ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

Carlos Gomes

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2.8 – TRANSPORTES

Os meios necessários à actividade de locomoção terrestre eram fornecidos pelos criadores de gado, pelos ferreiros e pelos ferradores. Surgiram indivíduos que faziam profissão dos transportes, como os almocreves que trabalhavam com os animais e a carga. Esta circunstância originou uma divisão de trabalho e um relacionamento entre os produtores e os distribuidores.

O transporte fluvial de mercadorias e pessoas e a comercialização dos produtos propiciavam um rendimento que era parcialmente canalizado para as entidades senhoriais, através das taxas de portagem pagas à entrada das regiões sob seu domínio.

Na actividade transportadora marítima destacam-se necessariamente os contactos entre os seus agentes, desde os proprietários e armadores até aos tripulantes, com as correspondentes relações de repartição do rendimento líquido dos fretes. Todo o processo de transporte marítimo envolvia também diferentes tipos de relações económicas e sociais entre os fornecedores de matérias-primas, os construtores e os proprietários das frotas; entre os armadores e os comerciantes que fretavam os navios.

O recrutamento de mestres, pilotos e marinheiros não resultava de imposições coercivas, empregando-se os homens do mar como assalariados. Para conseguir pessoal o dono dum navio tinha de oferecer um salário que nas condições de mercado de trabalho da época fosse considerado atraente para os marinheiros. Eram os tripulantes das embarcações que carregavam e descarregavam as mercadorias, recebendo o respectivo salário. O processo de contratar pessoal assalariado revela já a existência de relações de tipo capitalista.

A quem pertencia a frota comercial? As embarcações eram propriedade dos próprios capitães ou dos armadores. Eram membros da classe não aristocrática que controlavam quase toda a frota mercantil. Uma burguesia constituída por armadores investia os seus rendimentos no fabrico de barcas, baixéis e naus. Não se via que a aristocracia se servisse do seu poder material e económico para se assenhorear dos barcos e dos respectivos rendimentos directos. Uma pequena parcela da indústria transportadora mantinha-se na posse de certas entidades da classe soberana, mas a sua exploração decorria em condições idênticas às dos restantes armadores. A inexistência deste domínio directo das classes aristocráticas permitiu um desenvolvimento mais rápido da marinha comercial. A circunstância de as embarcações serem instrumentos produtivos dotados da qualidade física de se deslocarem no espaço não enfraquece os vínculos estruturais que os uniam ao sistema económico dos países de que emanavam, independentemente das mercadorias transportadas.

O próprio armador explorava a actividade transportadora que, por vezes, acumulava com a função de mestre do barco ou de mercador. O progresso da produtividade em diversos ramos com o concomitante alargamento do comércio, proporcionavam elevados lucros obtidos nos transportes comerciais, justificavam o desenvolvimento quantitativo e qualitativo das frotas comerciais e, ainda, o despontar dum processo que já não tinha como objectivo a acumulação de riqueza mas, antes de mais, a acumulação de capital.

Para o armador e para o mercador que fretava um barco interessava acima de tudo a quantidade de carga a conduzir ao ponto de destino da viagem. Mas para atingir o nível aconselhável do seu aproveitamento económico concorrem outros factores, desde o processo de embalagem até aos sistemas de carregamento e descarregamento portuários. O desenvolvimento de veleiros com cascos que se protegiam contra as marés altas e dispunham de maior largura e espaço para carga, fez aumentar a margem de lucro dos transportes de mercadorias de grande volume e baixo valor. Este navios podiam enfrentar grandes distâncias entre os portos, navegar ao sabor do vento, não se limitando a curtas viagens ao longo das costas.

O custo do frete aproveitava aos titulares das embarcações. Porém, os diversos sectores das classes dominantes serviam-se da sua posição privilegiada para ampliar os seus rendimentos. As entidades senhoriais ou concelhias, que controlavam os diversos portos, regulamentavam e determinavam como alfandegar e desalfandegar as mercadorias, com vista a acautelar a cobrança dos respectivos direitos e o pagamento dum montante a título de ancoragem. Esta cobrança era efectuada tanto nos portos pertencentes ao soberano como nos pertencentes a outras entidades.

Era pelo domínio dos portos marítimos que se concretizavam as formas de apropriação senhorial. Em determinados casos a receita revertia total ou parcialmente para o fundo concelhio. Os monarcas tiravam também proventos do exercício do comércio ou do fretamento dos navios que lhes pertenciam. Emprestavam capitais sob fiança aos mercadores e obtinham um acréscimo de rendimento através das dízimas pagas que incidiam sobre as mercadorias entradas e saídas.