dispensado do “Trinity College”, Cambridge, e foi preso. Mas continuou pacifista durante toda sua longa vida.

“Quanto à religião - declarou num de seus livros – passei a não acreditar primeiro no livre-arbítrio, depois no imortalidade da alma e, finalmente, em Deus”.

Assim, provavelmente não seria exagero dizer que em matéria de fé os matemáticos e filósofos não constituem uma casta \`a parte, muito pelo contrário. E porque haveria de ser diferente?